RESUMO.
INFORMATIVO 574 DO STJ.
DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO E PROCESSUAL CIVIL. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ECLESIÁSTICA
DE ANULAÇÃO DE MATRIMÔNIO. É possível a homologação pelo STJ de sentença
eclesiástica de anulação de matrimônio, confirmada pelo órgão de controle
superior da Santa Sé.De início, o § 1º do
art. 216-A do RISTJ prevê a possibilidade de serem homologados "os
provimentos não judiciais que, pela lei brasileira, tiverem natureza de
sentença". Nesse contexto, as decisões eclesiásticas confirmadas pelo
órgão superior de controle da Santa Sé são consideradas sentenças estrangeiras
para efeitos de homologação. Isso porque o § 1º do art. 12 do Decreto federal
n. 7.107/2010 (que homologou o acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé,
relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo
Decreto Legislativo n. 698/2009) determina que a "homologação das
sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial, confirmadas pelo órgão de
controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação
brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras". Aliás, não há
como sustentar a inconstitucionalidade deste dispositivo legal, tendo em vista
que ele apenas institui, em matéria matrimonial, que a homologação de sentenças
eclesiásticas, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé - que
detém personalidade jurídica de direito internacional público -, será realizada
de acordo com a legislação brasileira. Além disso, o caráter laico do Estado
brasileiro não impede a homologação de sentenças eclesiásticas, tanto que o
Brasil, nos termos do art. 3º de referido Decreto federal n. 7.107/2010,
reconhece a personalidade jurídica das instituições eclesiásticas. Além do
mais, vale salientar, quanto ao procedimento, que o Código de Direito Canônico
assegura plenamente o direito de defesa e os princípios da igualdade e do
contraditório, sendo que, nas causas que tratem da nulidade ou dissolução do
casamento, sempre atuará o defensor do vínculo, que, por ofício está obrigado a
apresentar e expor tudo o que razoavelmente se puder aduzir contra a nulidade
ou dissolução (Cân. 1432) e, mais, a sentença favorável à nulidade do
matrimônio será submetida a reexame necessário pelo tribunal de segundo grau
(Cân. 1682). SEC
11.962-EX, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/11/2015, DJe
25/11/2015.
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA EM SEDE RECURSAL. É possível a formulação de pedido de assistência judiciária gratuita na
própria petição recursal, dispensando-se a exigência de petição avulsa, quando
não houver prejuízo ao trâmite normal do processo. De fato, a redação do art. 6º da Lei n. 1.060/1950
exige que, se a ação estiver em curso, o benefício deverá ser deduzido em
petição avulsa. Contudo, não parece ser razoável a interpretação meramente
gramatical da norma em apreço, devendo ser levado em consideração o sistema em
que ela está atualmente inserida, no qual a própria a CF, no seu art. 5º,
LXXIV, traz, como direito fundamental do cidadão, a prestação de assistência
judiciária gratuita aos que não tiverem condições de custear as despesas do
processo sem sacrifício de seu sustento e de sua família. Há, também, na esfera
processual, os princípios da instrumentalidade das formas, do aproveitamento
dos atos processuais, do pas de nullité sans grief, da economia processual, da prestação jurisdicional
célere e justa, entre outros tantos. Desse arcabouço normativo e
principiológico é viável extrair interpretação no sentido de ser possível o
recebimento e a apreciação do pedido de assistência judiciária gratuita
formulado na própria petição recursal. Nessa linha intelectiva, ao Relator ou
ao Presidente do Tribunal bastará: (a) indeferi-lo se entender que há elementos
nos autos que afastem a alegada hipossuficiência do requerente; (b) deferi-lo
de plano, já que, nos termos da jurisprudência do STJ e do STF, o benefício da
assistência judiciária gratuita pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo
suficiente para sua obtenção que a parte afirme não ter condição de arcar com
as despesas do processo. Observe-se que o ato processual, em regra, não
encontrará dificuldade, nem atrasará o curso da demanda principal, sendo,
portanto, possível dispensar o excesso de formalismo para receber o
requerimento de assistência judiciária gratuita formulado na petição recursal,
sempre que possível. Em verdade, é possível que a parte contrária impugne o
pleito. Aí sim, nesta situação, por demandar maiores digressões, é razoável que
a impugnação seja processada em apenso, sem suspensão do curso do processo
principal. Se esta não for a hipótese, é recomendável dispensar-se o excesso de
formalismo, dando maior efetividade às normas e princípios constitucionais e
processuais citados, recebendo-se, pois, o pedido de assistência judiciária
gratuita formulado na própria petição recursal. Por fim, o CPC/2015, certamente
por levar em consideração os princípios constitucionais e processuais
supracitados, autoriza, em seu art. 99, § 1º, que o pedido de assistência
judiciária gratuita seja formulado a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição,
na própria petição recursal, dispensado, com isso, a retrógrada exigência de
petição avulsa, sem inclusive fazer distinção entre os pleitos formulados por
pessoa física ou jurídica.AgRg
nos EREsp 1.222.355-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 4/11/2015,
DJe 25/11/2015.
DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DA TAXA DE OCUPAÇÃO DE IMÓVEL ALIENADO
FIDUCIARIAMENTE NO ÂMBITO DO SFH. Na hipótese em que frustrados os públicos
leilões promovidos pelo fiduciário para a alienação do imóvel objeto de
alienação fiduciária no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), a taxa
de ocupação será exigível do fiduciante em mora a partir da data na qual se
considera extinta a dívida (art. 27, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), e não desde a
data da consolidação da propriedade em nome do fiduciário (art. 27, caput, da
Lei n. 9.514/1997). Nos termos da literalidade do art.
37-A da Lei n. 9.514/1997, "o "fiduciante pagará ao fiduciário, ou a
quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou
fração, valor correspondente a um por cento do valor a que se refere o inciso VI
do art. 24, computado e exigível desde a data da alienação em leilão até a data
em que o fiduciário, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do
imóvel". O fundamento para que essa taxa não incida no período anterior à
alienação é que a propriedade fiduciária não se equipara à propriedade plena,
por estar vinculada ao propósito de garantia da dívida, conforme expressamente
dispõe o art. 1.367 do CC: "A propriedade fiduciária em garantia de bens
móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro
III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação
especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade
plena de que trata o art. 1.231". Efetivamente, não se reconhece ao proprietário
fiduciário os direitos de usar (jus utendi) e de fruir (jus fruendi)
da coisa, restando-lhe apenas os direitos de dispor da coisa (jus abutendi)
e de reavê-la de quem injustamente a possua (rei vindicatio). Essa
limitação de poderes se mantém após a consolidação da propriedade em favor do
credor fiduciário, pois essa consolidação se dá exclusivamente com o propósito
de satisfazer a dívida. É o que dispõe o art. 1.364 do CC, litteris:
"Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial
ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de
seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao
devedor". No mesmo sentido, o art. 27, caput, da Lei n.
9.514/1997, litteris: "Uma vez consolidada a propriedade em
seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro
de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a
alienação do imóvel". Com efeito, o direito do credor se limita ao
crédito, sendo a garantia (ainda que por meio de alienação fiduciária) um mero
acessório, não podendo o credor se apropriar, simultaneamente, do crédito e da
coisa dada em garantia, sob pena de bis in idem e
enriquecimento sem causa. A taxa de ocupação do imóvel, pela sua própria
definição, tem natureza de fruto do imóvel objeto da alienação fiduciária. Ora,
se o credor fiduciário não dispõe do jus fruendi, não pode exigir
do devedor o pagamento de taxa de ocupação. Efetivamente, os únicos frutos que
podem ser exigidos pelo credor são os juros, frutos do capital mutuado.
Entendimento diverso geraria bis in idem e enriquecimento sem
causa do banco credor, pois, em razão do mútuo de certa quantia em dinheiro, o
banco receberia dois frutos, os juros e a taxa de ocupação. Nessa esteira,
observa-se que a redação do art. 37-A da Lei n. 9.514/1997 foi precisa ao
dispor que a taxa de ocupação somente é devida após a "data da alienação
em leilão", pois, antes da alienação, a propriedade não é plena, mas
afetada à satisfação da dívida, não produzindo frutos em favor do credor
fiduciário. Do mesmo modo, a redação do art. 38 da Lei n. 10.150/2000 também
foi precisa ao instituir o arrendamento especial com opção de compra apenas
para os imóveis que a instituição financeira tenha "arrematado, adjudicado
ou recebido em dação em pagamento", não para os imóveis adquiridos por
consolidação da propriedade fiduciária. Sob outro ângulo, cabe destacar que a
Lei impõe um rito célere à alienação extrajudicial, de modo que o primeiro
leilão deva ser realizado no prazo de trinta dias após o registro da
consolidação da propriedade, conforme previsto no art. 27 da Lei n. 9.514/1997,
independentemente da desocupação do imóvel. A fixação desse prazo exíguo tem o
objetivo de evitar que a instituição financeira permaneça inerte após a
consolidação da propriedade, deixando que a dívida se eleve aceleradamente, por
força dos encargos da mora. Há, portanto, no referido art. 27, um fundamento de
boa-fé objetiva, especificamente concretizada no preceito duty to
mitigate the loss, explicado em precedente da Terceira Turma (REsp
758.518-PR, DJe 28/6/2010). Durante esse curto período de 30 dias, as perdas
experimentadas pela instituição financeira já são adequadamente compensadas
pela multa contratual. Aliás, a incidência de taxa de ocupação geraria o efeito
deletério de estimular a inércia da instituição financeira, tendo em vista a
incidência de mais um fator de incremento da dívida. Noutro norte, é certo que
a boa-fé também impõe deveres ao mutuário, como o de desocupar o imóvel, caso
não tenha purgado tempestivamente a mora. Porém, a violação desse dever impõe
perdas potenciais ao próprio mutuário, não à instituição financeira, que já é
remunerada pelos encargos contratuais, tendo em vista que o mutuário tem
direito à restituição do saldo que restar das parcelas pagas após a quitação da
dívida e dos encargos. Destaque-se, ainda, que a Lei n. 9.514/1997 confere ao
mutuário o prazo de 60 dias para desocupar o imóvel (art. 30), mas prevê o
prazo de apenas 30 dias para a realização do leilão, evidenciando que a lei deu
mais relevância à liquidação da dívida do que à questão possessória. Mas, o que
fazer na hipótese de leilão frustrado, em que não há alienação? Nessa hipótese,
o art. 27 da Lei n. 9.514/1997 prevê a realização de um segundo leilão no prazo
de 15 dias, após o qual a dívida será extinta compulsoriamente, exonerando-se
ambas as partes de suas obrigações. Ora, havendo extinção da dívida, o imóvel
deixa de estar afetado ao propósito de garantia, passando a integrar o patrimônio
do credor de forma plena, o que se assemelha a uma adjudicação. A partir de
então, o credor passa a titularizar todos os poderes inerentes ao domínio,
fazendo jus aos frutos do imóvel, inclusive na forma da taxa de ocupação (REsp
1.328.656-GO, Quarta Turma, DJe 18/9/2012). Esclareça-se que, no âmbito da
Terceira Turma do STJ, há um julgado em que se admitiu a cobrança de taxa de
ocupação desde a consolidação da propriedade, antes, portanto, da data do
leilão (REsp 1.155.716-DF, Terceira Turma, DJe 22/3/2012). Esse julgado,
contudo, diz respeito a uma situação específica, em que o leilão foi adiado por
muito tempo, em razão de decisões judiciais precárias obtidas pelo mutuário; a
taxa de ocupação, portanto, foi deferida como forma de compensar as perdas e
danos acrescidas em razão dessa demora não imputável ao credor fiduciário. REsp
1.401.233-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
17/11/2015, DJe 26/11/2015.
DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL EM GARANTIA DE QUALQUER
OPERAÇÃO DE CRÉDITO. É possível a constituição de alienação fiduciária de bem
imóvel para garantia de operação de crédito não vinculada ao Sistema Financeiro
Imobiliário (SFI). O entendimento de que o instituto da
alienação fiduciária de bens imóveis somente poderia ser utilizado em crédito
destinado a aquisição, edificações ou reformas do imóvel oferecido em garantia
- fundado no argumento de que a finalidade da Lei n. 9.514/1997 é proteger o
sistema imobiliário e o de habitação como um todo, de modo que a constituição
de garantia fiduciária sobre bem imóvel deve estar em sintonia com o objetivo
da lei, consubstanciado no incentivo ao financiamento imobiliário - não se
sustenta. Isso porque esse posicionamento não encontra respaldo nos arts. 22, §
1º, da Lei n. 9.514/1997 e 51 da Lei n. 10.931/2004 ("Art. 22. A alienação
fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou
fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou
fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. § 1º A alienação
fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo
privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da
propriedade plena: [...]"; e "Art. 51. Sem prejuízo das disposições
do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas,
inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios
decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos
creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de
venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel"). Assim, sem
maior esforço hermenêutico, verifica-se que é possível afirmar que a lei não
exige que o contrato de alienação fiduciária se vincule ao financiamento do
próprio imóvel. Ao contrário, é legítima a sua formalização como garantia de
toda e qualquer obrigação pecuniária, podendo inclusive ser prestada por
terceiros. Dessa forma, muito embora a alienação fiduciária de imóveis tenha
sido introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 9.514/1997, que
dispõe sobre o SFI, seu alcance ultrapassa os limites das transações
relacionadas à aquisição de imóvel. Resta indubitável, portanto, que a
finalidade do instituto é o de fomentar o sistema de garantias do direito
brasileiro, dotando o ordenamento jurídico de instrumento que permite, nas
situações de mora - tanto nos financiamentos imobiliários, como nas operações
de créditos com garantia imobiliária - a recomposição em prazos compatíveis com
as necessidades da economia moderna. REsp
1.542.275-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
24/11/2015, DJe 2/12/2015.
DIREITO CIVIL.
PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE SERVIÇO DE CONSERTO DE VEÍCULO
POR MECÂNICO. Prescreve em 10 anos (art. 205 do CC) a pretensão de cobrar
dívida decorrente de conserto de automóvel por mecânico que não tenha
conhecimento técnico e formação intelectual suficiente para ser qualificado
como profissional liberal. Isso
porque não há como se enquadrar o referido mecânico na categoria de
profissional liberal, cuja pretensão de cobrança de serviço é regida pelo prazo
prescricional de 5 anos (art. 206, § 5º, II, do CC). Com efeito, tratando-se de
regra especial, sua interpretação é restritiva, devendo-se apenas estabelecer a
sua exata abrangência, partindo-se da identificação de quem se inclui no
conceito de profissional liberal. Considera-se profissional liberal aquela
pessoa que exerce atividade especializada de prestação de serviços de natureza
predominantemente intelectual e técnica, normalmente com formação
universitária, em caráter permanente e autônomo, sem qualquer vínculo de
subordinação. Nesse contexto, essa espécie de profissional celebra,
normalmente, com seu cliente um contrato de prestação de serviços em que
prepondera o elemento confiança (intuitu personae). Na categoria dos profissionais liberais,
incluem-se médicos, dentistas, advogados, engenheiros, arquitetos, psicólogos,
veterinários, agrônomo, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,
economistas, contabilistas, administradores, enfermeiros, professores, etc.
Dessa forma, guardadas as peculiaridades de cada atividade, podem-se apontar as
características comuns das profissões liberais: (i) prestação de serviço
técnico ou científico especializados; (ii) formação técnica especializada,
normalmente, em nível universitário; (iii) vínculo de confiança com o cliente (intuitu personae); (iv) ausência de
vínculo de subordinação com o cliente ou com terceiro; e (v) exercício
permanente da profissão. Na hipótese, o mecânico não apresenta a necessária
formação técnica especializada para que incida o prazo prescricional
quinquenal; desse modo, aplica-se a regra geral da prescrição decenal. REsp
1.546.114-ES, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
17/11/2015, DJe 23/11/2015.
DIREITO CIVIL E
PREVIDENCIÁRIO. ALCANCE DE ALTERAÇÃO DO INDEXADOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA DE
APOSENTADORIA COMPLEMENTAR PREVISTO NO PLANO DE BENEFÍCIOS. A alteração no
regulamento referente ao plano de benefícios de previdência privada que
substituir o indexador IGP-DI pelo INPC para fins de correção monetária da
aposentadoria complementar alcança o assistido - "o participante ou seu
beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada" (art. 8º, II,
da LC n. 109/2001) -, devendo o novo índice incidir integralmente a partir de
sua vigência, e não apenas nos períodos em que o indexador for mais vantajoso
ao assistido. Realmente, conforme
dispositivos da LC n. 109/2001, "Ao participante que tenha cumprido os
requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a
aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou
elegível a um benefício de aposentadoria" (art. 17, parágrafo único) e
"Os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando
implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas
no regulamento do respectivo plano" (art. 68, § 1º). Logo, o assistido é
possuidor de certos direitos que não podem ser alterados por dispositivos de
regulamento superveniente, ainda que aprovados pelo conselho deliberativo da
entidade e pelo órgão regulador e fiscalizador. Nesse contexto, o STJ já
decidiu, para fins de cálculo da renda mensal inicial de benefício
previdenciário complementar, que se aplica o regulamento vigente à época em que
preenchidos os requisitos para a sua obtenção (AgRg no AREsp 403.963-CE,
Terceira Turma, DJe 13/6/2014; AgRg no AREsp 297.647-SC, Terceira Turma, DJe
31/3/2014; e AgRg no AREsp 10.503-DF, Quarta Turma, DJe 14/12/2012). Todavia,
quando se tratar de normas alteradoras da sistemática de correção monetária,
não poderão ser invocados os institutos protetores do direito adquirido e do
ato jurídico perfeito. Isso porque não há direito adquirido a determinado
índice de correção monetária, mas sim ao benefício previdenciário complementar
em si mesmo e à efetiva atualização monetária de seu valor. Diante disso,
revela-se possível a substituição de um indexador por outro, desde que idôneo
para medir a inflação, recompondo a obrigação contratada. Caso seja adotado um
índice inadequado para atualizar as verbas previdenciárias suplementares, com o
passar do tempo, substanciais prejuízos ocorrerão ao assistido, que perderá
gradualmente o seu poder aquisitivo com a corrosão da moeda, dando azo ao
desequilíbrio contratual. Além disso, restará frustrado o objetivo principal da
Previdência Complementar, que é propiciar ao inativo padrão de vida semelhante
ao que desfrutava em atividade. Especificamente quanto à legalidade da
substituição do IGP-DI para o INPC para fins de correção monetária da
aposentadoria complementar, sabe-se que o INPC é indexador tão eficaz para
medir a desvalorização da moeda quanto o IGP-DI. Ambos são índices gerais de
preços de ampla publicidade, sendo aptos a mensurar a inflação no mercado de
consumo e corrigir os benefícios da previdência privada. Além disso, os dois
indexadores, além de oficiais, possuem metodologias confiáveis, quer dizer, o
IGP-DI utiliza o índice de preços no atacado e nos mercados do consumidor e da
construção civil, enquanto que o INPC observa as variações sentidas nos preços
de diversos produtos e serviços consumidos pelas famílias de baixa renda, como
alimentação, bebidas, transporte, habitação, artigos de residência, vestuário,
saúde, cuidados pessoais e educação. Ademais, como esses índices são variáveis,
em determinado período, um se mostra mais elevado que o outro e vice-versa. Por
isso, uma alteração no regulamento referente ao plano de benefícios de
previdência privada para substituir o indexador de correção monetária da
aposentadoria complementar (o IGP-DI pelo INPC) pode, em um período, causar
prejuízo ao assistido e, em outro período, gerar ganho para ele. Nessa conjuntura,
quanto à aplicação parcial das novas regras do regulamento, ou seja, da
restrição da incidência do novo indexador a apenas determinados períodos em que
for mais vantajoso ao assistido, cumpre ressaltar ser inadmissível a conjugação
de estatutos, de modo a instituir um regime híbrido que mescle os índices
vantajosos para o assistido. Pela teoria do conglobamento, deve-se buscar o
estatuto jurídico mais benéfico enfocando globalmente o conjunto normativo de
cada sistema, sendo vedada, portanto, a mescla de dispositivos diversos, a
criar um terceiro regulamento. Logo, a definição do estatuto mais favorável
deve se dar em face da totalidade de suas disposições, e não da aplicação
cumulativa de critérios mais vantajosos previstos em diferentes regulamentos.
Sobre o tema, tanto a jurisprudência do STF (AgR no RE 660.033-DF, Primeira
Turma, DJe 29/10/2015) quanto a do STJ (AgRg no AREsp 641.099-RS, Segunda
Turma, DJe 9/3/2015) são uníssonas em afastar, em hipóteses variadas, o regime
híbrido de normas. Além do mais, não pode ficar ao alvedrio do assistido
promover a troca periódica de índices de correção monetária, flutuantes por
natureza, já que refletem a dinâmica dos fatos econômicos, almejando a
incidência de um ou de outro, quando for mais elevado, conjugando fórmulas de
cálculo particulares, a gerar um regime híbrido. Isso, em vez de provocar a
simples atualização monetária do benefício previdenciário suplementar, causaria
distorções no sistema, como a produção indevida de ganhos reais em detrimento
do fundo mútuo, ferindo, assim, o equilíbrio econômico-atuarial. REsp
1.463.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
24/11/2015, DJe 2/12/2015.
DIREITO DA CRIANÇA
E DO ADOLESCENTE E CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DO HABEAS CORPUS PARA IMPUGNAR
DECISÃO QUE DETERMINA A BUSCA E APREENSÃO E O ACOLHIMENTO DE CRIANÇA. Não cabe habeas
corpus para impugnar decisão judicial liminar que determinou a busca e
apreensão de criança para acolhimento em família devidamente cadastrada junto a
programa municipal de adoção. Em
que pese existirem precedentes da Terceira Turma do STJ admitindo o uso do habeas corpus para a
análise de questões semelhantes, a jurisprudência sedimentada do STJ se orienta
no sentido de que o habeas corpus não é instrumento processual adequado para a concessão
desse tipo de provimento jurisdicional (AgRg no HC 203.485-PR, Terceira Turma,
DJe 18/5/2011; RHC 24.086-SC, Quarta Turma, DJe 2/3/2009; RHC 18.597-RJ, Quarta
Turma, DJ 5/6/2006; e RHC 1.970-RS, Quinta Turma, DJ 1º/6/1992). Ademais, o
caso não se enquadra na hipótese de ameaça de violência ou coação em liberdade
de locomoção prevista no art. 5º, LXVIII, da CF. HC
329.147-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/10/2015,
DJe 11/12/2015.
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. A pequena propriedade
rural, trabalhada pela família, é impenhorável, ainda que dada pelos
proprietários em garantia hipotecária para financiamento da atividade
produtiva. Conforme exposto no
REsp 262.641-RS (Quarta Turma, DJ 15/4/2002), o art. 5º, XXVI, da CF
"revogou as determinações contidas na legislação ordinária, proibindo a
penhora desse bem por sobradas razões, a fim de garantir condições mínimas de
sobrevivência e capacidade de produção ao pequeno agricultor. Se não for assim,
evidentemente o dispositivo constitucional não está sendo aplicado; e ele
existe exatamente para essa finalidade". Ademais, convém esclarecer não
ser relevante a alteração legislativa promovida pela Lei n. 11.382/2006, que
substituiu a impenhorabilidade do imóvel rural de até um módulo (art. 649, X,
do CPC, incluído pela Lei n. 7.513/1987) pela impenhorabilidade da
"pequena propriedade rural, assim definida em lei" (art. 649, VIII,
do CPC, com redação dada pela Lei n. 11.382/2006), haja vista que, em uma
interpretação teleológica, fica clara a intenção do legislador de proteger a
atividade agropecuária de subsistência do trabalhador rural e de sua família, a
par do enquadramento do imóvel como pequena propriedade rural. Precedentes
citados dos STJ: AgRg no REsp 261.350-RS, Terceira Turma, DJ 6/5/2002; e REsp
684.648-RS, Quarta Turma, DJe 21/10/2013. Precedente citado do STF: AI 184.198
AgR, Segunda Turma, DJ 4/4/1997. REsp
1.368.404-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
13/10/2015, DJe 23/11/2015.
DIREITO CIVIL. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS E
RESPONSABILIDADE CIVIL DE INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. O banco sacado não é parte
legítima para figurar no polo passivo de ação ajuizada com o objetivo de
reparar os prejuízos decorrentes da devolução de cheque sem provisão de fundos
emitido por correntista. De fato, os arts.
2º, 7º e 10 da Res. BACEN n. 2.025/1993 estabelecem regras para a elaboração da
ficha-proposta a ser preenchida pelo cliente e procedimento para entrega de
talonário de cheques. Mas, em nenhum momento, essas regras impõem o ônus da
fiscalização constante do saldo em conta, nem transformam as instituições
financeiras em garantes da solvibilidade de seus clientes. Assim, não se
tratando de cheque administrativo ou cheque visado, a partir do momento em que
o cheque é colocado à disposição do correntista não é possível fazer um
controle do valor de emissão do título. Com efeito, na forma do disposto no
art. 4º da Lei n. 7.357/1985, "a existência de fundos disponíveis é
verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento". Dessa
forma, ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir se está
presente algum dos motivos para devolução do cheque, como no caso de o valor do
título ser superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo,
conforme previsto no art. 6º da Res. BACEN n. 1.682/1990. A prestação de
serviços referente ao portador do título de crédito limita-se a esse
procedimento. Não havendo nenhuma mácula nessa conferência, não há defeito na
prestação do serviço, e, portanto, não cabe imputar ao banco conduta ilícita ou
risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por
fato do serviço. Por isso, não há a responsabilidade da instituição financeira
pelas atividades de seus correntistas na utilização de cheques com má gestão de
seus recursos financeiros. A responsabilidade por verificar a capacidade de
pagamento do cliente em relação a determinado valor é de quem contrata, o qual
deve se cercar dos meios necessários para saber se, em caso de falta de
provisão de fundos, terá como cobrar a quantia por outras formas. Ademais, o
credor pode se negar a receber cheques, caso não queira correr o risco da
devolução por falta de fundos, ou, até mesmo, pode transferir o risco da falta
de pagamento a outra pessoa, com custo por esse serviço, como nas taxas pela
utilização do cartão de crédito, em que a ausência de pagamento não é sentida
pelo credor, ou no deságil dos contratos de factoring, nos quais a
ausência de fundos é suportada pelo faturizador. O título de crédito é apenas
uma forma de facilitar as relações comerciais postas à disposição daqueles que
contratam e não representa a criação de responsabilidade solidária com o
sacado, até porque a solidariedade no direito brasileiro não se presume, já que
depende de lei. Assim, a pretendida solidariedade contraria a norma de regência
do título de crédito em questão (REsp 1.324.125-DF, Terceira Turma, DJe
12/6/2015). Pelo exposto, não há defeito na prestação do serviço bancário
quando ocorre devolução de cheque desprovido de fundos, sendo o emitente do
cheque desprovido de fundos o único responsável pelo pagamento da dívida, não
havendo nexo de causalidade direto e imediato com o fornecimento de talonário
pela instituição financeira ao seu cliente. REsp
1.509.178-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
20/10/2015, DJe 30/11/2015.
DIREITO AMBIENTAL E CIVIL. DANOS MATERIAIS OCASIONADOS POR CONSTRUÇÃO DE
HIDRELÉTRICA.O pescador profissional artesanal que exerça a sua atividade em
rio que sofreu alteração da fauna aquática após a regular instalação de
hidrelétrica (ato lícito) tem direito de ser indenizado, pela concessionária de
serviço público responsável, em razão dos prejuízos materiais decorrentes da
diminuição ou desaparecimento de peixes de espécies comercialmente lucrativas
paralelamente ao surgimento de outros de espécies de menor valor de mercado,
circunstância a impor a captura de maior volume de pescado para a manutenção de
sua renda próxima à auferida antes da modificação da ictiofauna. Não há dúvida de que mesmo atos lícitos podem dar causa à obrigação de
indenizar. Segundo a doutrina, "Tratando-se de um benefício à
coletividade, desde que o ato administrativo lícito atende ao interesse geral,
o pagamento da indenização redistribui o encargo, que, de outro modo, seria
apenas suportado pelo titular do direito. [...] Não é, porém, absoluto, nem
geral. A compensação é limitada ao dano especial e anormalgerado
pela atividade administrativa. Generalizar a noção a todo e qualquer prejuízo,
decorrente do funcionamento do serviço, seria a própria denegação da supremacia
do interesse público e da destinação social da propriedade. A atividade
discricionária da administração condiciona, legitimamente, o exercício de
direitos individuais, podendo atingi-los em seu valor econômico, sem obrigação
de indenizar". Nesse contexto, convém distinguir os conceitos
de direito subjetivo e interesse legítimo, contrapondo-os ao de mero interesse econômico.
Segundo a doutrina, "[...] a tutela jurídica, concretizada na
possibilidade da coação, [é] o critério de distinção e caracterização do
direito subjetivo: onde este exista, não pode faltar a garantia do direito
objetivo e a garantia dada pela ação, mercê da qual o particular faz valer em
juízo coativamente a faculdade que tem desde que alguém a desconheça ou a
conteste. E, vice-versa, onde falta a garantia poderá haver um simples
interesse mas não um direito subjetivo. Isto não significa no entanto que o
direito objetivo não reconheça todo o interesse que não seja garantido por
ação, mas apenas que entre os vários interesses que têm os caracteres
supra-referidos há alguns que são elevados à categoria de direitos subjetivos,
visto estarem protegidos por uma ação, ao passo que outros não são por ela
tutelados. Entre os vários e infinitos interesses, há alguns que se distinguem
de todos os outros porque são protegidos, mas não da mesma forma e com a mesma
intensidade com a qual se tutelam os direitos subjetivos. Devem assim
distinguir-se os interesses puros ou simples, privados de tutela, e os
interesses legítimos que tem proteção, não na ação judiciária, mas no recurso
aos órgãos da justiça administrativa". Certamente, no caso em análise, o
pescador artesanal não tem direito subjetivo a exigir de alguém que lhe
assegure a pesca nas mesmas condições anteriores à construção da barragem.
Contudo, deve-se verificar se ele está amparado por "situação
juridicamente protegida", suscetível de configurar um "interesse
legítimo", protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, em face do fato
qualificado como danoso. Nesse sentido, importa destacar que a profissão de
pescador é regulamentada pela Lei n. 11.959/2009, a qual dispõe sobre a
"Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da
Pesca". De fato, o caput do art. 3º dessa Lei estabelece
que "Compete ao Poder Público a regulamentação da Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio
entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de
melhores resultados econômicos e sociais", para o que, entre outras
providências, cabe-lhe estabelecer os "períodos de defeso". No § 1º
desse mesmo artigo, está previsto que o "ordenamento pesqueiro deve
considerar as peculiaridades e as necessidades dos pescadores artesanais, de
subsistência e da aquicultura familiar, visando a garantir sua permanência e
sua continuidade". Por sua vez, a Lei n. 10.779/2003, com a redação dada
pela MP n. 665/2014, dispõe sobre a concessão do benefício de seguro
desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a
atividade pesqueira de forma artesanal. Ciente disso, observa-se que, embora
não haja direito subjetivo à pesca de determinada quantidade ou qualidade de
peixes, o ordenamento jurídico confere especial proteção aos pescadores
artesanais, garantindo-lhes as condições mínimas de subsistência na época
defeso, bem como uma Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável que leve
em conta suas peculiaridades e necessidades. Desse modo, tratando-se de
pescadores artesanais, há interesse legítimo, situação juridicamente protegida,
a ensejar compensação pecuniária em caso de comprovado prejuízo patrimonial, em
que houve redução de renda em decorrência do ato lícito de construção da
barragem. Com efeito, se a restrição de pesca na época do defeso enseja o
benefício previsto na Lei n. 10.779/2003, não há dúvida de que a diminuição do
valor comercial do pescado causada pelo ato lícito da concessionária enseja
dano a legítimo interesse, passível de indenização. Diversamente, em relação à
pesca industrial e à pesca amadora, atividades privadas lícitas e
regulamentadas em lei, em princípio, não há senão interesse simples de natureza
puramente econômica, desprovido de especial proteção que assegure a seus
praticantes renda mínima na atividade pesqueira, a qual fora alterada em
decorrência de atividade também lícita da administração ao dar adequada
destinação a bem público em prol da coletividade. REsp
1.371.834-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015,
DJe 14/12/2015.
DIREITO AMBIENTAL E CIVIL. INOCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS EM CASO DE
CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA. O pescador profissional artesanal que exerça a sua
atividade em rio que sofreu alteração da fauna aquática após a regular
instalação de hidrelétrica (ato lícito) - adotadas todas as providências mitigatórias
de impacto ambiental para a realização da obra, bem como realizado EIA/RIMA -
não tem direito a ser compensado por alegados danos morais decorrentes da
diminuição ou desaparecimento de peixes de espécies comercialmente lucrativas
paralelamente ao surgimento de outros de espécies de menor valor de mercado,
circunstância que, embora não tenha ocasionado a suspensão da pesca, imporia a
captura de maior volume de pescado para manutenção de sua renda próxima à
auferida antes da modificação da ictiofauna. Tratando-se de ato lícito, a indenização em análise não teria por base o
princípio da responsabilidade. Sua justificativa seria compensar o sacrifício
do direito ou legítimo interesse individual em prol da vantagem conferida à
coletividade, não tendo como escopo desestimular o comportamento do agente
causador do fato danoso. Além disso, é óbvio que a atividade administrativa
presume-se pautada pelo interesse público, preponderante sobre o particular, e,
portanto, não deve ser desencorajada. Diversamente, em se tratando de ato
ilícito, como é o caso de acidente ambiental causador de poluição, a condenação
do poluidor não apenas ao pagamento de indenização plena pelos danos materiais,
incluídos os lucros cessantes, mas também de indenização por dano moral, atende
à finalidade preventiva de incentivar no futuro comportamento mais cuidadoso do
agente. Segundo a doutrina, "no caso da compensação de danos morais
decorrentes de dano ambiental, a função preventiva essencial da
responsabilidade civil é a eliminação de fatores capazes de produzir riscos
intoleráveis". Na hipótese em foco, não há possibilidade de eliminação dos
fatores que invariavelmente levam à alteração do estoque pesqueiro do
reservatório formado em decorrência da barragem. Isso porque a alteração da
fauna aquática é inerente à construção de usinas hidrelétricas.
Necessariamente, com o represamento do rio, as condições ambientais passam a
ser propícias a espécies de peixes sedentárias ou de pouca movimentação, de
médio e pequeno porte, e desfavoráveis às espécies tipicamente migradoras, de
maior porte. Ademais, na hipótese em análise, a regularidade e o interesse
público da atuação da concessionária não é alvo de questionamento, tendo em
vista que a concessionária providenciou o EIA/RIMA e cumpriu satisfatoriamente
todas as condicionantes, inclusive propiciando a recomposição do meio ambiente
com a introdução de espécies de peixes mais adaptadas à vida no lago da
hidrelétrica. Além disso, não houve suspensão, em momento algum, da atividade
pesqueira, ao contrário do que ocorre em situações de poluição causada por
desastre ambiental, durante o período necessário à recuperação do meio
ambiente. A simples necessidade de adaptação às novas condições da atividade
pesqueira - composto o dano patrimonial - não gera dano moral autônomo
indenizável. Convém assinalar que a alteração do meio ambiente não se enquadra,
por si só, como poluição (Lei n. 6.938/1981, art. 3º, III). Tratar como
poluição qualquer alteração ambiental que afete a biota implicaria, na prática,
por exemplo, o impedimento à atividade produtiva agropecuária e inviabilizaria
a construção de hidrelétricas, por maiores e mais eficazes que fossem as
condicionantes ambientais e os benefícios ao interesse público. Desse modo,
nestas circunstâncias, estabelecer a condenação por dano moral, a qual, em
última análise, onerará o contrato de concessão, com reflexos nos custos do
empreendimento, a ser arcado indiretamente por toda a sociedade, representaria
negar a supremacia do interesse público e da destinação social da propriedade.REsp
1.371.834-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015,
DJe 14/12/2015.
DIREITO CIVIL. DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR ACERCA
DO LEILÃO PREVISTO NO ART. 63, § 1º, DA LEI DE INCORPORAÇÕES. Nas execuções
disciplinadas pela lei que regula as incorporações imobiliárias (Lei n.
4.591/1964), não há necessidade de notificação da parte inadimplente da data e
hora do leilão extrajudicial (art. 63, § 1º), quando existir autorização
contratual para sua utilização e prévia interpelação do devedor com intuito de
possibilitar a purgação da mora. A revogação parcial
da Lei n. 4.591/1964 (Lei de Incorporações) pelo Código Civil de 2002 não
atingiu a previsão constante do art. 63 daquela, consistente na execução
extrajudicial do contratante faltoso em sua obrigação de pagamento das
prestações do preço da construção. Dessarte, a Lei n. 4.591/1964, diante da
inexecução culposa do adquirente, além da rescisão do contrato, permite ao
incorporador fazer com que os direitos à respectiva fração ideal do terreno e à
parte construída adicionada respondam pelo débito, sempre conforme
contratualmente previsto e mediante prévia notificação do inadimplente, para
que em 10 dias purgue a mora. Assim, o compromissário comprador, já no momento
de assinatura do contrato com o incorporador, toma ciência da possibilidade de
ocorrência do leilão extrajudicial. Portanto, passado o prazo sem a purgação da
mora, os editais para publicidade do leilão serão providenciados, e, assim como
quaisquer outros terceiros, o devedor poderá tomar ciência da data e hora de
sua ocorrência. Dessa forma, diante da necessidade de previsão contratual da
medida expropriatória extrajudicial somada à prévia interpelação do devedor
para que seja constituído em mora, parte respeitável da doutrina e da
jurisprudência consideram que essa espécie de execução possui elementos de
contraditório satisfatórios, uma vez que a interpelação será absolutamente
capaz de informar o devedor da inauguração do procedimento, possibilitando,
concomitantemente, sua reação. A jurisprudência do STF (AI 678.256 AGR, Segunda
Turma, DJe 25/3/2010; AI 663.578 AGR, Segunda Turma, DJe 27/8/2009; AI 709.499
AGR, Primeira Turma, DJe 20/8/2009; RE 223.075, Primeira Turma, DJ 6/11/1998; e
RE 408.224 AGR, Primeira Turma, DJe 30/8/2007) se posiciona, hoje, pela
constitucionalidade das execuções extrajudiciais, comum aos procedimentos
especiais previstos na Lei n. 4.591/1964, no DL n. 70/1966 e na Lei n.
9.514/1997, e, na linha desse entendimento, outrora o STF se manifestou
especificamente acerca do art. 63 da Lei de Incorporações, decidindo por sua
regularidade (RE 83.382, Segunda Turma, DJ 6/10/1976). Muito além do respeito
aos princípios constitucionais, o STF reconhece o valor social dessa forma
especial, célere e efetiva de expropriação, e entende que as execuções
extrajudiciais imobiliárias têm por fundamento a pronta recuperação dos
créditos com garantia imobiliária, havendo sido instituídas como um instrumento
indispensável a um funcionamento razoável do sistema imobiliário. REsp
1.399.024-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/11/2015,
DJe 11/12/2015.
DIREITO CIVIL. SAQUE INDEVIDO EM CONTA BANCÁRIA E DANO MORAL. O banco
deve compensar os danos morais sofridos por consumidor vítima de saque
fraudulento que, mesmo diante de grave e evidente falha na prestação do serviço
bancário, teve que intentar ação contra a instituição financeira com objetivo
de recompor o seu patrimônio, após frustradas tentativas de resolver
extrajudicialmente a questão. Não se desconhece
que, em princípio, o saque de numerário atinge apenas o patrimônio do sujeito,
sobressaindo a violação a um direito de propriedade e, por conseguinte, um dano
eminentemente patrimonial. Nessa esteira, vale citar precedente do STJ (REsp
540.681-RJ, Terceira Turma, DJ 10/10/2005) que firmou entendimento no sentido
de que "O saque fraudulento feito em conta bancária pode autorizar a
condenação do banco por omissão de vigilância. Todavia, por maior que seja o
incômodo causado ao correntista ou poupador, o fato, por si só, não justifica
reparação por dano moral". Necessário frisar que a adoção desse
entendimento não impede, diante de situações peculiares aferíveis mediante o
exame de cada caso concreto, o reconhecimento de danos extrapatrimoniais
passíveis de compensação. Assim, é prudente destacar que a retirada indevida de
quantia depositada em conta poupança ou corrente nem sempre gera,
automaticamente, dano moral passível de indenização, isto é, prejuízo in
re ipsa, pois dependerá do exame das circunstâncias que envolveram cada
hipótese submetida à apreciação judicial. Na situação em análise, embora grave
a falha na prestação do serviço, a instituição financeira não adotou quaisquer
providências hábeis a solucionar o problema narrado pelo consumidor, tanto que
se fez necessário o ajuizamento de uma ação judicial, em que pleiteado, além do
dano moral, aquele de cunho patrimonial, consistente nos valores sacados indevidamente
da conta bancária. Tais circunstâncias são suficientes à caracterização do dano
moral, porquanto não podem ser concebidos como meros dissabores, inerentes à
vida social. Efetivamente, ante as circunstâncias acima ressaltadas, houve, na
espécie, inegável violação à segurança legitimamente esperada pelo consumidor,
que, além de ter seu patrimônio subtraído indevidamente, viu frustradas as
tentativas de resolução extrajudicial da questão. Ora, o consumidor somente
está vendo restituído o seu dinheiro, indevidamente retirado de sua conta
bancária, após ter intentado uma ação judicial que obrigou a instituição
financeira a recompor os depósitos. Evidente que essa circunstância vai muito
além de um mero dissabor, transtorno ou aborrecimento corriqueiro, não sendo
admissível compreender que o intento e longo acompanhamento de uma demanda
judicial, único instrumento capaz de refazer seu patrimônio e compelir o banco
a proceder à reparação, seja acontecimento normal, comum no cotidiano de
qualquer indivíduo. Ademais, há que salientar que, além do caráter
compensatório, a possibilidade de indenização do dano extrapatrimonial também
detém funções sancionatórias e preventivas, vale afirmar, visam ao desestímulo
na prática de novas faltas/falhas na prestação do serviço, notadamente em
demandas submetidas aos ditames do CDC. AgRg
no AREsp 395.426-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão
Marco Buzzi, julgado em 15/10/2015, DJe 17/12/2015.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. RESPONSABILIZAÇÃO DE CONSUMIDOR POR PAGAMENTO DE HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS EXTRAJUDICIAIS. Não é abusiva a cláusula prevista em contrato de
adesão que impõe ao consumidor em mora a obrigação de pagar honorários
advocatícios decorrentes de cobrança extrajudicial. A cobrança, em favor do credor, de honorários
advocatícios extrajudiciais é prática muito comum e, em nada, mostra-se
abusiva. Isso porque, além de não causar prejuízo indevido para o devedor em
atraso e representar importante segmento no mercado de trabalho dos advogados,
ela tem apoio nas normas dos arts. 389, 395 e 404 do CC, as quais atribuem ao
devedor a responsabilidade pelas despesas e prejuízos causados em razão de sua
mora ou inadimplemento, neles incluindo expressamente os honorários
advocatícios. Portanto, não há dúvidas acerca da responsabilidade do devedor
inadimplente pelos honorários advocatícios do profissional contratado pelo
credor para a cobrança extrajudicial de débito em atraso, obrigação essa que
decorre da lei, e independe, pois, de previsão contratual. Estabelecido isso,
tem-se que, no caso de existir cláusula expressa em contrato de adesão acerca
da incidência de honorários advocatícios extrajudiciais na hipótese de cobrança
de consumidor em mora, é necessário compatibilizar as referidas disposições da
legislação civil com o disposto no art. 51, XII, do CDC ("Art. 51. São
nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que: [...] XII - obriguem o consumidor a
ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe
seja conferido contra o fornecedor"), de modo a assegurar ao consumidor,
independentemente de previsão contratual, o mesmo direito a cobrança de
honorários advocatícios extrajudiciais conferido ao credor. De fato, o efeito
direto do descumprimento da obrigação, que no caso se caracteriza pela mora, é
o dever de reparar integralmente o prejuízo injustamente causado ao credor.
Ademais, afasta-se o argumento de que os honorários decorrentes de cobrança
extrajudicial, embora integrando as verbas indenizáveis ope legis, só podem ser
reavidos pelo credor mediante procedimento judicial próprio, porquanto essa
exigência iria na contramão do contexto moderno em que se pretende desafogar o
Judiciário. Por fim, havendo expressa previsão contratual, não se pode afirmar
que a cobrança de honorários advocatícios extrajudiciais em caso de mora ou
inadimplemento, ainda que em contrato de adesão, seja indevida. REsp
1.002.445-DF, Rel. originário Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão
Min. Raul Araújo, julgado em 26/8/2015, DJe 14/12/2015.
DIREITO CIVIL.
PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE REEMBOLSO DE DESPESAS DE CARÁTER ALIMENTAR.
Se a mãe, ante o inadimplemento do pai obrigado a prestar alimentos a seu
filho, assume essas despesas, o prazo prescricional da pretensão de cobrança do
reembolso é de 10 anos, e não de 2 anos. Realmente, se, na hipótese em análise, houvesse
sub-rogação da pessoa que assumiu as despesas de caráter alimentar, essa
pessoa, na qualidade de terceira interessada, substituiria, na condição de
credor, o alimentado com todas as suas características e atributos (art. 349 do
CC), e, apesar de propiciar a satisfação do credor originário, remanesceria o
vínculo obrigacional anterior (agora, entre o terceiro adimplente e o devedor).
Dessa maneira, havendo sub-rogação, o prazo prescricional a incidir na espécie
seria o previsto no art. 206, § 2º, do CC: 2 anos para a pretensão de cobrança
de prestações alimentares. Contudo, na situação aqui analisada, o credor não
pode ser considerado terceiro interessado, não podendo ser futuramente obrigado
na quitação do débito. Desse modo, não há falar em sub-rogação, porquanto não existe
enquadramento a nenhuma das hipóteses previstas no art. 346 do CC e,
principalmente, porque o direito a alimentos é pessoal, não podendo sua
titularidade ser transferida a outrem, tampouco os seus atributos. Nessa
hipótese, está caracterizada a gestão de negócios, que ocorre quando uma
pessoa, "sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio
alheio", dirigindo-o "segundo o interesse e a vontade presumível de
seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar" (art.
861 do CC). Inclusive, no capítulo específico da gestão de negócios, há
previsão especial atinente ao dever legal de alimentos àquele que os presta no
lugar daquele que era realmente obrigado: "Quando alguém, na ausência do
indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem,
poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o
ato" (art. 871 do CC). Nesse contexto, observa-se que a razão de ser do
instituto, notadamente por afastar eventual necessidade de concordância do
devedor, é conferir a máxima proteção ao alimentado e, ao mesmo tempo, garantir
àqueles que prestam socorro o direito de reembolso pelas despesas despendidas,
evitando o enriquecimento sem causa do devedor de alimentos. Dessa forma,
reconhecida a ocorrência de gestão de negócios, deve-se ter, com relação ao
reembolso de valores, o tratamento conferido ao terceiro não interessado,
notadamente por não haver sub-rogação, nos termos do art. 305, caput, do CC, segundo o qual
o "terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem
direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do
credor". Nesse sentido, aliás, a Terceira Turma do STJ (REsp 1.197.778-SP,
DJe 1º/4/2014) já afirmou que "equipara-se à gestão de negócios a
prestação de alimentos feita por outrem na ausência do alimentante. Assim, a
pretensão creditícia ao reembolso exercitada por terceiro é de direito comum, e
não de direito de família". Em razão disso, inclusive, é o entendimento do
STJ pelo não cabimento da execução de alimentos e de seu rito especialíssimo
por quem prestou alimentos no lugar do verdadeiro devedor (REsp 859.970-SP,
Terceira Turma, DJ 26/3/2007). Apesar disso, não se pode deixar de destacar que
há precedente antigo desta Quarta Turma do STJ que, aparentemente, está em
sentido diverso, tendo-se pela ocorrência da sub-rogação: "Solvidas as
prestações alimentícias (mensalidades e transporte escolares dos filhos
menores) pela mãe (ex-mulher) e não pelo originariamente obrigado (o pai), o
reconhecimento da sub-rogação em favor da primeira torna impróprio para a
execução o rito do art. 733 do CPC, com o modo de coerção que lhe é inerente, a
prisão, em face da inexistência de atualidade dos alimentos" (REsp
110.241-SP, DJ 19/12/2003). No entanto, no caso de um terceiro alheio à
obrigação alimentar e que vem a pagar o débito, é o próprio legislador que
assevera se tratar de gestão de negócios. Sendo assim, a prescrição a incidir
na espécie não é a prevista no § 2º do art. 206 do CC, mas a regra geral
prevista no art. 205 do CC, segundo o qual a "prescrição ocorre em dez
anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor". REsp
1.453.838-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/11/2015,
DJe 7/12/2015.
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