terça-feira, 24 de julho de 2007

DECISÃO DO TJ/MG. SURRECTIO.

DIREITO CIVIL - LOCAÇÃO RESIDENCIAL - Situação jurídica continuada ao arrepio do contrato. Aluguel. Cláusula de preço. Fenômeno da surrectio a garantir seja mantido a ajuste tacitamente convencionado. A situação criada ao arrepio de cláusula contratual livremente convencionada pela qual a locadora aceita, por certo lapso de tempo, aluguel a preço inferior àquele expressamente ajustado, cria, à luz do Direito Civil moderno, novo direito subjetivo, a estabilizar a situação de fato já consolidada, em prestígio ao Princípio da Boa-Fé contratual (TJMG - 16ª Câm. Cível; ACi nº 1.0024.03.163299-5/001-Belo Horizonte-MG; Rel. Des. Mauro Soares de Freitas; j. 7/3/2007; v.u.).

ACÓRDÃO
Acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao Recurso.
Belo Horizonte, 7 de março de 2007
Mauro Soares de Freitas
Relator
VOTO
O Sr. Desembargador Mauro Soares de Freitas:
Presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, conheço do Apelo.
Colhe-se dos Autos que, em ajuste verbal, as partes alteraram a Cláusula Segunda do Contrato de Locação Residencial reproduzido às fls. 9/13, pelo qual ajustaram novo aluguel que, de R$ 450,00 (quatrocentos e cinqüenta reais), foi reduzido para R$ 400,00 (quatrocentos reais). Tal situação perdurou, ao que tudo indica, de novembro/2000 a julho/2003.
Não obstante, a locadora fez reajustar a locação, cobrando R$ 512,88 (quinhentos e doze reais e oitenta e oito centavos), situação geradora do impasse e que culminou na presente demanda, pela qual a autora, ora apelada, além do aluguel, está a cobrar imposto predial, condomínio e demais encargos de contrato (juros, multa, honorários advocatícios, etc.).
Embora tenha reconhecido a nova situação jurídica gerada por ato de liberalidade da locadora em reduzir, durante anos, o preço do aluguel, o D. Juízo de origem determinou o reajuste do aluguel, pelo que condenou o locatário ao complemento dos aluguéis vencidos a partir de 10/9/2003, acrescidos do IPTU e das taxas condominiais vencidas desde março do mesmo ano, até a efetiva entrega das chaves do imóvel, o que ocorreu em 13/1/2004.
Na sentença, Sua Excelência reconheceu a pertinência dos valores dos alugueres depositados até o mês de agosto/2003, garantindo o reajuste da verba a partir de setembro daquele ano, quando então o locatário teria tido ciência de que, a partir de então, valeriam as regras do contrato.
Pois bem. A situação de fato descrita nos Autos é indubitavelmente geradora de direito. Locadora e locatário consentiram reduzir o preço do aluguel, que permaneceu sem qualquer reajuste durante quase três anos, embora o contrato fosse expresso quanto a isso.
Em Direito, observa-se o fenômeno da surrectio, que o autor FERNANDO NORONHA (In O direito dos contratos e seus princípios fundamentais, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 183) destaca como modalidade desleal do não-exercício de determinado direito. Assim, a surrectio seria o exercício continuado de uma situação jurídica ao arrepio do convencionado ou do ordenamento jurídico, que implicaria nova fonte de direito subjetivo, estabilizando-se tal situação para o futuro. Trata-se, na lição de NELSON ROSENVALD (In Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 140), de modalidade aquisitiva de direito subjetivo, formado em razão do comportamento continuado.
Ora, no caso concreto, não há dúvida que tenha havido o desdobramento de uma situação jurídica anterior, na qual a locadora cobrava aluguel de R$ 450,00 (quatrocentos e cinqüenta reais), reajustáveis anualmente pelo IGP-M, consentindo fosse criado novo regime contratual, pelo qual o locatário passou a pagar R$ 400,00 (quatrocentos reais), sem qualquer reajuste, o que perdurou, como dito, de novembro de 2000 a julho de 2003.
Destarte, inegável a gênese do direito subjetivo, a exemplo do fenômeno da surrectio, pelo que não há falar noutro aluguel senão aquele tacitamente pactuado em R$ 400,00 (quatrocentos reais) e que vigorou durante a quase totalidade do contrato.
Desta feita, há de se dar parcial provimento ao Recurso, neste particular para decotar da condenação os respectivos alugueres, sem prejuízo, todavia, dos honorários e juros de mora ali fixados para imposto predial e demais encargos de condomínio, posto que, litigiosos, não vieram seguidos dos respectivos comprovantes de pagamento.
Custas recursais, pelo apelante, em resgate ao Princípio da Causalidade, mas cuja exigibilidade por ora se suspende, a teor do disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores: Batista de Abreu e José Amancio.
Súmula: deram provimento parcial ao Recurso.

Um comentário:

Unknown disse...

Quem descreve com propriedade a "surrectio", tanto quanto a "suppressio", além da "venire contra factum proprioum" e ainda a "tu quoque" é Menezes Cordeiro, em sua obra "A boa fé no direito civil". Vale a pena conferir e povoar nossas fundamentações com essas teses vanguardistas.