quarta-feira, 1 de agosto de 2018

UM POUCO SOBRE SAN TIAGO DANTAS. ARTIGO DE CARLOS EDUARDO ELIAS DE OLIVEIRA.

Um pouco sobre o civilista San Tiago Dantas: biografia e lições sobre a estabilidade do Direito Civil diante das transformações sociais
Carlos Eduardo Elias de Oliveira
(Doutorando e mestre em Direito na Universidade de Brasília, Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e de Registro, Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ)
Brasília/DF, 30 de julho de 2018
“É em outros domínios do Direito que as ideias travam seus combates, mas o Direito Civil é o campo de escolha e de fixação das vitórias definitivas.” (San Tiago Dantas)
Um dos maiores civilistas que tivemos em meados do século passado foi San Tiago Dantas (nome completo: Francisco Clementino de San Tiago Dantas).
Ele foi muito além do Direito Civil e desenvolveu, nos seus curtos 54 anos de vida - abreviados poucos meses depois do rebuliço político de 1964 -, tarefas que um homem comum só completaria após alguns centenários. As profundas marcas que deixou na vida acadêmica como Professor de Direito Civil e na sua vida política ao longo de sua existência (anos de 1911 a 1964) dificilmente poderiam ser feitas pelo esforço concentrado de vários homens comuns.
Além de fausta atuação como deputado federal e, no governo do Presidente João Goulart, como Ministro das Relações Exteriores e Ministro da Fazenda, deixou robusto legado para o Direito Civil na sua faina acadêmica.
Nacionalista, San Tiago foi, juntamente com Afonso Arinos e João Augusto de Araújo Castro, um dos defensores de uma postura menos serviente do Brasil nas negociações externas por meio da criação da "Política Externa Independente". Um pouco da sua vida política, que oscilou de membro do nacionalismo dos integralistas a operoso artífice dos governos de Getúlio Vargas e de João Goulart, pode ser visto nestes dois textos:
Alguns discursos importantes deles - os quais nos permite conhecer um pouco de sua grandeza – estão na sua obra "Palavras de um Professor", disponível neste site: https://www.santiagodantas.com.br/wp-content/uploads/palavras_de_um_professor-ocr.pdf.
Mais sobre a sua bibliografia pode ser encontrado na obra de Pedro Dutra, cujos textos receberam a honrosa apresentação do professor Arnaldo Sampaio Godoy neste artigo: https://www.conjur.com.br/2015-mai-10/embargos-culturais-pedro-dutra-biografia-san-tiago-dantas.
O talento enciclopédico e interdisciplinar do grande jurista carioca foi objeto de aula inaugural do Professor de Direito Civil da Universidade de São Paulo Fábio Maria De-Mattia neste texto: http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67486/70096.
Aos que gostam do Direito Civil, valerá a pena o esforço de passear pelas páginas de suas antigas obras nas melhores bibliotecas. Entre as suas obras jurídicas, destacam-se: “Programa de Direito Civil” (que reúne as suas aulas de Direito Civil taquigrafadas pelo aluno Victor Bourhis Jüngens),“Figuras do Direito” e “Problemas de Direito Positivo”.
Em nosso atual tempo de crise de identidade por que passa o Direito Civil, San Tiago Dantas é capaz de oferecer um relevante conselho.
Uma de suas mais célebres lições está na identificação da natureza estável do Direito Civil, que não pode ser seduzido pela inconstância dos fatos nem pelo pendor ao niilismo contra o passado e contra a tradição. São deles estas palavras, eternizadas no seu discurso de posse da cátedra de Direito Civil na Faculdade Nacional de Direito no Rio de Janeiro, in verbis:
“O espírito conservador é talvez a essência do espírito civilístico, e se exprime naquela tendência que os jurisconsultos romanos levaram à perfeição, de ligar o novo ao antigo, de conquistar para o moderno os brasões do passado, só reconhecendo no sistema uma alteração, quando os seus quadros são inflexíveis à recepção do fato novo.”
Temos muito a aprender com San Tiago, especialmente nos tempos atuais, em que o Direito Civil se depara com uma sociedade movediça e em ebulição. As transformações sociais não podem, instantaneamente, mudar as regras de Direito Civil. A prudência desse ramo do Direito é inimiga do açodamento. O Direito Civil posta-se como observador desses agitos e, conectando harmoniosamente o presente ao passado, modifica-se lentamente, qual um barco, que, aos poucos, descreve um arco, tentando evitar o cais, para lembrar Chico Buarque.
San Tiago afirmava que as mudanças do Direito Civil são como o aluvião, que consiste no estacionamento paulatino de grãos de areia às margens de um rio a ampliar o terreno marginal após muitos anos. Não são, pois, como a avulsão, que surpreende, da noite para o dia, as margens do rio com o depósito de uma porção de terra. O professor carioca dizia naquele supracitado discurso:
“O Direito Civil é, porém, o campo das aquisições lentas, das transformações aluvionais. Lidando com grandezas microscópicas, penetrando nos alvéolos sociais, analisando e perquirindo os tecidos, decompondo as células, o trabalho do civilista não atinge a forma geral, mas a substância, fixa os detalhes da sociedade. Quantas vezes uma grande transformação política deixa inalterada a vida civil, deixa de pé o sistema de valores sobre que a existência dos indivíduos repousava! E quantas vezes sob uma estrutura política que os séculos conservam, transformam-se o espírito, a forma e o estilo da vida privada, e acusam-se na ordem jurídica as mais completas mutações moleculares!
(...) É em outros domínios do Direito que as ideias travam seus combates, mas o Direito Civil é o campo de escolha e de fixação das vitórias definitivas. Ele ainda tem para a mocidade um alto sentido educativo, qual seja o de acostumá-la aos estudos pacientes, que não atraem pelo brilho, nem oferecem prontamente o gosto dos pontos de vista, nem alimentam o orgulho das originalidades de opinião. O Direito Civil é estudo ascético, em que as colheitas são tardias; paciência, constância, método e tempo são, mais do que quaisquer outras, as condições de êxito.”

Que os civilistas contemporâneos não se esqueçam disso e conservem a prudência diante das abruptas transformações sociais e políticas dos nossos tempos pós-modernos, sob pena de conduzirem o ramo mais estável do Direito ao final trágico dos que são enfeitiçados pelos sons das sereias da instabilidade jurídica.

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