Jornal Carta Forense. Matéria de Capa do Mês de
Fevereiro de 2016.
Técnica de Ponderação no Novo CPC: posição
favorável (Flávio Tartuce) e posição contrária (Lênio Luiz Streck).
Técnica da Ponderação no Novo CPC: posição
favorável
O
Novo CPC consagrou expressamente um mecanismo importante para a solução de
problemas jurídicos, qual seja a técnica de ponderação de princípios, regras e
normas. O seu art. 489, ao tratar dos elementos da sentença, estabelece que,
“no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os
critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a
interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão” (§ 2º).
A
sistematização dessa ideia de pesagem ou sopesamento remonta ao estudo de
Robert Alexy, professor da Universidade de Kiel, Alemanha (Teoria dos direitos
fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008). Parece-nos que foram as lições do
jurista que influenciaram a elaboração do dispositivo inserido no CPC/2015. De
toda sorte, vale lembrar que Alexy trata da ponderação de direitos
fundamentais. A ponderação constante do Novo CPC é mais ampla, relativa a
normas. Essa é a diferença essencial entre as duas ponderações, a conduzir à
uma espécie de ponderação à brasileira.
Abordando
a inserção do preceito no Novo CPC, demonstram Fredie Didier Jr., Rafael
Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga a insuficiência de a ponderação ser
utilizada para resolver apenas os conflitos entre direitos fundamentais.
Segundo os autores, citando a posição de Humberto Ávila, “a ponderação não é
exclusividade dos princípios: as regras também podem conviver abstratamente,
mas colidir concretamente; as regras podem ter seu conteúdo preliminar no
sentido superado por razões contrárias; as regras podem conter hipóteses
normativas semanticamente abertas (conceitos legais indeterminados); as regras
admitem formas argumentativas como a analogia. Em todas essas hipóteses,
entende Ávila, é necessário lançar mão da ponderação. (...). Por outro lado,
Ávila entende que nem mesmo o sopesamento é exclusivo dos princípios; as regras
também possuem uma dimensão de peso. Prova disso seriam os métodos de aplicação
que relacionam, ampliam ou restringem o seu sentido em função dos valores e fins
a que elas visavam resguardar” (Curso de direito processual Civil. 10. ed.
Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 325).
Pois
bem, Alexy parte de algumas premissas que são tidas como básicas para que a
pesagem ou o sopesamento entre os princípios seja possível, o que serve, em
parte, para guiar a incidência da ponderação à brasileira.
Como
primeira premissa, o doutrinador alemão traz o entendimento de que os direitos
fundamentais têm, na maioria das vezes, a estrutura de princípios, sendo
mandamentos de otimização, “caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus
variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas”
(p. 91).
Em
seguida, como segunda premissa, reconhece que, em um sistema em que há o
comprometimento com valores constitucionais, pode ser frequente a ocorrência de
colisões entre os princípios, o que, invariavelmente, acarretará restrições
recíprocas entre os valores tutelados.
Presente
o conflito entre princípios, sem que qualquer um deles seja retirado do
sistema, como terceira premissa, o aplicador do Direito deve fazer uso da
técnica de ponderação. Em tal sopesamento, na presença da lei de colisão, os
princípios são numerados por P1 e P2; C são as condições de procedência de um
princípio sobre o outro, enquanto T1, T2 e T3 são os fatores fáticos que
influenciam a colisão e a conclusão final.
A
quarta e última premissa é a de que a pesagem deve ser fundamentada, calcada em
uma argumentação jurídica com solidez e objetividade, para não ser arbitrária e
irracional. Para tanto, deve ser bem clara e definida a fundamentação de
enunciados de preferências em relação a determinado valor constitucional. Sem
essa fundamentação, a ponderação não pode ser utilizada, como consta
expressamente do Novo CPC.
Para
o presente autor, a ponderação tem se mostrado como técnica eficiente no Brasil
para resolver numerosos dilemas e conflitos relativos ao Direito Privado.
Cite-se, de imediato, as várias contendas envolvendo, de um lado, o direito à
imagem e à intimidade (art. 5º, incisos V e X, da CF/1988); e, de outro, o
direito à informação e à liberdade de imprensa (art. 5º, incisos IV, IX e XIV,
da CF/1988). Nesse contexto, a propósito, lembramos que a ponderação foi
utilizada por alguns Ministros do STF quando do julgamento, em 2015, do caso
das biografias não autorizadas (ADIn. 4.815).
Acreditamos,
com o devido respeito, que não se sustentam as críticas feitas à ponderação,
especialmente aquelas que alegam a sua inconstitucionalidade. Muito ao
contrário, trata-se de um artifício civil-constitucional, que deve ser
incrementado nos próximos anos, para apresentar caminho de resolução às
hipóteses fáticas complicadas ou de difícil solução, o que é percebido já por
esses exemplos.
No
âmbito do Direito de Família, a ponderação, igualmente, é meio eficiente para
resolver muitos dilemas. Mencione-se a inviabilidade da obrigatoriedade do
exame de DNA, com condução coercitiva, acarretando a sua negativa a presunção
relativa da paternidade. Foi a partir da ponderação realizada pelo STF no HC
71.373/RS que a legislação foi modificada (arts. 231 e 232 do CC). Cite-se, em
complemento, que a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de
paternidade tem sido a solução adequada para resolver lides pelos Tribunais, a
partir da ponderação.
Por
derradeiro, no campo do Direito Contratual, tornou-se comum, em Tribunais e em
painéis arbitrais, lides com a alegação de um e de outro princípio (ou regra),
em teses firmes construídas pelas partes da avença, calcadas na boa-fé
objetiva, na função social do contrato, na conservação negocial, na exceção de
contrato não cumprido e no adimplemento substancial. Mais uma vez, sendo a lei
insuficiente ou ausente para revolver tais problemas, não resta outro caminho
ao julgador que não seja a ponderação, sempre devidamente fundamentada.
Em
suma, diante da hipercomplexidade contemporânea, sendo a mera subsunção da lei
insatisfatória em muitas hipóteses fáticas, é a técnica de ponderação uma
ferramenta decisória interessante, devendo ser amplamente utilizada pelos
julgadores nos próximos anos, especialmente diante de sua positivação expressa
pelo Novo CPC.
Técnica da Ponderação no Novo CPC: posição
contrária
Ponderação
vem do jurista alemão Robert Alexy. Criou-a para racionalizar decisões
judiciais a partir de um procedimento argumentativo. Através do que chamou de
máxima da proporcionalidade, a ponderação será o modo de resolver os conflitos
jurídicos em que há colisão de princípios, sendo um procedimento
composto por três etapas: a adequação, necessidade e a proporcionalidade em
sentido estrito. As duas primeiras se encarregam de esclarecer as
possibilidades fáticas; a última será responsável pela solução das
possibilidades jurídicas do conflito, recebendo do autor o nome de lei do
sopesamento (ou da ponderação), com seguinte redação: “quanto maior for o grau
de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a
importância da satisfação do outro”. A resposta obtida pela ponderação
resultará numa norma de direito fundamental atribuída (zugeordnete
Grundrechtnorm), uma regra que deverá ser aplicada subsuntivamente ao caso
concreto (e que servirá para resolver também outros casos).
De
há muito critico o modo como a ponderação foi recepcionada no Brasil,
transformada em “pedra filosofal da interpretação”. O problema é que, embora
Alexy seja um dos autores mais referenciados, há inúmeros equívocos sobre o
tema, tais como: a. chamar a ponderação de princípio (quando a ponderação faz
parte de um procedimento lógico interpretativo criado por Alexy); b. aplicar a
ponderação na colisão de normas; e c. desconsiderar que o resultado da
ponderação é uma regra, a ser aplicada por subsunção. Por outro lado, não é
possível encontrar tribunal que tenha aplicado as fórmulas criadas por Alexy, o
que revela que sua tentativa de criar um “processo decisório rígido” fracassou
diante do uso desse procedimento como mero “método de ocultação” da discricionariedade.
Podemos até dizer, depois que o tribunal decidiu, que ali teria havido uma
ponderação quando, em vez do princípio X, o juiz aplicou y (mas isso está
equivocado, porque não é assim que funciona a ponderação). Não esqueçamos,
ademais, que Alexy admite a discricionariedade interpretativa do Judiciário
para chegar ao resultado.
Vejo,
agora, que a ponderação chegou ao NCPC. No § 2º. art. 489: no caso de colisão
entre normas (sic), o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da
ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na
norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. O que são
normas? Regras são normas. Logo, a palavra “normas” não é sinônimo de leis.
Normas quer dizer: regras e princípios. Como já referi, os juristas do Brasil
têm simplificado a ponderação, colocando um princípio contra (ou em relação de
colisão com) outro. O resultado dessa colisão advirá da escolha discricionária
do juiz. Por vezes, ocorre alguma justificação. O caso Elwanger ( HC 82.424) é
um bom exemplo, em que dois ministros do STF usaram a ponderação e chegaram a
conclusões diferentes. Mas, ao fim e ao cabo, o que tem sido visto é a
simples contraposição. Esse problema agora pode vir a ser agravado com a
“colisão entre regras” que está no CPC. Se o juiz alegar que “há uma colisão
entre normas” (sic), pode escolher a regra X ou o princípio Y.
O
parágrafo é incompatível com o art. 93, IX, da Constituição, além do
descompasso com outros dispositivos do próprio CPC, como o art. 10, o 926 e o
art. 489. E que não se invoque a doutrina de Dworkin, porque, nem de longe, o
balancing quer dizer ponderação. Por isso, há que se ter muito cuidado para que
o CPC não folclorize a ponderação, mormente se for levada em conta uma alegoria
contada pelo Min. Roberto Barroso. Pela anedota-alegoria, uma pessoa comprou um
Opala e resolveu testar a potência do carro. Ao chegar em uma cidade, em alta
velocidade, o sujeito se deparou com um cortejo fúnebre pela frente. Ao ver que
não conseguiria frear a tempo, pensou: ‘vou mirar no caixão”. Guardado o lado
anedótico, no fundo é assim que a ponderação à brasileira vem sendo feita.
Faz-se uma escolha. Só que decisão não é escolha. Como se estivesse na esfera
do juiz escolher. Como se a lei e os fatos estivessem a sua disposição. Por
isso, mira-se no caixão.
Outro
problema do novel dispositivo é a alusão às premissas fáticas que fundamentam a
conclusão, o que pode fazer pensar que o juiz primeiro decide e depois busca a
fundamentação. Grave equívoco filosófico. Acreditar que o juiz primeiro
conclui e depois busca as “premissas fáticas” é recuar no tempo em duzentos
anos. É confessar que ele é livre para decidir e que a fundamentação é apenas
um ornamento. Aí entra a ponderação. E fecha o círculo não-hermenêutico. Bingo.
O
parágrafo que trata da ponderação lesa o princípio da segurança jurídica, que é
exatamente prestigiado por outros dispositivos do CPC. Outro argumento a favor
da não aplicação do dispositivo é que a colisão (de - ou entre - normas) não é
um conceito despido de intenções teóricas prévias. É diferente de alguns
consensos que já temos, como a garantia da não surpresa, o respeito à igualdade
e a coerência que devem ter as decisões, etc. A ponderação ainda depende do
esgotamento de um debate teórico, circunstância que prejudica sua colocação em
um texto de lei nestes moldes. Se princípios colidem (a prevalência
de um sobre o outro em um caso concreto não implica seu afastamento definitivo
para outros casos), regras entram conflito. Eis o imbróglio. Em caso de
conflitos entre regras, o resultado de sua equalização será uma determinação
definitiva da validade de uma sobre a outra. Ora, se todas as normas lato senso
puderem colidir, perderemos o campo de avaliação estrito da validade, algo que,
novamente, prejudica a segurança jurídica. Veja-se que não é admissível que
seja negada aplicação, pura e simplesmente, a uma regra (lei) “sem antes
declarar formalmente a sua inconstitucionalidade” (Recl. 2645-STJ),
problemática que aprofundo nas minhas seis hipóteses pelas quais o judiciário
pode deixar de aplicar uma regra. Se juiz pode escolher entre uma regra e
outra, está legislando. Mirando no caixão, pode até acertar. Mas um relógio
parado também acerta a hora duas vezes por dia. São essas as razões de minha
contrariedade à ponderação (à brasileira). A outra, a de Alexy, parece não ter
chegado por aqui.
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