RESUMO.
INFORMATIVO 588 DO STJ.
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.
DESCLASSIFICAÇÃO DE OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE DE AUTOGESTÃO COMO FORNECEDORA.
Não se aplica o CDC às relações existentes entre operadoras de planos de saúde
constituídas sob a modalidade de autogestão e seus filiados, na hipótese em que
firmado contrato de cobertura médico-hospitalar. A
jurisprudência do STJ, até o presente momento, vem externando o entendimento de
que as normas do CDC regulam as relações existentes entre filiados e operadoras
de planos de saúde, ainda que estas se constituam na forma de autogestão, sem
fins lucrativos, uma vez que a relação de consumo se caracterizaria pelo objeto
contratado, ou seja, a cobertura médico-hospitalar (REsp 519.310-SP, Terceira
Turma, DJ 24/5/2004). Acontece que, após recente julgamento realizado pela
Segunda Seção (REsp 1.536.786-MG, DJe 20/10/2015), em que foi analisada questão
de certo modo assemelhada, consistente na incidência das mesmas regras do CDC
às relações envolvendo entidades de previdência privada fechadas, os aspectos
lá considerados para o afastamento da legislação consumerista mostram-se de
aplicação pertinente ao caso de entidades que administrem plano de saúde de
autogestão, tendo em vista a coincidência de características entre as
entidades, reclamando a necessidade de renovação da discussão da matéria,
sempre no intuito do aperfeiçoamento da jurisprudência. Com efeito, os planos
de autogestão são assim denominados dada a opção feita pela empresa empregadora
em assumir a responsabilidade pela gestão e pelo fornecimento de serviços de
assistência médico-hospitalar, seja por meio de rede própria seja por meio de
convênios ou quaisquer tipos de associação com as empresas que fornecerão, de
fato, o serviço. À luz da Lei n. 9.656/1998, é possível afirmar que, apesar de
serem reguladas pela mesma norma das operadoras comerciais, há, em relação a
pessoas jurídicas que mantêm sistemas de assistência à saúde pela modalidade de
autogestão, diferenças de tratamento, e uma das mais significativas diz
respeito à inexigibilidade para as últimas entidades de oferecimento de
plano-referência, indispensável para a constituição das pessoas jurídicas que
não operam nesta modalidade. De certo, o objetivo perseguido pela lei por
ocasião da criação do plano-referência foi tornar óbvias as obrigações das
operadoras e, na mesma linha, as cláusulas de exclusão de cobertura, para que o
contrato firmado não se mostrasse iníquo para o consumidor, principalmente no
momento em que necessitasse da assistência do plano. A exclusão das operadoras
de autogestão da obrigatoriedade do oferecimento do plano-referência
justifica-se na própria razão de ser do modelo. É que, pensado para garantir o
mínimo ao usuário, o plano-referência também representa forma de incremento na
competição entre as operadoras, uma vez que, por serem praticamente idênticos
os serviços disponibilizados, diferente apenas o preço, a escolha do consumidor
é facilitada, sendo realizada por meio de simples comparação. Na linha desse
raciocínio, como as entidades de autogestão não podem oferecer seus planos no
mercado de consumo sob pena de total descaraterização da modalidade, não faz
sentido, para essas pessoas jurídicas, a exigência desse mínimo. A doutrina que
comenta o CDC vê, nessa particularidade, razão bastante para que o diploma
consumerista não seja aplicado às relações constituídas com as operadoras de
autogestão. Noutro ponto, ainda para afastar a incidência do CDC das relações
com as autogestoras, doutrina assinala que, mesmo havendo retribuição dos
serviços prestados por meio de remuneração, isso não parece suficiente para
mudar o entendimento até aqui afirmado. Assim, há diferenças sensíveis e
marcantes entre as diversas modalidades de operadoras de plano de saúde. Embora
todas celebrem contratos cujo objeto é a assistência privada à saúde, apenas as
comerciais operam em regime de mercado, podendo auferir lucro das contribuições
vertidas pelos participantes (proveito econômico), não havendo nenhuma
imposição legal de participação na gestão dos planos de benefícios ou da
própria entidade. Anote-se, ademais, que, assim como ocorre nos casos de
entidades de previdência privada fechada, os valores alocados ao fundo comum
obtidos nas entidades de autogestão pertencem aos participantes e beneficiários
do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo
excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios
integrantes. Portanto, as regras do Código Consumerista, mesmo em situações que
não sejam regulamentadas pela legislação especial, não se aplicam às relações
envolvendo entidades de planos de saúde constituídas sob a modalidade de
autogestão. Assim, o "tratamento legal a ser dado na relação jurídica
entre os associados e os planos de saúde de autogestão, os chamados planos
fechados, não pode ser o mesmo dos planos comuns, sob pena de se criar
prejuízos e desequilíbrios que, se não inviabilizarem a instituição, acabarão
elevando o ônus dos demais associados, desrespeitando normas e regulamentos que
eles próprios criaram para que o plano se viabilize. Aqueles que seguem e
respeitam as normas do plano arcarão com o prejuízo, pois a fonte de receita é
a contribuição dos associados acrescida da patronal ou da instituidora"
(REsp 1.121.067-PR, Terceira Turma, DJe 3/2/2012).REsp 1.285.483-PB, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 22/6/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO CIVIL. HIPÓTESE EM QUE NÃO É
ASSEGURADO AO EX-EMPREGADO O DIREITO DE MANTER SUA CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIO EM
PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. O empregado que for aposentado ou demitido
sem justa causa não terá direito de ser mantido em plano de saúde coletivo
empresarial custeado exclusivamente pelo empregador - sendo irrelevante se
houver coparticipação no pagamento de procedimentos de assistência médica,
hospitalar e odontológica -, salvo disposição contrária expressa em contrato ou
em convenção coletiva de trabalho. De fato,
é assegurado ao trabalhador demitido sem justa causa ou ao aposentado que
contribuiu para o plano de saúde em decorrência do vínculo empregatício o
direito de manutenção como beneficiário nas mesmas condições de cobertura
assistencial de que gozava por ocasião da vigência do contrato de trabalho,
desde que assuma o seu pagamento integral (arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1998).
Assim, uma das condições exigidas para a aquisição desse direito é o empregado
contribuir, na atividade, para o custeio do plano de saúde. Contribuir
significa, nos termos da lei, pagar uma mensalidade, independentemente de se
estar usufruindo dos serviços de assistência médica. Nesse contexto,
contribuição não se confunde com coparticipação. Por um lado, a coparticipação
é um fator de moderação, previsto em alguns contratos, que consiste no valor
cobrado do consumidor apenas quando utilizar o plano de saúde, possuindo, por
isso mesmo, valor variável, a depender do evento sucedido. Sua função,
portanto, é a de desestimular o uso desenfreado de serviços de saúde
suplementar. Por outro lado, conforme o conceito constante do art. 2°, I, da RN
n. 279/2011 da ANS, que regulamentou os arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1997,
considera-se "contribuição: qualquer valor pago pelo empregado, inclusive
com desconto em folha de pagamento, para custear parte ou a integralidade da
contraprestação pecuniária de seu plano privado de assistência à saúde
oferecido pelo empregador em decorrência de vínculo empregatício, à exceção dos
valores relacionados aos dependentes e agregados e à co-participação ou
franquia paga única e exclusivamente em procedimentos, como fator de moderação,
na utilização dos serviços de assistência médica ou odontológica". Logo,
quanto aos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador,
não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa
causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em
contrato ou em convenção coletiva de trabalho, sendo irrelevante a existência
de coparticipação, pois, como visto, esta não se confunde com contribuição.
Quanto à caracterização do plano concedido pelo empregador de assistência
médica, hospitalar e odontológica como salário indireto, o art. 458, § 2º, IV,
da CLT é expresso em dispor que esse benefício não possui índole salarial, seja
em relação aos serviços prestados diretamente pela empresa seja em relação aos
prestados por determinada operadora. Com efeito, o plano de saúde fornecido
pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza
retributiva, não constituindo salário-utilidade (salário in
natura), sobretudo por não ser
contraprestação ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui
natureza preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves
deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado. Nesse
sentido, há julgados do TST (RR 451318-95.1998.5.01.5555, Quarta Turma, DJ de
30/5/2003; e RR 9962700-09.2003.5.04.0900, Quinta Turma, DEJT 18/9/2009). REsp 1.594.346-SP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO CIVIL. ILICITUDE DA PROIBIÇÃO DE USO
DE ÁREAS COMUNS PELO CONDÔMINO INADIMPLENTE. O condomínio, independentemente de
previsão em regimento interno, não pode proibir, em razão de inadimplência,
condômino e seus familiares de usar áreas comuns, ainda que destinadas apenas a
lazer. Isso porque a adoção de tal medida, a um só tempo,
desnatura o instituto do condomínio, a comprometer o direito de propriedade
afeto à própria unidade imobiliária, refoge das consequências legais
especificamente previstas para a hipótese de inadimplemento das despesas
condominiais e, em última análise, impõe ilegítimo constrangimento ao condômino
(em mora) e aos seus familiares, em manifesto descompasso com o princípio da
dignidade da pessoa humana. O direito do condômino ao uso das partes comuns,
seja qual for a destinação a elas atribuída, não decorre da situação
(circunstancial) de adimplência das despesas condominiais, mas sim do fato de
que, por lei, a unidade imobiliária abrange, como inseparável, uma fração ideal
no solo (representado pela própria unidade) bem como nas outras partes comuns,
que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de
instituição do condomínio (§ 3º do art. 1.331 do CC). Ou seja, a propriedade da
unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes
comuns. Efetivamente, para a específica hipótese de descumprimento do dever de
contribuição pelas despesas condominiais, o CC (arts. 1.336 e 1.337) impõe ao
condômino inadimplente severas sanções de ordem pecuniária, na medida de sua
recalcitrância. A partir do detalhamento das aludidas penalidades, verifica-se
que a inadimplência das despesas condominiais enseja, num primeiro momento, o
pagamento de juros moratórios de 1% ao mês, caso não convencionado outro
percentual, e multa de até 2% sobre o débito (art. 1.336, § 1º, do CC). Sem
prejuízo desta sanção, em havendo a deliberada reiteração do comportamento
faltoso (o que não se confunde o simples inadimplemento involuntário de alguns
débitos), instaurando-se permanente situação de inadimplência, o CC estabelece
a possibilidade de o condomínio, mediante deliberação de ¾ (três quartos) dos
condôminos restantes, impor ao devedor contumaz outras penalidades, também de
caráter pecuniário, segundo gradação proporcional à gravidade e à repetição
dessa conduta. Assim, segundo dispõe o art. 1.337, caput e parágrafo único, do CC, a descrita reiteração do
descumprimento do dever de contribuição das despesas condominiais, poderá
ensejar, primeiro, uma imposição de multa pecuniária correspondente ao
quíntuplo do valor da respectiva cota condominial (500%) e, caso o comportamento
do devedor contumaz evidencie, de fato, uma postura transgressora das regras
impostas àquela coletividade (condômino antissocial), podendo, inclusive,
comprometer a própria solvência financeira do condomínio, será possível
impor-lhe, segundo o mencionado quórum, a multa pecuniária correspondente de
até o décuplo do valor da correlata cota condominial (1.000%). Já o art. 1.334,
IV, do CC apenas refere quais matérias devem ser tratadas na convenção
condominial, entre as quais as sanções a serem impostas aos condôminos
faltosos. E nos artigos subsequentes, estabeleceu-se, para a específica
hipótese de descumprimento do dever de contribuição com as despesas
condominiais, a imposição de sanções pecuniárias. Inexiste, assim, margem
discricionária para outras sanções que não as pecuniárias, nos limites da lei,
para o caso de inadimplência das cotas condominiais. Aliás, é de se indagar
qual seria o efeito prático da medida imposta (restrição de acesso às áreas
comuns), senão o de expor o condômino inadimplente e seus familiares a uma
situação vexatória perante o meio social em que residem. Além das penalidades
pecuniárias, é de se destacar, também, que a lei adjetiva civil, atenta à
essencialidade do cumprimento do dever de contribuir com as despesas condominiais,
estabelece a favor do condomínio efetivas condições de obter a satisfação de
seu crédito, inclusive por meio de procedimento que privilegia a celeridade.
Efetivamente, a Lei n. 8.009/1990 confere ao condomínio uma importante garantia
à satisfação dos débitos condominiais: a própria unidade condominial pode ser
objeto de constrição judicial, não sendo dado ao condômino devedor deduzir,
como matéria de defesa, a impenhorabilidade do bem como sendo de família. E, em
reconhecimento à premência da satisfação do crédito relativo às despesas
condominiais, o CPC/1973 estabelecia o rito mais célere, o sumário, para a
respectiva ação de cobrança. Na sistemática do novo CPC, as cotas condominiais
passaram a ter natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), a
viabilizar, por conseguinte, o manejo de ação executiva, tornando ainda mais
célere a satisfação do débito por meio da incursão no patrimônio do devedor
(possivelmente sobre a própria unidade imobiliária). Ademais, além de refugir
dos gravosos instrumentos postos à disposição do condomínio para a específica
hipótese de inadimplemento das despesas condominiais, a vedação de acesso e de
utilização de qualquer área comum pelo condômino e seus familiares, com o único
e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência
perante o meio social em que residem, desborda dos ditames do princípio da
dignidade humana. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016.
DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL
APÓS AQUISIÇÃO DE DUPLA CIDADANIA. O brasileiro que adquiriu dupla cidadania
pode ter seu nome retificado no registro civil do Brasil, desde que isso não
cause prejuízo a terceiros, quando vier a sofrer transtornos no exercício da
cidadania por força da apresentação de documentos estrangeiros com sobrenome
imposto por lei estrangeira e diferente do que consta em seus documentos
brasileiros. Isso porque os transtornos que vem
sofrendo ao exercitar sua cidadania em razão de a sua documentação oficial
estar com nomes distintos constitui justo motivo para se flexibilizar a
interpretação dos arts. 56 e 57 da Lei n. 6.015/1973 (Lei dos Registros
Públicos), na linha da sedimentada jurisprudência do STJ. Ressalte-se que, se o
STJ flexibiliza a imutabilidade do nome para a hipótese de requerimento de obtenção
de dupla cidadania, com mais razão vislumbra-se a necessidade de se
flexibilizar para hipótese em que já se obteve a dupla nacionalidade,
prestigiando, assim, o princípio da simetria, da uniformidade, da verdade real
e da segurança jurídica, que norteiam o sistema registral brasileiro. Essa
flexibilização, na interpretação dos artigos da Lei de Registros Públicos,
visa, sobretudo, assegurar o exercício da cidadania, ou seja, o próprio papel
que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa
(REsp 1.412.260-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2014). Além disso, "não se
pode negar que a apresentação de documentos contendo informações destoantes nos
assentamentos registrais dificulta, na prática, a realização dos atos da vida
civil, além de gerar transtornos e aborrecimentos desnecessários" (REsp
1.279.952-MG, Terceira Turma, DJe 12/2/2015). Por fim, inexistentes prejuízos a
terceiros em razão do deferimento da retificação, claro que, em razão do
princípio da segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos
jurídicos até então praticados, o nome não deve ser suprimido dos
assentamentos, procedendo-se, tão somente, à averbação da alteração requerida
com a respectiva autorização para emissão dos documentos atualizados com o nome
uniforme. REsp 1.310.088-MG, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 17/5/2016,
DJe 19/8/2016.
DIREITO
CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL E IMPOSSIBILIDADE DE PARTILHA DE LUCROS DE
SOCIEDADE EMPRESÁRIA QUANDO DESTINADOS À CONTA DE RESERVA. Os lucros de
sociedade empresária destinados a sua própria conta de reserva não são
partilháveis entre o casal no caso de dissolução de união estável de sócio. É válido mencionar
que, de acordo com doutrina, "reserva nada mais é do que o lucro não
distribuído", sendo que "A finalidade jurídica das reservas [...] é
servir de garantia e reforço do capital social, garantia dos credores. 'São
adiantamentos ao capital das empresas' [...] 'ao qual servem de reforço. Daí
dizer-se que as reservas pertencem à sociedade e não ao sócio'". De fato,
a capitalização de reservas e de lucros constitui produto da sociedade
empresarial, pois incrementa o capital social com o remanejamento de valores
contábeis da sociedade empresária. Nessa perspectiva, o lucro destinado à conta
de reserva pertence apenas à sociedade, de modo que não se caracteriza como
fruto - à luz do art. 1.660, V, do CC - apto a integrar o rol de bens
comunicáveis ante a dissolução de sociedade familiar. No caso, os lucros da
sociedade empresária não foram distribuídos aos sócios, mas ficaram retidos
para reinvestimento, pertencendo à conta reserva da pessoa jurídica. Essa
quantia, destinada a futuro aumento de capital (capitalização futura), não
deve, por isso, ser partilhada em virtude do fim da união estável. REsp 1.595.775-AP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO
CIVIL. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS DECORRENTES DE
EVENTO EXECUTADO POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA CONTRATADA MEDIANTE LICITAÇÃO. No
caso em que sociedade empresária tenha sido contratada mediante licitação para
a execução integral de evento festivo promovido pelo Poder Público, a
contratada - e não o ente que apenas a contratou, sem colaborar direta ou
indiretamente para a execução do espetáculo - será responsável pelo pagamento
dos direitos autorais referente às obras musicais executadas no evento, salvo
se comprovada a ação culposa do contratante quanto ao dever de fiscalizar o
cumprimento dos contratos públicos (culpa in eligendo ou in
vigilando). No julgamento da ADC 16-DF (Tribunal Pleno, DJe
8/9/2011), o STF declarou a constitucionalidade do art. 71 da Lei n. 8.666/1993,
cujo caputdispõe que: "O contratado é responsável pelos
encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da
execução do contrato". Ressalte-se que, nesse julgamento, prevaleceu a
tese de que a análise do caso poderia implicar a responsabilização subsidiária
do Poder Público pelos encargos trabalhistas, sobretudo na hipótese de ação
culposa da Administração quanto ao dever de fiscalizar o cumprimento dos
contratos públicos (culpa in eligendo ou in vigilando).
No mesmo sentido, os seguintes precedentes do STF: AgR na Rcl 16.846-SC,
Primeira Turma, DJe 4/8/2015; e AgR na Rcl 17.618-RS, Segunda Turma, DJe
20/3/2015. A norma em comento, conquanto examinada pelo STF apenas quanto aos
encargos trabalhistas, também veda a transferência à Administração Pública da
responsabilidade pelo pagamento dos encargos comerciais. De acordo com o § 4º
do art. 68 da Lei n. 9.610/1998, previamente à realização da execução pública
de obras musicais, o empresário - expressão aqui entendida como o responsável
pela realização do evento - deve apresentar ao ECAD a comprovação dos
recolhimentos relativos aos direitos autorais, competindo à referida entidade,
em caso de descumprimento dessa obrigação, exercer seu ofício arrecadatório nos
moldes do art. 99 do mesmo diploma legal, em juízo ou fora dele. No entanto, a
obrigatoriedade desse recolhimento, ainda que por expressa previsão legal, não
retira a natureza eminentemente privada da relação obrigacional, sobretudo
porque em análise apenas a vertente patrimonial dos direitos do autor. Desse
modo, em se tratando da cobrança de direitos cuja natureza jurídica é
eminentemente privada, decorrente da execução pública de obras musicais sem
prévia autorização do autor ou titular, consideram-se perfeitamente inseridos
no conceito de "encargos [...] comerciais" os valores cobrados pelo
ECAD. Ademais, a expressão "encargos [...] comerciais", contida no
art. 71 da Lei n. 8.666/1993, deve ser interpretada da forma mais ampla
possível, de modo a abranger todos os custos inerentes à execução do contrato
celebrado mediante prévio procedimento licitatório. Nessa perspectiva, conforme
entendimento doutrinário, "quando a Administração contrata e paga a
empresa ou o profissional para o fornecimento de bens, para a prestação de serviços
ou para a execução de obras, ela transfere ao contratado toda e qualquer
responsabilidade pelos encargos decorrentes da execução do contrato. Ao ser
apresentada a proposta pelo licitante, ele, portanto, irá fazer incluir em seu
preço todos os encargos, de toda e qualquer natureza. Desse modo, quando o
poder público paga ao contratado o valor da remuneração pela execução de sua
parte na avença, todos os encargos assumidos pelo contratado estão sendo
remunerados. Não cabe, portanto, querer responsabilizar a Administração, por
exemplo, pelos encargos assumidos pelo contratado junto aos seus
fornecedores". A única exceção está expressamente prevista no § 2º do art.
71 da Lei n. 8.666/1993, segundo o qual a Administração Pública responde
solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da
execução do contrato. Fora dessa específica hipótese, não há falar em
responsabilidade solidária. Assim ocorre até mesmo como meio necessário à
garantia de tratamento isonômico entre os concorrentes do certame licitatório e
à seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, visto que, se fosse
possível exigir tais encargos do próprio ente público a posteriori,
esses resultados não seriam alcançados. Com efeito, o tratamento isonômico
cederia lugar à desonestidade daquele concorrente que não faz incluir
determinados encargos em sua proposta, enfraquecendo o caráter competitivo da
licitação, ao passo que a certeza quanto à seleção da proposta mais vantajosa
ficaria condicionada ao efetivo adimplemento dos encargos pelo contratado, o
que não se pode admitir em procedimentos dessa natureza. Nos tempos atuais, em
que os procedimentos licitatórios têm reiteradamente servido à prática de atos
ilícitos e ao desvio de dinheiro público, avulta a importância de se definir de
maneira precisa a extensão das normas que regem o processo de licitação. Resta
aferir se o art. 71 da Lei n. 8.666/1993 pode ser aplicado à cobrança dos
direitos de autor, em confronto com a previsão contida no art. 110 da Lei n.
9.610/1998, segundo o qual "Pela violação de direitos autorais nos
espetáculos e audições públicas, realizados nos locais ou estabelecimentos a
que alude o art. 68, seus proprietários, diretores, gerentes, empresários e
arrendatários respondem solidariamente com os organizadores dos
espetáculos". Em princípio, a Administração deveria responder
solidariamente pelo pagamento dos direitos autorais na hipótese de execução pública
de obras musicais, desde que tenha colaborado de alguma forma, direta ou
indiretamente, para a organização do espetáculo. No entanto, na hipótese em que
a participação do ente público está limitada à contratação de empresa, mediante
licitação, para a realização do evento, surge um aparente conflito de normas a
ser dirimido. O critério da hierarquia não se mostra adequado à solução da
controvérsia, porque ambas são leis ordinárias, tampouco o da especialidade,
segundo o qual a norma especial prevalece sobre a geral, visto que ambas as
normas são especiais, cada qual no seu âmbito de incidência, ora garantindo o
direito particular do autor, ora protegendo o interesse público. Na espécie,
afigura-se mais pertinente valer-se dos princípios aplicáveis à Administração
Pública, entre os quais o da supremacia do interesse público sobre o privado.
Verifica-se, desse modo, que a absoluta preponderância das regras contidas na
Lei n. 8.666/1991, quando em conflito com a Lei de Direitos Autorais, é
corolário lógico do princípio da supremacia do interesse público, notadamente
para garantir que os fins almejados no processo licitatório - isonomia entre os
concorrentes e seleção da proposta mais vantajosa - sejam atingidos, conforme
salientado anteriormente. Destaca-se, ademais, que não se está aqui privando o
autor de exercer seu direito, constitucionalmente assegurado, de receber
retribuição pela utilização de suas obras, mas apenas definindo quem é o
responsável pelo recolhimento dos valores devidos a esse título, sem retirar do
ECAD o direito de promover a cobrança contra aquele que contratou com a
Administração Pública. REsp 1.444.957-MG, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO CIVIL E DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
HIPÓTESE DE IMPOSSIBILIDADE DE AÇÃO DE ADOÇÃO CONJUNTA TRANSMUDAR-SE EM AÇÃO DE
ADOÇÃO UNILATERAL POST MORTEM. Se, no curso da ação de adoção conjunta, um dos
cônjuges desistir do pedido e outro vier a falecer sem ter manifestado
inequívoca intenção de adotar unilateralmente, não poderá ser deferido ao
interessado falecido o pedido de adoção unilateral post mortem. Tratando-se
de adoção em conjunto, um cônjuge não pode adotar sem o consentimento do outro.
Caso contrário, ferirá normas basilares de direito, tal como a autonomia da
vontade, desatendendo, inclusive, ao interesse do adotando (se menor for), já
que questões como estabilidade familiar e ambiência saudável estarão seriamente
comprometidas, pois não haverá como impor a adoção a uma pessoa que não queira.
Daí o porquê de o consentimento ser mútuo. Na hipótese de um casamento, se um
dos cônjuges quiser muito adotar e resolver fazê-lo independentemente do
consentimento do outro, haverá de requerê-lo como se solteiro fosse. Mesmo
assim, não poderia proceder à adoção permanecendo casado e vivendo no mesmo
lar, porquanto não pode o Judiciário impor ao cônjuge não concordante que
aceite em sua casa alguém sem vínculos biológicos. É certo que, mesmo quando se
trata de adoção de pessoa maior, o que pressupõe a dispensa da questão do lar
estável, não se dispensa a manifestação conjunta da vontade. Não fosse por
isso, a questão ainda passa pela adoção post mortem. Nesse aspecto, a manifestação da vontade
apresentar-se-á viciada quando o de cujus houver expressado a intenção de adotar em conjunto, e
não isoladamente. Isso é muito sério, pois a adoção tem efeitos profundos na
vida de uma pessoa, para além do efeito patrimonial. Não se pode dizer que o
falecido preteriria o respeito à opinião e vontade do cônjuge ou companheiro
supérstite e a permanência da harmonia no lar, escolhendo adotar. O STJ vem
decidindo que a dita filiação socioafetiva não dispensa ato de vontade
manifesto do apontado pai/mãe de reconhecer juridicamente a relação de
parentesco (REsp 1.328.380-MS, Terceira Turma, DJe 3/11/2014). Assim, sendo a
adoção ato voluntário e personalíssimo, exceto se houver manifesta intenção
deixada pelo de cujus de
adotar, o ato não pode ser constituído. REsp 1.421.409-DF, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 18/8/2016, DJe 25/8/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR. TERMO INICIAL DO PRAZO
DE PERMANÊNCIA DE REGISTRO DE NOME DE CONSUMIDOR EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO
CRÉDITO. O termo inicial do prazo de permanência de registro de nome de
consumidor em cadastro de proteção ao crédito (art. 43, § 1º, do CDC) inicia-se
no dia subsequente ao vencimento da obrigação não paga, independentemente da
data da inscrição no cadastro. Quanto
ao início da contagem do prazo de 5 anos a que se refere o § 1º do art. 43 do
CDC, vale ressaltar que - não obstante mencionada, em alguns julgados do STJ, a
indicação de que esse prazo passaria a contar da "data da inclusão"
do nome do devedor (conforme constou, por exemplo, da decisão monocrática
proferida no REsp 656.110-RS, DJ 19/8/2004) ou "após o quinto ano do
registro" (expressão que aparece no REsp 472.203-RS, Segunda Seção, DJ
23/6/2004) - o termo inicial do prazo previsto no § 1º do art. 43 nunca foi o
cerne da discussão desses precedentes, merecendo, portanto, melhor reflexão. É
verdade que não constou do § 1º do art. 43 do CDC regra expressa sobre o início
da fluência do prazo relativo ao "período superior a cinco anos".
Entretanto, mesmo em uma exegese puramente literal da norma, é possível inferir
que o legislador quis se referir, ao utilizar a expressão "informações
negativas referentes a período superior a cinco anos", a "informações
relacionadas, relativas, referentes a fatos pertencentes a período superior a
cinco anos", conforme ressalta entendimento doutrinário. E, sendo assim,
em linha doutrinária, conclui-se que "o termo inicial de contagem do prazo
deve ser o da data do ato ou fato que está em registro e não a data do
registro, eis que, se assim fosse, aí sim a lei estaria autorizando que as
anotações fossem perpétuas", pois "bastaria que elas passassem de um
banco de dados para outro ou para um banco de dados novo". Ademais, o CDC,
lei de ordem pública, por expressa disposição em seu art. 1º, deve ser
interpretado sempre de maneira mais favorável ao consumidor. Nesse sentido,
parece que a interpretação que mais se coaduna com o espírito do Código e,
sobretudo, com os fundamentos para a tutela temporal do devedor, aí incluído o
direito ao esquecimento, é a que considera como termo a quo do quinquênio a data do fato gerador da informação
arquivada. De fato, a partir de interpretação literal, lógica, sistemática e
teleológica do enunciado normativo do § 1º do art. 43 do CDC, conclui-se que o
termo a quo do
quinquênio deve levar em consideração a data do fato gerador da informação
depreciadora. Nessa perspectiva, defende-se, doutrinariamente, que "o
termo inicial da contagem do prazo deve coincidir com o momento em que é
possível efetuar a inscrição da informação nos bancos de dados de proteção ao
crédito: o dia seguinte à data do vencimento da dívida" - data em que se
torna possível a efetivação do apontamento negativo -, salientando-se, ainda,
que "o critério é objetivo, pois não pode ficar submetido à vontade do
banco de dados ou do fornecedor, sob pena de esvaziar, por completo, o
propósito legal de impedir consequências negativas, como a denegação do
crédito, em decorrência de dívidas consideradas - legalmente - antigas e
irrelevantes". REsp 1.316.117-SC, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
26/4/2016, DJe 19/8/2016.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. INEXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO FUNDADA EM LEI NÃO RECEPCIONADA
PELA CONSTITUIÇÃO. Ainda que tenha havido o trânsito em julgado, é inexigível a
obrigação reconhecida em sentença com base exclusivamente em lei não
recepcionada pela Constituição. Fundado o título judicial
exclusivamente na aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo
STF como incompatíveis com a CF, é perfeitamente permitido o reconhecimento da
inexigibilidade da obrigação na própria fase de execução. Por outro lado,
fundada a sentença em preceitos outros, decorrentes, por exemplo, da
interpretação da legislação civil ou das disposições constitucionais vigentes,
a obrigação é perfeitamente exigível, só podendo ser suprimida a partir da
rescisão do título pelas vias ordinárias, sob pena de restar configurada grave
ofensa à eficácia preclusiva da coisa julgada material. Isso porque, a partir
da entrada em vigor da Lei n. 11.232/2005, que incluiu, no CPC/1973, o art.
475-L, passou a existir disposição expressa e cogente assegurando ao executado
arguir, em impugnação ao cumprimento de sentença, a inexigibilidade do título
judicial. Essa norma, diga-se de passagem, foi reproduzida, com pequeno ajuste
técnico na terminologia empregada, no art. 525 do CPC/2015. REsp 1.531.095-SP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESE DE ILEGITIMIDADE PARA PLEITEAR O RECONHECIMENTO DE
FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. O filho, em nome próprio, não tem legitimidade para
deduzir em juízo pretensão declaratória de filiação socioafetiva entre sua mãe
- que era maior, capaz e, ao tempo do ajuizamento da ação, pré-morta - e os
supostos pais socioafetivos dela. Em regra, a ação declaratória do estado de
filho, conhecida como investigação de paternidade, é apenas uma espécie do
gênero declaratória de estado familiar, podendo ser exercida por quem tenha
interesse jurídico em ver reconhecida sua condição de descendente de uma
determinada estirpe, apontando a outrem uma ascendência parental,
caracterizadora de parentesco em linha reta, que o coloca na condição de
herdeiro necessário. Ocorre que, segundo dispõe o art. 1.606 do CC, "a
ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos
herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz", sendo inegável, portanto, que
a lei confere legitimidade diretamente ao filho para vindicar o reconhecimento
do vínculo de parentesco, seja ele natural ou socioafetivo - a qual não é
concorrente entre as gerações de graus diferentes -, podendo ser transferida
aos filhos ou netos apenas de forma sucessiva, na hipótese em que a ação tiver
sido iniciada pelo próprio filho e não tiver sido extinto o processo, em
consonância com a norma inserta no parágrafo único do mesmo dispositivo legal
("Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo
se julgado extinto o processo"). Decorre da norma legal em comento que o
estado de filiação - além de se caracterizar como um direito indisponível, em
função do bem comum maior a proteger, e imprescritível, podendo ser reconhecido
a qualquer tempo - é uma pretensão que só pode ser buscada pela pessoa que
detém a aptidão para isso, uma vez que a legislação pátria atribui a essa
tutela a natureza de direito personalíssimo, o qual somente se extingue com a
morte civil. Pondere-se que a aptidão do filho da genitora só se justificaria
se, ao tempo do óbito, ela se encontrasse incapaz, sem apresentar nenhum
indício de capacidade civil ou de que estaria em condições de expressar
livremente sua vontade. Nesse diapasão, verifica-se a existência de doutrina
que comenta o art. 1.606 do CC no sentido de que "o referido comando legal
limita o direito de herdeiros postularem o direito próprio do de cujus,
a não ser que este tenha falecido menor ou incapaz. Não limita, e se o fizesse
seria inconstitucional, o direito próprio do herdeiro". Na mesma linha
intelectiva, importa destacar entendimento doutrinário de que "morrendo o
titular da ação de filiação antes de tê-la ajuizado, segundo a atual legislação
em vigor, claramente discriminatória, faltará aos seus sucessores legitimidade
para promovê-la, sucedendo, pelo texto da lei, induvidosa carência de qualquer
ação de investigação de paternidade promovida por iniciativa dos herdeiros do
filho que não quis em vida pesquisar a sua perfilhação". Desse modo, por
todos os fundamentos expendidos, impõe-se reconhecer, no caso em tela, a
ilegitimidade do filho da genitora, pré-morta, resguardando-se a ele, na
esteira dos precedentes do STJ, e se assim o desejar, o direito de ingressar
com outra demanda em nome próprio. REsp 1.492.861-RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 2/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO
CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE REAVER VERBAS PAGAS A TÍTULO DE BENEFÍCIO DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR INDEVIDAMENTE APROPRIADAS POR TERCEIRO. É
trienal o prazo prescricional da pretensão de entidade de previdência privada
complementar de reaver verbas relativas a benefício indevidamente apropriadas
por terceiro. A questão diz respeito ao prazo de prescrição, se seria de 5 ou de
3 anos. O prazo quinquenal disposto no art. 75 da LC n. 109/2001 (que dispõe
sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências) refere-se
à relação jurídica existente entre a entidade de previdência complementar e o
segurado ou o beneficiário, e não a terceiro. Ressalte-se que, assim como nas
ações envolvendo seguro - para as quais o entendimento do STJ é no sentido de
que o prazo prescricional é ânuo, mas apenas entre o segurado e o segurador,
não relativamente a um terceiro -, da mesma forma, na hipótese em que há um
terceiro (e não segurado ou beneficiário), a regra do mencionado art. 75 da LC
n. 109/2001, específica para a relação previdenciária, não se aplica, mas sim a
regra trienal do enriquecimento ilícito prevista no CC, lei geral. Assim, sendo
a demanda específica de ressarcimento de enriquecimento sem causa, é de se
aplicar a regra do art. 206, § 3º, IV, do CC (prescrição trienal), e não a da
LC n. 109/2001. REsp 1.334.442-RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 7/6/2016, DJe
22/8/2016.
DIREITO
CIVIL E DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA QUE AUTORIZA PLANO DE SAÚDE A
INDEFERIR PROCEDIMENTOS MÉDICO-HOSPITALARES. Em contrato de plano de
assistência à saúde, é abusiva a cláusula que preveja o indeferimento de
quaisquer procedimentos médico-hospitalares quando solicitados por médicos não
cooperados. O contrato de plano de saúde, além da nítida relação
jurídica patrimonial que, por meio dele, se estabelece, reverbera também
caráter existencial, intrinsecamente ligado à tutela do direito fundamental à
saúde do usuário, o que coloca tal espécie contratual em uma perspectiva de
grande relevância no sistema jurídico pátrio. No âmbito da legislação, a Lei n.
9.656/1998 - a qual versa sobre os planos e seguros privados de assistência à
saúde - preconiza, logo no art. 1º, I, o seu escopo. É com clareza meridiana
que se infere da legislação de regência a preponderância do zelo ao bem-estar
do usuário em face do viés econômico da relação contratual. Até porque não se
pode olvidar que há, nesse contexto, uma atenta e imperativa análise dos
ditames constitucionais, que, por força hierárquica, estabelecem o direto à
saúde como congênito. Assim está previsto na CF, especificamente em seu art.
196. Consoante doutrina a respeito do tema, conquanto a Carta da República se
refira, por excelência, ao Poder Público, sabe-se que a eficácia do direito
fundamental à saúde ultrapassa o âmbito das relações travadas entre Estado e
cidadãos - eficácia vertical -, para abarcar as relações jurídicas firmadas
entre os cidadãos, limitando a autonomia das partes, com o intuito de se obter
a máxima concretização do aspecto existencial, sem, contudo, eliminar os
interesses materiais. Suscita-se, pois, a eficácia horizontal do direito
fundamental à saúde, visualizando a incidência direta e imediata desse direito nos
contratos de plano de saúde. Todavia, o que se nota, muitas vezes, no âmbito
privado, é a colisão dos interesses das partes, ficando, de um lado, as
operadoras do plano de saúde - de caráter eminentemente patrimonial - e, de
outro, os usuários - com olhar voltado para sua subsistência. Assim, para
dirimir os conflitos existentes no decorrer da execução contratual, há que se
buscar, nesses casos, o diálogo das fontes, que permite a aplicação simultânea
e complementar de normas distintas. Por isso, é salutar, nos contratos de plano
de saúde, condensar a legislação especial (Lei n. 9.656/1998), especialmente
com o CDC, pois, segundo o entendimento doutrinário, esse contrato configura-se
como um "contrato cativo e de longa duração, a envolver por muitos anos um
fornecedor e um consumidor, com uma finalidade em comum, que é assegurar para o
usuário o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolvendo a sua
saúde". Assim, diante da concepção social do contrato, aquele que declara
algo referente ao negócio que está prestes a concluir deve responder pela
confiança que a outra parte nele depositou ao contratar. Isso porque o direito
dos contratos assume a função de realizar a equitativa distribuição de direitos
e deveres entre os contratantes, buscando atingir a justiça contratual, a qual
se perfectibiliza, pois, na exata equivalência das prestações ou sacrifícios
suportados pelas partes, bem como na proteção da confiança e da boa-fé de ambos
os contratantes. Embora seja conduta embasada em cláusulas contratuais, nota-se
que as práticas realizadas pela operadora do plano de saúde, sobretudo negar as
solicitações feitas por médicos não cooperados, mostram-se contrárias ao
permitido pela legislação consumerista. Naquela situação em que o usuário busca
o médico de sua confiança, mas realiza os exames por ele solicitados em
instalações da rede credenciada, não há prejuízo nenhum para a cooperativa,
haja vista que o valor da consulta foi arcado exclusivamente pelo usuário, sem
pedido de reembolso. Indeferir a solicitação de qualquer procedimento
hospitalar requerido por médico não cooperado estaria afetando não mais o
princípio do equilíbrio contratual, mas o da boa-fé objetiva. De fato, exames,
internações e demais procedimentos hospitalares não podem ser obstados aos
usuários cooperados exclusivamente pelo fato de terem sido solicitados por
médico diverso daqueles que compõem o quadro da operadora, pois isso configura
não apenas discriminação do galeno, mas também tolhe tanto o direito de
usufruir do plano contratado como a liberdade de escolher o profissional que
lhe aprouver. Com isso, não resta dúvida da desproporcionalidade da cláusula
contratual que prevê o indeferimento de quaisquer procedimentos
médico-hospitalares se estes forem solicitados por médicos não cooperados,
devendo ser reconhecida como cláusula abusiva. A nulidade dessas cláusulas
encontra previsão expressa no art. 51, IV, do CDC. Por fim, convém analisar
conjuntamente o art. 2º, VI, da Res. n. 8/1998 do Conselho de Saúde Suplementar
("Art. 2° Para adoção de práticas referentes à regulação de demanda da
utilização dos serviços de saúde, estão vedados: [...] VI - negar autorização
para realização do procedimento exclusivamente em razão do profissional
solicitante não pertencer à rede própria ou credenciada da operadora") com
o art. 1º, II, da Lei n. 9.656/1998 ("Art. 1º Submetem-se às disposições
desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de
assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que
rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui
estabelecidas, as seguintes definições: [...] II - Operadora de Plano de
Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade
civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto,
serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo"). Com efeito, é
explícita a previsão legislativa que considera defeso a negativa de autorização
para a realização de procedimentos exclusivamente em razão de o médico
solicitante não pertencer à rede da operadora. Apesar de ter sido suprimido o
trecho do referido art. 2º, que mencionava a palavra "cooperada" ao
se referir à rede de atendimentos, ainda assim permanece o óbice dessa prática,
haja vista que o legislador ordinário se utilizou de expressão mais ampla,
mantendo a inclusão, nos termos do art. 1º, II, da Lei n. 9.656/1998, da
cooperativa. REsp 1.330.919-MT, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 2/8/2016, DJe 18/8/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR. TEMA 952. Recurso Especial
afetado à Segunda Seção como representativo da seguinte controvérsia: "Diante de
questionamentos apresentados, verifica-se a necessidade de complementação da
decisão de afetação, para que constem as seguintes delimitações no Tema 952:
- (i) os planos de saúde abrangidos são apenas os da modalidade individual ou familiar;
- (ii) a determinação de suspensão não impede a concessão de tutelas provisórias de urgência, desde que verificada a efetiva necessidade e a presença de seus requisitos legais, a exemplo da aferição da concreta abusividade do aumento da mensalidade". REsp 1.568.244-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 22/8/2016.
- (i) os planos de saúde abrangidos são apenas os da modalidade individual ou familiar;
- (ii) a determinação de suspensão não impede a concessão de tutelas provisórias de urgência, desde que verificada a efetiva necessidade e a presença de seus requisitos legais, a exemplo da aferição da concreta abusividade do aumento da mensalidade". REsp 1.568.244-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 22/8/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR. TEMA 956. Recurso Especial
afetado à Segunda Seção como representativo da seguinte controvérsia: "responsabilidade civil
da instituição financeira por suposto defeito na prestação de serviços ao
fornecer talonário de cheques a correntista que vem a emitir títulos sem
provisão de fundos". REsp
1.575.996-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 19/8/2016
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