RESUMO. INFORMATIVO 767 DO STJ.
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 2.021.711-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 14/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Compra e venda de imóvel na planta. Sala comercial. Natureza de investimento. Código de Defesa do Consumidor. Aplicação. Teoria finalista mitigada. Pequena diferença na área real. Descumprimento contratual. Rescisão de contrato. Não cabimento. Compra e venda "ad mensuram". Não configuração. Diferença de metragem aquém da margem fixada pelo art. 500, § 1º do Código Civil. Compra e venda "ad corpus".
DESTAQUE
Em contrato de compra e venda de imóvel na planta, a diferença ínfima a menor na metragem, que não inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado, não autoriza a resolução contratual, ainda que a relação se submeta às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia está em saber se a diferença de metragem entre aquela que foi definida no contrato de compra e venda, quando o imóvel ainda estava na planta, e a que consta no registro da matrícula do imóvel e na promessa de compra e venda conceitua-se como venda ad mensuram de forma a incidir o disposto no art. 500, § 1º, do Código Civil.
Inicialmente, anota-se que, se admite, na hipótese, a utilização do Código de Defesa do Consumidor para amparar, concretamente, o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), pois ele não desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.
No entanto, a aplicação do referido diploma legal não tem o condão de enquadrar a compra e venda sub judice na qualificação "ad mensuram".
É de se concluir, pelos demonstrativos e provas, relacionados aos fatos que o negócio envolveu coisa delimitada (sala comercial), sem apego as suas exatas medidas, o que caracteriza, inequivocadamente, uma compra e venda "ad corpus".
Em se tratando de imóvel urbano, obviamente o comprador adquiriu o bem como um todo, ou como coisa certa e determinada. Logo, é possível concluir que as medidas do imóvel foram meramente enunciativas, e não decisivas como fator da aquisição.
Outrossim, o simples fato de ter sido uma compra na planta não altera a situação, porquanto as medidas constantes no instrumento particular de promessa de compra e venda eram somente enunciativas, ou seja, o que sobreleva é o bem em si (sala comercial), e não propriamente a metragem, até porque não restou demonstrado que o preço foi calculado com base na área de construção.
Doutrinariamente, a venda "ad mensuram" é a hipótese em que as partes estipulam "o preço por medida de extensão, situação em que a medida passa a ser condição essencial ao contrato efetivado (...) Como exemplo de venda ad mensuram, pode ser citado o caso de compra e venda de um imóvel por metro quadrado (m²)".
Em que pese a segunda parte do § 1º do art. 500 do Código Civil ressalvar, ao comprador, o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio, no caso, não há evidências de que o negócio não teria sido realizado pela ínfima diferença a menor na metragem que, aliás, de modo algum inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado.
Cumpre salientar que o fato de incidir o direito consumerista na relação sub judice não significa a procedência da pretensão de resolver do negócio jurídico, com a devolução dos valores pagos e com a aplicação da multa contratual, pois não se está diante de efetivo vício, ou defeito de qualidade, ou quantidade do produto capaz de abalar o equilíbrio do contrato e prejudicar o consumidor.
Com efeito , é até possível dizer que a mínima diferença em discussão nem sequer reúne condições para caracterizar efetivo "vício de quantidade" do produto, uma vez que está aquém da margem fixada pela lei.
Não é demasiado anotar que o contrato firmado entre as partes prevê, no seu parágrafo segundo da cláusula décima sétima, que serão toleradas pequenas diferenças nas dimensões do projeto, consoante, expressamente, asseverado na sentença.
Assim, perfeitamente aceitável a diferença, no caso, irrisória da área do imóvel, não havendo que se falar em qualquer descumprimento contratual capaz de ensejar o pagamento da multa pelo seu rompimento.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Processo
REsp 2.031.816-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Responsabilidade civil. Shopping center e unidade gestora do estacionamento. Roubo à mão armada na cancela. Abrangência da proteção consumerista. Área de prestação do serviço. Barreira física imposta para benefício do estabelecimento empresarial. Dever de fiscalização. Possibilidade de responsabilização. Nexo de imputação verificado. Fortuito interno. Legítima expectativa de segurança ao cliente. Acréscimo de conforto (estacionamento) aos consumidores em troca de benefícios financeiros indiretos.
DESTAQUE
O shopping center e o estacionamento vinculado a ele podem ser responsabilizados por roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento comercial, em via pública.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Pragmaticamente, incide o regramento consumerista no percurso relacionado com a prestação do serviço e, notadamente, quando o fornecedor dele se vale no interesse de atrair o consumidor. Assim, na hipótese de se exigir do consumidor determinada conduta para que usufrua do serviço prestado pela fornecedora, colocando-o em vulnerabilidade não só jurídica, mas sobretudo fática, ainda que momentaneamente, se houver falha na prestação do serviço, será o fornecedor obrigado a indenizá-lo.
Nessa linha de raciocínio, quando o consumidor, com a finalidade de ingressar no estacionamento de shopping center, tem de reduzir a velocidade ou até mesmo parar seu veículo e se submeter à cancela - barreira física imposta pelo fornecedor e em seu benefício - incide a proteção consumerista, ainda que o consumidor não tenha ultrapassado referido obstáculo e mesmo que este esteja localizado na via pública.
Nessa hipótese, o consumidor se encontra, de fato, na área de prestação do serviço oferecido pelo estabelecimento comercial. Por conseguinte, também nessa área incidem os deveres inerentes às relações consumeristas e ao fornecimento de segurança indispensável que se espera dos estacionamentos de shoppings centers.
Esta Corte analisou situação parecida, na qual o consumidor que se encontrava dentro de estacionamento de shopping center, ao parar na cancela para sair do referido estabelecimento, foi surpreendido pela abordagem de indivíduos com arma de fogo que tentaram subtrair seus pertences (REsp 1.269.691/PB, Quarta Turma, DJe 5/3/2014).
Da mesma maneira como sucede com a saída, o consumidor também está sujeito a tal vulnerabilidade ao ingressar no estabelecimento. É necessário que aquele, a fim de utilizar o serviço oferecido pela recorrente, permaneça - ainda que por pouco tempo - desprotegido ao esperar a emissão do ticket e o levantamento da cancela.
Inclusive, a única razão para que o consumidor permaneça desprotegido, aguardando a abertura da cancela, é, justamente, para ingressar no estabelecimento do fornecedor. Logo, não pode o shopping center buscar afastar sua responsabilidade por aquilo que criou para se beneficiar e que também lhe incumbe proteger, sob pena de violar até mesmo o comando da boa-fé objetiva e o princípio da proteção contratual do consumidor.
Em síntese, o shopping center e o estacionamento vinculado podem ser responsabilizados por defeitos na prestação do serviço não só quando o consumidor se encontra efetivamente dentro da área assegurada, mas também quando se submete à cancela para ingressar no estabelecimento comercial.
No que tange especificamente à responsabilidade de shoppings centers, este Superior Tribunal de Justiça, "conferindo interpretação extensiva à Súmula n. 130/STJ, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores" (EREsp 1.431.606/SP, Segunda Seção, DJe 2/5/2019) - com exceção da hipótese em que o estacionamento representa "mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos".
Com efeito, não cabe dúvida de que a empresa que agrega ao seu negócio um serviço visando à comodidade e à segurança do cliente deve responder por eventuais defeitos ou deficiências na sua prestação. Afinal, serviços dessa natureza não têm outro objetivo senão atrair um número maior de consumidores ao estabelecimento, incrementando o movimento e, por via de consequência, o lucro, devendo o fornecedor, portanto, suportar os ônus respectivos.
Nos termos expostos, pode-se concluir que o shopping center que oferece estacionamento responde por roubo perpetrado por terceiro à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento, uma vez que gerou no consumidor expectativa legítima de segurança em troca dos benefícios financeiros que percebera indiretamente.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Processo
REsp 2.037.088-SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 13/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Ação de produção antecipada de provas. Deferimento liminar do pedido. Ausência de oitiva da parte adversa. Interposição de agravo de instrumento. Não conhecimento. Art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil. Interpretação literal. Não cabimento. Contraditório. Vulneração.
DESTAQUE
O art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não pode ser interpretado em sua acepção literal, de modo a obstar qualquer manifestação da parte adversa no procedimento de antecipação de provas, em detida observância do contraditório.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia posta centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil, há espaço para o exercício do contraditório, e se caberia ao Juízo a quo, liminarmente - a despeito da ausência do requisito de urgência - e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos na petição inicial, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa.
O chamado processo civil constitucional é garantia individual e destina-se a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como verdadeiro vetor interpretativo de todo o sistema processual civil.
Os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal consistem no fundamento de validade - e mesmo de legitimidade - de todo e qualquer regramento processual. Com o propósito de reforçar essa concepção jurídico-positiva, há muito internalizada na doutrina e na jurisprudência processualista nacional, o Código de Processo Civil, em seu art. 1º, estabeleceu que: "o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código".
As normas fundamentais de conteúdo principiológico - estruturantes e, portanto, superiores aos demais regramentos -, que traduzem e asseguram o tratamento isonômico das partes no processo, o direito de defesa, bem como o contraditório, hão de ser necessariamente observadas na aplicação e na interpretação de todos os dispositivos legais previstos no Código de Processo Civil.
É possível que as normas processuais estipulem o modo como o contraditório deve ser exercido, diferindo-o eventualmente. É possível que, em função das especificidades de determinado procedimento, possam restringir as matérias passíveis de serem nele arguidas. A restrição do direito de defesa, estabelecida em lei, encontra justificativa, portanto, nas particularidades e, principalmente, na finalidade do procedimento por ela regulado. Não há, obviamente, nenhuma vulneração ao princípio do contraditório em tais disposições legais. Todavia, eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de maneira alguma, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório.
A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão.
Por conseguinte, o § 4º do art. 382 do CPC - ao estabelecer que, no procedimento de antecipação de provas, "não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário" - não pode ser interpretado em sua acepção literal. Importa, nesse passo, bem identificar o objeto específico da ação de produção antecipada de provas, bem como o conflito de interesses nela inserto, a fim de delimitar em que extensão o contraditório pode ser nela exercido.
Como é de sabença, o Código de Processo Civil de 2015 buscou reproduzir, em seus termos, compreensão há muito difundida entre os processualistas de que a prova, na verdade, tem como destinatário imediato não apenas o juiz, mas também, diretamente, as partes envolvidas no litígio.
Reconhece-se, assim, à parte o direito material à prova, cuja tutela pode se referir tanto ao modo de produção de determinada prova (produção antecipada de prova, prova emprestada e a prova "fora da terra"), como ao meio de prova propriamente concebido (ata notarial, depoimento pessoal, confissão, exibição de documentos ou coisa, documentos, testemunhas, perícia e inspeção judicial).
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Civil, art. 382, § 4º
QUARTA TURMA
Processo
AgInt no REsp 1.609.931-SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13/2/2023, DJe 17/2/2023.
Ramo do Direito
DIREITO BANCÁRIO, DIREITO AGRÁRIO
Tema
Imóvel rural. Cédula de crédito rural. Hipoteca. Impenhorabilidade.
DESTAQUE
É inadmissível a penhora de bem já hipotecado por força de cédula de crédito rural, salvo: a) em face de execução fiscal; b) após a vigência do contrato de financiamento; c) quando houver anuência do credor; ou d) quando ausente risco de esvaziamento da garantia, tendo em vista o valor do bem ou a preferência do crédito cedular.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Dispõe o art. 11 da LC 93/1998 que "Os beneficiários do Fundo não poderão alienar as suas terras e as respectivas benfeitorias no prazo do financiamento, salvo para outro beneficiário enumerado no parágrafo único do art. 1º e com a anuência do credor".
O art. 11 da LC 93/1998 não deve ser analisado de maneira isolada.
O Decreto-Lei 167/1967, que dispõe sobre títulos de crédito rural, prevê, em seu art. 69, a impenhorabilidade dos bens objeto de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural com relação a outras dívidas: "Os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural não serão penhorados, arrestados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante, cumprindo ao emitente ou ao terceiro empenhador ou hipotecante denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão".
A regra é a impenhorabilidade do imóvel dado em garantia em financiamento de imóvel rural. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, admite a relativização do bem gravado com cédula de crédito rural quando: a) em face de execução fiscal; b) após a vigência do contrato de financiamento; c) quando houver anuência do credor; ou d) quando ausente risco de esvaziamento da garantia, tendo em vista o valor do bem ou a preferência do crédito cedular.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Lei Complementar n. 93/1998, arts. 1º, parágrafo único, e 11
Decreto-Lei n. 167/1967, art. 69
Código de Processo Civil (CPC/1973), art. 649, I
Processo
AREsp 1.192.906-SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Dano moral. Atos praticados após rescisão de contrato de trabalho. Pretensão indenizatória. Prescrição. Prazo trienal. Responsabilidade extracontratual.
DESTAQUE
É trienal o prazo prescricional aplicável à pretensão de indenização fundada em atos ofensivos praticados após a rescisão do contrato de trabalho.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A pretensão de indenização por danos morais fundada em atos ofensivos praticados após a rescisão do contrato de trabalho, ante a imputação da prática de crimes de apropriação indébita e de desvio de recursos, submete-se a prazo prescricional trienal.
Isso, porque constata-se que a causa de pedir da ação de indenização está fundada na falsa imputação de condutas criminosas, o que teria causado danos à honra pessoal e profissional. Assim sendo, não há, de fato, que se falar em responsabilidade civil contratual, uma vez que, em que pese a relação das partes seja marcada pela prévia existência de contrato de trabalho extinto, na hipótese, busca-se indenização decorrente de suposto ato ilícito extracontratual.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, reafirmado no julgamento do Tema IAC 2, incide o prazo prescricional trienal, nos moldes do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, nas ações de indenização oriundas de responsabilidade civil extracontratual.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código Civil (CC/2002), art. 206, § 3º, inciso V
Processo
AREsp 1.192.906-SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Pretensão indenizatória. Imputação de crimes indevida. Posterior absolvição. Prescrição. Fluência do prazo. Trânsito em julgado da sentença na ação penal.
DESTAQUE
A fluência da prescrição da pretensão indenizatória fundada na imputação de crimes dos quais se venha a ser posteriormente absolvido tem início com o trânsito em julgado da sentença na ação penal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Em regra, segundo a teoria da actio nata, considera-se nascida a pretensão no momento da violação (ou inobservância) do direito, de sorte que o prazo prescricional é contado a partir desse momento. Contudo, a regra geral cede nas hipóteses em que a própria legislação vigente estabeleça que o cômputo do lapso prescricional se dê a partir de termo inicial distinto, como ocorre, por exemplo, nas ações que se originam de fato que deva ser apurado no juízo criminal.
Nessa hipótese, ao tratar das causas que impedem ou suspendem a prescrição, dispõe o Código Civil em seu artigo 200 que "Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva".
A previsão do referido dispositivo legal visa a beneficiar, via de regra, as vítimas de crimes que buscam indenização de natureza civil pelos prejuízos causados pelo ato criminoso por meio do ajuizamento de ação civil ex delicto, hipóteses nas quais, muitas vezes, é necessário apurar o fato na esfera penal, principalmente no que tange à certeza e autoria do crime, anteriormente à veiculação da pretensão indenizatória.
Todavia, a jurisprudência desta Corte entende que, verificada a relação de estrita dependência entre a pretensão de indenização por danos morais com o fato apurado no juízo criminal, aplicam-se analogicamente as regras do art. 200 do CC, ainda que não se trate de ação civil ex delicto - inclusive quanto ao prazo prescricional -, devendo ser afastada a inação da parte autora que aguardou o desfecho da ação na esfera penal para propor ação de reparação de danos na esfera civil, diante da possibilidade de que o trâmite simultâneo dos processos em ambas as esferas resultasse em indesejável contradição.
Tendo em vista que a parte autora fundamentou sua pretensão indenizatória na ocorrência de alegados prejuízos de ordem moral em razão da imputação da prática de crimes dos quais foi posteriormente absolvida, a apuração dos supostos fatos criminosos na esfera criminal era, portanto, questão prejudicial ao ingresso do pedido indenizatório na esfera cível, fazendo incidir, por analogia, o disposto no art. 200 do CC, no que tange ao termo inicial da prescrição.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código Civil (CC/2002), art. 200
Processo
REsp 2.035.515-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO BANCÁRIO
Tema
Cédula de Crédito Bancário. Alienação fiduciária. Decretação de falência do banco beneficiário. Alienação em hasta pública da carteira de crédito. Emitentes e avalistas. Direito de preferência. Não configuração.
DESTAQUE
Na hipótese de decretação de falência de instituição financeira, os emitentes e avalistas de cédula de crédito bancário não possuem direito de preferência em sua aquisição em leilão realizado no processo de liquidação.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O crédito concedido por instituição financeira e representado pela cédula de crédito bancário possui garantia fiduciária imobiliária e, com o desenvolvimento ordinário e esperável da relação obrigacional consistente no pagamento do numerário emprestado, a propriedade resolúvel cessará e a garantia não mais subsistirá. No entanto, caso haja inadimplemento por parte dos devedores fiduciantes, o credor pode dar início ao procedimento de execução para ver consolidada em suas mãos a propriedade plena do bem dado em garantia fiduciária e, posteriormente, aliená-lo para a satisfação da obrigação. É nesse contexto que a legislação de regência - art. 27, § 2º-B, da Lei n. 9.514/1997 - prevê o direito de preferência do devedor fiduciante quando da alienação do bem em hasta pública, após a consolidação da propriedade nas mãos do credor. Cuida-se do direito de preferência de o devedor fiduciante readquirir o bem do qual foi privado em virtude do inadimplemento e da consequente consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário.
Direito de preferência é aquele que confere a seu titular o exercício de determinada prerrogativa ou vantagem em caráter preferencial quando em concorrência com terceiros. Tal prerrogativa pode decorrer de lei, quando o legislador elege determinadas circunstâncias fáticas ou jurídicas que justificam que determinada pessoa pratique um ato ou entabule um negócio jurídico de forma prioritária ou precedente, ou ainda pode ter origem contratual, desde que não interfira na posição de terceiros estranhos à relação jurídica a quem a própria lei confira posição de vantagem. O legislador confere ao devedor fiduciante o direito de preferência na aquisição - rectius, reaquisição - do bem que já lhe pertencia e cuja privação decorra do inadimplemento de obrigação à qual se vinculava por garantia fiduciária.
Contudo, na circunstância presente, trata-se de alienação da carteira de crédito, na qual está incluído o crédito representado pela cédula de crédito bancário, de titularidade da instituição financeira, no concurso falimentar. Existe, portanto, significativa diferença entre o que dispõe a legislação de regência e a pretensão dos recorrentes. O que se defere ao devedor fiduciante é a preferência na aquisição do bem que lhe pertencia, ao passo que, no caso presente, pretende-se a aquisição do próprio crédito, da relação jurídica obrigacional, que possui garantia representada pela alienação fiduciária de bem imóvel.
O art. 843 e seu parágrafo estabelecem que, na hipótese de penhora de bem indivisível, há preferência do coproprietário ou cônjuge executado na arrematação do bem. Com isso, possibilita-se a penhora da integralidade do bem, ainda que o executado seja proprietário de uma fração ou quota-parte, evitando-se, a um só tempo, a dificuldade de alienação da quota-parte do devedor e a constituição forçada de condomínio entre o adquirente e o cônjuge ou coproprietário.
A situação contemplada pelo programa normativo mencionado difere substancialmente do caso dos autos. A garantia fiduciária não constitui nenhuma forma de copropriedade, mas transfere a propriedade do bem dado em garantia, ainda que sob condição resolutiva, ao credor fiduciário; o que há é o desmembramento da posse. No leilão realizado, o que ocorreu foi a transferência do crédito garantido e representado pela cédula de crédito bancário, inexistindo similitude que atraia a incidência da regra que garante o direito de preferência.
Acrescente-se, nesse sentido, que os dispositivos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) - arts. 4º e 5º - cuidam de critérios decisórios e interpretativos que não permitem conferir ao caso o resultado pretendido. Com efeito, não há falar em omissão legislativa capaz de autorizar a aplicação da analogia pelo simples motivo de que a preferência, quando existente, tem assento legal e, de certa forma, excepcional, porquanto estabelece casos especiais em que determinadas pessoas têm prerrogativas ou vantagens, e não há previsão do direito de preferência de devedores de obrigações garantidas por alienação fiduciária na aquisição de seu crédito levado à alienação em hasta pública.
Veja-se que, para o recurso à autointegração do sistema pela analogia, faz-se necessário que se estenda a uma hipótese não regulamentada a disciplina legalmente prevista para um caso semelhante. Com efeito, a regra prevista pelo ordenamento em casos como que tais é a alienação dos bens ou direitos em hasta pública para qualquer interessado que atenda aos editais de chamamento, orientando-se a disciplina processual civil expressamente nesse sentido. Ao não ser atribuída uma prerrogativa adicional aos emitentes de cédula de crédito bancário com garantia representada por alienação fiduciária de bem imóvel, conclui-se que não houve de fato omissão regulamentadora, senão a intenção legislativa de manter a regra geral nessas condições.
Ademais, permitir que os devedores fiduciantes adquirissem por valor inferior implicaria prejuízo a todos os demais credores da massa, que teriam diminuída a importância recebida após a realização do ativo.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Lei n. 9.514/1997, art. 27, § 2º-B
Código de Processo Civil, art. 843, § 1º
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, arts. 4º e 5º
Processo
REsp 2.004.210-SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO BANCÁRIO
Tema
Plano de previdência privada complementar aberta. Natureza de investimento. Possibilidade. Configuração. Excepcionalidade. Não conversão em renda e pensionamento do titular. Morte do titular. Partilha. Possibilidade.
DESTAQUE
Na hipótese excepcional em que ficar evidenciada a condição de investimento de plano de previdência privada complementar aberta, operado por seguradora autorizada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), os valores devem ser trazidos à colação no inventário, como herança, devendo ainda ser objeto da partilha, desde que antes da conversão em renda e pensionamento do titular.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se valores depositados em plano de previdência privada aberta - no caso, o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) - devem, em alguma medida, compor ou não o acervo hereditário.
Conforme informado no site da Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão público supervisor das entidades abertas de previdência complementar, e indicado em vários dos pareceres das entidades que aqui se manifestaram, o VGBL e o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) são planos por sobrevivência (de seguro de pessoas e de previdência complementar aberta, respectivamente) que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal, que poderá ser vitalícia ou por período determinado, ou um pagamento único.
Esses planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela Susep, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar acerca dos valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida. Dessa forma, sua natureza jurídica ora se assemelha a seguro previdenciário adicional, ora a investimento ou aplicação financeira.
Não se pode descurar que, para o mercado, muitos desses fundos constituem mais uma aplicação financeira que propriamente uma previdência privada. Isso devido à natureza jurídica desses contratos antes que se concretize sua condição previdenciária, ou seja, antes que o investidor passe a receber as prestações periódicas.
Como regra, o VGBL tem natureza preponderantemente de seguro. Não há, por assim dizer, a lógica de que todo e qualquer aporte em plano VGBL configuraria, sempre e sempre, mera aplicação financeira.
A matéria já foi analisada pela Terceira Turma no REsp n. 1.726.577/SP, e a decisão, concluindo-se que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada. Assim, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão (REsp n. 1.726.577/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 1º/10/2021).
Nesse julgado se decidiu que os planos de previdência privada aberta têm natureza multifacetária e, assim, natureza securitária (e de previdência complementar), o que se evidencia no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter determinado padrão de vida. No entanto, não se pode excluir a natureza de investimento no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, uma vez que, nesse tipo de plano, estão asseguradas múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas.
No caso em análise, a morte da titular, que é o evento de risco no seguro e que gera o pagamento do prêmio contratado, ocorreu durante o período que antecedeu a percepção dos valores a título de previdência complementar, antes, portanto, de sua conversão em renda e pensionamento.
Contudo, o que leva à compreensão de que a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta ora objeto de análise é de aplicação e investimento não é apenas o momento em que se deu a morte mas também as circunstâncias que envolveram a própria contratação do seguro, ou seja, a titular utilizou valores decorrentes da venda do único imóvel do casal quando já tinha idade avançada (78 anos) e com quase nenhuma viabilidade de conversão em pensão por sobrevivência, pois, na data provável do resgate, a titular teria 100 anos de idade.
Por fim, deve-se considerar que o valor do contrato implicou significativo aporte de capital e potencialmente feriria o limite disponível para que a titular pudesse livremente dele dispor.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Processo
REsp 2.028.234-SC, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO COMERCIAL, DIREITO FALIMENTAR
Tema
Falência. Títulos protestados cuja soma ultrapassa o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos. Protesto especial. Duplicata. Comprovação da remessa dos títulos para aceite e da recusa injustificada do devedor. Desnecessidade. Comprovação da entrega e do recebimento da mercadoria. Ausência de recusa de aceite pelo sacado. Suficiência.
DESTAQUE
A exigibilidade do protesto da duplicata mercantil para a instrução do processo de falência (i) não exige a realização do protesto especial para fins falimentares, bastando qualquer das modalidades de protesto previstas na legislação de regência; (ii) torna-se suficiente a triplicata protestada ou o protesto por indicações, desde que acompanhada da prova da entrega da mercadoria, por cuidar-se de título causal; e (iii) é possível realizar diretamente o protesto por falta de pagamento ou o protesto especial para fins falimentares.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Lei de Recuperação de Empresas e Falência prevê uma única hipótese para a comprovação de impontualidade e que faz presumir a insolvência: o protesto do título ou títulos extrajudiciais ou judiciais, como prevê a redação do art. 94, § 3º: "Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica".
Qualquer que seja a natureza do título - sanando dúvida que pairava sob a legislação anterior -, o credor deverá levá-lo a protesto para a comprovação da impontualidade e, assim, autorizar a deflagração do processo de quebra. Os títulos de crédito, contudo, tal como as duplicatas que instruíram o processo de falência, possuem disciplina especial que preveem, em distintas hipóteses, a necessidade do protesto como meio comprobatório de algum fato juridicamente relevante ou mesmo do inadimplemento. Assim, a duplicata comporta três modalidades de protesto, cada qual em diferente oportunidade e com efeitos próprios: (I) o protesto por falta de devolução; (II) o protesto por falta de aceite; e (III) o protesto por falta de pagamento (art. 13 da Lei n. 5.474/1968).
Exatamente em razão da disciplina particular da duplicata, que se interliga a uma relação que opera como causa para sua emissão, a vinculação do sacado ou comprador de mercadorias ao título cambial - porque vinculado pela operação mercantil que lhe é subjacente - pode dar-se de maneira presumida, se o vendedor ou sacador levar os títulos a protesto, acompanhados do comprovante de entrega das mercadorias, o que implicará, ainda, o vencimento antecipado da obrigação cambial (art. 25 da Lei 5.474/1968 c/c art. 43 da Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias). Em qualquer hipótese, ainda, o credor poderá proceder ao protesto do título por falta de pagamento (art. 13, § 2º, da Lei n. 5.474/1968).
Acerca do protesto especial em referência, dispõe o art. 23 da Lei n. 9.492/1997 que "Os termos dos protestos lavrados, inclusive para fins especiais, por falta de pagamento, de aceite ou de devolução serão registrados em um único livro e conterão as anotações do tipo e do motivo do protesto, além dos requisitos previstos no artigo anterior. Parágrafo único. Somente poderão ser protestados, para fins falimentares, os títulos ou documentos de dívida de responsabilidade das pessoas sujeitas às consequências da legislação falimentar".
O art. 15 da Lei n. 5.474/1968 prevê a possibilidade cobrança judicial "l - de duplicata ou triplicata aceita, protestada ou não; II - de duplicata ou triplicata não aceita, contanto que, cumulativamente: a) haja sido protestada; b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e do recebimento da mercadoria, permitida a sua comprovação por meio eletrônico; c) o sacado não tenha, comprovadamente, recusado o aceite, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos arts. 7º e 8º desta Lei".
É possível, portanto, a cobrança judicial ou a instrução de processo de falência com a duplicata ou triplicata não aceita, desde que tenha sido protestada, esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e do recebimento da mercadoria e não tenha sido recusado o aceite pelo sacado, de maneira comprovada.
Em suma, A exigibilidade do protesto da duplicata mercantil para a instrução do processo de falência (I) não requer a realização do protesto especial para fins falimentares, bastando qualquer das modalidades de protesto previstas na legislação de regência; (II) torna suficiente a triplicata protestada ou o protesto por indicações, desde que acompanhada da prova da entrega da mercadoria, por cuidar-se de título causal; e (III) faz com que seja possível realizar-se diretamente o protesto por falta de pagamento ou o protesto especial para fins falimentares.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência), art. 94, I, § 3º
Lei n. 5.474/1968, arts. 13, § 2º, 15 e 25
Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias
Processo
REsp 1.804.804-MS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Tema
Ação de cobrança. Ajuizamento contra consórcio. Ausência de personalidade jurídica. Homologação de plano de recuperação judicial de uma das consorciadas. Novação sui generis. Concursalidade do crédito. Extinção parcial da ação. Contrato de constituição do consórcio. Responsabilidade das consorciadas. Solidariedade. Disposição contratual. Imprescindibilidade.
DESTAQUE
Verificada a novação da obrigação, em virtude da homologação de plano de recuperação judicial de consorciada, quando ausente disposição estabelecendo solidariedade da partes no contrato de constituição do consórcio, a ação de cobrança de quantia líquida ajuizada apenas contra o consórcio extingue-se na medida da responsabilidade da recuperanda/consorciada.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Lei de Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/1976) estabelece, em seu art. 278, que o "consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade", e que a "falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio".
Deflui do dispositivo legal a regra geral na hipótese de pluralidade de partes nas obrigações - concursu partes fiunt - não sendo presumida a solidariedade entre as consorciadas. Contudo, o limite e as condições da responsabilidade de cada uma delas decorrem do contrato constitutivo do consórcio.
Em ação de cobrança, quando há obrigações divisíveis com pluralidade de devedores, cada devedor somente pode ser acionado por sua fração na obrigação. Portanto, se em relação ao devedor submetido à recuperação judicial houver novação e, em consequência, houver extinção da obrigação, a ação contra ele não poderá continuar, uma vez que sua quota-parte da prestação não poderá ser cobrada de outro devedor (art. 257 do Código Civil).
Assim, malgrado haja pluralidade de devedores em relação a um único vínculo, presume-se dividido em tantas obrigações quantos forem os devedores, na proporção determinada pelos negócios que lhe deram origem.
Na hipótese, o consórcio decorre de contrato firmado entre suas participantes, cujo ajuste não cria ente com personalidade jurídica distinta de seus membros. Dessa forma, a imputação responsabilizatória ocorre diretamente sobre as consorciadas contratantes e, por esse motivo, revela-se imprescindível a análise de seus atos formativos para verificar a disciplina concreta acerca das obrigações assumidas, porquanto, repita-se, a solidariedade, em regra, é afastada.
Concomitantemente, ultrapassado o stay period e aprovado e homologado o plano de recuperação judicial, não mais se cogita da suspensão dos processos contra o devedor, mas o efeito daí decorrente enseja a extinção das ações, na forma referida. A aprovação e homologação do plano de recuperação judicial implicam novação das obrigações concursais, é dizer, daquelas existentes ao tempo da apresentação do pedido, ainda que não vencidas (art. 49 da Lei n. 11.101/2005).
É indiferente, ainda, o fato de o referido crédito não se encontrar habilitado e constar do plano de recuperação judicial. Com efeito, a novação operada pela aprovação e homologação do plano tem o efeito de extinguir todas as obrigações anteriores e substituí-las por outras, nas condições aprovadas pela assembleia de credores ou pelo magistrado (cram down), independentemente de constarem no rol ou da concordância do credor. Essa eficácia expansiva dos efeitos da aprovação e homologação do plano repousa exatamente no princípio fundamental da recuperação, que é permitir o soerguimento da sociedade empresária, a partir do reconhecimento de sua função social.
Nesse sentido, ainda que o credor não conste do quadro geral, ele tem a faculdade de habilitar seu crédito de forma retardatária ou cobrá-lo posteriormente, mas terá de fazê-lo, nesta última hipótese, nas condições determinadas no plano de recuperação judicial.
Revela-se, pois, perfeitamente decomponível a obrigação derivada do contrato de constituição do consórcio, no bojo da ação de cobrança de quantia líquida, de forma que a solução adequada, a teor da disciplina prevista na Lei n. 11.101/2005, é a extinção parcial da ação na medida da responsabilidade da consorciada, porque sua obrigação foi extinta pela novação decorrente da aprovação e homologação do plano de recuperação judicial.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
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