RESUMO. INFORMATIVO 700 DO STJ.
RECURSOS REPETITIVOS
Processo
REsp 1.818.564-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021 (Tema 1025)
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO REGISTRAL, DIREITO URBANÍSTICO
Tema
Imóvel particular desprovido de registro. Loteamento irregular. Usucapião. Possibilidade. Tema 1025.
Destaque
É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.
Informações do Inteiro Teor
Tem-se, inicialmente, que a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é pressuposto ao reconhecimento do direito material em testilha, o qual se funda, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.
A propósito da questão da regularização fundiária, a doutrina esclarece que ela compreende três dimensões: (a) a dimensão urbanística, relacionada aos investimentos necessários para melhoria das condições de vida da população; (b) a dimensão jurídica, que diz respeito aos instrumentos que possibilitam a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas; e (c) a dimensão registrária, com o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição destes direitos, a fim de atribuir eficácia para todos os efeitos da vida civil.
Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística).
O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização.
No mesmo sentido, o Pleno do STF, ao julgar o RE 422.349/RS, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, fixou a tese de que preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).
Admitindo-se que aquele não era o único imóvel da região com metragem inferior ao módulo mínimo legal, parece razoável sustentar que o STF, ao fim e ao cabo, reconheceu a possibilidade de usucapião de glebas inseridas em loteamentos não regularizados.
Nesse contexto, é preciso ter em mente que Poder Público não faz favor nenhum quando promove a regularização de áreas ocupadas irregularmente. Muito pelo contrário, limita-se a desempenhar uma obrigação que lhe foi expressamente confiada pela CF. Admitindo-se que a regularização fundiária concorre para a segurança, saúde e bem estar da população e, bem assim, que esses são deveres essenciais do Estado, nada mais lógico do que concluir que a Administração Pública tem o dever de promover a regularização fundiária.
Não parece acertado assumir como linha de princípio que que as ocupações irregulares do solo atentem, todas elas, contra o interesse público. Muito ao revés, o que atenta contra o interesse público é a inércia do Estado em promover e disciplinar a ocupação do solo.
No caso, essa omissão estatal é mais do que flagrante. A ocupação da área está sedimentada há décadas e contou com a anuência implícita do Poder Público, que fingiu não ter visto nada, tolerou durante todos esses anos e ainda providenciou a instalação de vários serviços e equipamentos públicos, como pavimentação de ruas, iluminação pública, linhas de ônibus, praça pública, posto do DETRAN; etc. Não por outro motivo, a região é conhecida como Setor Tradicional de Planaltina, o que bem denota a idade do parcelamento do solo.
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 1.758.946-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Usufruto de imóvel. Arrendamento rural. Morte do usufrutuário durante o contrato de arrendamento. Extinção do direito real. Precariedade da posse dos sucessores. Injustiça da posse. Posse não reivindicada pelo proprietário. Espólio da arrendadora/usufrutuária. Direitos fundados no contrato de arrendamento. Manutenção.
Destaque
A morte de usufrutuário que arrenda imóvel, durante a vigência do contrato de arrendamento, sem a reivindicação possessória pelo proprietário, torna precária e injusta a posse exercida pelos seus sucessores, mas não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento pelo espólio perante o terceiro arrendatário.
Informações do Inteiro Teor
O usufruto constitui espécie de direito real (art. 1.225, IV, do CC) que pode recair sobre "um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades" (art. 1.390 do CC), conferindo, temporariamente, a alguém - denominado usufrutuário - o "direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos" (art. 1.394 do CC), em relação ao bem objeto do usufruto.
Por se tratar de direito real, a sua constituição bem como a desconstituição, recaindo sobre imóvel, pressupõem o registro e a averbação do cancelamento na respectiva matrícula no Cartório de Registro de Imóveis, medidas estas dotadas de efeito constitutivo, sobretudo em relação a terceiros, segundo se extrai do teor dos arts. 1.227 e 1.410, caput, do CC; e 167, II, e 252 da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).
Ademais, efetivado o usufruto, ocorre o desdobramento da posse, passando o proprietário à condição apenas de possuidor indireto, e o usufrutuário de possuidor direto. Havendo a cessão do exercício do usufruto, pelo usufrutuário, a terceiro, mediante contrato de arrendamento (art. 1.399 do CC), acarretará o desdobramento sucessivo da posse, sendo possuidores indiretos o proprietário e o usufrutuário/arrendador, e direto o arrendatário.
Sobrevindo a morte do usufrutuário (que é causa de extinção desse direito real), a posse, enquanto não devolvida ou reivindicada pelo proprietário, transmite-se aos sucessores daquele, mas com o caráter de injusta, dada a sua precariedade, excepcionando a regra do art. 1.206 do CC. Com isso, o possuidor não perde tal condição em decorrência da mácula que eventualmente recaia sobre sua posse.
Contudo, tal vício objetivo da posse repercute apenas na esfera jurídica da vítima do ato agressivo da posse e do agressor, em razão da sua relatividade, o que significa dizer que a justiça ou injustiça da posse não possui alcance erga omnes, revelando-se sempre justa em relação a terceiros.
O espólio, por se tratar de universalidade de direito, constitui-se pelo complexo de relações jurídicas titularizadas pelo autor da herança, nos moldes do art. 91 do CC, aí se incluindo, na espécie, a relação originária do arrendamento rural.
Portanto, a morte da arrendadora/usufrutuária (causa de extinção do usufruto, nos termos do art. 1.410, I, do CC) durante a vigência do contrato de arrendamento rural, sem a respectiva restituição ou reivindicação possessória pelo proprietário, tornando precária e injusta a posse exercida pelos sucessores daquela, não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento rural, no interregno da efetiva posse, pelo espólio da usufrutuária perante o terceiro arrendatário, porquanto diversas e autônomas as relações jurídicas de direito material de usufruto e de arrendamento.
Processo
REsp 1.776.425-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Honorários advocatícios. Legitimidade recursal. Parte e advogado. Concorrência.
Destaque
A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios.
Informações do Inteiro Teor
A questão cinge-se a discutir a legitimidade da parte, em nome próprio, recorrer de decisão postulando a fixação de honorários de advogado.
A jurisprudência desta Corte, contemporânea ao CPC de 1973, reconhecia às partes e aos advogados legitimidade concorrente para vindicar, em nome próprio, a fixação ou majoração dos honorários advocatícios estipulados pelo órgão julgador, a despeito de tal verba constituir direito autônomo do advogado.
O CPC/2015, no entanto, não alterou a legitimidade recursal em matéria de honorários sucumbenciais. Com efeito, o seu artigo 99, especialmente o §5º, não versa acerca de legitimidade recursal, mas do requisito do preparo, podendo-se dele extrair que, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária e que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade.
Ademais, reconheceu-se no art. 23 do Estatuto da Advocacia e se reforçou no CPC de 2015 a titularidade dos honorários e a possibilidade de o advogado, pois titular da verba a que o vencido foi condenado a pagar na ação ajuizada pelo seu representado, executá-la em nome próprio, mesmo não sendo parte formal no processo em que ela foi originada e, assim, não constando do título executivo base para o cumprimento de sentença. Dessa forma, mesmo sendo titular da verba, ostenta a qualidade de terceiro prejudicado.
Não é razoável, pois, reconhecer-se que o direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, que naturalmente se origina de ação ajuizada por parte que, no mais das vezes, não será a sua titular (à exceção de quando é ajuizada em causa própria), não possa ser em seu nome discutido.
Processo
REsp 1.921.769-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021.
Ramo do Direito
DIREITO AUTORAL
Tema
Obras musicais coletivas. Participação individual de cada artista. Informação de caráter público. Acesso gratuito. Disponibilização por meio eletrônico a qualquer interessado. Art. 98, § 7º, da Lei n. 9.610/1998.
Destaque
É obrigatório o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação individual de cada artista nas obras musicais coletivas.
Informações do Inteiro Teor
De início, sobreleva-se anotar que, em análise ao teor da vigente Lei de Direitos Autorais, pode-se dizer que a gestão coletiva consiste na atividade de representação, por um terceiro, para a atividade de gestão patrimonial das obras, a fim de fiscalizar, arrecadar e distribuir os direitos autorais percebidos. Pela lei, esse terceiro deve ser uma das associações habilitadas para tanto. Assim, através de filiação, tais associações tornam-se mandatárias dos associados para a prática de todos os atos, tanto judiciais quanto extrajudiciais, principalmente no que tange às atividades de arrecadação e cobrança, repassando os valores referentes à utilização da obra musical.
Ainda que originalmente previstas na Lei n. 9.610/1998, as associações de autores receberam inegável relevância após a aprovação da Lei n. 12.853/2013, que alterou significativamente a Lei de Direitos Autorais quanto à gestão coletiva de obras.
Nesse contexto, importante salientar que a Lei n. 12.853/2013 modificou e acrescentou diversos dispositivos com o intuito de melhorar a relação entre os usuários das obras intelectuais, o ECAD, as associações e os titulares de direitos autorais. A principal atualização - e uma das mais impactantes para os titulares de direitos autorais - é a transparência na gestão.
Importante destacar, ainda, que as associações de gestão coletiva de direitos autorais, a despeito de possuírem natureza jurídica de direito privado, exercem, tal qual dispõe o art. 97, § 1º, da Lei n. 9.610/1998, atividade de interesse público, devendo atender a sua função social.
Nos termos do art. 98, § 6º, da Lei n. 9.610/1998, introduzido pela Lei n. 12.853/2013, as associações deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma, prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulos similares de obras. Ainda, nos moldes do que dispõe o § 7º do mencionado dispositivo legal, tais informações são de interesse público e o acesso a elas deverá ser disponibilizado por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita.
No caso, quanto à Instrução Normativa n. 3/2015 do Ministério da Cultura, concluiu o Tribunal de origem que "Da análise do § 1º do artigo 6º é possível concluir que a disponibilização do percentual de cada artista nas 'participações individuais em cada obra e em cada fonograma', prevista no § 6º do artigo 98 da Lei n. 9.610/1998, é restrita à Diretoria de Direitos Intelectuais e aos associados. Não se trata, portanto, de informação que deve estar disponível ao público em geral".
Contudo, do confronto entre o disposto no art. 98, § 6º e § 7º, da Lei n. 9.610/1998 e o art. 6º, I, II, III e IV, e § 1º, da Instrução Normativa n. 3/2015 do Ministério da Cultura, pode-se constatar que a suposta incompatibilidade entre as suas redações é meramente aparente, não resistindo ante à necessidade de observância do próprio interesse público e função social das associações.
Assim, ainda que a instrução normativa não albergue expressamente a disponibilização irrestrita da informação, é bem verdade que ela também não a veda, convivendo harmonicamente com o disposto no § 7º do art. 98 da Lei de Direitos Autorais.
Processo
REsp 1.924.161-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021
Ramo do Direito
DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
Tema
Recuperação judicial. Contrato a termo de moeda. Sujeição dos créditos. Concursalidade. Art. 49 da Lei n. 11.101/2005. Fato gerador anterior ou posterior à data do pedido de recuperação judicial. Indiferença.
Destaque
Os créditos decorrentes de contratos a termo de moeda submetem-se aos efeitos da recuperação judicial ainda que seus vencimentos ocorram após o deferimento do pedido de soerguimento.
Informações do Inteiro Teor
O contrato a termo de moeda, espécie de instrumento derivativo, possibilita proteção de riscos de mercado decorrentes da variação cambial. Por meio dele, assume-se a obrigação de pagar a quantia correspondente à diferença resultante entre a taxa de câmbio contratada e a taxa de mercado da data futura estabelecida na avença.
Os contratos derivativos, de modo geral, classificam-se como contratos aleatórios, firmados com a finalidade precípua de expor as partes à alternativa recíproca de ganho ou perda, de acordo com a ocorrência de evento futuro e incerto.
É sabido que, quando do julgamento do tema repetitivo 1.051, a Segunda Seção desta Corte assentou que, a existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, devendo-se levar em conta, para sua aferição, a ocorrência do respectivo fato gerador, isto é, a data da fonte da obrigação.
Tratando-se de contrato a termo de moeda, entretanto, diferentemente do que ocorre em outras espécies de negócios jurídicos, a posição de credor não se evidencia a partir do cumprimento prévio de uma obrigação pela parte contrária, sendo necessário que se aguarde o implemento da condição pactuada (taxa de câmbio futura) para que se verifique o valor devido.
Essa situação de pendência, que perdura até a data do vencimento das operações, todavia, não autoriza concluir que o fato que dá origem à obrigação de pagar a quantia apurada seja outro que não a própria contratação.
Assim, na medida em que a forma pela qual as partes irão suportar os efeitos decorrentes das operações realizadas está pactuada desde a data da celebração - restando apenas a apuração do saldo definitivo no vencimento -, bem como que a produção desses efeitos não depende da prática de qualquer outro ato, é impositivo reconhecer que a origem, a fonte, o fato gerador das correspondentes obrigações é o próprio contrato, cuja eficácia plena se manifesta desde a assinatura.
Vale registrar, outrossim, que, consoante o princípio da retroatividade da condição, a condição pactuada contratualmente, uma vez implementada, faz com que o direito correspondente seja considerado "existente desde a celebração do negócio".
Além disso, excetuadas as hipóteses de extraconcursalidade expressamente previstas na Lei n. 11.101/2005 - art. 49, §§ 3º e 4º, p.ex. -, a não sujeição dos créditos posteriores ao pedido de soerguimento ao processo recuperacional (art. 67 da LFRE) tem como objetivo incentivar que terceiros, apesar da condição de crise enfrentada pela sociedade empresária, venham (ou continuem) a manter relações negociais com esta, conferindo, assim, efetividade ao princípio da preservação da empresa (art. 47 da LFRE) e funcionando como elemento fundamental à continuidade das atividades, à manutenção dos empregos e à satisfação dos interesses dos credores. Nesse passo, "[...] contratadas as operações de proteção ao risco cambial, por meio dos contratos NDF, antes do pedido de recuperação judicial, e não se relacionando com qualquer meio concreto de contribuição ao soerguimento da recuperanda, o crédito apurado, na data da liquidação, em favor da instituição financeira agravada, está sujeito à recuperação judicial, a teor do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005".
Entendimento em sentido diverso, convém gizar, não seria apto a garantir tratamento isonômico à totalidade dos credores de uma mesma classe, pois possibilitaria que créditos decorrentes de contratos idênticos, eventualmente celebrados numa mesma data, fossem submetidos a situações díspares (concursalidade x extraconcursalidade) simplesmente em função dos vencimentos das operações contratadas, circunstância que atentaria contra a coerência do microssistema recuperacional.
Processo
REsp 1.930.225-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Cumprimento de sentença. Impugnação. Ausência ou defeito na citação. Art. 525, §1º, I, do CPC/2015. Termo inicial do prazo para contestação. Intimação da decisão que acolhe a impugnação. Comparecimento espontâneo do executado. Insuficiente para sanar o vício.
Destaque
O termo inicial do prazo para oferecer contestação na hipótese de acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 é a data da intimação que acolhe a impugnação.
Informações do Inteiro Teor
A citação é indispensável à garantia do contraditório e da ampla defesa, sendo o vício de nulidade de citação o defeito processual mais grave no sistema processual civil brasileiro. Por essa razão, com exceção das hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido, é imperiosa a citação do réu ou do executado para a validade do processo (art. 239 do CPC/2015).
Quanto ao ponto, o STJ firmou o entendimento segundo o qual o defeito ou inexistência da citação opera-se no plano da existência da sentença. Caracteriza-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer tempo, inclusive após escoado o prazo para o ajuizamento da ação rescisória, mediante simples petição ou por meio de ação declaratória de nulidade (querela nullitatis).
Nesse contexto, ante a gravidade da inexistência ou da nulidade do ato citatório, se o processo se encontrar em fase de cumprimento de sentença, o réu poderá obter a desconstituição do título executivo tanto por meio de ação autônoma quanto incidentalmente, mediante a apresentação de impugnação.
Segundo art. 239, § 1º, do CPC/2015, a falta ou nulidade da citação pode ser suprida pelo comparecimento espontâneo do réu ou do executado. A partir de então, inicia-se o prazo para a apresentação de contestação.
Deve-se destacar, todavia, que a norma do mencionado artigo é voltada às hipóteses em que o réu toma conhecimento do processo ainda na sua fase de conhecimento. Isso porque, ela versa sobre citação e ao mencionar executado, o caput do referido dispositivo está se referindo àquele que figurada no polo passivo da execução de título extrajudicial e que é efetivamente citado para contestar a demanda. Aquele que consta como executado no cumprimento de sentença não é citado, uma vez que a citação já ocorreu, ao menos em tese, na fase de conhecimento.
Tratando-se de sentença condenatória e instaurado o cumprimento de sentença, o executado é intimado para pagar o débito no prazo de 15 (quinze) dias (art. 523 do CPC/2015). Ao término desse lapso temporal, inicia-se o prazo para o oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença, independentemente de nova intimação (art. 525, caput, do CPC/2015; REsp 1761068/RS, Terceira Turma, DJe 18/12/2020).
Dessa forma, o comparecimento espontâneo do executado na fase de cumprimento de sentença não supre a inexistência ou a nulidade da citação. Ao comparecer espontaneamente nessa etapa processual, o executado apenas dar-se-á por intimado do requerimento de cumprimento e, a partir de então, terá início o prazo para o oferecimento de impugnação, na qual a parte poderá suscitar o vício de citação, nos termos do dispositivo já referido.
Atentando-se para essa situação, de um lado, há quem afirme que acolhida a impugnação fundada no vício de citação, o prazo para oferecer defesa inicia-se a partir da intimação dessa decisão. De outro lado, situa-se quem afirma que ao exequente remanescerá a possibilidade de retomar a ação condenatória, promovendo a citação válida do réu.
Para se chegar à solução mais adequada, é preciso considerar que o novo Código de Processo Civil está pautado na instrumentalidade das formas e na ideia de duração razoável do processo. Prova disso é, justamente, a já anotada antecipação do termo inicial do prazo para contestar a demanda na hipótese de comparecimento espontâneo na fase de conhecimento (art. 239, § 1º, do CPC/2015).
Somado a isso, a impugnação apresentada com fundamento no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 veicula, exclusivamente, alegação relativa à falta ou defeito na citação. E, o art. 272, § 9º, do CPC/2015 preceitua que "não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade do acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça".
Compatibilizando-se tais ideias e levando-se em conta o fato de que o réu (executado) já se fez presente no processo, caso acolhida a impugnação fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015, o prazo para apresentar contestação terá início com a intimação acerca dessa decisão. Aplica-se, por analogia, o disposto no art. 272, § 9º, do CPC/2015.
QUARTA TURMA
Processo
RMS 56.422-MS, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Audiência de conciliação. Não comparecimento da parte. Representação por advogado com poderes para transigir. Art. 334, § 10, do CPC/2015. Multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Descabimento.
Destaque
Não cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, por ato atentatório à dignidade da Justiça, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.
Informações do Inteiro Teor
A teor do art. 334, § 8º, do CPC de 2015, "O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado".
Ocorre que o § 10 do mesmo dispositivo legal abre a possibilidade de a parte se fazer representar por meio da outorga de procuração com poderes específicos para negociar e transigir: "A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir".
Daí por que a doutrina considera suficiente para afastar a penalidade a presença da parte ou do seu representante legal (que pode ou não ser o seu advogado).
Desse modo, ficando demonstrado que os procuradores da ré, munidos de procuração com poderes para transigir, estiveram presentes na audiência, tem-se como manifestamente ilegal a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça. De fato, a ausência de conciliação, por si só, também não autorizaria a aplicação da multa.
Processo
REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Expurgos inflacionários. Ação civil pública. Juros remuneratórios. Sentença coletiva. Ausência de pedido. Cumprimento individual. Possibilidade.
Destaque
O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário.
Informações do Inteiro Teor
A controvérsia consiste em analisar se o beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva, mas apenas para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário.
Inicialmente, em relação aos juros remuneratórios, consta do REsp 1.392.245/DF, submetido ao regime dos recursos repetitivos, que enquanto os juros moratórios, em sua acepção estritamente jurídica, são juros legais, para cuja incidência se dispensa pedido expresso ou mesmo condenação, os juros remuneratórios, no mais das vezes, são contratuais, cujo reconhecimento depende de pedido expresso e, para ser executado, de condenação na fase de conhecimento.
De outra parte, especificamente em relação à incidência dos juros remuneratórios envolvendo expurgos inflacionários, a jurisprudência consolidada do STJ, de há muito, consignou que as verbas referidas somente poderão ser objeto de liquidação ou execução individual quando expressamente previstas no título judicial.
Nesse contexto, a questão passa pela análise dos efeitos preclusivos das demandas coletivas, perquirindo-se, no caso concreto, se o trânsito em julgado da primeira execução implica a ocorrência de eficácia preclusiva apta a impedir o ajuizamento do cumprimento de execução com base no novo título.
No caso, não houve pedido expresso quanto aos juros remuneratórios na [primeira] ação civil pública proposta [pelo IBDCI], estando a execução individual, portanto, submetida tão apenas ao que constou do título.
Por sua vez, somente na sentença oriunda da [segunda] ação civil pública ajuizada [pelo Pro-Just], os juros foram inseridos, circunstância que motivou a propositura do cumprimento do novo título judicial, que, embora tenha condenado a Caixa Econômica Federal ao pagamento de expurgos coincidentes da primeira execução, previu, de maneira inédita, a incidência dos juros remuneratórios.
Nessa linha de intelecção, levando em conta as diretrizes do processo coletivo referidas, bem como os efeitos da "res iudicata secundum eventum litis", nos termos do art. 103, §§ 2° e 3° e 104, do CDC, não há como concluir que o trânsito em julgado da primeira ação civil pública - cuja execução individual estava adstrita aos exatos termos do título judicial nesta formado - tenha o condão de espraiar os efeitos preclusivos da coisa julgada de pedido não deduzido.
Por tudo quanto apresentado, no regime próprio das demandas coletivas envolvendo direitos individuais homogêneos, a ausência de pedido expresso em ação civil pública ajuizada por instituição diversa, na qualidade de substituta processual, não impede a propositura do cumprimento provisório de sentença pelo mesmo beneficiário individual com base em novo título coletivo formado em ação civil pública diversa, exclusivamente para o alcance de verbas cuja coisa cuja jugada somente tenha se operado a partir do novo título proferido e do qual o autor seja também beneficiário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário