terça-feira, 22 de junho de 2021

RESUMO. INFORMATIVO 701 DO STJ. JUNHO DE 2021

 RESUMO. INFORMATIVO 701 DO STJ.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.909.196-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021, DJe 17/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação de manutenção de posse de imóvel. Pendência. Ajuizamento de ação de imissão na posse pelo proprietário. Inadmissibilidade. Natureza petitória. Art. 557 do CPC/15.

Destaque

É vedado o ajuizamento de ação de imissão na posse de imóvel na pendência de ação possessória envolvendo o mesmo bem.

Informações do Inteiro Teor

Nos termos do art. 557 do CPC/15, "na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa".

O mencionado dispositivo legal estabelece a impossibilidade de debater-se o domínio enquanto pende discussão acerca da posse, deixando evidente, assim, a clássica concepção de que a posse é direito autônomo em relação à propriedade e, portanto, deve ser objeto de tutela jurisdicional específica.

Cabe salientar que a proibição do ajuizamento de ação petitória enquanto pendente ação possessória não limita o exercício dos direitos constitucionais de propriedade e de ação, mas vem ao propósito da garantia constitucional e legal de que a propriedade deve cumprir a sua função social, representando uma mera condição suspensiva do exercício do direito de ação fundada na propriedade.

Apesar de seu nomen iuris, a ação de imissão na posse é ação do domínio, por meio da qual o proprietário, ou o titular de outro direito real sobre a coisa, pretende obter a posse nunca exercida. Semelhantemente à ação reivindicatória, a ação de imissão funda-se no direito à posse que decorre da propriedade ou de outro direito real (jus possidendi), e não na posse em si mesmo considerada, como uma situação de fato a ser protegida juridicamente contra atentados praticados por terceiros (jus possessionis).

Assim, a ação petitória ajuizada na pendência da lide possessória deve ser extinta sem resolução do mérito, por lhe faltar pressuposto negativo de constituição e de desenvolvimento válido do processo.

Processo

REsp 1.924.527-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021, DJe de 17/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Estatuto de Defesa do Torcedor. Obrigação do clube mandante pela segurança do torcedor antes, durante e após o jogo. Descumprimento. Atos violentos perpetrados por membros de torcida rival no entorno do estádio. Fato exclusivo de terceiro. Inocorrência. Danos materiais e morais. Caraterização.

Destaque

A entidade esportiva mandante do jogo responde pelos danos sofridos por torcedores em decorrência de atos violentos perpetrados por membros de torcida rival.

Informações do Inteiro Teor

O Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) foi editado com o objetivo de frear a violência nas praças esportivas, de modo a assegurar a segurança dos torcedores. O direito à segurança nos locais dos eventos esportivos antes, durante e após a realização da partida está consagrado no art. 13 do EDT. A responsabilidade pela prevenção da violência nos esportes é das entidades esportivas e do Poder Público, os quais devem atuar de forma integrada para viabilizar a segurança do torcedor nas competições.

Em caso de falha de segurança nos estádios, as entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes responderão solidariamente, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados ao torcedor (art. 19 do EDT). O art. 14 do Estatuto do Torcedor é enfático ao atribuir à entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e a seus dirigentes a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo. Assim, para despontar a responsabilidade da agremiação, é suficiente a comprovação do dano, da falha de segurança e do nexo de causalidade.

Segundo dessume-se do conteúdo do Estatuto em apreciação, o local do evento esportivo não se restringe ao estádio ou ginásio, mas abrange também o seu entorno. Por essa razão, o clube mandante deve promover a segurança dos torcedores na chegada do evento, organizando a logística no entorno do estádio, de modo a proporcionar a entrada e a saída de torcedores com celeridade e segurança.

No caso, o episódio violento ocorreu no entorno do estádio, na área reservada especialmente aos torcedores do clube visitante. Tanto é assim que a vítima e seus amigos conseguiram correr para dentro do estádio para se proteger, local que também acabou sendo invadido pelos torcedores adversários. Sendo a área destinada aos torcedores da equipe visitante, o clube mandante deveria ter providenciado a segurança necessária para conter conflitos entre opositores, propiciando a chegada segura dos torcedores daquela agremiação no local da partida. Mas não foi o que ocorreu, porquanto o reduzido número de seguranças no local não foi capaz de impedir a destruição do veículo de uma das vítimas.

Para que haja o rompimento do nexo causal, o fato de terceiro, além de ser a única causa do evento danoso, não deve apresentar qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade. Na espécie, não está configurada tal excludente de responsabilidade, porquanto a entidade mandante tem o dever legal de garantir a segurança do torcedor no interior e no entorno do estádio antes, durante e após a partida e essa obrigação foi descumprida pelo recorrente, à medida em que não disponibilizou seguranças em número suficiente para permitir a chegada ao estádio, em segurança, dos torcedores do time visitante, o que permitiu que eles fossem encurralados por torcedores da agremiação adversária, os quais, munidos de foguetes e bombas, depredaram o veículo em que estavam o torcedor vítima e seus amigos.

Ademais, frise-se que os atos de violência entre torcedores adversários são, lamentavelmente, eventos frequentes, estando relacionados com a atividade desempenhada pela agremiação.

Por fim, é pertinente esclarecer que não se está admitindo a aplicação da teoria do risco integral às agremiações partidárias. Vale dizer, as entidades esportivas não responderão por todo e qualquer dano ocorrido no entorno do local da partida. Será sempre necessário proceder à análise casuística, de acordo com as particularidades do caso concreto, a fim de averiguar se houve defeito de segurança e se a situação guarda relação com a atividade desempenhada pelo clube.

Processo

REsp 1.924.164-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021, DJe de 17/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

Tema

Recuperação judicial. Data da concessão. Termo inicial. Prazo para pagamento dos credores trabalhistas. Art. 54 da Lei n. 11.101/2005.

Destaque

O termo inicial da contagem do prazo para pagamento dos credores trabalhistas no procedimento de recuperação judicial do devedor é a data da concessão desta.

Informações do Inteiro Teor

A liberdade de negociar prazos de pagamentos é diretriz que serve de referência à elaboração do plano de recuperação judicial. Todavia, a fim de evitar abusos que possam inviabilizar a concretização dos princípios que regem o processo de soerguimento, a própria Lei n. 11.101/2005 cuidou de impor limites à deliberação dos envolvidos na negociação. Dentre esses limites, vislumbra-se aquele estampado em seu art. 54, que garante o pagamento privilegiado de créditos trabalhistas. Tal privilégio encontra justificativa por incidir sobre verba de natureza alimentar, titularizada por quem goza de proteção jurídica especial em virtude de sua maior vulnerabilidade.

A par de garantir pagamento especial aos credores trabalhistas no prazo de um ano, o art. 54 da LFRE não fixou o marco inicial para cumprimento dessa obrigação.

Todavia, decorre da interpretação sistemática desse diploma legal que o início do cumprimento de quaisquer obrigações previstas no plano de soerguimento está condicionado à concessão da recuperação judicial (art. 61, caput, c/c o art. 58, caput, da LFRE).

Isso porque é apenas a partir da concessão do benefício legal que o devedor poderá satisfazer seus credores, conforme assentado no plano, sem que isso implique tratamento preferencial a alguns em detrimento de outros.

Vale observar que, quando a lei pretendeu que determinada obrigação fosse cumprida a partir de outro marco inicial, ela o declarou de modo expresso, como ocorreu, a título ilustrativo, na hipótese do inciso III do art. 71 da LFRE (plano especial de recuperação judicial).

Acresça-se a isso que a novação dos créditos existentes à época do pedido (art. 59 da LFRE) apenas se perfectibiliza, para todos os efeitos, com a prolação da decisão que homologa o plano e concede a recuperação, haja vista que, antes disso, verificada uma das situações previstas no art. 73 da LFRE, o juiz deverá convolar o procedimento recuperacional em falência.

Nesse norte, não se poderia cogitar que o devedor adimplisse obrigações antes de ser definido que o procedimento concursal será, de fato, a recuperação judicial e não a falência. Somente depois de aprovado o plano e estabelecidas as condições específicas dos pagamentos é que estes podem ter início.

No caso, o fundamento que serviu de suporte à conclusão - no sentido de que o pagamento dos créditos trabalhistas deveria ter início imediatamente após o decurso do prazo suspensivo de 180 dias - decorre da compreensão de que, findo tal período, estaria autorizada a retomada da busca individual dos créditos detidos contra a recuperanda. Essa compreensão, contudo, não encontra respaldo na jurisprudência deste Tribunal Superior, que possui entendimento consolidado no sentido de que o decurso do prazo acima indicado não pode conduzir, automaticamente, à retomada da cobrança dos créditos sujeitos ao processo de soerguimento, uma vez que o objetivo da recuperação judicial é garantir a preservação da empresa e a manutenção dos bens de capital essenciais à atividade na posse da devedora.

Processo

REsp 1.721.472-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação demolitória. Coproprietários do imóvel. Litisconsórcio necessário. Desnecessidade. Efeito reflexo da sentença.

Destaque

Em ação demolitória, não há obrigatoriedade de litisconsórcio passivo necessário dos coproprietários do imóvel.

Informações do Inteiro Teor

De acordo com o disposto no artigo 114 do CPC, "o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes". Por sua vez, segundo o artigo 116 do mesmo diploma, "o litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes".

A partir dessas regras, conclui-se que o litisconsórcio será necessário quando a lei determinar ou quando for unitário.

A estreita relação entre o litisconsórcio necessário e o unitário fez com que o CPC/1973, em seu artigo 47, tratasse de ambos conjuntamente: "Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo".

Em ação demolitória, como na hipótese, não se discute a propriedade do imóvel, caso em que, dada a incindibilidade do direito material, os demais proprietários deveriam necessariamente integrar a relação processual.

A diminuição do patrimônio é consequência natural da efetivação da decisão judicial que impôs aos réus a obrigação de demolir as benfeitorias e acessões erigidas ilicitamente.

Portanto, na condição de coproprietário, a parte sofrerá os efeitos materiais da sentença, mas isso não é suficiente para caracterizar o litisconsórcio necessário, até porque o direito de propriedade permanecerá intocado.

Trata-se do que a doutrina denomina de efeito reflexo da sentença, o que, a depender da intensidade, justifica o ingresso de terceiro no processo, mas não a obrigatoriedade do litisconsórcio.

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.338.616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Adoção unilateral socioafetiva. Diferença mínima de 16 anos de idade entre adotante e adotando. Peculiaridades do caso concreto. Art. 42, § 3º, do ECA. Relativização. Possibilidade.

Destaque

A regra que estabelece a diferença mínima de 16 (dezesseis) anos de idade entre adotante e adotando (art. 42, § 3º do ECA) pode, dada as peculiaridades do caso concreto, ser relativizada no interesse do adotando.

Informações do Inteiro Teor

Inicialmente, não se pode olvidar que a intenção do legislador, ao fixar uma diferença mínima de 16 (dezesseis) anos de idade entre o adotando e o adotante, foi, além de tentar reproduzir - tanto quanto possível - os contornos da família biológica padrão, evitar que a adoção camuflasse motivos escusos, onde a demonstração de amor paternal para com o adotando mascarasse/escondesse interesse impróprio.

Entretanto a referida limitação etária, em situações excepcionais e específicas, não tem o condão de se sobrepor a uma realidade fática - há muito já consolidada - que se mostrar plenamente favorável, senão ao deferimento da adoção, pelo menos ao regular processamento do pedido, pelo que o regramento pode ser mitigado, notadamente quando, após a oitiva das partes interessadas, sejam apuradas as reais vantagens ao adotando e os motivos legítimos do ato.

Assim, o dispositivo legal atinente à diferença mínima etária estabelecida no art. 42, § 3º do ECA, embora exigível e de interesse público, não ostenta natureza absoluta a inviabilizar sua flexibilização de acordo com as peculiaridades do caso concreto, pois consoante disposto no artigo 6º do ECA, na interpretação da lei deve-se levar em conta os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

O aplicador do Direito deve adotar o postulado do melhor interesse da criança e do adolescente como critério primordial para a interpretação das leis e para a solução dos conflitos. Ademais, não se pode olvidar que o direito à filiação é personalíssimo e fundamental, relacionado, pois, ao princípio da dignidade da pessoa humana.

No caso, o adotante é casado, por vários anos, com a mãe do adotando, razão por que esse se encontra na convivência com aquele desde tenra idade; o adotando possui dois irmãos que são filhos de sua genitora com o adotante, motivo pelo qual pode a realidade dos fatos revelar efetiva relação de guarda e afeto já consolidada no tempo, merecendo destaque a peculiaridade de tratar-se, na hipótese, de adoção unilateral, circunstância que certamente deve importar para a análise de uma possível relativização da referência de diferença etária.

A justa pretensão de fazer constar nos assentos civis do adotando, como pai, aquele que efetivamente o cria e educa juntamente com sua mãe, não pode ser frustrada por apego ao método de interpretação literal, em detrimento dos princípios em que se funda a regra em questão ou dos propósitos do sistema do qual faz parte.

Ademais, frise-que a presente deliberação não está sacramentando a adoção em foco, uma vez que, na instância de origem, o processo se submeterá a toda instrução e coleta de provas, cabendo, então, ao juiz instrutor da causa averiguar se são satisfatórias todas as demais circunstâncias inerentes ao caso.

Diante do norte hermenêutico estabelecido por doutrina abalizada e da jurisprudência que se formou acerca da mitigação de regras constantes do ECA quando em ponderação com os interesses envolvidos, a regra prevista no art. 42, § 3º do ECA, no caso concreto, pode ser interpretada com menos rigidez, sobretudo quando se constata que a adoção visa apenas formalizar situação fática estabelecida de forma pública, contínua, estável, concreta e duradoura.

Processo

REsp 1.358.159-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Seguro de vida em grupo. Garantia adicional por invalidez permanente total ou parcial por acidente. Delimitação da cobertura securitária. Legalidade.

Destaque

A cláusula contratual que circunscreve e particulariza a cobertura securitária não encerra, por si, abusividade nem indevida condição potestativa por parte da seguradora.

Informações do Inteiro Teor

O caso cinge-se a verificar, em abstrato, a legalidade de cláusulas em contrato de seguro de vida em grupo, com garantia adicional por "Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente" (IPA), nas quais há delimitação dos riscos, com exclusão da cobertura em hipóteses restritas e predeterminadas de invalidez por acidente.

Nas relações consumeristas, ante a fragilidade do polo consumidor, é possível afastar a autonomia privada e alterar os termos do negócio jurídico quando reconhecida a abusividade das cláusulas ou das condições do contrato, evidenciando onerosidade excessiva. Por sua vez, caso não configurada a abusividade contratual ou ainda qualquer vício na manifestação da vontade das partes contratantes, de rigor seja prestigiada a liberdade negocial.

Contudo, é da própria natureza do contrato de seguro a prévia delimitação dos riscos cobertos a fim de que exista o equilíbrio atuarial entre o valor a ser pago pelo consumidor e a indenização securitária de responsabilidade da seguradora, na eventual ocorrência do sinistro.

Vale dizer que a restrição da cobertura do seguro às situações específicas de invalidez por acidente decorrente de "qualquer tipo de hérnia e suas consequências", "parto ou aborto e suas consequências", "perturbações e intoxicações alimentares de qualquer espécie, bem como as intoxicações decorrentes da ação de produtos químicos, drogas ou medicamentos, salvo quando prescritos por médico devidamente habilitado, em decorrência de acidente coberto" e "choque anafilático e suas consequências" não contraria a natureza do contrato de seguro nem esvazia seu objeto, apenas delimita as hipóteses de não pagamento do prêmio.

Ademais, é prudente que a análise da abusividade contratual seja realizada no caso concreto específico e pontual, ocasião em que deverão ser verificados aspectos circunstanciais, como o valor da mensalidade do seguro e do prêmio correspondente, realizando-se ainda uma comparação com outros contratos de seguro ofertados no mercado; as características do consumidor segurado; os efeitos nos cálculos atuariais caso incluída a cobertura de novos riscos; se houve informação prévia, integral e adequada a respeito da cláusula limitativa, inclusive com redação destacada na apólice de seguro, entre outros.

Conclui-se, portanto, que eventual revisão de cláusula delimitadora da cobertura contratual em ação civil pública, sem exame das peculiaridades do contrato individual, pode ocasionar abalo significativo no equilíbrio financeiro do contrato de seguro de vida em grupo, dando causa a que o desvio de risco passe a ser suportado pela coletividade dos segurados.

Processo

REsp 1.286.273-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Apelação. Inversão do ônus da prova enquanto regra de julgamento. Impossibilidade. Ministério Público. Hipossuficiência. Inviabilidade.

Destaque

A inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, motivo pelo qual a decisão judicial que a determina deve ocorrer antes da etapa instrutória, ou quando proferida em momento posterior, sob pena de absoluto cerceamento de defesa.

Informações do Inteiro Teor

O legislador ordinário, sob a égide tanto do CPC/1973 (art. 333) como do CPC/2015 (art. 373) estabeleceu as regras atinentes ao ônus da prova, fixando para cada um dos sujeitos processuais as suas respectivas incumbências.

Não se pode deixar de mencionar que o novo diploma processual civil de 2015 lançou novo olhar para a questão da distribuição do ônus da prova, admitindo fosse ela dinâmica, seja por convenção das partes, seja diante das peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo estabelecido na lei ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

Tal proceder, embora não constasse da legislação adjetiva revogada, era e ainda é largamente aplicado com amparo nos ditames estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, notadamente quando evidenciado que a hipossuficiência da parte enseja muitas vezes uma discrepância entre a capacidade de produção probatória, podendo, por este motivo ceder passo à inversão do ônus quando estivesse defronte à real plausibilidade do pedido corroborado pela efetiva verossimilhança das alegações do consumidor.

No caso, em que pese a matéria de fundo esteja vinculada a contratos de seguro individual - os quais têm a incidência do diploma consumerista, por constituírem em larga medida ajustes padrão (de adesão), no âmbito dos quais o consumidor tem mínima ou nenhuma ingerência -, tal não autoriza a desmedida inversão do ônus probatório, haja vista que a demanda é movida pelo Ministério Público, entidade que jamais pode ser considerada hipossuficiente, notadamente quando dotada de amplo poder investigatório de espectro administrativo pré-processual, cercando-se de vasto aparato técnico e jurídico para alcançar e reunir um conjunto probante para fazer frente ao ônus de prova estabelecido na lei de regência.

Certamente, a inversão do ônus da prova como regra de procedimento ocorrerá quando forem verificados os requisitos cumulativos da verossimilhança das alegações do consumidor ou a sua hipossuficiência. Assim, o magistrado poderia inverter o ônus da prova, com base no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, transferindo ao réu o ônus que inicialmente incumbia ao autor. Ou seja, a inversão probatória não é regra, é mera faculdade. Com base nisso, é que se fundamenta a necessidade de que a inversão do ônus da prova ocorra em momento anterior ao da sentença, possibilitando à parte onerada a plenitude do direito de produzir a prova considerada necessária para a sua defesa.

Salienta-se que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, motivo pelo qual a decisão judicial que a determina deve ocorrer antes da etapa instrutória, ou quando proferida em momento posterior, garantir a parte a quem foi imposto o ônus a oportunidade de apresentar suas provas.

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