Eduardo Nunes de Souza. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Adjunto de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont).
Rodrigo da Guia Silva. Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Advogado.
As alarmantes proporções da pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavírus (variante SARS-CoV-2), seguem assustando a sociedade mundial e impõem desafios crescentes aos instrumentos disponíveis nos mais diversos setores sociais para lidar com a crise. Contribuíram para a ampla conscientização acerca da gravidade das circunstâncias os anúncios da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII, o mais alto nível de alerta da OMS), em 30 de janeiro de 2020, e quanto à classificação da COVID-19 como pandemia, em 11 de março de 2020, bem como os sucessivos atos normativos, mundo afora, que instituíram restrições das mais diversas ordens.
Em boa hora, o saber científico volta a ser valorizado, enquanto as atenções de todo o mundo se voltam aos esforços da comunidade acadêmica, nos mais diversos campos do conhecimento humano, em prol do desenvolvimento de instrumentos para administrar os impactos da pandemia. Esse imprescindível empenho não se limita às ciências da natureza, estendendo-se, sem dúvida, também às humanidades. Particularmente na esfera jurídica, entram em pauta discussões prementes, que convidam o intérprete a revisitar os fundamentos dos mais tradicionais setores. Em matéria contratual, por exemplo, debatem-se temas da ordem do dia, como a repressão à elevação abusiva de preços por produtos essenciais cuja procura disparou diante da crise atual,[1] os dilemas que ameaçam a atividade empresarial de lojistas (em particular, os locatários de pontos comerciais em shopping centers),[2] bem como a busca pela manutenção do equilíbrio atuarial dos seguros de saúde em cotejo com a cobertura de novos exames e novos tratamentos em benefício dos segurados.[3]
Como sói acontecer diante de um evento fático dessa magnitude, com tantos impactos na vida quotidiana, uma das reações mais imediatas da doutrina costuma ser a de propor possíveis qualificações jurídicas para a crise, de modo a atrair a incidência da normativa que parece ser mais adequada a administrá-la. O empenho subjacente à pluralidade de proposições pode, contudo, ser prejudicial (em vez de benéfico), caso não seja acompanhado do devido respeito aos fundamentos e requisitos próprios de cada instituto. Sem dúvida, o novo coronavírus representa uma novidade fática, porém não inovou na ordem jurídica: as categorias normativas continuam sendo as mesmas de sempre – e, ao menos no campo estrito do direito privado, não parece conveniente a edição de leis de afogadilho, fomentadas pela incerteza e pela ansiedade generalizadas causadas pela pandemia. Cabe ao intérprete, assim, à semelhança do criterioso trabalho desempenhado pelos cientistas de outras áreas, manejar os instrumentos jurídicos com técnica e segurança, sempre com vistas a promover estabilidade (e não a agravar as incertezas ínsitas ao momento).
Nesse cenário, uma discussão da maior relevância para o momento atual (e que despertou a imediata atenção da doutrina) diz respeito às possíveis repercussões da pandemia sobre as hipóteses de resolução contratual. Com efeito, o impacto da COVID-19 sobre os negócios em todo o mundo rapidamente remete a categorias clássicas do direito civil voltadas a flexibilizar a força vinculante dos pactos diante de bruscas alterações das circunstâncias, motivadas for fatores imprevisíveis e, ao menos no curto prazo, insuperáveis. É preciso, porém, proceder com cautela, de modo a se evitarem soluções que, no ímpeto de responderem à crise, forcem a subsunção da pandemia a modelos normativos que não a comportam efetivamente.[4] A enunciação de alguns exemplos práticos (em particular, de contratos de execução diferida ou a trato sucessivo, naturalmente mais suscetíveis às mudanças de cenário global) permitirá, nessa direção, ponderar quando e em que medida o recurso a institutos autorizadores da resolução contratual mostra-se tecnicamente adequado.
Em um primeiro grupo de hipóteses fáticas, pense-se nas numerosas situações em que atos normativos formais estabelecem a suspensão temporária da prática de certas atividades. Assim tem ocorrido, por exemplo, com os cinemas, teatros, casas de espetáculos, estádios, todos eles impedidos de abrirem as portas por diversos entes federativos, no intuito de se evitar a formação de aglomerações e, com isso, conter-se a difusão do novo coronavírus. A dúvida, nesse caso, acerca da solução a ser oferecida aos bilhetes comprados com antecedência é inevitável. Situação semelhante se verifica nos meios de transporte cuja operação tenha sido suspensa, como ocorreu, a título puramente ilustrativo, na recente proibição da circulação de carros de aplicativos e de ônibus de linhas intermunicipais entre a cidade do Rio de Janeiro e o restante da Região Metropolitana do Estado. Essas hipóteses têm uma relevante circunstância em comum: um ato estatal inviabilizou o cumprimento da prestação a cargo de algum dos contratantes – o cinema não pode reproduzir o filme, a arena não pode abrigar o show, o transportador não pode conduzir o passageiro e assim por diante.
Em um segundo grupo de hipóteses fáticas, pense-se nas também numerosas situações em que, a despeito da ausência de norma ou de ato estatal que inviabilize a execução do contrato, um dos contratantes perde por completo o interesse originário na prestação que incumbia à contraparte, em razão dos riscos suscitados pela difusão da COVID-19. Essa é, por exemplo, a situação dos passageiros de transporte aéreo (doméstico ou internacional) que, por imperativo de segurança, optam por não realizar as viagens, a despeito de o embarque não ter sido proibido e de as fronteiras do local de destino não terem sido formalmente fechadas pelas autoridades públicas competentes. Em situação similar estão os consumidores que haviam reservado hospedagem em hotéis ou contratado pacotes turísticos e que, com a disseminação da doença, acabaram decidindo por não desfrutar de tais serviços, visando à prevenção contra uma possível contaminação pelo novo coronavírus. Tais hipóteses apresentam, em comum, a circunstância de o contexto fático de difusão da pandemia (e não um óbice jurídico criado pelo Poder Público) inviabilizar que a prestação a cargo de algum dos contratantes produza a utilidade que originariamente dela se esperava.
Por fim, em um terceiro grupo, cogite-se do agravamento do sacrifício econômico originalmente imposto pelo contrato a um dos contratantes, diante do cenário de difusão da COVID-19. Aqui, o óbice à execução do acordo não vem nem da atuação estatal, nem da perda de interesse na prestação, mas sim de um grave desequilíbrio do sinalagma originário, de modo que a contraprestação a que fazia jus um dos contratantes não mais compensa, economicamente, a prestação a que ele próprio se obrigou. Pensando-se na situação das companhias aéreas, por exemplo, inúmeras razões podem levar ao agravamento do sacrifício econômico decorrente do cumprimento dos contratos de transporte já firmados antes do advento da crise: o aumento global dos custos a fim de atender às mais atuais demandas de higienização e prevenção à disseminação do novo coronavírus; o agravamento do equilíbrio global projetado pela companhia, na medida em que o desfazimento do contrato por variados passageiros finda por impor à transportadora a realização dos custos globais sem a contrapartida que adviria da quantidade inicialmente esperada de passageiros; e assim por diante.
Apesar da diversidade subjacente a esses grupos de hipóteses fáticas, verifica-se uma forte tendência doutrinária a centralizar o debate em torno de uma alegada ausência de responsabilidade do devedor em razão da configuração de caso fortuito ou força maior. Embora compreensível, diante da tradicional conceituação de tais figuras (associadas a eventos imprevisíveis e inevitáveis, dos quais a pandemia logo se afigura como um provável bom exemplo), essa tendência ignora que, em rigor conceitual, a categoria do caso fortuito não traduz uma hipótese autorizadora da resolução (e muito menos da revisão) do contrato, mas sim um caso de exclusão da responsabilidade civil em decorrência da interrupção do nexo causal. Em outros termos, se o próprio devedor que pretende isentar-se de cumprir o contrato alega a ocorrência de caso fortuito, ele está, ainda que involuntariamente, deslocando o foco da discussão para a responsabilidade civil – e, como o dever de arcar com perdas e danos pressupõe o inadimplemento (absoluto ou relativo), poder-se-ia concluir que esse devedor está, implicitamente, afirmando seu próprio ilícito contratual, o que, no mais das vezes, não corresponde ao seu verdadeiro anseio.
Trata-se, portanto, de uma alegação possível em via de defesa no âmbito de uma ação indenizatória, mas não de um argumento voltado a legitimar um pleito de resolução contratual. E nem se suponha que o recurso às categorias do caso fortuito ou da força maior (aqui tratadas indistintamente, diante do amplo reconhecimento da irrelevância da sua diferenciação no direito brasileiro)[5] poderia servir automaticamente como argumento para evidenciar a ausência de “fato ou omissão imputável ao devedor” (e, assim, impedir a configuração de inadimplemento, a teor do art. 396 do Código Civil). Com efeito, não se ignora que o inadimplemento contratual depende de um elemento culposo por parte do devedor, índice de sua imputabilidade. O caso fortuito, porém, como afirmado acima, insere-se na esfera de aferição da causalidade na responsabilidade civil, e não da culpa.[6] Por evidente, não se está a afirmar que a pandemia não possa configurar, para os fins pertinentes, um caso fortuito. No entanto, enquanto o debate permanecer restrito ao caráter fortuito da pandemia, a discussão permanece circunscrita, no mais das vezes, à definição da eventual responsabilidade civil do devedor por perdas e danos, sem particular preocupação com a investigação do cabimento da resolução contratual. Para este último fim, é preciso aferir os requisitos de outros institutos.
No desenvolvimento da reflexão sobre o cabimento ou não da resolução contratual diante das vicissitudes suscitadas pela pandemia da COVID-19, incumbe ao intérprete buscar na dogmática geral do direito civil os subsídios para o equacionamento dos casos. No que tange ao primeiro grupo de hipóteses fáticas acima descritas (a saber, os casos em que a atuação estatal inviabiliza o cumprimento do contrato), outra solução que costuma vir à mente dos operadores do direito é a invocação da teoria da excessiva onerosidade. Aqui, mais uma vez, a qualificação parece prejudicada pela enorme proximidade do cenário fático com as noções de imprevisibilidade e extraordinariedade. Aduz-se, nessa linha de raciocínio, que as repercussões do novo coronavírus poderiam ser entendidas como circunstâncias supervenientes e imprevisíveis, a corresponder a alguns dos requisitos elencados pelo art. 478 do Código Civil para a resolução por onerosidade excessiva (em especial, na passagem “em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”).[7]
A alegação de onerosidade excessiva não parece, contudo, o fundamento mais apurado para o pleito de resolução contratual a ser porventura movido pelos credores nas diversas situações relatadas (os adquirente dos ingressos para certo show ou peça teatral, por exemplo). Nelas, como visto, não se está diante de um agravamento do sacrifício econômico a cargo do credor – o que inviabiliza, de pronto, a invocação da teoria da excessiva onerosidade. O que se verifica naquelas hipóteses fáticas parece se qualificar mais propriamente, em realidade, como uma clássica ocorrência de impossibilidade jurídica superveniente do objeto do contrato, o que poderia vir a justificar, a depender de cada caso concreto, o pedido de resolução. Trata-se de solução amplamente consagrada pelo Código Civil brasileiro, como se verifica, por exemplo, no tratamento dispensado à impossibilidade superveniente da prestação no âmbito da disciplina geral das obrigações de dar coisa certa (art. 234), de fazer (art. 248) e de não fazer (art. 250), bem como na seara do regramento específico do contrato de prestação de serviço (art. 607).
Semelhante conclusão – embora a partir de fundamentação diferenciada – se alcança no segundo grupo de hipóteses fáticas (a saber, aquelas em que uma das partes não mais encontra interesse útil na prestação a que faria jus). Em tais situações, a conjuntura atual (composta pelos graves riscos associados, nos exemplos descritos, à circulação e à aglomeração de pessoas) inviabiliza a concretização das finalidades que as partes originariamente almejaram ao entabular as prestações a cargo de cada uma delas.[8] Essa impossibilidade se associa, assim, à figura que, em decorrência de certa contaminação pela experiência da common law, por vezes se denomina frustração do fim do contrato – expressão com a qual se busca tão somente aludir à impossibilidade de concretização do programa contratual originário, isto é, da concretização da síntese de interesses que as partes objetivamente inseriram na avença (informada pela noção de causa contratual em concreto).[9] Em suma, a peculiaridade dessas hipóteses fáticas, que não deixam de representar uma impossibilidade superveniente, reside na circunstância de que tal impossibilidade somente se percebe no plano funcional (não já no plano estrutural, como aquela decorrente de simples norma proibitiva da execução do contrato). Em outros termos, sua identificação se dá a partir da constatação de que a prestação a cargo do devedor não mais se revela idônea a promover a síntese de interesses insculpidos no contrato. Exige-se, assim, do intérprete uma análise mais sofisticada, atenta à dinâmica contratual, porém ainda atrelada ao tradicional instituto da impossibilidade.
Por certo, as circunstâncias do novo coronavírus não podem ser interpretadas como evidência, ipso facto, da impossibilidade superveniente de concretização de todo e qualquer programa contratual. A análise, como sempre (e, particularmente, quanto mais demarcada for a relevância de um olhar funcional sobre o contrato), dependerá das peculiaridades de cada caso concreto. Em linhas gerais, parece razoável supor que, para a generalidade dos passageiros em voos aéreos, por exemplo, o risco de contaminação (seja no próprio voo, seja no local de destino), em se tratando de enfermidade com a virulência e o índice de letalidade da COVID-19, há efetiva impossibilidade de obtenção dos fins originalmente previstos pelo contrato. A solução, porém, poderia ser diferente, a depender de inúmeras variáveis. A contratação se deu depois de divulgadas as primeiras notícias sobre a pandemia? A finalidade (turística, profissional etc.) da viagem foi informada no âmbito da negociação? Essa finalidade foi efetivamente prejudicada com a disseminação da doença? E assim por diante.
Chega-se ao terceiro grupo de hipóteses fáticas, a saber, aquelas em que uma das partes passa a sofrer sacrifício patrimonial muito superior ao originalmente previsto. É precisamente nestas que parece mais razoável cogitar da configuração da onerosidade excessiva, o que torna ainda mais curiosa a circunstância de esse grupo de hipóteses fáticas raramente ser suscitado nos estudos que invocam a teoria em comento. De qualquer modo, é nas situações deste grupo que parece mais embasada, ao menos em tese, a alegação de excessiva onerosidade, em razão do possível agravamento do sacrifício econômico a ser suportado pelo devedor. Não se olvide que a resolução dependerá, em todo caso, de o devedor lograr demonstrar tanto a efetiva configuração de excessiva onerosidade, com manifesta vantagem para a outra parte, quanto o preenchimento dos demais requisitos previstos em lei.
Em qualquer caso, a resolução, seja em decorrência da impossibilidade superveniente, seja em decorrência da onerosidade excessiva, além de resultar na extinção das obrigações decorrentes do contrato, poderá dar azo à deflagração do dever de restituir (caso um dos contratantes tenha recebido uma prestação sem ter ele próprio prestado a devida contrapartida).[10] A extinção contratual, solução radical que é, acarreta, em regra, consequências drásticas, motivo pelo qual se impõe cautela na modulação de seus efeitos retroativos, sobretudo quando se pretende dar fim a relações contratuais de longa duração.[11] Justamente por isso, supera-se, cada vez mais, a antiga concepção segundo a qual a resolução do contrato seria menos atentatória à autonomia privada do que a sua revisão.[12] Nesse sentido, sempre que possível, o reequilíbrio do contrato por meio de sua revisão deve ser visto como remédio preferencial ao pleito resolutório.[13] E, de todo modo, tanto a resolução quanto a revisão devem observar cuidadosamente os requisitos legalmente previstos.
Mais do que isso, devem-se prestigiar sempre as soluções consensuais que possam ser alcançadas em cada setor econômico, sobretudo em um momento excepcional como o presente. Assim, por exemplo, a Abrasce, associação de empresas de shopping center, e a Alshop, entidade representante dos lojistas, firmaram entendimento em relação à isenção dos aluguéis devidos pelos lojistas durante o período em que seus estabelecimentos permanecerem fechados.[14] Do mesmo modo, algumas produtoras de eventos musicais adiados em decorrência das medidas de contenção da COVID-19 transferiram automaticamente os ingressos já vendidos para novas datas, aparentemente sem prejuízo ao interesse da média dos espectadores, ao mesmo tempo em que facultaram aos adquirentes a possibilidade de reembolso se assim preferirem.[15] Tais soluções são louváveis, na medida em que evitam a judicialização desnecessária dessas questões.
A responsabilidade do jurista em tempos de crise, como se afirmou, é a de zelar pela garantia dos valores do ordenamento e, em meio à incerteza sentida no meio social, promover estabilidade e segurança nas relações jurídicas. Antes, portanto, de ceder ao impulso de qualificações jurídicas precipitadas, incumbe-lhe indagar se estão presentes os elementos caracterizadores das hipóteses normativas, frutos de juízos de valor previamente realizados pelo legislador, dos quais não pode abrir mão. Particularmente em matéria contratual, deve, ainda, perquirir se e em que medida as circunstâncias da disseminação da COVID-19, sem dúvida alarmantes, efetivamente comprometeram o originário equilíbrio de interesses de cada contrato concretamente considerado. A rigor, este será, ainda e sempre, o critério balizador, seja dos institutos autorizadores da resolução contratual, seja de eventuais pedidos revisionais.[16]
[1] V., por todos, MUCELIN, Guilherme; D’AQUINO, Lúcia Souza. O papel do Direito do Consumidor para o bem-estar da população brasileira e o enfrentamento à pandemia de COVID-19. Revista de Direito do Consumidor, vol. 129, maio/jun. 2020, item 1.
[2] V., ao propósito, TERRA, Aline de Miranda Valverde. Covid-19 e os contratos de locação em shopping center. Migalhas, 20/03/2020.
[3] Registre-se, por oportuno, que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Resolução Normativa n. 453, de 12 de março de 2020, estabeleceu a cobertura obrigatória e a utilização de testes diagnósticos para infecção pelo Coronavírus no âmbito da saúde suplementar.
[4] Da maior relevância, nesse sentido, é a advertência feita por Anderson Schreiber sobre o momento atual, que alerta a respeito de “um erro metodológico grave, que se tornou comum no meio jurídico brasileiro: classificar os acontecimentos em abstrato como ‘inevitáveis’, ‘imprevisíveis’, ‘extraordinários’ para, a partir daí, extrair seus efeitos para os contratos em geral. Nosso sistema jurídico não admite esse tipo de abstração. O ponto de partida deve ser sempre cada relação contratual em sua individualidade” (SCHREIBER, Anderson. Devagar com o andor: coronavírus e contratos - Importância da boa-fé e do dever de renegociar antes de cogitar de qualquer medida terminativa ou revisional. Migalhas, 23/03/2020).
[5] A respeito, v., por todos, PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: GZ, 2011, p. 398-399.
[6] Sobre o equívoco na confusão entre causalidade e as noções de culpa e imputabilidade, cf. SOUZA, Eduardo Nunes de. Nexo causal e culpa na responsabilidade civil: subsídios para uma necessária distinção conceitual. Civilistica.com, a. 7, n. 3, 2018, passim.
[7] Para o desenvolvimento da análise dos requisitos previstos pelo art. 478 do Código Civil, v. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Volume único. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019, p. 603 e ss.
[8] Em sentido semelhante, v. MIRAGEM, Bruno. Nota relativa à pandemia de coronavírus e suas repercussões sobre os contratos e a responsabilidade civil. Revista dos Tribunais, vol. 1015, maio 2020, item “Impossibilidade de cumprimento”; e OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. O coronavírus, a quebra antecipada não culposa de contratos e a revisão contratual: o teste da vontade presumível. Migalhas, 17/03/2020.
[9] Sobre a utilidade da noção de causa em concreto para o melhor tratamento dessa figura, bem como a possibilidade de enquadramento da frustração do fim do contrato como uma hipótese de impossibilidade superveniente, v. SOUZA, Eduardo Nunes de. De volta à causa contratual: aplicações da função negocial nas invalidades e nas vicissitudes supervenientes do contrato. Civilistica.com, a. 8, n. 2, 2019, item 5.
[10] Ao propósito da deflagração do dever de restituir no âmbito da relação de liquidação instaurada pela resolução contratual, em hipótese de ausência superveniente de causa para a atribuição patrimonial (art. 885 do Código Civil), seja consentido remeter a SILVA, Rodrigo da Guia. Enriquecimento sem causa: as obrigações restitutórias no direito civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 274 e ss.
[11] Para um desenvolvimento da análise, v. SILV, Rodrigo da Guia. Cláusulas de não restituir versus cláusulas de não indenizar: perspectivas de delimitação dogmática a partir de uma análise funcional dos efeitos da resolução contratual. Revista IBERC, v. 2, n. 1, jan./abr. 2019, item 3.
[12] A destacar o prestígio contemporâneo da revisão contratual, v. TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Fundamentos do direito civil. Volume 2: Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 225. V., ainda, TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson. In: Fundamentos do direito civil. Volume 3: Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 140.
[13] No mesmo sentido, v. SCHREIBER, Anderson. Devagar com o andor: coronavírus e contratos, cit.
[14] Shoppings e lojistas orientam isenção de aluguel de lojas fechadas. Valor Econômico, 23/03/2020.
[15] Saiba tudo que já foi cancelado na cultura por causa do coronavírus. Folha de São Paulo, 12/03/2020.
[16] Nesse sentido, v. SOUZA, Eduardo Nunes de. De volta à causa contratual, cit., item 5.
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