domingo, 25 de setembro de 2022

RESUMO. INFORMATIVO 749 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 749 DO STJ.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022, DJe 30/06/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Responsabilização civil de controladores. Acionistas minoritários. Legitimidade extraordinária (ação social ut singili). Inércia da companhia. Configuração. Imprescindibilidade.

DESTAQUE

Os acionistas minoritários não têm legitimidade extraordinária para promover procedimentos arbitrais destinados à responsabilização civil dos controladores, com base no art. 246 da Lei n. 6.404/1976, (ação social ut singili) enquanto não caracterizada a inércia da companhia, o que se verifica quando, convocada assembleia geral para deliberar sobre a responsabilidade destes, há deliberação autorizativa e não são promovidas as medidas cabíveis dentro dos três meses subsequentes ou quando há deliberação negativa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A ação de reparação de danos causados ao patrimônio social por atos dos administradores, assim como dos controladores, deverá ser proposta, em princípio, pela companhia diretamente lesada, que é, naturalmente, a titular do direito material em questão. A chamada ação social de responsabilidade civil dos administradores e/ou dos controladores, deve ser promovida, prioritariamente, pela própria companhia lesada (ação social ut universi). Em caso de inércia da companhia (a ser bem especificada em cada caso), a lei confere, subsidiariamente, aos acionistas, na forma ali discriminada, legitimidade extraordinária para promover a ação social em comento (ação social de responsabilidade ut singuli).

A deliberação da companhia para promover ação social de responsabilidade do administrador e/ou do controlador dá-se, indiscutivelmente, por meio da realização de assembleia geral. A caracterização da inércia da companhia depende, pois, da deliberação autorizativa e, passados os três meses subsequentes, a titular do direito não ter promovido a medida judicial/artibral cabível; ou, mesmo da deliberação negativa, termos a partir dos quais é possível cogitar na abertura da via da ação social ut singuli.

É certo que a Lei 6.404/1976 confere aos acionistas minoritários, na forma ali discriminada, entre outras garantias destinadas justamente a fiscalizar a gestão de negócios e o controle exercido, o direito de promover a convocação da assembleia geral, sobretudo para os casos que guardam manifesta gravidade. Caso os controladores venham a interferir na própria deliberação assembelar, a lei põe à disposição dos acionistas minoritários, na forma da lei, a possibilidade de ajuizar ação social (subsidiariamente).

Em sendo a deliberação autorizativa, caso a companhia não promova a ação social de responsabilidade de administradores e/ou de controladores nos três meses subsequentes, qualquer acionista poderá promover a ação social ut singili (§ 3º do art. 159).

Se a assembleia deliberar por não promover a ação social, seja de responsabilidade de administrador, seja de responsabilidade de controlador, acionistas que representem pelo menos 5% (cinco por cento) do capital social poderão promover a ação social ut singili, com fulcro no § 4º do art. 159 e no art. 246 da LSA.

Tem-se, todavia, que, nessa última hipótese, no caso de a assembleia deliberar por não promover ação social, em se tratando de responsabilidade do controlador, seria dado também a qualquer acionista, com base no § 1º, a, do art. 246, promover a ação social ut singili, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente.

Em todo e qualquer caso, portanto, a ação social de responsabilidade de administrador e/ou de controlador promovida por acionista minoritário (ut singili) em legitimação extraordinária, por ser subsidiária, depende, necessariamente, da inércia da companhia, titular do direito lesado, que possui legitimidade ordinária e prioritária no ajuizamento de ação social.

Não se pode conceber que a companhia, titular do direito lesado, fique tolhida de prosseguir com ação social de responsabilidade dos administradores e dos controladores, promovida tempestivamente e em conformidade com autorização assemblear (nos moldes prescritos na lei de regência, mediante atuação determinante de acionista detentor de mais de 5% do capital social) simplesmente porque determinados acionistas minoritários, em antecipação a tal deliberação e, por isso, sem legitimidade para tanto, precipitaram-se em promover a ação social de responsabilidade de controladores, possivelmente objetivando receber o prêmio de cinco por cento, calculado sobre o valor da indenização, a pretexto de defender os interesses da companhia, em legitimidade extraordinária.

Processo

Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022, DJe 30/06/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Conflito de competência. Tribunais arbitrais vinculados à mesma Câmara de Arbitragem. Questão que não é objeto de disciplina regulamentar. Competência do Superior Tribunal de Justiça.

DESTAQUE

Compete ao Superior Tribunal de Justiça conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido entre Tribunais Arbitrais vinculados à mesma Câmara de Arbitragem, quando a solução para o impasse criado não é objeto de disciplina no regulamento desta.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, a partir do leading case - CC 111.230/DF - passou a reconhecer que o Tribunal arbitral se insere, indiscutivelmente, na expressão "quaisquer tribunais", constante no art. 105, I, d, da Constituição Federal.

Segundo a compreensão adotada pela Segunda Seção, a redação constitucional não pressupõe que o conflito de competência perante o STJ dê-se apenas entre órgãos judicantes pertencentes necessariamente ao Poder Judiciário, podendo ser integrado também por Tribunal arbitral.

Desse modo, compete ao Superior Tribunal de Justiça conhecer e julgar originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais [leia-se, Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, Tribunais Regionais Federais e Tribunais arbitrais], ressalvado o disposto no art. 102, I, 'o' [conflito entre Tribunais Superiores a ser julgado pelo STF], bem como entre tribunal [os mesmos antes referidos] e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.

Afasta-se, assim, qualquer possibilidade de um conflito de competência estabelecido entre Tribunais arbitrais ser dirimido por um juiz de primeira instância, independentemente da necessidade ou não de interpretação da cláusula compromissória.

O mesmo se diga em relação aos Tribunais de segunda Instância. Pela norma constitucional acima referida, os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Tribunais Regionais Federais, residualmente, têm competência para dirimir conflito de competência entre juízos a eles diretamente vinculados. Diversamente, os Tribunais arbitrais, em situação de conflito competência, ainda que se encontrem situados na mesma unidade da Federação ou na mesma Região, não são vinculados a nenhum Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, ainda que se utilize mais uma vez do dito paralelismo entre as jurisdições arbitral e estatal.

Poder-se-ia supor que, estando os Tribunais arbitrais suscitados vinculados à mesma Câmara de Arbitragem, a competência para dirimir o conflito de competência seria da própria câmara. Todavia, no procedimento arbitral, quem ostenta o poder jurisdicional é o tribunal arbitral devidamente constituído, segundo a indicação das partes na formação do painel arbitral; a Câmara de arbitragem apenas administra o procedimento arbitral, sem, portanto, deter nenhum poder jurisdicional para dirimir eventual impasse criado entre os Tribunais arbitrais a ela vinculado que profiram decisões inconciliáveis entre si.

Idealmente, a solução para o conflito de competência entre Tribunais arbitrais vinculados à mesma Câmara de arbitragem haveria de ser disciplinado e solucionado pelo Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado, o qual, ao ser eleito pelas partes para dirimir seu conflito de interesses, atenderia, naturalmente, ao princípio da autonomia de vontades, norteador de toda e qualquer arbitragem.

Todavia, sendo absolutamente omisso o Regulamento da Câmara de Arbitragem em disciplinar a solução para o impasse criado entre Tribunais arbitrais, compete ao Superior Tribunal de Justiça, em atenção à função constitucional que lhe é atribuída no art. 105, I, d, da Carta Magna, conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido.

SEGUNDA TURMA

Processo

REsp 2.008.627-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Execução fiscal. Penhora de vaga de garagem. Art. 1.331, § 1º, do CC. Alienação a pessoas estranhas ao condomínio. Convenção de condomínio. Ausência de autorização expressa. Impossibilidade. Hasta restrita a condôminos.

DESTAQUE

A hasta pública para alienação de vaga de garagem em condomínio se restringe aos demais condôminos, salvo autorização expressa na convenção condominial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Sobre o direito à guarda de veículos em garagens, a Lei n. 4.591/1964, em seu art. 2º, prevê que, nas edificações ou conjuntos de edificações, este "será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno". Dispõe ainda que este direito "poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio".

Ou seja, nos termos do referido dispositivo legal, as vagas de garagem seriam tratadas "como objeto de propriedade exclusiva", vinculadas "à unidade habitacional a que corresponder", podendo ser transferidas "a outro condômino", sendo, contudo, "vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio".

Além disso, a posterior Lei n. 12.607/2012 deu nova redação ao art. 1.331, § 1º, do Código Civil, que passou a prever que, em edificações, "as partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio".

Assim, levando em conta os objetivos do referido diploma, no sentido de dar maior segurança aos condomínios, entende-se que a vedação de alienação dos abrigos para veículos a pessoas estranhas ao condomínio, estipulada no art. 1.331, § 1º, do Código Civil, deva prevalecer também nas alienações judiciais. Em tais casos, a hasta pública deverá ocorrer no universo limitado dos demais condôminos.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.004.335-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe 18/08/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Execução de contrato de honorários advocatícios. Exceção de pré-executividade. Expressa cessão de crédito que se operou entre advogado ingressante e a sociedade de advocacia. Legitimidade da sociedade de advocacia.

DESTAQUE

A sociedade de advocacia é parte legítima para cobrar honorários contratuais na hipótese de expressa cessão de crédito operada por advogado ingressante.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em saber se sociedade de advocacia é parte legítima para executar contrato de honorários advocatícios de titularidade de sócio que ingressou posteriormente na sociedade.

A cessão, em princípio, independe de forma. A disposição constante do art. 288 do Código Civil diz da exigência de instrumento público ou instrumento particular apenas para a produção de eficácia "em relação a terceiros". A doutrina estabelece que com relação ao cedente e ao cessionário (credor originário e novo credor), a cessão tem forma livre, podendo ser verbal. Em regra, portanto, esta não exige forma rígida.

Por sua vez, o art. 778 do Código de Processo Civil é muito claro ao permitir a execução forçada, ou nela prosseguir, em sucessão ao exequente originário: "III - o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos."

Ademais, também se refuta a falta de notificação da cessão ao devedor, porque isso não compromete a validade da cessão, mas, no máximo, serviria para dispensar o devedor não notificado de ter de pagar novamente ao credor-cessionário.

Nesse entendimento, a jurisprudência desta Corte Superior já afirmou que: "se a falta de comunicação da cessão do crédito não afasta a exigibilidade da dívida, basta a citação do devedor na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário para atender ao comando do art. 290 do Código Civil, que é a de 'dar ciência' ao devedor do negócio, por meio de 'escrito público ou particular. A partir da citação, o devedor toma ciência inequívoca da cessão de crédito e, por conseguinte, a quem deve pagar. Assim, a citação revela-se suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor da transferência do crédito'". (EAREsp 1125139/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 06/10/2021, DJe 17/12/2021).

No caso, o contrato foi firmado exclusivamente com a sócia-majoritária - atuante em momento anterior ao seu ingresso na sociedade de advocacia -, e dele o escritório não figurou, de forma expressa, no contrato e nas procurações ou substabelecimentos juntados. Destaca-se, ainda, que se tratava de título extrajudicial, no qual não se poderia admitir que a legitimidade ativa da parte credora decorresse de presunções, especialmente após a análise de documentos que não guardavam relação com o título executado. Por conseguinte, pelo conjunto de elementos e circunstâncias, houve expressa cessão do crédito por parte da advogada em favor da sociedade em que passou a integrar. Logo, tornando-se a nova credora, é patente a legitimidade derivada da sociedade.

Assim, não se observaram impedimentos para que a sociedade procedesse a cobrança, porquanto na prática assumiu a condição de nova credora. A eventual discordância ou oposição do devedor relativamente à cessão tem-se por irrelevante, pois ele não é parte na cessão de crédito.

Processo

REsp 1.888.428-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/06/2022, DJe 24/06/2022.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Operadora de plano de saúde. Cooperativa de trabalho médico. Autodissolução. Efeitos da liquidação extrajudicial. Suspensão pelo prazo de 1 (um) ano. Prorrogação por igual período. Aprovação por assembleia-geral. Demandas em fase de execução. Ativos garantidores. Penhora prévia. Irrelevância. Necessidade de sustação do feito.

DESTAQUE

A sustação de quaisquer ações judiciais ajuizadas contra a entidade cooperativa é decorrência da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela sua liquidação extrajudicial, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, sendo vedadas diversas prorrogações sucessivas, haja vista que a suspensão da ação judicial não pode perdurar por prazo indeterminado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão controvertida é definir se os efeitos da liquidação extrajudicial aprovada pela própria cooperativa (no caso, cooperativa de trabalho médico) são capazes de atingir penhora de valores realizada em cumprimento de sentença em data anterior ao ato assemblear que optou pela autodissolução da sociedade.

De início, cumpre asseverar que as cooperativas são sociedades de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Nas cooperativas de trabalho, como a de médicos, a produção (ou o oferecimento de serviço) é realizada em conjunto pelos associados, sob a proteção da própria cooperativa.

Assim, a cooperativa coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda - após a dedução de despesas - é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).

Essas cooperativas têm como finalidade melhorar os salários e as condições de trabalho pessoal de seus associados, dispensando, mediante ajuda mútua, a intervenção de um patrão ou empresário, procurando sempre o justo preço, visto que a entidade não busca o lucro: a sobra apurada em suas operações é distribuída em função do montante operacional de cada associado. Nesse contexto, dadas as peculiaridades do sistema cooperativo, de índole mais social, há regras que lhe são intrínsecas, a exemplo da liquidação extrajudicial voluntária (art. 63, I, da Lei n. 5.764/1971) e dos seus efeitos.

Depreende-se que, na autodissolução da sociedade cooperativa, é decorrência da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela sua liquidação extrajudicial a sustação de quaisquer ações judiciais ajuizadas contra a entidade, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, na existência de motivo relevante, mediante nova decisão assemblear.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade de tal dispositivo legal ao asseverar que "A suspensão das ações contra a cooperativa, em liquidação extrajudicial, pelo prazo de um ano, não importa em ofensa ao art. 5º, XXXV, da Constituição" (RE nº 232.098 AgR/PR, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 26/8/2005).

Com efeito, a finalidade da norma que estipula a suspensão geral das ações propostas contra a cooperativa em liquidação extrajudicial é a de preservar a integridade do sistema cooperativo, porquanto permite à sociedade em dificuldades certo prazo para que se recupere economicamente, de modo a adimplir suas dívidas. É um período para o ajuste de contas do ente, minimizando eventuais prejuízos decorrentes da sua dissolução.

Ressalta-se que, em se tratando de cooperativa de trabalho médico, que também constitua operadora de plano de saúde, aplicam-se ainda, quanto ao processo de liquidação extrajudicial, o art. 24-D da Lei nº 9.656/1998 e a RN-ANS n. 522/2022 (antiga RN-ANS n. 316/2012), os quais permitem, de forma semelhante, a suspensão das ações e execuções já iniciadas quando da decretação do ato de dissolução.

Ademais, o art. 17, § 2º, da RN-ANS n. 522/2022 (antiga RN-ANS n. 316/2012) vai ao encontro da Lei das Sociedades Cooperativas, visto que permite a decretação da liquidação extrajudicial, "(...) a requerimento dos administradores da operadora, quando autorizados pelos estatutos ou por deliberação em assembleia geral extraordinária, expostos de forma circunstanciada os motivos justificadores da medida".

No caso, houve apenas a primeira prorrogação da suspensão da demanda, em fase de cumprimento de sentença. Por outro lado, o fato de a penhora de ativos ter se efetivado em data anterior à publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela autodissolução da cooperativa não é capaz de afastar a irradiação dos efeitos suspensivos oriundos da liquidação extrajudicial, pois decorrem da própria lei, devendo-se aguardar a fluência do prazo para o feito ter regular prosseguimento, com eventual levantamento de valores.

Processo

HC 711.194-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/06/2022, DJe 27/06/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Medidas executivas atípicas. Medidas coercitivas. Apreensão de passaporte. Limitação temporal. Inexistência de duração pré-estabelecida. Verificação caso a caso.

DESTAQUE

Não há um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração da medida coercitiva atípica, que deve perdurar por tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

As medidas executivas atípicas, sobretudo as coercitivas, não são penalidades judiciais impostas ao devedor, pois, se assim fossem, implicariam obrigatoriamente em quitação da dívida após o cumprimento da referida pena, o que não ocorre.

Por esse motivo, é correto dizer que essas medidas também não representam uma superação do dogma da patrimonialidade da execução, uma vez que são os bens - e apenas os bens - do devedor que respondem pelas suas dívidas. Não se deve confundir, todavia, patrimonialidade da execução com a possibilidade de imposição de restrições pessoais como método para dobrar a recalcitrância do devedor.

De fato, essas medidas devem ser deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores.

A limitação temporal das medidas coercitivas atípicas, a propósito, é questão inédita nesta Corte, pois os precedentes até aqui examinados se circunscreveram aos pressupostos para deferimento de medidas dessa natureza, mas não às hipóteses de manutenção e de verificação de efetividade após o transcurso de determinado período.

Feitas estas considerações. é correto afirmar que não há uma formula mágica e nem deve haver um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração de uma medida coercitiva, que deve perdurar, pois, pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir a obrigação do que, por exemplo, não poder realizar viagens internacionais.

No que tange ao bloqueio de passaporte, observa-se o peculiar e injustificado interesse que os devedores que afirmam estar em situação de miserabilidade, de insolvência ou de qualquer modo impossibilitados de adimplir as suas dívidas, possuem especificamente na posse desse documento.

Isso porque ou bem o devedor realmente se encontra em situação de penúria financeira e não reúne condições de satisfazer a dívida (e, nessa hipótese, a suspensão do passaporte será duplamente inócua, como técnica coercitiva e porque o documento apenas ficará sob a posse do devedor no Brasil, diante da impossibilidade de custear viagens internacionais) ou o devedor está realmente ocultando patrimônio e terá revogada a suspensão tão logo quite as suas dívidas.

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.325.938-SE, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022, DJe 31/08/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Matéria jornalística. Críticas jornalísticas a magistrada. Autoridade pública. Direito de informação, expressão e liberdade de imprensa. Ausência de configuração de abuso no dever de informar. Interesse público. Dano moral. Afastamento. Prevalência da liberdade de informação e de crítica.

DESTAQUE

A divulgação de notícia ou crítica acerca de atos ou decisões do Poder Público, ou de comportamento de seus agentes, não configuram, a princípio, abuso no exercício da liberdade de imprensa, desde que não se refiram a núcleo essencial de intimidade e de vida privada da pessoa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Esta Corte Superior estabeleceu, para situações de conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, entre outros, os seguintes elementos de ponderação: "(I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" (REsp 801.109/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 12/03/2013).

Em princípio, a publicação de matéria jornalística que narra fatos verídicos ou verossímeis não caracteriza hipótese de responsabilidade civil, ainda que apresentando opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se tratar de figura pública que exerça atividade tipicamente estatal, gerindo interesses da coletividade, e que se refira a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.

A liberdade de expressão, nessas hipóteses, é prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa a que se refere a reportagem.

Contudo, a análise acerca da ocorrência de abuso no exercício da liberdade de expressão, a ensejar reparação por dano moral, deve ser feita em cada caso concreto, mormente quando a pessoa envolvida for investida de autoridade pública, pois, em tese, sopesados os valores em conflito, é recomendável que se dê primazia à liberdade de informação e de crítica, como decorrência da vida em um Estado Democrático.

Em observância à situação fática do processo em epígrafe, a reportagem baseou-se em relatos do superintendente da Polícia Civil do Estado, acerca da deflagração de operação que investigava pessoas envolvidas com o jogo do bicho em determinado Estado, citando a atuação da autora no exercício de seu cargo público (magistrada), tendo o Tribunal local consignado expressamente que "a intenção de narrar o ocorrido esteve presente durante toda a redação do texto".

Nesse prisma, tem-se que a matéria jornalística relacionou-se a fatos de interesse da coletividade, os quais dizem respeito diretamente com atos da magistrada enquanto autoridade pública.

Assim, verifica-se que, em que pese o tom ácido da referida reportagem, com o emprego de expressões como "aberração jurídica" e "descalabro", as críticas estão inseridas no âmbito da matéria jornalística de cunho informativo, baseada em levantamentos de fatos de interesse público, sem adentrar a intimidade e a vida privada da recorrida, o que significa que não extrapola claramente o direito de crítica, principalmente porque exercida em relação a caso que ostenta gravidade e ampla repercussão e interesse social.

Desse modo, quando não ficar caracterizado o abuso ofensivo na crítica exercida pela parte no exercício da liberdade de expressão jornalística, deve-se afastar o dever de indenização, por força da "imperiosa cláusula de modicidade" subjacente a que alude a eg. Suprema Corte no julgamento da ADPF 130/DF.

Processo

EDcl no REsp 1.851.692-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 09/09/2022.

Ramo do Direito

DIREITO FALIMENTAR

Tema

Recuperação judicial. Opção do credor por não habilitar seu crédito. Sujeição aos efeitos desta. Novação do crédito.

DESTAQUE

O credor que optar por não se habilitar na recuperação judicial sofrerá os seus respectivos efeitos, caso em que o crédito será considerado novado e o credor deverá recebê-lo em conformidade com o previsto no plano, ainda que em execução posterior ao encerramento da recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O titular do crédito não incluído no plano recuperacional possui a prerrogativa de decidir entre habilitá-lo como retardatário, simplesmente não cobrar o crédito ou promover a execução individual (ou o cumprimento de sentença) após o encerramento da recuperação judicial, com a sujeição do seu crédito aos efeitos do plano aprovado e homologado (mediante a novação).

A lei é imperativa ao dispor que "estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos" (art. 49), e, da mesma forma, que "o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei" (art. 59).

De acordo com a doutrina, entre os princípios da lei de regência está o da participação ativa dos credores. Com a maior participação dos credores, os resultados obtidos nos processos judiciais de falência e de recuperação são muito mais adequados às soluções de mercado, evitando-se, também, a ocorrência de fraudes na execução do plano. Sem mencionar que haverá mais democracia no processo decisório, sobretudo quanto ao destino da empresa em dificuldade.

Para que se alcance uma negociação efetiva dos credores com a devedora, por meio de um acordo global capaz de viabilizar a reestruturação, é preciso conceber um ambiente que paralise a ação dos credores resistentes ao acordo coletivo, os quais almejam prosseguir com a realização individual dos seus créditos desconsiderando os demais (os chamados hold outs), e, por outro lado, que haja uma estrutura de incentivos para que os credores participem, efetivamente, da recuperação judicial. Apesar de ser prerrogativa do credor, a habilitação também é um ônus para ele.

Assim, seria contraditório, por um lado, reconhecer que a norma incentiva a participação do credor na recuperação judicial com a habilitação de seu crédito, ainda que de forma retardatária (apesar das consequências), e, por outro lado, em relação ao credor reticente, que não participa da recuperação e almeja o recebimento "por fora" do seu crédito, não prever o mesmo ordenamento nenhum tipo de repercussão negativa, a não ser aguardar o prazo de encerramento da recuperação judicial (LFRE, art. 61, c/c o art. 63). Premiaria o credor resistente à participação na recuperação judicial e, pior, acarretaria o esvaziamento da própria recuperação.

Com relação as consequências materiais e processuais decorrentes da escolha do credor em não se habilitar.

Se o credor não estiver habilitado, perderá a legitimidade para votar em assembleia, privando-se de seus direitos políticos, e correrá contra ele a prescrição, além do fato de que estará abrindo mão do direito de receber o seu crédito no âmbito da recuperação judicial, durante o período de fiscalização judicial, com a possibilidade de requerer a sua convolação em falência no caso de descumprimento (LREF, art. 61, § 1º, c/c o art. 73, IV).

Por fim, o credor que não tenha sido incluído no plano e que tenha optado por não se habilitar de forma retardatária, sem interesse em participar do conclave pela execução individual, deverá aguardar o encerramento da recuperação judicial (LREF, art. 63), assumindo todas as consequências jurídicas (processuais e materiais) de sua escolha.

Processo

HC 742.879-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

Tema

Falência. Medidas executivas atípicas. Apreensão e retenção de passaportes. Ocultação de patrimônio. Possibilidade. Aplicação subsidiária do CPC/2015. Decisão fundamentada. Direito ao contraditório.

DESTAQUE

É cabível a medida coercitiva atípica de apreensão de passaportes, em sede de processo de falência, quando constatados fortes indícios de ocultação de patrimônio.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar a possibilidade de utilizar-se medidas executivas atípicas, apreensão de passaporte, em processo de falência como medida coercitiva destinada a compelir o falido a cumprir com sua obrigação de saldar o passivo concursal.

Dentre os efeitos da sentença declaratória da falência, destaca-se a designação do administrador judicial, a quem a lei impõe o dever de praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores, nos termos do art. 99, IX, c/c art. 22, III, "i", da Lei n. 11.101/2005.

Concomitantemente, desde o momento da decretação da falência, o falido perde o direito de administrar os seus bens e deles dispor, por força do art. 103, caput, da Lei n. 11.101/2005.

Assim, considerando que a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva decretado judicialmente, devendo o patrimônio do falido estar comprometido exclusivamente com o pagamento da massa falida, tem-se possível a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, de forma subsidiária, observando o disposto no art. 189 da Lei n. 11.101/2005.

Referido artigo do CPC/2015 prevê a possibilidade do juízo utilizar medidas executivas atípicas quando a busca persistente de bens do devedor não descortina patrimônio sujeito à execução, mas o comportamento social do executado evidencia incompatibilidade desse dado com a realidade, tais como: sinais de solvência em ambientes e em redes sociais ou públicos, em oposição à indisponibilidade patrimonial alegada e aparentada no processo.

Existem alguns limites materiais que vêm sendo construídos para orientar a aplicação dos meios atípicos. Um deles é a necessidade de prévio exaurimento dos meios típicos ou subsidiariedade dos meios atípicos. Não obstante isso, a imposição de prévio exaurimento da via típica é exigência que pode ser relativizada em alguns casos. É o que deve ocorrer quando o comportamento processual da parte, em qualquer das fases do processo, descortina a sua propensão à deslealdade ou à desordem.

A boa-fé objetiva é princípio cuja inobservância deve implicar não apenas sanções processuais, como a prevista no caso de conduta atentatória à dignidade da justiça (CPC, art. 774). O descumprimento do princípio, para além da sanção punitiva, deve irradiar efeitos jurídicos para repelir as consequências da atuação maliciosa. Diagnosticando o atuar processualmente desleal, deve o juiz se utilizar de meios capazes de imediatamente fazer cessar ou, ao menos, remediar a nocividade da conduta. Logo, diante de um comportamento infringente à boa-fé objetiva, passa o juiz a desfrutar da possibilidade de utilizar-se de meios executivos atípicos antes mesmo de exaurida a via típica.

Outros limites apresentados à aplicação dos meios atípicos são a observância do contraditório prévio - salvo quando puder frustrar os efeitos da medida - e a exigência de fundamentação adequada, garantias do devido processo legal.

Destarte, demonstradas a conduta processualmente temerária do falido, a consistente fundamentação da decisão e a observância do contraditório prévio, não configura constrangimento ilegal a apreensão e retenção de passaportes.

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