SÚMULA N. 573. Nas ações de indenização
decorrente de seguro DPVAT, a ciência inequívoca do caráter permanente da
invalidez, para fins de contagem do prazo prescricional, depende de laudo
médico, exceto nos casos de invalidez permanente notória ou naqueles em que o
conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução. Segunda Seção, aprovada em 22/6/2016, DJe
27/6/2016.
SÚMULA N. 574. Para a configuração do delito
de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é
suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos
aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares
dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem. Terceira Seção, aprovada em 22/6/2016,
DJe 27/6/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
EXEQUIBILIDADE DE SENTENÇAS NÃO CONDENATÓRIAS (ART. 475-N, I, DO CPC/1973).
RECURSO REPETITIVO. TEMA 889. A sentença, qualquer que seja sua natureza, de procedência ou
improcedência do pedido, constitui título executivo judicial, desde que
estabeleça obrigação de pagar quantia, de fazer, não fazer ou entregar coisa,
admitida sua prévia liquidação e execução nos próprios autos. De início, destaca-se que o ponto nodal da controvérsia consiste em
definir se há exequibilidade (ou não) em sentenças não condenatórias,
notadamente após o acréscimo, pela Lei n. 11.232/2005, do art. 475-N, I, ao
CPC/1973 ("Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: I - a sentença
proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer,
não fazer, entregar coisa ou pagar quantia"), quer a decisão contenha
julgamento de procedência, quer de improcedência, dada a natureza dúplice do
elemento declaratório presente em toda decisão judicial. Inclusive, a Lei n.
13.105/2015 (CPC/2015) reproduz essa norma: "Art. 515. São títulos
executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos
previstos neste Título: I - as decisões proferidas no processo civil que
reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não
fazer ou de entregar coisa". Daí a atualidade da matéria. De fato, a
execução forçada não se destina ao ajustamento ou à definição do direito do
exequente, de modo que sua instauração demanda necessariamente que a situação
jurídica do titular do direito tenha sido completa e previamente reconhecida em
título executivo, assim entendido, por doutrina, como "o documento que
contém um ato de acertamento do direito que o credor pretende executar". É
o que se dessume da interpretação conjunta dos arts. 580 e 586 do CPC/1973,
reproduzidos respectivamente pelos arts. 786 e 783 do CPC/2015. Com efeito, a
decisão de cunho condenatório sempre foi considerada o título executivo
judicial por excelência, à evidência da norma inserta no revogado art. 584, I,
do CPC/1973 ("Art. 584. São títulos executivos judiciais: I - a sentença
condenatória proferida no processo civil"). A grande carga de executividade
dessa espécie de decisão decorre do fato de que seu comando consubstancia
efetiva manifestação judicial acerca da existência e validade da relação
jurídica controvertida e da exigibilidade da pretensão que dela deriva,
revestindo-a com o grau de certeza exigido pela lei quanto à obrigação
inadimplida, em virtude da identificação de todos os elementos dessa relação
jurídica. Às decisões de natureza declaratória, contudo, antes da vigência da
Lei n. 11.232/2005, era negada a eficácia executiva, ainda que secundária, ao
argumento de que elas se limitavam à declaração de certeza acerca da existência
ou da inexistência de relação jurídica (art. 4º do CPC/1973) - o que
constituiria o cerne da pretensão exercitada -, não se estendendo ao
reconhecimento da existência de prestação a cargo do vencido. Diante disso,
para fins de aferição da exequibilidade do provimento judicial, a utilização do
critério da natureza da decisão não parece ser o melhor caminho, porquanto
enseja polêmicas intermináveis e inócuas, que não oferecem contribuição no
campo prático. Na verdade, o exame do conteúdo da decisão mostra-se método mais
adequado à discriminação das sentenças passíveis de serem consideradas como
título executivo, bastando, de acordo com doutrina, que ela contenha "a identificação
integral de uma norma jurídica concreta, com prestação exigível de dar, fazer,
não fazer ou pagar quantia". Nesse ponto, é relevante salientar que os
referidos dispositivos legais não atribuem eficácia executiva a todas as
sentenças declaratórias indiscriminadamente, mas apenas àquelas que,
reconhecendo a existência da obrigação, contenham, em seu bojo, os pressupostos
de certeza e exigibilidade (art. 586 do CPC/1973), sendo certo que, na ausência
de liquidez, é admitida a prévia liquidação, tal qual ocorre com o provimento
condenatório. Afinal, há de se considerar os princípios da efetividade
jurisdicional e da economia processual como freios ao formalismo excessivo
presente na imposição ao titular do direito já reconhecido em sentença declaratória
da exigibilidade da obrigação de ajuizamento de demanda condenatória inútil,
porquanto até mesmo a ampla análise da pretensão deduzida em juízo estaria
impedida pela coisa julgada formada no processo anterior. Precedentes citados:
REsp 1.422.401-PR, Primeira Turma, DJe 30/5/2014; AgRg no AREsp 720.870-SP,
Segunda Turma, DJe 27/8/2015; AgRg no REsp 1.460.032-RN, Segunda Turma, DJe
14/9/2015; AgRg no REsp 1.018.250-RS, Segunda Turma, DJe 25/9/2014; AgRg no
REsp 1.384.913-ES, Terceira Turma, DJe 24/8/2015; e REsp 1.508.910-SP, Terceira
Turma, DJe 26/5/2015. REsp 1.324.152-SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Corte Especial, julgado em 4/5/2016, DJe 15/6/2016.
DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE
DIREITO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS REALIZADAS ANTES DE ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL
VINCULADO AO SFH. O ex-mutuário de imóvel
dado em garantia hipotecária em financiamento do Sistema Financeiro da
Habitação (SFH) não tem direito à retenção pelas benfeitorias realizadas no bem
antes da adjudicação. De fato, sob
a ótica do princípio da gravitação jurídica (accessorium
sequitur principale - o acessório
segue o principal), observa-se que as benfeitorias, por serem bens acessórios,
incorporam-se ao imóvel (bem principal), ficando também sujeitas à garantia
hipotecária. No CC/2002, há previsão específica nesse sentido, conforme se
verifica no enunciado normativo do art. 1.474, segundo o qual "A hipoteca
abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os
ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo
imóvel". Inclusive, esse dispositivo mantém a mesma redação do art. 811 do
CC/1916. Ademais, há entendimento doutrinário que aborda essa questão como um
dos efeitos da hipoteca: "Efeito ainda da hipoteca em relação ao bem
gravado é sua extensão a benfeitorias, acréscimos ou acessões trazidas ao bem
hipotecado, seja em virtude da obra humana, seja por ação dos fatos naturais
(aluvião, avulsão etc.)." Assim, a adjudicação de imóvel realizada no
curso de execução extrajudicial de garantia hipotecária, com base no art. 32 do
Decreto-Lei n. 70/1966 c/c o art. 7º da Lei n. 5.741/1971, transfere ao
adjudicatário a propriedade do bem com todas as benfeitorias, por força do
disposto no art. 1.474 do CC/2002. Desse modo, não há falar em direito de
retenção ou indenização contra adjudicatário, pois benfeitorias são abarcadas
por hipoteca. Esclareça-se, ainda, que não se vislumbra enriquecimento sem
causa de credor hipotecário ou de terceiro adquirente, pois o preço de
adjudicação é utilizado para extinguir saldo devedor (art. 7º da Lei n.
5.741/1971), em benefício de ex-mutuário. Sob outra ótica, considerando as
especificidades das normas do SFH, ex-mutuário também não faz jus ao direito de
retenção, pois existe norma específica excluindo esse direito (art. 32, § 2º, in
fine, do Decreto-Lei n. 70/1966). Portanto,
por esse fundamento, também se afasta a possibilidade de ex-mutuário exercer
direito de retenção quanto a benfeitorias realizadas antes da adjudicação. REsp 1.399.143-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 7/6/2016, DJe 13/6/2016.
DIREITO CIVIL. APLICAÇÃO DA
TEORIA DA APARÊNCIA EM PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO DO SEGURO DPVAT. É válido o pagamento de indenização do Seguro
DPVAT aos pais - e não ao filho - do de cujus no caso em que
os genitores, apresentando-se como únicos herdeiros, entregaram os documentos
exigidos pela Lei n. 6.194/1974 para o aludido pagamento (art. 5º, § 1º),
dentre os quais certidão de óbito a qual afirmava que o falecido era solteiro e
não tinha filhos. De antemão, esclareça-se que, de
acordo com o art. 5º, § 1º, a, da Lei n. 6.194/1974, que dispõe sobre seguro
obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via
terrestre, o segurador deverá efetuar o pagamento de indenização mediante
simples prova do acidente e do dano decorrente, após a entrega dos seguintes
documentos: certidão de óbito, registro da ocorrência policial e prova da qualidade
de beneficiário. O art. 309 do CC, por sua vez, estabelece que o pagamento
feito de boa-fé ao credor putativo é válido, mesmo que provado depois que não
era ele credor. Nesse sentido, pela aplicação da teoria da aparência, é válido
o pagamento realizado de boa-fé a credor putativo. De fato, para que o erro no
pagamento seja escusável, é necessária a existência de elementos suficientes
para induzir e convencer o devedor diligente de que o recebente é o verdadeiro
credor. No caso aqui analisado, verifica-se que a indenização do Seguro DPVAT
foi paga de boa-fé aos credores putativos. Além disso, não há previsão de
obrigação da seguradora em averiguar a existência de outros beneficiários da
vítima. REsp 1.601.533-MG, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 14/6/2016, DJe 16/6/2016.
DIREITO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE
DE CONVALIDAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO MEDIANTE A FALSIFICAÇÃO DE
ASSINATURA DE SÓCIO. Não são convalidáveis os
negócios jurídicos celebrados com o intuito de alterar o quadro societário de
sociedade empresária por meio da falsificação de assinatura de sócio, ainda que
o próprio sócio prejudicado pelo falso tenha, por escritura pública, concedido
ampla, geral e irrevogável quitação, a fim de ratificar os negócios jurídicos. Com efeito, a questão posta em discussão não trata de nulidade relativa,
mas, sim, de evidente nulidade absoluta, pois o art. 166, II, do CC, proclama
ser nulo o negócio quando for ilícito o seu objeto, valendo ressaltar que essa
ilicitude não é apenas do bem da vida em discussão, mas, também, da própria
operação jurídica realizada. Na hipótese em análise, por exemplo, embora não
haja qualquer vício no objeto propriamente dito do negócio jurídico (cessão das
cotas sociais de sociedade empresária), a operação realizada para esse fim
revela-se manifestamente ilícita (falsificação da assinatura de um dos sócios),
configurando, inclusive, crime previsto no CP. Ademais, a falsificação da
assinatura de uma das partes ofende não só o interesse particular dos
envolvidos, mas, sim, viola todo o ordenamento jurídico e, por consequência, o
interesse público. Há verdadeiro repúdio social intenso a qualquer forma
criminosa em que se realize determinado negócio jurídico. Como consequência, os
arts. 168, parágrafo único, e 169, ambos do CC, os quais, dentre outros, consubstanciam
a chamada teoria das nulidades, proclamam que o negócio jurídico nulo é
insuscetível de confirmação, não sendo permitido nem mesmo ao Juiz suprimir a
nulidade, ainda que haja expresso requerimento das partes. É preciso pontuar,
no entanto, a diferença entre convalidação (ratificação) e renovação
(repetição) do negócio jurídico. Isso porque, conquanto não seja possível a
convalidação do negócio jurídico nulo, revela-se perfeitamente admissível a
renovação do ato, sem os vícios que o macularam anteriormente. Tratando-se de
renovação de ato, não há efeito retroativo (ex tunc) em relação à data do negócio jurídico nulo celebrado. Trata-se de um
novo negócio, completamente autônomo em relação ao primeiro (nulo), tendo
validade, portanto, a partir da data em que for celebrado, desprezando-se
completamente o tempo transcorrido entre o negócio jurídico nulo e o novo
negócio realizado. Nesse contexto, a escritura pública posteriormente celebrada
pelo sócio prejudicado não pode ratificar (convalidar) o negócio jurídico nulo,
correspondente à alteração, mediante a falsificação de assinatura, do quadro
societário da sociedade empresária. Se as partes signatárias da escritura
pública tinham interesse em manter a transferência das cotas da sociedade
empresária, deveriam renovar (repetir) o negócio jurídico, sem a falsificação
da assinatura de quaisquer dos envolvidos, ocasião em que os efeitos seriam
válidos a partir de então, isto é, a alteração do quadro societário somente se
daria no momento do novo negócio. Não se desconhece entendimento de doutrina
que defende que "se, por si só, a renovação do negócio nulo não retroage,
nada impede que, pela autonomia da vontade, os contratantes deem ao negócio
novo uma eficácia convencional com vigência a partir do tempo do negócio
anterior (nulo)". Entretanto, no caso em análise, não é possível
considerar a escritura pública celebrada como renovação do negócio jurídico
nulo, muito menos com efeito retroativo convencionado pelas partes. Ora, por se
tratar de alteração de quadro societário, a renovação do negócio jurídico
somente seria possível se as partes procedessem ao devido arquivamento dos atos
perante o órgão registrador, qual seja, a respectiva Junta Comercial. Assim, a
referida escritura pública não se presta para o fim de convalidar o negócio
jurídico em questão, por ser o mesmo nulo de pleno de direito, tampouco é
possível considerá-la como renovação do ato, tendo em vista a ausência de
arquivamento na Junta Comercial. Vale registrar, ainda, que não se aplica ao caso
o art. 170 do CC, o qual dispõe que: "Se, porém, o negócio jurídico nulo
contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as
partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a
nulidade." De fato, somente é possível converter substancialmente o
negócio jurídico nulo em outro válido, isto é, dar-lhe nova roupagem jurídica,
se preenchidos dois requisitos legais, um objetivo e outro subjetivo. O
primeiro, refere-se à necessidade de que o negócio jurídico nulo contenha os
mesmos requisitos do negócio que será convertido (validado). O segundo, de
natureza subjetiva, consiste na vontade presumida das partes em realizar aquele
outro negócio jurídico, caso houvessem previsto a nulidade. Na presente
hipótese, contudo, não houve manifestação de vontade de uma das partes acerca
da realização do negócio jurídico em comento, isto é, da alteração societária
da sociedade empresária, pois houve a falsificação da assinatura do sócio
prejudicado, o que ensejou na transferência do controle societário sem o seu
conhecimento. Logo, o sócio prejudicado não participou do ato nem teve ciência
da transferência de suas cotas para terceiros, inexistindo, portanto, qualquer
manifestação de vontade por ocasião da celebração do negócio jurídico, razão
pela qual inexiste o requisito subjetivo previsto no aludido dispositivo legal
para poder viabilizar o instituto da conversão. Além disso, não se revela
possível buscar a suposta manifestação de vontade do sócio prejudicado
formulada na escritura pública celebrada posteriormente para tentar justificar
a manutenção da alteração societária. A análise do requisito subjetivo deve ser
aferida no próprio negócio declarado nulo, sob pena de se fazer letra morta o
dispositivo do art. 169 do CC, que determina a impossibilidade de convalidação
do negócio jurídico nulo. Ainda que assim não fosse, a conversão, na hipótese
em foco, seria manifestamente inadmissível, porquanto a falsificação da
assinatura de uma das partes corresponde a um ato ilícito, configurando,
inclusive, crime previsto no CP, o que impossibilita a produção de qualquer
efeito pelo ordenamento jurídico vigente. Da mesma forma, também não há que se
falar em aplicação do art. 167 do CC: "É nulo o negócio jurídico simulado,
mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na
forma." Com efeito, o § 1º deste dispositivo legal disciplina que
"Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir
ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se
conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou
cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados,
ou pós-datados." Ora, no caso em apreço, não se está diante de nenhum dos
requisitos elencados acima que caracterizam a simulação. A simulação pressupõe
um acordo entre os declarantes para a realização de um determinado negócio
jurídico a fim de infringir a lei ou prejudicar terceiros de forma deliberada.
Isto é, há verdadeiro conluio entre os contraentes do negócio jurídico
celebrado, o que não ocorreu na espécie. Ora, se não houve a participação
(manifestação de vontade) de um dos envolvidos no negócio jurídico, visto que
sua assinatura foi falsificada, não há como se falar em existência de conluio
entre as partes para fraudar terceiros. No caso, o sócio prejudicado não
participou do negócio referente à cessão das cotas da sociedade empresária a
terceiros, só tendo ciência da falsificação de sua assinatura muito tempo
depois, razão pela qual se revela equivocado aplicar o art. 167 do CC. Diante
do exposto, verifica-se a ocorrência de nulidade absoluta, consubstanciada na
alteração contratual da sociedade empresária mediante a falsificação da
assinatura do sócio prejudicado, sendo impossível a convalidação do ato pelas
partes mediante escritura pública, tampouco reconhecer que houve renovação do
negócio jurídico de forma válida, além de não ser a hipótese de conversão
substancial (art. 170 do CC), nem de subsistência de negócio dissimulado (art.
167 do CC). REsp 1.368.960-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 7/6/2016, DJe 10/6/2016.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. PENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA IMÓVEL DADO EM HIPOTECA NÃO
REGISTRADA. A ausência de registro
da hipoteca em cartório
de registro de imóveis não
afasta a exceção à regra de impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da Lei n.
8.009/1990, a qual autoriza a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária na hipótese de
dívida constituída em favor de entidade familiar. A hipoteca é um direito real de garantia (art. 1.225,
IX, do CC) incidente, em regra, sobre bens imóveis e que dá ao credor o poder
de excutir o bem, alienando-o judicialmente e dando-lhe primazia sobre o
produto da arrematação para satisfazer sua dívida. Por um lado, a constituição
da hipoteca pode dar-se por meio de contrato (convencional), pela lei (legal)
ou por sentença (judicial) e, desde então, já tem validade inter
partes como um direito pessoal. Por
outro lado, nos termos do art. 1.227 do CC, só se dá a constituição de um
direito real após a sua inscrição no cartório de registro de imóveis da
circunscrição imobiliária competente. Assim é que essa inscrição confere à hipoteca
a eficácia de direito real oponível erga omnes. Nesse sentido, há entendimento doutrinário de acordo
com o qual "Somente com o registro da hipoteca nasce o direito real. Antes
dessa providência o aludido gravame não passará de um crédito pessoal, por subsistente
apenas inter partes; depois
do registro, vale erga omnes".
Se a ausência de registro da hipoteca não a torna inexistente, mas apenas
válida inter partes como
crédito pessoal, a ausência de registro da hipoteca não afasta a exceção à
regra de impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990. REsp 1.455.554-RN, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 14/6/2016, DJe 16/6/2016.
DIREITO EMPRESARIAL.
LEGALIDADE DE CLÁUSULA DE RAIO EM CONTRATO DE LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING
CENTER. Em tese, não é abusiva a
previsão, em normas gerais de empreendimento de shopping center ("estatuto"),
da denominada "cláusula de raio", segundo a qual o locatário de um
espaço comercial se obriga - perante o locador - a não exercer atividade
similar à praticada no imóvel objeto da locação em outro estabelecimento
situado a um determinado raio de distância contado a partir de certo ponto do
terreno do shopping center. Para
o sucesso e viabilização econômica/administrativa do shopping
center, os comerciantes vinculam-se a uma
modalidade específica de contratação. Entre as diversas cláusulas extravagantes
insertas no contrato de shopping center - a despeito da existência de severa discussão
doutrinária a respeito da natureza jurídica do ajuste, podendo ser considerado
sociedade, locação, contrato coligado, misto, atípico, de adesão, entre outros
-, há efetivo consenso de que todas servem para justificar e garantir o fim
econômico almejado pelas partes. Nessa conjuntura, é possível citar, dentre
essas disposições contratuais: res sperata, aluguel mínimo, aluguel percentual, aluguel dobrado
no mês de dezembro, fiscalização da contabilidade, imutabilidade do ramo de
negócio, impossibilidade de cessão ou sublocação e, também, a denominada
"cláusula de raio", objeto do caso aqui analisado. De acordo com a
"cláusula de raio", o locatário de um espaço comercial se obriga,
perante o locador, a não exercer atividade similar à praticada no imóvel objeto
da locação em outro estabelecimento situado a um determinado raio de distância
daquele imóvel. Em que pese a existência de um shopping center não seja considerado elemento essencial para a
aplicação dessa cláusula, é inquestionável que ela se mostra especialmente
apropriada no contexto de tais centros comerciais, notadamente em razão da
preservação dos interesses comuns à generalidade dos locatários e
empreendedores dos shoppings.
Além disso, a "cláusula de raio" não prejudica os consumidores. Ao
contrário, os beneficia, ainda que indiretamente. O simples fato de consumidor
não encontrar em todos os shopping centers que frequenta determinadas lojas não implica efetivo
prejuízo a ele, pois a instalação dos lojistas em tais ou quais empreendimentos
depende, categoricamente, de inúmeros fatores. De fato, a lógica por detrás do
empreendimento se sobrepõe à pretensão comum do cidadão de objetivar encontrar,
no mesmo espaço, todas as facilidades e variedades pelo menor preço e
distância. Ademais, nos termos do ordenamento jurídico pátrio, ao proprietário
de qualquer bem móvel ou imóvel - e aqui se inclui o(s) dono(s) de shopping
center - é assegurado o direito de
usar, gozar e dispor de seus bens e, ainda, de reavê-los do poder de quem
injustamente os possua. Denota-se que, para o exercício desses atributos
inerentes à propriedade, principalmente a permissão do uso por terceiros, pode
o proprietário impor limites e delimitar o modo pelo qual essa utilização
deverá ser realizada. Assim, diversas são as restrições que pode o dono impor
aos usuários do estabelecimento (vestimentas, ingresso com animais, horário de
funcionamento, entre outros) e, como já mencionado antecedentemente, inúmeras
são as cláusulas contratuais passíveis de inserção nos contratos de locação
atinentes aos centros comerciais híbridos, sem que se possa afirmar, genérica e
categoricamente, sejam elas abusivas ou ilegais, uma vez que, em última
análise, visam garantir a própria viabilidade do uso, a implementação do
empreendimento e, pois, o alcance e incremento real da função social da
propriedade. Além do mais, o fato de shopping center exercer posição relevante no perímetro estabelecido pela
"cláusula de raio" não significa que esteja infringindo os princípios
da ordem econômica estampados na CF, visto que inserções de "cláusulas de
raio" em determinados contratos de locação são realizadas com o propósito
de servir à logística do empreendimento. Aliás, a conquista de mercado
resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico
em relação a seus competidores não caracteriza ilícito, tanto que prevista como
excludente de infração da ordem econômica (§ 1º do art. 36 da Lei n.
12.529/2011). Por fim, não se diga que o STF analisou a constitucionalidade da
"cláusula de raio" por ofensa ao princípio da livre concorrência.
Afinal, a Súmula n. 646 do STF, a qual prevê que "Ofende o princípio da
livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos
comerciais do mesmo ramo em determinada área", não diz respeito às
cláusulas contratuais estabelecidas em pactos firmados entre locador e
locatário, mas sim a imposições de política pública municipal, ou seja, a
situações em que o próprio poder público impede e inviabiliza a implementação
do princípio da livre concorrência.REsp 1.535.727-RS, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 10/5/2016, DJe 20/6/2016.
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