quarta-feira, 15 de abril de 2009

INFORMATIVO 521 DO STF. LEI DE IMPRENSA.

ADPF e Lei de Imprensa - 3
O Tribunal iniciou julgamento de mérito de argüição de descumprimento de preceito fundamental proposta pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra a Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa — v. Informativos 496 e 518. O Min. Carlos Britto, relator, julgou procedente o pedido formulado, para o efeito de declarar como não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da lei impugnada, no que foi acompanhado pelo Min. Eros Grau, que se reportou aos fundamentos que expendera no julgamento da medida cautelar. Inicialmente, tendo em conta o disposto nos artigos 220, §§ 1º, 2º e 3º, e 222, todos da CF, o relator afirmou que, do ângulo objetivo, a imprensa seria uma atividade, enquanto, do ângulo subjetivo ou orgânico, constituir-se-ia num conjunto de órgãos, veículos, empresas e meios, juridicamente personalizados, sendo a comunicação social seu traço diferenciador ou signo distintivo. Disse que a modalidade de comunicação que a imprensa encerraria seria dirigida ao público em geral, ou seja, ao maior número possível de pessoas, com o que a imprensa passaria a se revestir da característica central de instância de comunicação de massa, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e inclusive formar a opinião pública. Por isso, incumbiria à imprensa o direito e também o dever de sempre se postar como o olhar mais atento sobre o dia-a-dia do Estado e da sociedade civil. Sendo, portanto, matriz por excelência da opinião pública, rivalizaria com o próprio Estado nesse tipo de interação de máxima abrangência pessoal. Explicou que foi em razão desse abrangente círculo de interação humana que a Constituição Federal teria reservado para a imprensa todo um bloco normativo (capítulo V do título VIII) e que o estádio multifuncional da imprensa seria, em si mesmo, um patrimônio imaterial que corresponderia a um atestado de evolução político-cultural de todo um povo.ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 1º.4.2009. (ADPF-130)
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Após fazer distinção entra mídia impressa e mídia radiodifusora e televisiva, ressaltou que, assim binariamente concebida e executada, a imprensa possibilitaria, por modo crítico incomparável, a revelação e o controle de praticamente todas as coisas respeitantes à vida do Estado e da sociedade, ou seja, seria ela alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade, o que significaria visualizá-la como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Aduziu que, a título de reforço à mantença dessa verdadeira relação de inerência entre o pensamento crítico e a imprensa livre, a Constituição estabeleceu, em seu art. 220, § 5º, que os “meios de comunicação social não podem, diretamente ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”, norma de concretização de um pluralismo compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas. Em seguida, o relator, salientando que a decisiva questão seria comprovar que a Constituição levou o tema da liberdade de imprensa na devida conta, afirmou que, em matéria de imprensa, não haveria espaço para o meio-termo ou a contemporização, isto é, ou ela seria inteiramente livre, ou dela já não se poderia cogitar senão como jogo de aparência jurídica. Destarte, o que se teria como expressão da realidade seria, de um lado, um corpo social progressivamente esclarecido por uma imprensa livre — e, ela mesma, plural, haja vista serem vedadas a oligopolização e a monopolização do setor —, e também progressivamente fortalecido nos seus padrões de exigência enquanto destinatário e conseqüentemente parte das reações de imprensa, e, de outro lado, a imprensa que faz de sua liberdade de atuação um necessário compromisso com a responsabilidade quanto à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público, do que decorreria a permanente conciliação entre a liberdade e responsabilidade. O Min. Carlos Britto frisou que a imprensa livre contribuiria para a realização dos mais elevados princípios constitucionais, como o da soberania e da cidadania, e que, pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, manteria com a democracia a mais arraigada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Por ser visualizada como verdadeira “irmã siamesa” da democracia, a imprensa passaria a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados, até porque essas duas categorias de liberdade individual também seriam tanto mais intensamente usufruídas quanto veiculadas pela própria imprensa.ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 1º.4.2009. (ADPF-130)
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O relator expôs que o art. 220 da CF radicalizaria e alargaria o regime de plena liberdade de atuação da imprensa ao estabelecer que os direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estariam a salvo de qualquer restrição em seu exercício e que este não se sujeitaria a outras disposições que não fossem nela mesma fixadas. No ponto, considerou que as disposições constitucionais a que se refere o citado art. 220, como de obrigatória observância no desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação, seriam aquelas do art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (vedação ao anonimato, direito de resposta, direito à indenização por danos material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas, livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, e direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação). Asseverou, entretanto, que esses dois blocos de dispositivos constitucionais só poderiam incidir mediante calibração temporal ou cronológica, sendo que, primeiro, garantir-se-ia o gozo dos “sobredireitos” de personalidade — manifestação do pensamento, criação, expressão e informação —, a que se acrescentaria aquele de preservar o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício da profissão do informante, mais a liberdade de trabalho, ofício ou profissão. Somente depois é que se passaria a cobrar do titular de tais sobre-situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Dessa forma, a fim de se garantir o exercício na totalidade do direito à manifestação do pensamento e de expressão em sentido geral (“sobredireitos” de personalidade), o termo “observado”, referido no § 1º do art. 220 da CF (“Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”), deveria ser interpretado como proibição de se reduzir a coisa nenhuma dispositivos igualmente constitucionais, porém sem que o receio do abuso fosse impeditivo do pleno uso das liberdades de manifestação do pensamento e expressão em sentido lato.ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 1º.4.2009. (ADPF-130)
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Prosseguindo, o relator enfatizou que esse § 1º do art. 220 da CF iria mais longe ainda no seu decidido objetivo de prestigiar a cronologia posta como de compulsória observância, pois interditaria a própria opção estatal por dispositivo de lei que viesse a constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Daí, a uma atividade que já era “livre” teria sido acrescido o qualificativo de “plena”, liberdade plena no que diz respeito à essência mesma do jornalismo, ao seu “núcleo duro”, que são as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento e da criação lato sensu, quando veiculada por órgão de comunicação social. Portanto, a liberdade de informação jornalística, para se revestir do pleno desembaraço que lhe assegura a Constituição, haveria de implicar interdição à lei quanto a duas nucleares dimensões: o tempo de início e de duração do seu exercício e sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Essa interdição ao poder legislativo do Estado significaria que nem mesmo o Direito-lei teria a força de interferir na oportunidade/duração de exercício, tanto quanto no cerne material da liberdade de informação jornalística (conteúdo/extensão). Desprender-se-ia, ademais, um segundo desdobramento hermenêutico dessa interdição legislativa quanto à medula mesma da liberdade de informação jornalística, qual seja, a de que, no tema, haveria uma necessária “linha direta” entre a imprensa e a sociedade civil, vigorando em nosso ordenamento constitucional uma forma de interação que não poderia passar pela mediação do Estado. Essa interação pré-excluiria, portanto, a figura do Estado-ponte em matéria nuclear de imprensa, tudo sob a idéia-força de que à imprensa incumbe controlar o Estado, e não o contrário.ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 1º.4.2009. (ADPF-130)
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Concluiu o relator, em síntese, que a Constituição Federal se posicionou diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, fixar a precedência das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu as quais não poderiam sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei, inclusive de emendas constitucionais, sendo reforçadamente protegidas se exercitadas como atividade profissional ou habitualmente jornalística e como atuação de qualquer dos órgãos de comunicação social ou de imprensa. Isso estaria conciliado, de forma contemporânea, com a proibição do anonimato, o sigilo da fonte e o livre exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão; a posteriori, com o direito de resposta e a reparação pecuniária por eventuais danos à honra e à imagem de terceiros, sem prejuízo, ainda, do uso de ação penal também ocasionalmente cabível, nunca, entretanto, em situação de maior rigor do que a aplicável em relação aos indivíduos em geral. Além disso, para o relator, não haveria espaço constitucional para a movimentação interferente do Estado em qualquer das matérias essencialmente de imprensa, salientando ele que a lei em questão, sobre disciplinar tais matérias, misturada ou englobadamente com matérias circundantes ou periféricas e até sancionatórias, o teria feito sob estruturação formal estatutária, o que seria absolutamente desarmônico com a Constituição de 1988, a resultar no juízo da não-recepção pela nova ordem constitucional. Observou, por fim, que a Lei de Imprensa foi concebida e promulgada num longo período autoritário, o qual compreendido entre 31.3.64 e o início do ano de 1985 e conhecido como “anos de chumbo” ou “regime de exceção”, regime esse patentemente inconciliável com os ares da democracia resgatada e proclamada na atual Carta Magna. Essa impossibilidade de conciliação, sobre ser do tipo material ou de substância, contaminaria grande parte, senão a totalidade, da Lei de Imprensa, quanto ao seu ardiloso ou subliminar entrelace de comandos, a serviço da lógica matreira de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; e quanto ao seu spiritus rectus ou fio condutor do propósito último de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder. Após, o julgamento foi suspenso, para continuação na sessão do dia 15.4.2009.ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 1º.4.2009. (ADPF-130)

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