terça-feira, 6 de setembro de 2022

PROCEDIMENTO DE CASAMENTO: COMO FICOU APÓS A LEI DO SERP. ARTIGO EM COAUTORIA COM CARLOS EDUARDO ELIAS DE OLIVEIRA.

 Procedimento de casamento: como ficou após a Lei do SERP (Lei nº 14.382/2022

 Carlos E. Elias de Oliveira

Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral na UnB e em outras instituições. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado e parecerista. Ex-Advogado da União. Ex-Assessor de Ministro do STJ. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam). Membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporânea (RDCC).

Flávio Tartuce

Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Professor do G7 Jurídico. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico. Colunista do Migalhas. Autor de obras jurídicas pelo Grupo GEN.

 

Brasília e São Paulo, 6 de setembro de 2022

 Resumo

1. A Lei do SERP (Lei nº 14.382/2022) promoveu diversas alterações de alta complexidade mediante um processo legislativo mais acelerado, o que deixou alguns pontos abertos ou dúbios a atrair a intervenção da doutrina, das normas infralegais e da jurisprudência - Capítulo 1.

2. Os nubentes têm o direito de apresentar o requerimento de habilitação e a documentação pertinentes eletronicamente (art. 67, § 4º-A, LRP) - Capítulo 2.

3. A celebração do casamento poderá ocorrer por videoconferência, desde que sejam asseguradas ampla publicidade para terceiros acompanharem sincronamente e a manifestação de vontade dos nubentes, das testemunhas e da autoridade celebrante (art. 67, § 8º, LRP; art. 1.534 do CC) - Capítulo 2.

4. A celebração do casamento tem de ser anotada nos autos do procedimento de habilitação, exigido que o registrador, se necessário, faça as notificações devidas (art. 67, § 6º, LRP) - Capítulo 3.

5. Não há mais obrigação de duplo registro e de dupla publicação do edital de proclamas na hipótese de os nubentes residirem em diferentes distritos do RCPN (revogação do § 4º do art. 67 da LRP; caput do art. 67 da LRP) - Capítulo 4.

6. Foi abolida a obrigação de afixação do edital de proclamas na serventia, pois houve a revogação expressa do § 3º do art. 67 da LRP e a revogação tácita do caput do art. 1.517 do CC - Capítulo 5.

7. Fica extinta a ultrapassada exigência de publicação de proclamas na imprensa local (revogação expressa do § 1º do art. 67 da LRP e revogação tácita do caput do art. 1.517 do CC) - Capítulo 6.

8. O prazo para terceiros apresentarem impugnação na fase de habilitação é de 15 dias da publicação dos editais de proclamas, por aplicação analógica do § 4º art. 216-A da LRP, necessária diante da lacuna legal - Capítulo 7.

9. O incidente de impugnação no procedimento de habilitação é esmiuçado pelo § 5º do art. 67 da LRP, que deve ser lido em conjunto com os arts. 1.527 e 1.531 do CC - Capítulo 8.

10. Não há mais a necessidade de manifestação do Ministério Público nos procedimentos de habilitação de casamento, salvo quando tiver sido instaurado o incidente de impugnação (revogação expressa § 1º do art. 67 da LRP e revogação tácita do art. 1.526 do CC).

11. A dispensa de publicação de proclamas pela existência de urgência no casamento é decidido administrativamente pelo próprio registrador, com recurso ao juiz corregedor e sem oitiva do Ministério Público (art. 69 da LRP) - Capítulo 10.

12. A visão completa de como ficou o procedimento do casamento está no capítulo 11 deste artigo.

 

1. Introdução.

A Lei nº 14.382/2022, conhecida como Lei do SERP, promoveu diversas alterações extremamente complexas e profundas.

Muitas dessas alterações foram introduzidas, de última hora, no processo legislativo, o que acabou comprometendo a boa técnica de redação legislativa de alguns dispositivos. Deixou-se, por um lamentável lapso, de revogar expressamente dispositivos incompatíveis com a nova norma. Ademais, o legislador incorreu em lacunas legais, que sempre geram problemas na prática. Cometeram-se, ainda, outros pecados jurídicos próprios de redação legislativa, a exigir a atuação da doutrina no preenchimento de lacunas e no esclarecimento das regras.

Esses pecadilhos, porém, não retiram a importância da lei, que, nos bastidores, contou com atuação de talentosos juristas e instituições. Por exemplo, nas mudanças havidas em RCPN, houve a admirável participação da Arpen/BR e de registradores como Gustavo Renato Fiscarelli e Karina Boselli.

Uma das alterações relevantes se deu no novo desenho dado ao procedimento adotado para o casamento. Focaremos esse ponto no presente artigo.

A Lei do SERP (Lei nº 14.382/2022) buscou a desburocratizar a fase de habilitação e a fase de celebração do casamento, promovendo ajustes nos arts. 67 ao 69 da LRP.

Antecipamos que o ideal teria sido que a nova norma fosse além, e extinguisse a publicação de proclamas, dada a sua inutilidade pelo que se observa na prática. Parece-nos ser extremamente raro - senão inexistente -, caso de impugnação apresentada por terceiros que tomaram ciência do edital de proclamas. Aliás, o próprio Código Civil já dispensa o proclamas no caso de urgência (art. 1.527, parágrafo único[1]) ou de formas especiais de casamento (arts. 1.540 e 1.541 do CC). Entendemos que a fase de habilitação deveria ser resumida à qualificação do requerimento e dos documentos pelo próprio registrador, sem a necessidade de publicação de edital de proclamas. Cabe ao legislador avançar mais ainda no futuro, na eliminação de procedimentos de pouca utilidade.

Seja como for, passamos a destacar as principais mudanças feitas pela Lei do Serp no procedimento do casamento. Ao final, à guisa de resumo, há uma exposição a respeito de como ficou o procedimento do casamento.

Transcrevemos abaixo como passaram a ser as redações dos arts. 67 e 69 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1976 – LRP), com as alterações da Lei do SERP, por serem o foco principal do presente artigo (destacamos as alterações):

Lei nº 6.015/1973

Art. 67. Na habilitação para o casamento, os interessados, apresentando os documentos exigidos pela lei civil, requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes, que lhes expeça certidão de que se acham habilitados para se casarem.

§ 1º Se estiver em ordem a documentação, o oficial de registro dará publicidade, em meio eletrônico, à habilitação e extrairá, no prazo de até 5 (cinco) dias, o certificado de habilitação, podendo os nubentes contrair matrimônio perante qualquer serventia de registro civil de pessoas naturais, de sua livre escolha, observado o prazo de eficácia do art. 1.532 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (Revogado pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 2º Se o órgão do Ministério Público impugnar o pedido ou a documentação, os autos serão encaminhados ao Juiz, que decidirá sem recurso. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 3º Decorrido o prazo de quinze (15) dias a contar da afixação do edital em cartório, se não aparecer quem oponha impedimento nem constar algum dos que de ofício deva declarar, ou se tiver sido rejeitada a impugnação do órgão do Ministério Público, o oficial do registro certificará a circunstância nos autos e entregará aos nubentes certidão de que estão habilitados para se casar dentro do prazo previsto em lei. (Revogado pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 4º Se os nubentes residirem em diferentes distritos do Registro Civil, em um e em outro se publicará e se registrará o edital. (Revogado pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 4º-A A identificação das partes e a apresentação dos documentos exigidos pela lei civil para fins de habilitação poderão ser realizadas eletronicamente mediante recepção e comprovação da autoria e da integridade dos documentos. (Incluído ela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 5º Se houver impedimento ou arguição de causa suspensiva, o oficial de registro dará ciência do fato aos nubentes, para que indiquem, em 24 (vinte e quatro) horas, prova que pretendam produzir, e remeterá os autos a juízo, e, produzidas as provas pelo oponente e pelos nubentes, no prazo de 3 (três) dias, com ciência do Ministério Público, e ouvidos os interessados e o órgão do Ministério Público em 5 (cinco) dias, decidirá o juiz em igual prazo. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 6º Quando a celebração do casamento ocorrer perante oficial de registro civil de pessoas naturais diverso daquele da habilitação, deverá ser comunicado o oficial de registro em que foi realizada a habilitação, por meio eletrônico, para a devida anotação no procedimento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 7º Expedido o certificado de habilitação, celebrar-se-á o casamento, no dia, hora e lugar solicitados pelos nubentes e designados pelo oficial de registro. (Incluído ela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 8º A celebração do casamento poderá ser realizada, a requerimento dos nubentes, em meio eletrônico, por sistema de videoconferência em que se possa verificar a livre manifestação da vontade dos contraentes. (Incluído ela Lei nº 14.382, de 2022)

Art. 69. Para a dispensa da publicação eletrônica dos proclamas, nos casos previstos em lei, os contraentes, em petição dirigida ao oficial de registro, deduzirão os motivos de urgência do casamento, provando o alegado, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, com documentos. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 1º Quando o pedido se fundar em crime contra os costumes, a dispensa de proclamas será precedida da audiência dos contraentes, separadamente e em segredo de justiça. (Revogado pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 2º O oficial de registro, no prazo de 24 (vinte quatro) horas, com base nas provas apresentadas, poderá dispensar ou não a publicação eletrônica, e caberá recurso da decisão ao juiz corregedor. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

(...)

 

2. Atos eletrônicos ao longo do procedimento de casamento.

A Lei do SERP prestigia a prática de atos de modo eletrônico ao longo do procedimento do casamento.

Por isso, é assegurado aos nubentes, eletronicamente, apresentar a documentação exigida no momento do requerimento da habilitação do casamento (art. 67, § 4º-A, da LRP), bem como celebrar o casamento por sistema de videoconferência que assegure a livre manifestação de vontade dos nubentes (art. 67, § 8º, da LRP).

No tocante a essa última hipótese, é preciso interpretar o art. 67, § 8º, da LRP sistematicamente com o art. 1.534 do CC, que exige que a celebração ocorra com “toda publicidade, a portas abertas, presentes, pelo menos, duas testemunhas” ou, no caso de qualquer dos nubentes não puder ou não souber escrever, “quatro testemunhas”.[2] As portas devem permanecer abertas mesmo se o casamento ocorrer em edifício particular, tendo em vista a necessidade de publicidade do ato (art. 1.534 do CC).

Entendemos que no caso de celebração eletrônica do casamento, é forçoso garantir similar publicidade. Assim, é preciso disponibilizar publicamente o acesso de qualquer pessoa à cerimônia eletrônica. Essa disponibilidade poderá ser feita de diferentes formas, como pela transmissão ao vivo da cerimônia em plataformas abertas e gratuitas de transmissão de vídeos (como o YouTube ou uma live no Instagram) ou pela publicação, na internet (como no site do cartório pertinente), da data, do horário e do link de acesso à “sala virtual” de videoconferência em que a cerimônia ocorrerá. Caberá às normas de serviço locais regulamentarem esse aspecto, com olhos na preservação da ampla publicidade da cerimônia nos termos exigidos pelo art. 1.534 do Código Civil.

Além disso, apesar do silêncio do art. 67, § 8º, da LRP, a plataforma virtual de videoconferência da cerimônia do casamento deverá permitir a manifestação de vontade das testemunhas e da autoridade celebrante. Trata-se de decorrência lógica, pois eles são participantes diretos da cerimônia.

Não há necessidade de se garantir o direito de voz aos demais presentes, como ao público. Isso, porque não há previsão legal de apresentação de impugnação ao casamento por terceiros no momento da cerimônia de casamento. A insurgência de terceiros tinha de ter sido manifestada durante o procedimento de habilitação do casamento ou poderá vir a ser formulada posteriormente pela via cabível se envolver algum vício de ordem pública. Cite-se, a título de exemplo, uma ação judicial ou uma denúncia às instâncias públicas competentes.

3. Anotação da celebração nos autos do procedimento de habilitação do casamento.

A celebração do casamento deverá ser anotada nos autos do procedimento de habilitação. Se os atos ocorrerem perante serventias diferentes, caberá ao oficial da celebração do casamento comunicar eletronicamente o fato ao oficial da habilitação para que este promova a devida anotação nos autos do procedimento de habilitação (art. 67, § 6º, da LRP). Se os atos ocorrerem na mesma serventia, entendemos que a anotação da celebração do casamento no procedimento de habilitação é obrigatória, apesar do silêncio do § 6º do art. 67 da LRP. É que este dispositivo apenas trata da anotação quando a celebração ocorrer em serventia diferente da do procedimento de habilitação. Acontece que a finalidade da anotação é permitir, por meio da consulta ao procedimento de habilitação, a fácil identificação de que o casamento foi celebrado. Por isso, a anotação deve dar-se mesmo se celebração ocorrer no mesmo RCPN da habilitação, o que constitui uma interpretação teleológica do referido dispositivo.

A propósito, o dever de comunicação da serventia anterior para a anotação da celebração nos autos do procedimento de habilitação do casamento já era previsto em normas locais, a exemplo do item 68 do Capítulo XVII das NSCGJ-SP.[3] O § 6º do art. 67 da LRP apenas positivou em lei federal o que já estava em atos infralegais, tática comum adotada pelo legislador na norma emergente.

4. Fim do duplo registro e da dupla publicação de proclamas no caso de nubentes domiciliados em circunscrições territoriais diferentes.

Não há mais obrigação de duplo registro e de dupla publicação do edital de proclamas na hipótese de os nubentes residirem em diferentes distritos do RCPN. Foi revogado o § 4º do art. 67 da LRP. Basta o registro dos proclamas no RCPN escolhido pelos nubentes para o procedimento de habilitação. O RCPN necessariamente terá de ser o da residência de qualquer um dos nubentes, conforme estabelece o caput do art. 67 da LRP.

Realmente, a duplicidade de registro e de publicação do proclamas era desnecessária, especialmente pelo fato de os proclamas, na maior parte dos Estados brasileiros, serem publicados na internet com base em normas locais.[4] Essa publicação na internet confere um alcance que vai além dos limites territoriais de uma serventia registral. Não há a menor dúvida de que é muito mais eficiente e muito menos onerosa do que a publicação em jornais físicos.

5. Fim da afixação do edital de proclamas na sede da serventia.

Foi abolida a obrigação de afixação do edital de proclamas na serventia. A Lei do SERP (Lei nº 14.382/2022) revogou expressamente o § 3º do art. 67 da LRP. E, de modo tácito, parece ter revogado o caput do art. 1.527 do CC por incompatilidade, nos termos do art. 2º da Lei de Introdução à Normas do Direito Brasileiro. Nesse ponto o legislador, do ponto de vista da técnica de redação legislativa, pecou em não ter promovido a revogação expressa.

De todo modo, entendemos que a eliminação desse ato é bem-vinda, dada a sua inutilidade no mundo real. Ninguém, na prática, frequenta serventias de RCPN para ler editais de proclamas, salvo – conforme se têm notícias – empresários do ramo de festas de casamento interessados em buscar clientes. Além disso, com o inegável alcance da publicação eletrônica dos proclamas na internet, nenhuma outra medida de publicidade seria necessária.

6. Fim da publicação dos proclamas na imprensa local.

Fica extinta a ultrapassada exigência de publicação de proclamas na imprensa local. O § 1º do art. 67 da LRP foi revogado. E, de modo tácito, revogou-se o caput do art. 1.527 do CC por incompatibilidade com a Lei do SERP. Vale a mesma crítica feita há pouco, no sentido de não ter o legislador revogado expressamente a norma do Código Civil. Assim, basta a publicação eletrônica dos proclamas, na internet.

Na prática, os Estados já seguiam essa postura com base nas normas de serviço local. A Lei do Serp, ao revogar o § 1º do art. 67 da LRP, mais uma vez, apenas positivou em lei federal o que já era realidade nas normas de serviço locais.

7. Prazo para terceiros apresentarem impugnação na fase de habilitação do casamento.

Talvez por um lapso legislativo, o art. 67 da LRP é omisso em relação ao prazo disponibilizado aos terceiros para apresentarem impugnação após a publicação dos editais de proclamas.

De um lado, no revogado § 3º do art. 67 da LRP, havia previsão de um prazo de 15 dias da afixação do edital de proclamas na serventia. De outro, o caput do art. 1.527 do CC, apesar de veicular o mesmo prazo, tem de ser considerado revogado implicitamente por incompatibilidade com a Lei do SERP. Isso, porque o referido dispositivo prevê a afixação do edital de proclamas na serventia, o que foi abolido pela nova norma.

 De toda sorte, é preciso suprir essa lacuna legal. Consideramos, assim, que deve ser aplicado, por analogia, o § 4º do art. 216-A da LRP, que prevê um prazo de 15 dias da publicação do edital para terceiros interessados se manifestarem no procedimento de usucapião extrajudicial. As hipóteses são semelhantes, pois tratam de prazo para terceiros convocados por editais a se manifestarem, o que justifica o uso da analogia, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Por isso, o prazo para a terceiros apresentarem impugnação no procedimento de habilitação do casamento é de 15 dias, contados da publicação do edital.

8. Incidente de impugnação no procedimento de habilitação do casamento.

O § 5º do art. 67 da LRP – que deve ser lido em conjunto com os arts. 1.527 ao 1.531 do Código Civil – detalha o que se denomina como incidente de impugnação da habilitação do casamento.[5] Esse incidente consiste em submeter ao juiz o julgamento da pertinência ou não de suspeita de existência de obstáculos jurídicos ao casamento, caso dos impedimentos matrimoniais, previstos no art. 1.521 do Código Civil.[6]

Em suma, essa suspeita é levantada por meio de nota de oposição do oficial - a qual, nosso entendimento, pode ser oferecida antes mesmo da publicação do edital de proclamas -, ou por meio de impugnação de terceiro convocado pelo edital de proclamas. Confere-se o curto prazo de 24 horas da intimação para os nubentes indicarem as provas que pretendem produzir. Em seguida, eles terão apenas 3 dias para produzir essas provas.

Entendemos que esse prazo pode ser prorrogado mediante pedido fundamentado dos nubentes, por força do parágrafo único do art. 1.530 do CC. O juiz, então, decidirá, após ouvir, no prazo de 5 dias, o Ministério Público e os interessados.

 

9. Desnecessidade de manifestação do Ministério Público em procedimento de habilitação sem impugnação.

Não há mais a necessidade de manifestação do Ministério Públicos nos procedimentos de habilitação de casamento, salvo quando tiver sido instaurado o incidente de impugnação. A oitiva do Parquet em qualquer procedimento de habilitação era prevista no § 1º do art. 67 da LRP e no art. 1.526 do CC.[7]

Ambos os dispositivos foram revogados: o primeiro de modo expresso, e o segundo, de modo tácito. Mais uma vez é de merecer crítica a não revogação expressa do preceito do Código Civil, distante da boa técnica de redação legislativa.

A revogação tácita do art. 1.526 do CC ocorre, mais uma vez, por conta de sua incompatibilidade com a Lei do SERP, que, além de revogar expressamente o § 1º do art. 67 da LRP, restringiu a invocar a oitiva do Ministério Público se houver o incidente de impugnação. A incompatibilidade de uma norma com uma lei superveniente acarreta revogação tácita (art. 2º, § 1º, LINDB).

10. Procedimento de pedido de dispensa de publicação de proclamas.

O art. 69 da LRP – que deve ser lido em conjunto com o parágrafo único do art. 1.527 do CC –, detalha o procedimento para o pedido de dispensa de publicação de edital de proclamas. Quando houver urgência, os nubentes têm direito a essa dispensa.

Em suma, cabe aos nubentes apresentar ao oficial petição de dispensa de publicação dos proclamas. Por conta do silêncio do art. 69 da LRP, entendemos que o momento de apresentação da petição pode ser qualquer um anterior à publicação do edital de proclamas. Assim, não há a necessidade que seja necessariamente no momento do requerimento inicial de habilitação. O silêncio do legislador foi intencional, com o objetivo de acudir, entre outras situações, a de a urgência sobrevir após o início do procedimento de habilitação.

Após a apresentação da petição de dispensa, os nubentes terão o prazo curto de 24 horas para apresentar documentos comprobatórios, complementando a petição anterior.

O registrador, então, decidirá no prazo de 24 horas, sendo ele a autoridade competente para decidir esse pedido. Não há necessidade de prévia consulta ao Ministério Público nem ao juiz nessa hipótese, no nosso entender.

Da decisão do registrador caberá recurso ao juiz corregedor. Aqui, não há a necessidade de oitiva prévia do Ministério Público, seja por falta de previsão legal no art. 69 da LRP, seja porque a situação de urgência que ronda o caso não acomoda a espera por um parecer do Ministério Público. Cabe ao juiz corregedor decidir o recurso no prazo mais breve possível.

A legitimidade para interpor o recurso da decisão do registrador é dos nubentes. Caso, porém, por qualquer motivo, o Ministério Público tenha tomado ciência da decisão - o que, na prática, será raro -, entendemos que ele terá legitimidade recursal também.

O art. 69 da LRP é omisso acerca do prazo recursal. À vista dessa lacuna legal, a nossa posição é pela aplicação, por analogia, do prazo recursal no procedimento de dúvida, na forma do art. 202 da LRP. Esse prazo é o mesmo do recurso de apelação previsto no Código de Processo Civil, ou seja, é de 15 dias da intimação, contados em dias úteis.

11. Resumo: como ficou o procedimento do casamento.

Com o fim de facilitar a compreensão de todo o conteúdo deste artigo, notadamente todos os procedimentos ora analisados, podemos resumir que o procedimento de casamento seguirá necessitando observar três fases: (1) fase de habilitação; (2) fase da celebração; e (3) fase do registro.

Em relação à fase de habilitação, a primeira delas, ela é dividida nas seguintes subfases: da documentação, de proclamas e impugnações e subfase do certificado de habilitação.

Na subfase da documentação, os nubentes requererão ao RCPN a habilitação para o casamento e poderão apresentar a documentação cabível por meio eletrônico (art. 67, § 4º-A, da LRP; art. 1.525 do CC).

Na subfase de proclamas e impugnações, o oficial publicará proclamas, salvo se houver urgência, e receberá, se houver, impugnações. Os proclamas serão registrados no Livro “D” (Livro de Proclamas) do RCPN e custeados pelos nubentes (art. 1.530 do CC; arts. 33, VI, e 43, da LRP). Os proclamas são editais que serão publicados para convocar terceiros legitimados a apresentarem impugnação ao casamento, o que deve ser feito mediante a indicação de algum obstáculo jurídico ao casamento, caso dos impedimentos matrimoniais. A informação acerca da data de publicação dos proclamas e dos seus dados de registro no Livro “D” constarão futuramente do registro de casamento (art. 1.536, IV, do CC; e arts. 44 e 70, item 4º,da LRP).

Os terceiros interessados terão 15 dias da publicação dos proclamas para apresentarem impugnação (aplicação analógica do art. 216-A, § 4º, da LRP, diante da lacuna legal no art. 67 da LRP e da revogação tácita do caput do art. 1.527 do CC).

Se houver impugnações de terceiros ou se o próprio oficial oferecer nota de oposição indicando a existência de óbices ao casamento, cabe-lhe deflagrar o incidente a ser julgado pelo juiz, tudo nos termos do art. 67, § 5º, da LRP e dos arts. 1.526 e 1.530 do CC. Os nubentes serão cientificados pelo oficial para que, em 24 horas, indique a prova que pretende produzir. Terão, então, mais 3 dias para apresentar essas provas, assegurado o direito a prazo maior mediante pedido fundamentado na forma do art. 1.530 do CC. O Ministério Público e os interessados serão ouvidos no prazo de 5 dias. E, por fim, o juiz decidirá pela procedência ou não da impugnação do terceiro ou da nota de oposição do registrador.

A LRP não é clara acerca de quem promoverá o processamento desse incidente, realizando as intimações, recebendo as petições e tramitando os autos. Assim, será preciso conferir as normas de cada Estado. Entendemos que, embora o § 5º do art. 67 da LRP implicitamente atribue esse processamento ao próprio órgão judicial, consideramos que, por questões operacionais e de respeito aos nubentes, cabe ao registrador cuidar do processamento até o recebimento da petição de indicação de provas pelos nubentes.

Isso, porque o prazo para a apresentação dessa petição é muito curto, sendo de apenas 24 horas. As partes teriam dificuldades operacionais em protocolar essa petição perante o órgão judiciário dentro desse curto prazo, pois não terão, com facilidade, acesso à identificação do juízo competente e do número de autuação do procedimento perante o Poder Judiciário.

Entendemos, pois, que a tarefa do registrador é de cuidar dos atos iniciais do processamento do incidente: deflagrar o incidente, intimar os nubentes para apresentar petição de indicação de provas e receber essa petição. Em seguida, cabe ao registrador remeter os autos ao órgão judicial, perante o qual prosseguirá o processamento do incidente, com o recebimento da petição de produção de provas pelos nubentes, com a intimação do Ministério Público e dos interessados e com a decisão judicial.

Caso o juiz rejeite a impugnação do terceiro ou a nota de oposição do registrador ou caso o juiz reconheça a existência de causa suspensiva, os autos retornarão ao registrador para a última fase do procedimento: a fase do certificado de habilitação.

Na subfase do certificado de habilitação, o registrador expedirá o certificado de habilitação, cuja eficácia será de 90 dias (art. 1.532 do CC). Dentro desse prazo, caberá aos nubentes agendar e realizar a celebração do casamento.

Esse agendamento e celebração será feito perante a autoridade celebrante, a qual, no caso de casamento civil, costuma ser representada e designada pelo próprio registrador (art. 1.533 do CC; art. 67, § 7º, da LRP). Nesse ponto, o § 7º do art. 67 da LRP precisa ser interpretado sistematicamente com o art. 1.516 do CC.[8] É que aquele dispositivo limita-se a tratar da hipótese de casamento civil, afirmando que o agendamento do casamento será feito perante o registrador.

Acontece que, no caso de casamento religioso com efeitos civis, o agendamento dar-se-á diretamente com a autoridade religiosa celebrante, e não com o registrador. Após a celebração do casamento religioso, deverá ser promovido o registro do casamento perante o RCPN competente no prazo de 90 dias. Ultrapassado esse prazo, o registro dependerá de nova habilitação (art. 1.516 do CC).

No tocante à fase da celebração, a segunda delas, é admitido que ela ocorra em meio eletrônico, por sistema de videoconferência que assegure, de modo síncrono (ao vivo), a manifestação de vontade dos nubentes e da autoridade celebrante bem como a possibilidade de qualquer pessoa acompanhar a cerimônia (art. 67, § 9º, LRP; art. 1.534 do CC). A autoridade celebrante procederá na forma do art. 1.534 do CC, e lavrará a ata da celebração com a assinatura dos nubentes e das testemunhas. [9]

Por fim, celebrado o casamento, passa-se à fase do registro do casamento ou de lavratura do assento de casamento. Esse registro deverá ser feito logo depois de celebrado o casamento (art. 1.536 do CC) ou, no caso de casamento religioso com efeitos civis, logo quando for apresentada a ata de celebração à pertinente serventia nos termos e nos prazos do art. 1.516 do CC.


[1] CC/2002. “Art. 1.527. Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver. Parágrafo único. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação”.

[2] CC/2002. “Art. 1.534. A solenidade realizar-se-á na sede do cartório, com toda publicidade, a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante, noutro edifício público ou particular. § 1 o Quando o casamento for em edifício particular, ficará este de portas abertas durante o ato. § 2 o Serão quatro as testemunhas na hipótese do parágrafo anterior e se algum dos contraentes não souber ou não puder escrever.”

[3] NSCGJ/SP. “68. Quando o casamento se der em circunscrição diferente daquela da habilitação, o Oficial do registro comunicará o fato ao Oficial processante da habilitação, com os elementos necessários às anotações nos respectivos autos.”

[4] Em São Paulo, veja, por exemplo, os itens 59.1. e 59.2. do Capítulo XVII das NSCGJ/SP (dispositivos que precisam ser atualizados para o novo cenário normativo desenhado pela Lei do SERP): “59.1. O Oficial mandará, a seguir, afixar os proclamas de casamento em lugar ostensivo de sua Unidade de Serviço e fará publicá-los na imprensa local, se houver, certificando o ato nos respectivos autos do processo de habilitação. (Acrescentado pelo Provimento CG no 41/2012). 59.2. A publicação mencionada no subitem 59.1 poderá, a critério dos nubentes, ser realizada em jornal eletrônico, de livre e amplo acesso ao público. (Alterado pelo Provimento CG no 02/2018)”.

[5] CC/2002. Art. 1.527. Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver. Parágrafo único. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação”. “Art. 1.528. É dever do oficial do registro esclarecer os nubentes a respeito dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens”. “Art. 1.529. Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostos em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas”. “Art. 1.530. O oficial do registro dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu. Parágrafo único. Podem os nubentes requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados, e promover as ações civis e criminais contra o oponente de má-fé”. “Art. 1.531. Cumpridas as formalidades dos arts. 1.526 e 1.527 e verificada a inexistência de fato obstativo, o oficial do registro extrairá o certificado de habilitação”.

[6] CC/2002. “Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte”.

[7] CC/2002. “Art. 1.526. A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público. Parágrafo único. Caso haja impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro, a habilitação será submetida ao juiz”.

[8] CC/2002. “Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil. § 1 o O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação. § 2 o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532. § 3 o Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil.

[9] CC/2002. “Art. 1.535. Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: "De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados."

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