Entrevista para o Boletim da AASP (Associação dos Advogados de São
Paulo).
Março de 2016.
O Novo CPC modifica ações do setor imobiliário.
A tão aguardada
vigência do novo Código de Processo Civil traz significativas mudanças, com
regras que afetam os mais diversos setores de atuação dos operadores do
Direito. Dentre as áreas que sofreram maior impacto diante da nova redação,
merece destaque o setor imobiliário, com novidades para a ação de usucapião,
que deixa de fazer parte dos procedimentos especiais, e para a ação de cobrança
relativa às contribuições condominiais.
Para esta edição,
conversamos com o advogado, consultor jurídico e especialista em Direito Civil
Flávio Tartuce, a respeito das alterações ocorridas na prática imobiliária, nas
ações possessórias diretas, no tratamento da usucapião extrajudicial e na
regulamentação dos negócios imobiliários com a chegada do novo CPC.
Boletim
AASP: Qual a sua expectativa
para o primeiro ano de vigência do novo Código de Processo Civil?
Flávio
Tartuce: A minha expectativa é
que surjam muitos debates e muitas dúvidas, assim como ocorreu com o Código
Civil de 2002, há 13 anos. Penso que a maioria dos aplicadores do Direito, como
é comum no Brasil, deixou o estudo do novo CPC para a “última hora”. Isso pode
postergar a maturação da resolução de muitos dilemas. Aliás, muitos assuntos
somente alcançarão essa maturação após uma década de vigência do estatuto
processual emergente. Sobre alguns assuntos, mais intrincados, podemos demorar
muito mais do que isso. O Código Civil está em vigor desde 2003 e muitos
dilemas ainda não foram resolvidos.
Boletim
AASP: Para quais aspectos os
advogados que militam na área imobiliária devem voltar suas atenções?
Flávio
Tartuce: São vários os aspectos
que posso destacar. De imediato, com grande repercussão para o Direito Privado,
como um todo, as decisões judiciais e as petições dos advogados passam a estar
adstritas não só à lei, como também à jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Sendo assim, os advogados devem ser profundos conhecedores das posições da 3ª e
4ª Turma do STJ em matéria de Direito Imobiliário. Devem ser conhecedores do
teor das suas súmulas, seus julgamentos em incidentes de recursos repetitivos e
suas principais teses (vide a nova ferramenta inaugurada pela Corte, denominada
“Jurisprudência em Teses”). Ademais, tivemos algumas mudanças pontuais na forma
de execução da tutela específica, o que repercute diretamente nos contratos
imobiliários. O negócio jurídico processual surge como alternativa interessante
para um planejamento processual dos contratos da área, sendo recomendável aos
advogados que tenham a iniciativa de elaboração dessa importante ferramenta.
Também tivemos mudanças na configuração da fraude à execução, nas ações
possessórias e em matéria de usucapião, sem prejuízo de outros temas.
Boletim
AASP: Em relação à fraude à
execução, há uma nova regulamentação? Como isso pode repercutir nos negócios
imobiliários?
Flávio Tartuce:
Sim. Há uma repercussão direta para os negócios imobiliários. O art. 792 do
novo CPC passou a prever a configuração da fraude à execução “quando sobre o
bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde
que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público,
se houver” (inciso I). Do mesmo modo, estará presente a fraude quando tiver
sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução (inciso
II do art. 792 do novo CPC). Tais previsões devem ser interpretadas em conjunto
com a Lei nº 13.097, de janeiro de 2015, originária da conversão da Medida
Provisória nº 656/2014. Nos termos do seu art. 54, os negócios jurídicos que
tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis
são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não
tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes
informações: a) registro de citação de ações reais ou pessoais
reipersecutórias; b) averbação, por solicitação do interessado, de constrição
judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de
sentença; c) averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de
direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos
em lei; e d) averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo
de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu
proprietário à insolvência. Há quem sustente que, diante dessa última lei, há
necessidade apenas de se verificar a matrícula do imóvel quando da sua
aquisição, sem a necessidade de busca de outras certidões. Não é o que
pensamos, pois o novo CPC continua a estabelecer a configuração da fraude à
execução quando existirem demandas capazes de reduzir o devedor à insolvência,
sem qualquer menção ao registro (art. 792, inciso IV, do novo CPC). Não se pode
esquecer, em complemento, que toda essa legislação deve ser interpretada de
acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cito, nesse
contexto, o enunciado de Súmula nº 375, segundo o qual o reconhecimento da fraude
à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé
do terceiro adquirente. Não se pode esquecer, também, as teses firmadas no
julgamento do Recurso Especial nº 956.943-PR, em incidentes de recursos
repetitivos, em 2014. De acordo com a Corte: “I) é indispensável citação válida
para configuração da fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 3º
do art. 615-A do CPC; II) o reconhecimento da fraude de execução depende do
registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente
(Súmula nº 375/STJ); III) a presunção de boa-fé é princípio geral de direito
universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume, a má-fé se
prova; IV) inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor
o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda
capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar--se letra morta o
disposto no art. 659, § 4º, do CPC; e V) conforme previsto no § 3º do art.
615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens
realizada após a averbação referida no dispositivo”. Eis aqui um exemplo
concreto em que o especialista da área deve conhecer não só a lei, mas também a
posição do STJ, como antes expus.
Boletim
AASP: Quais as principais
mudanças em relação às ações possessórias diretas?
Flávio
Tartuce: O novo CPC manteve a
estrutura relativa à ação de força nova (com cabimento de liminar e rito
especial) e à ação de força velha (sem cabimento de liminar, mas com tutela e
procedimento comum). Também foi mantida a natureza dúplice das ações
possessórias diretas (art. 556) e a sua fungibilidade total (art. 554). Como
novidade, temos a possibilidade de pedido petitório, reivindicatório de
propriedade, em face de terceiro, dentro de uma ação possessória (art. 557).
Cabe destacar, ainda, a preocupação em relação às demandas possessórias
coletivas, que envolvem um considerável número de pessoas. Merece relevo,
assim, o art. 556 do novo CPC, segundo o qual no litígio coletivo pela posse de
imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver
ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão
da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em 30 dias.
Como se nota, a lei passou a admitir uma liminar em ação de força velha, quando
o atentado à posse tiver mais de um ano e um dia. Essa previsão quebra com a
nossa tradição, e não deixa de causar perplexidade. O mesmo comando, em seus
parágrafos, estabelece procedimentos a respeito da realização de audiência de
mediação, para tentar resolver o dilema, o que vem em boa hora.
Boletim
AASP: Qual a sua opinião sobre o
tratamento da usucapião extrajudicial no novo CPC?
Flávio
Tartuce: Tenho uma visão
otimista, apesar de ser cético quanto à possibilidade de sua efetivação de
forma estritamente consensual. O legislador poderia ter dado passos mais
firmes, atribuindo alguns poderes decisórios ao registrador de imóveis, na
linha da tão festejada “desjudicialização”. De todo modo, prefiro aguardar o
andamento prático do instituto para me posicionar definitivamente.
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