Termos jurídicos, o direito pensado
JONES
FIGUEIRÊDO ALVES.
DESEMBARGADOR DECANO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
PERNAMBUCO E MESTRE EM CIENCIAS JURÍDICAS PELA FACULDADE DE DIREITO DA
UNIVERSIDADE CLÁSSICA DE LISBOA.
Os termos como referências
de significados substanciais sempre buscam uma linguagem própria a comunicar o
pensamento sobre algo. Assim, os termos jurídicos declaram o direito,
contemplam axiomas, abreviam conotações técnico-legais, definem situações
jurígenas. A seu turno, os termos científicos relacionam algo de insciência dos
comuns, de utilização restrita, revelando o domínio íntimo da ciência.
Seguem-se também expressões outras, literárias ou históricas, que servem também
a traduzir situações, acentuando significados marcantes.
Agora, o termo “curiosidades suspicazes” foi cunhado
pela civilista Rosa Maria Andrade Nery, durante palestra realizada no Instituto
dos Advogados de São Paulo - IASP, (17.09.16), ao tratar do Estatuto da Pessoa
com Deficiência (Lei nº 13;146/2015), onde, objetivamente, diante da técnica
das “tailoread measures” são
estabelecidas as “limitações sob medida” para os padecentes de transtornos
mentais.
O desafio, porém, é
suspeitar por curiosidade o quanto as incapacidades tornam a pessoa incapaz, na
complexidade das patologias, ou, melhor ainda, se a nova disciplina jurídica
resolve a contento a curiosidade a esse respeito. No mais, suspicaz será sempre
a suspeita, própria do comportamento que desconfia, e a todo rigor dogmático,
curiosidades suspicazes, nesse plano, impõem medidas de cautela a descobrir e
saber o fato certo.
De curiosidades e curiosos,
aliás, como resultante etimológica do trato de algo por alguém com cuidados e
diligências especiais (Covarrubias, 1611), dirá muito bem o ensaísta e
pesquisador argentino Alberto Manguel em sua obra “Uma história natural da
curiosidade” (Ed. Companhia das Letras, 2016, 486 p.).
Pois bem. Outro termo
jurídico a indicar, com exatidão, a ideia que o representa, está contido na
lição do notável civilista português Antônio Menezes Cordeiro, quando
expressou: “O Direito civil procura a felicidade das pessoas: nunca poderá
contemporizar com a maldade gratuita.” (“Tratado de Direito Civil Português”,
2º volume, Tomo III; Almedina, Coimbra, 2010, p. 557). Segue-se, então, que
desse seu valioso e emblemático ensinamento, extraímos o termo “maldade gratuita”, para dogmatiza-lo
como uma nova fonte de aplicação aquiliana ao reconhecimento da
responsabilidade civil, porquanto caracterizado como ilícito civil recorrente
na sociedade contemporânea.
Em nossa tese de mestrado
“Identid@de Pesso@l na Sociedade da Informação. Dimensões de Autodeterminação e
Ilicitude Civil”, defendida na Faculdade de Direito na Universidade Clássica de
Lisboa (2015), empreendemos a dogmatização do termo, no trato de regulamentação
jurídica das relações internéticas, ante os conflitos de interesses bem
situados e/ou as novas e determinadas ilicitudes, advenientes das mídias e
redes sociais e do tráfego das comunicações virtuais sob a inspiração condutora
e contumaz da “maldade gratuita”.
Anota-se, ainda, a expressão “abuso de direito” (“abus de droit”) apresentada pelo jurista belga F. Laurent (“Principes de Droit Civil Français”, 3.a
ed.,1878) para designar situações de responsabilidade, cometidas por quem como
titular de um direito, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. É o abuso
do senhor feudal que sepultando sua mulher nos domínios do castelo impede seu
próprio filho, de quem desafeto, de visitar o túmulo da mãe, cujo fato levado a
julgamento em tribunal alemão, veio constituir a doutrina da nova espécie de
ilicitude civil.
A sua base legal explícita, em nosso
direito, está contida no artigo 187 do Código Civil de 2002. Bem certo que o
renomado civilista Menezes Cordeiro, em sua máxima obra “Da Boa Fé no Direito
Civil” (Almedina,1997), é quem dogmatiza, com maestria, o “abuso de direito”
como instituto jurídico.
Cumpre referir que, no
direito de família, dois termos jurídicos se apresentam também icônicos: o da “desbiologização
da paternidade” e o da “paternidade socioafetiva”, construídos por dois
importantes juristas.
João Baptista Vilela
consagrou o primeiro, em sua célebre aula proferida na Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais (1979) perseverando que “a posse do estado
de filho” trespassa o vínculo biológico como elemento determinante de
paternidade adquirida pelo afeto. (http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156/1089).
O segundo, dogmatizado por
Luiz Edson Fachin, quando instituiu que a socioafetividade atua como o elemento
decisor da paternidade e da formação institucional de família. Afinal, a
paternidade exige mais que um liame genético, ela se aperfeiçoa e se define
pela afeição.
Na esfera familiar, ainda, a
expressão “violência doméstica”
ganhou maiores latitudes jurídicas. Nos anos 70, Lenore Walker teorizou, nos
Estados Unidos, acerca da violência doméstica, depois de uma década que
registrou o incremento dos chamados domestics abuse acts. Leis estaduais norte-americanas passaram a
exercer o controle dessa nova espécie de criminalidade, vindo, afinal, a lei
federal Violence Against Women Actc (VAWA) estabelecer provisões legais,
despontando medidas cautelares como ordens de restrição e sanções penais
severas. Em nosso país, a “Lei Maria da Penha” disciplinou a respeito.
No âmbito judiciário, deve ser destacado, de logo, o termo “acesso à justiça”, creditado a Mauro
Cappeletti e Bryant Garth. No seu
“Projeto Florença” (1970-1979), afirmam que “o acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como requisito
fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno
e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de
todos”. Ao depois, Kazuo Watanabe cunhou a expressão “acesso à ordem
jurídica justa”, sob o viés dos direitos fundamentais.
A seu turno,
o termo “ativismo judicial” foi teorizado por Thumen
Koormans, no seu estudo “The roots of
judicial activism” (1988).
Termo jurídico mais recente tem sido
agora adotado na França, o do “estágio de
cidadania”, quando se pretende regular o uso de indumentárias por mulheres
muçulmanas nos espaços públicos, a exemplo da “burca” ou “niqab”.
Muitos outros termos jurídicos estão a
pensar o direito, implicando importantes institutos em sua melhor dicção.
A celebrar os juristas que os
consagraram, cumpre-lhes dizer, a cada um deles, pela contribuição relevante,
um “Deus te Abençoe”.
A propósito, essa expressão religiosa foi institucionalizada por decreto do Papa
Gregório I, o Grande, no ano 600 (16 de fevereiro).
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