CORONAVÍRUS: LIMITAÇÕES AO USO DE ÁREAS COMUNS NO ÂMBITO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Rodrigo Toscano de Brito. Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Civil da Universidade Federal da Paraíba - UFPB e da UNIESP, nos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado.
Sumário: 1. Notas introdutórias; 2. Natureza assemblear das deliberações condominiais; 3. Questões condominiais controvertidas em cace dos atos de prevenção do coronavírus; 4. Notas conclusivas.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Diante do número expressivo de informações que estamos recebendo sobre o Coronavírus (COVID 19), já sabemos que os efeitos do ponto de vista da saúde, economia, relacionamento social são muitos e indiscutíveis. Mas, além de impactar as questões aqui já mencionadas, há também consequências de natureza jurídica das mais diversas matizes.
Um desses aspectos que já levantou discussão relevante, diz respeito às medidas que podem ou devem ser tomadas no âmbito dos condomínios edilícios quanto à prevenção da contaminação pelo vírus, notadamente numa fase em que as pessoas se utilizarão dessas áreas para se manter ativo, praticando exercício, entre outras atitudes que serão relevantes para a saúde mental, que não pode ser simplesmente ignorada nessa fase.
Diante dos questionamentos já surgidos, algumas perguntas têm respostas mais polêmicas – não se pode negar –, outras parecem mais simples.
Antes de tudo, cabe um breve olhar sobre os elementos do conceito de condomínio edilício, que encontramos no Código Civil brasileiro. Conforme previsto no art. 1.331, “pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”.
Eis aqui um ponto que inicialmente merece nossa especial atenção. É que a unidade autônoma (apartamento, sala, loja, sobreloja, etc.) é considerada propriedade exclusiva e o proprietário ou pessoa por ele autorizada (locatários, comodatários) tem direito de acessar a unidade autônoma, o que ocorre, normalmente, pelas áreas comuns da edificação.
Por outro lado, a unidade autônoma é parte inseparável das áreas comuns do prédio, por determinação legal, conforme se vê no § 3º, do citado art. 1.331, ao prever: “a cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio”.
Portanto, um dos elementos mais importantes e típicos do conceito de condomínio edilício é a união entre a propriedade exclusiva (apartamento, sala, loja) com a propriedade condominial. São elementos inseparáveis e, por consequência, importante na análise aqui feita.
Como visto, o proprietário da unidade imobiliária, também o é das áreas comuns na proporção prevista na instituição condominial. Tanto assim que, o art. 1.335, do Código Civil, assegura que são direitos do condômino, usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; e, ainda, usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores.
2. NATUREZA ASSEMBLEAR DAS DELIBERAÇÕES CONDOMINIAIS
O condomínio edilício não é administrado pelo síndico, isoladamente. Isso porque o condomínio deve obedecer às normativas advindas da assembleia de condôminos, como regra geral. As decisões no âmbito do condomínio edilício é, portanto, assemblear. Dependem da assembleia de condôminos. O síndico executa as determinações da assembleia, e deve seguir as regras de convocação previstas na convenção do condomínio ou, na sua falta, na lei civil.
Diz-se isso para deixar esclarecido que o síndico, não pode, por si só, determinar atos que não estejam previstos nas deliberações assembleares, nem na convenção. De toda forma, é importante ressalvar que cada caso deve ser analisado à luz da convenção específica, especialmente no capítulo que versa sobre as atribuições do síndico, embora existam regras gerais que devem ser observadas.
Diante desses aspectos e das questões relativas à pandemia de Coronavírus, os síndicos, ainda que estejam agindo de boa-fé e com espírito comunitário ao proibir o uso e fruição de determinadas áreas comuns, haverão de observar as regras gerais dispostas na lei civil. Uma delas é a convocação de assembleia geral extraordinária, de caráter emergencial, diante das questões especiais que envolvem à prevenção de contaminação do coronavírus, para que a assembleia possa deliberar quais medidas de proteção à saúde dos moradores devem ser tomadas pelo condomínio.
Parece-nos que o síndico só estaria desobrigado desta convocação, se a questão envolver a necessidade de decisão com alto grau de urgência. Caso contrário, ainda que de maneira excepcional, é obrigado a convocar a assembleia, podendo, em razão da necessidade de decisão urgente, desconsiderar regras relativas à prazo mínimo de convocação (que depois podem ser referendados em assembleia) e utilizar-se de meios eletrônicos para tanto, como aplicativos de mensagens e e-mails, mas sempre dando prioridade à natureza assemblear das decisões no âmbito do condomínio edilício, sob pena de nulidade de suas deliberações.
De igual modo, em razão da proibição pública de aglomerações e reuniões, conforme for a quantidade de moradores, também deve realizar a assembleia, utilizando-se de mecanismos eletrônicos de reunião, hoje de facílimo acesso, tais como Whatsapp, Zoom, Skype, etc. Observem que tudo isso se afirma considerando situações extremas, até porque em muitas localidades brasileiras, ainda é possível realizar as reuniões conforme estabelecido na convenção, tendo em vista que sequer há casos notificados de infecção pelo COVID 19. Mesmo assim, por cautela e em razão da urgência eventual, é possível a realização de reuniões por meios eletrônicos, com a ressalva da excepcionalidade da forma, depois referendados durante a reunião.
3. QUESTÕES CONDOMINIAIS CONTROVERTIDAS EM FACE DOS ATOS DE PREVENÇÃO DO CORONAVÍRUS
Inegavelmente, ainda que seja convocada a assembleia e ali sejam regularmente tomadas decisões de interesse do condomínio, podem surgir questões de difícil solução.
Uma dessas questões é a seguinte: a assembleia pode proibir, por exemplo, que o condômino médico, dentista, enfermeiro, que, conforme a especialidade, estejam no grupo de risco profissional alto, acesse sua unidade utilizando-se do elevador e das demais áreas comuns do prédio?
É importante relembrar, conforme já dito acima, que todas as partes comuns do prédio também pertencem ao proprietário da unidade. Nesse sentido, no caso do uso do elevador, o condômino que eventualmente seja profissional da área de saúde, assim como qualquer outro co-proprietário, tem assegurado seu direito de uso. Nesse sentido, não se pode proibir que o condômino-médico transite pelas áreas comuns do prédio que dão acesso ao elevador, partindo do portão ou garagem, porque, igualmente, as áreas de acesso comum também pertencem àquele proprietário.
De fato, não pode haver proibição de uso do elevador e das áreas que a ele dão acesso. É direito do proprietário acessar sua unidade, sobretudo a unidade de moradia, pelos meios disponíveis no prédio, não havendo, legalidade, nem razoabilidade, em obrigar um condômino-médico, de 65 anos, por exemplo, a acessar sua unidade no trigésimo andar pelas escadas, todos os dias, ao sair e voltar para exercer sua atividade profissional essencial para a sociedade.
Veja que a questão aqui trazida dizia respeito ao uso do elevador e das áreas comuns de acesso à unidade. Portanto, tema que perpassa também pelo direito fundamental à moradia.
Mas, o assunto pode ganhar contornos ainda mais polêmicos. Um deles é o seguinte: pode o condomínio proibir o uso da piscina, academia, quadras esportivas, salão de festas, espaço “kids”, salas de cinemas, entre outras áreas comuns dessa natureza durante o período de “quarentena”?
Apesar de compreender que estamos diante de um tema polêmico, pensamos que a resposta é negativa. Não pode haver proibição absoluta do uso dessas áreas comuns, pelos mesmos motivos aqui já expostos. São áreas que também pertencem ao próprio condômino que deseja usá-la.
A par de todas as assertivas mencionadas, no sentido de que as áreas condominiais podem ser usadas por qualquer proprietário, não se pode negar que a assembleia pode criar limitações ao direito de propriedade condominial, sobretudo para resguardar o direito à saúde dos demais condôminos. No caso, a fim de evitar que haja propagação do vírus, especialmente neste momento em que se precisa evitar, coletivamente, que a “curva de infecção” cresça a curto prazo.
De fato, em razão da necessidade de manutenção da saúde pública que, neste caso, deve começar dentro dos próprios condomínios, não é possível proibir de modo absoluto o uso das áreas comuns, mas é possível criar limitações ao uso, em atenção ao direito à saúde da coletividade dos moradores.
Assim, é possível que a assembleia determine que cada condômino, especialmente os que estarão em serviços de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas), façam uso do elevador sozinho, sem que nenhum outro morador esteja compartilhando o espaço do transporte no condomínio.
Quanto às áreas comuns de uso não essencial, tais como, a piscina, a churrasqueira, o salão de festas, ditos espaços podem sofrer limitação excepcional durante o período em que devemos evitar contato em grupo, estabelecendo, por exemplo, horários de reserva de uso individual por parte do condômino ou para uso do seu núcleo familiar, com quem já convive em sua unidade.
Nessa mesma linha de raciocínio, o uso da academia não pode ser absolutamente proibido, mas pode ser limitado, por exemplo, a um morador por vez, em horários diferentes, previamente agendados e reservados, com a obrigação imposta ao morador, de comunicar ao condomínio o fim do período de uso para que haja uma limpeza específica da área, com o fito de evitar a contaminação dos objetos usados e por em risco a saúde dos demais moradores.
Questão ainda mais complexa pode surgir quanto à possibilidade de realização de festas e recepções no ambiente condominial e uso da piscina. Aqui a ponderação entre os direitos fundamentais de propriedade e à saúde da coletividade são relevantes.
É sabido que a aglomeração em festas ou reuniões com grande concentração de pessoas durante o período de quarentena põe em risco a saúde da coletividade de modo mais explícito, considerando que os números demonstram que a aglomeração de pessoas foi fator facilitador da propagação do vírus até agora. Nessa ponderação, é possível a proibição de festas nas áreas comuns e na própria unidade autônoma, considerando que a festa aumenta o fluxo de pessoas no ambiente condominial.
O uso da piscina é também um aspecto que pode levar a decisões polêmicas por parte do condomínio. Abstraindo-se aqui do aspecto científico de ser ou não possível a transmissão do vírus pelo simples uso da piscina, ainda que isoladamente, pensamos que a solução pode ser a mesma sugerida para outros equipamentos de uso comum, salvo a hipótese de comprovação de que dito uso, ainda que não simultâneo, facilita a transmissão do COVID 19. Vale dizer, é possível o uso individual, com hora marcada e reservada, afastando de riscos de contaminação os demais condôminos. Por outro lado, o uso simultâneo da piscina, por parte de vários condôminos ou convidados, inclusive para realização de festas, nas circunstâncias pelas quais passamos em razão do COVID 19, pode ser proibido, pelas mesmas razões referidas para a utilização do salão de festas.
Para qualquer desses atos de proibição ou limitação, a assembleia deve ser convocada para deliberar sobre o assunto, criando as limitações específicas ao direito de propriedade condominial, em face da prevenção de contaminação do COVID 19.
Todas as observações aqui referidas, também se aplicam aos casos de condomínios de lotes, que não podem proibir o uso das áreas comuns, por ser um dos elementos essenciais ao direito de propriedade do condômino, mas pode criar limitações excepcionais ao uso da propriedade condominial, e proibir aglomerações de pessoas no ambiente condominial.
Por outro lado, é importante observar que, nas hipóteses em que haja associações de moradores em “condomínio fechado de casas” ou “condomínio fechado de lotes”, que não foram constituídos na forma da prevista na Lei 13.465/17, não se aplica o mesmo raciocínio aqui desenvolvido. Nesses casos, em regra, a propriedade das áreas “comuns” dos empreendimentos não têm a mesma características das áreas condominiais edilícias, por não ser, a rigor, condomínio de lotes, na forma prevista na lei. Assim, há de se observar o estatuto da respectiva associação de moradores, nada impedindo que seja convocada assembleia especifica, na forma ali prevista, para decidir sobre as questões aqui mencionadas.
4. NOTAS CONCLUSIVAS
O tema aqui enfrentado é polêmico em razão do trânsito necessários por vários pontos relacionados ao conflito de direito fundamentais como a vida, a saúde, a propriedade, a liberdade, de forma que não resta dúvida, que qualquer decisão que se chegue no âmbito do condomínio, dependerá também de análise tópica e concreta. De toda forma, considerando as observações feitas ao longo do texto, é possível chegarmos às seguintes conclusões:
a) As decisões no âmbito do condomínio edilício dependem de assembleia condominial para tratar das limitações impostas ao uso da propriedade no período de recolhimento para prevenção do coronavírus. O síndico executa as determinações da assembleia, e deve seguir as regras de convocação previstas na convenção do condomínio ou, na sua falta, na lei civil. Não pode, por si só, determinar atos que não estejam previstos nas deliberações assembleares, nem na convenção, salvo em hipóteses excepcionais, para evitar dano iminente à comunidade de moradores;
b) É necessária a convocação de assembleia geral extraordinária, de caráter emergencial, diante das questões especiais que envolvem a prevenção de contaminação do coronavírus, para que a assembleia possa deliberar quais medidas de proteção à saúde dos moradores devem ser tomadas pelo condomínio;
c) Os condôminos podem, com a ressalva da excepcionalidade da forma, realizar a assembleia, utilizando-se de mecanismos eletrônicos de reunião, hoje de facílimo acesso, tais como Whatsapp, Zoom, Skype, etc.;
d) O condômino que eventualmente seja profissional da área de saúde, assim como qualquer outro co-proprietário, tem assegurado seu direito de uso da áreas comuns. Não se pode proibir que o condômino-médico, por exemplo, transite pelas áreas comuns do prédio que dão acesso ao elevador, partindo do portão ou garagem. É direito do proprietário acessar sua unidade, sobretudo a unidade de moradia, pelos meios disponíveis no prédio, incluindo o elevador;
e) Apesar da afirmação no sentido de que as áreas condominiais podem ser usadas por qualquer proprietário, não se pode negar que a assembleia pode criar limitações ao direito de propriedade condominial, sobretudo para resguardar o direito à saúde dos demais condôminos. No caso, a fim de evitar que haja propagação do vírus, especialmente neste momento em que se precisa evitar, coletivamente, que a “curva de infecção” cresça a curto prazo;
f) É possível que a assembleia determine que cada condômino, especialmente os que estarão em serviços de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas), façam uso do elevador sozinho, sem que nenhum outro morador esteja compartilhando o espaço do transporte no condomínio. Quanto às áreas comuns de uso não essencial, tais como, a piscina, a churrasqueira, o salão de festas, ditos espaços podem sofrer limitação excepcional durante o período em que devemos evitar contato em grupo de pessoas, estabelecendo, por exemplo, horários de reserva de uso individual por parte do condômino ou para uso do seu núcleo familiar, com quem já convive em sua unidade;
g) É possível a proibição de festas nas áreas comuns e na própria unidade autônoma, considerando que a festa aumenta o fluxo de pessoas no ambiente condominial, e, por consequência, a chance de contaminação entre condôminos;
h) Pelo menos considerando o estágio atual de restrição geral da sociedade imposta pelo poder público, é possível o uso individual das áreas comuns do prédio, com hora marcada e reservada, afastando de riscos de contaminação os demais condôminos, salvo a hipótese de comprovação de que dito uso, ainda que não simultâneo, seja de alto rico para a transmissão do COVID 19; e,
i) Todos os pontos aqui suscitados, também se aplicam aos casos de condomínios de lotes, que não podem proibir o uso das áreas comuns, por ser um dos elementos essenciais ao direito de propriedade do condômino, mas pode criar limitações excepcionais ao uso da propriedade condominial, e proibir aglomerações de pessoas no ambiente condominial.
Por último, é importante destacar que os assuntos relacionados à prevenção do CONVID 19 devem ser levados muito a sério por toda a sociedade, devendo cada um tomar seus cuidados preventivos. Diante das consequências econômicas que já vemos, resta claro que não se trata de um assunto simples.
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