quarta-feira, 18 de julho de 2007

EXCELENTE DECISÃO MONOCRÁTICA DE SÃO PAULO.

Despacho Proferido
Vistos, etc.
Por primeiro, recebo a petição de fls. 68/69 como aditamento da inicial. Observe-se. Não se nega a existência do livre exercício da atividade exercida pela empresa ré, o que se extrai dos artigos 196, 199, 170 e seu parágrafo único, este último em cotejo com o mencionado artigo 199, todos eles da Constituição Federal; o que se nega é a possibilidade de que este livre exercício venha ferir Princípios Constitucionais.
São eles Normas, que se diferenciam dos artigos na medida em que revelam disposição genérica e ampla; não prescrevem determinada conduta, mas diretrizes a serem seguidas pelos Poderes constituídos, pelas administrações públicas e pelos particulares. E devem servir de base para a atividade hermenêutica; em se tratando de Princípios esculpidos na Constituição Federal, aliás, estão no topo desta atividade, ante a primazia do texto Constitucional em face da legislação ordinária.
E só um deles nos interessa para a análise do caso em tela, qual seja, aquele que vem logo no artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal: o da dignidade da pessoa humana, dignidade esta que também vem expressa no “caput” do artigo 170 da Constituição Federal, artigo este já mencionado.
Só uma definição de “dignidade” é possível: o respeito ao ser humano enquanto pessoa, quer no aspecto físico, quer no aspecto intelectual, quer no aspecto moral, quer no aspecto espiritual. O “homem” deixou de servir o direito para ser por ele servido.
No caso em tela, além de merecer a autora respeito por sua dignidade humana, é dele merecedora também pela doença que é portadora, pela sua natureza e conseqüência. Não se procura um plano de saúde para ter a dignidade desrespeitada.
Cediço que o País não cumpre aquilo que lhe compete no que se refere à saúde, obrigando a busca por planos particulares de atendimento; e nesta busca quer-se, por óbvio, o melhor, sempre cotejado com a possibilidade econômica do contratante. Não é menos certo que dele se faz uso quando há necessidade, esta voltada para problemas físicos, que por certo atingem o psicológico; e não encontrar o respaldo necessário neste momento é mais um elemento que vem afrontar a já exaustivamente mencionada dignidade.
Não há como se esquecer, outrossim, que a liberdade contratual que vigia integralmente no revogado Código de 1916, cedeu lugar para a função social que deve ser exercida por todos os contratos, como dispõe o artigo 421 da Lei n.º 10.406/02. A legislação civil revogada veio na esteira do Código Civil Napoleônico, que levantava as bandeiras da liberdade contratual e da propriedade, dogmas que deram força a Revolução Francesa, resposta ao período Monárquico pelo qual passou aquele País.
Só que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (função social da propriedade) e agora do Código Civil (função social do contrato), ambas, liberdade e propriedade, devem ser vistas em cotejo com o interesse público. Amainou-se o “pacta sunt servanda”. Os contratos devem ser adimplidos, por certo, sendo esta uma das facetas de sua função social; mas outra delas vem de encontro com alguns dos objetivos fundamentais da República, quais sejam, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3.º, inciso I, Constituição Federal) e a promoção do bem de todos (artigo 3.º, inciso IV, 1.ª parte, Constituição Federal). Inegável que o Código de Defesa do Consumidor permite a redação de cláusulas contratuais, isto em contratos de adesão, que limitem o direito do consumidor; o fato é que tal artigo de lei não dá o direito de limitar-se a prestação de um serviço essencial para a mantença da vida e da vida digna da qual todos nós somos merecedores.
Daí a imperiosa necessidade que se antecipem os efeitos da tutela jurisdicional, já que um tratamento médico, mormente de urgência, não pode ser preterido em razão de uma discutível cláusula contratual, cláusula esta que não homenageia a boa-fé; e esta deve reger todas as relações humanas. Isto posto, antecipo os efeitos da tutela jurisdicional, determinando que a ré arque com todas as despesas necessárias para o tratamento a que deve ser submetida a autora, qual seja, radioterapia conformacional, quer em termos hospitalares, quer em termos de profissionais, sem qualquer ônus para a mesma, aí incluindo tudo o que se fizer necessário para a recuperação daquela. Expeça-se mandado para imediato cumprimento da decisão supra. No mais, cite-se por mandado, com as advertências legais. Int.
São Paulo, em 13 de julho de 2007.
Luís Fernando Balieiro Lodi
Juiz de Direito

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