sábado, 5 de dezembro de 2020

RESUMO. INFORMATIVO 682 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 682 DO STJ. 

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

QO no REsp 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/10/2020, DJe 28/10/2020. (Tema 677).

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Destaque

A Corte Especial acolheu a questão de ordem para instaurar procedimento de revisão do tema 677/STJ.

Delimitação do tema submetido à revisão: "revisão da tese relativa ao Tema 677/STJ: definir se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor".

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

REsp 1.819.826-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 03/11/2020 (Tema 1035)

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO MARÍTIMO

Tema

Ação de cobrança por sobre-estadia de contêineres. Transporte marítimo. Unimodal. Despesas de sobre-estadia. Previsão contratual. Prazo prescricional. Art. 206, §5º, inciso I, do Código Civil. Tema 1035.

Destaque

A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia a definir qual o prazo prescricional para a pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres (demurrage) em contrato de transporte marítimo após a vigência do Código de Civil de 2002.

O advento do Código Civil de 2002 é marco temporal de significativa importância para a questão porque até então prevalecia na jurisprudência pátria a orientação (firmada por esta Corte Superior a partir do julgamento do REsp no 176.903/PR - cujo acórdão foi publicado no DJ de 9/4/2001) de que a devolução tardia da unidade de carga (contêiner) se equiparava à sobre-estadia do navio, aplicando-se, assim, o mesmo prazo prescricional de 1 (um) ano previsto no art. 449, 3, do Código Comercial.

Faz-se necessário aqui um breve adendo. Em 20 de fevereiro de 1998 entrou em vigor a Lei n. 9.611/1998 que, dentre outras providências, dispôs sobre o que denominou "Transporte Multimodal de Cargas", definido como "aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal" (art. 2º).

A distinção entre o que se denominou ser transporte multimodal e o transporte dito unimodal, pelo menos para fins de definição do prazo prescricional aplicável à eventual pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres, até a entrada em vigor do novo Código Civil não se fazia relevante, já que, ainda que se admitisse a existência de demurrage no transporte multimodal, o prazo previsto para ambos os casos necessariamente seria ânuo. No caso do transporte unimodal, por força do estabelecido pelo Código Comercial, e no do transporte multimodal em virtude da específica regra do art. 22 da Lei n. 9.611/1998.

Ocorre que o referido art. 449 do Código Comercial foi revogado expressamente pelo Código Civil de 2002 (art. 2.045), o que ensejou a necessidade de reexame da legislação vigente para o fim de definição do prazo prescricional a ser aplicado à pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da tardia devolução da unidade de carga (contêiner) em contrato transporte marítimo (unimodal).

Quanto ao eventual ajuizamento de ações fundadas no não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal, não há nenhuma dificuldade. O prazo prescricional para pretensões de tal natureza permanece sendo de 1 (um) ano, haja vista a existência de expressa previsão legal nesse sentido (art. 22 da Lei no 9.611/1998).

A dúvida surge no tocante à sobre-estadia oriunda de contrato do chamado transporte unimodal, ou seja, aquele realizado a partir da utilização de uma única modalidade de transporte. É justamente essa a hipótese dos autos, sendo incontroverso que a presente ação tem como pano de fundo a execução de contrato de transporte meramente marítimo (unimodal, portanto). Cumpre anotar, de pronto, que a questão ora controvertida não encontra solução no art. 8º do Decreto-Lei n. 116/1967.

De igual maneira, a aplicação analógica do art. 22 da Lei n. 9.611/1998 na hipótese vertente, ainda que se afirme patente a similitude de algumas das atividades desempenhadas em transporte unimodal e multimodal, afigura-se absolutamente incabível, pois não se coaduna com os princípios gerais que regem o Direito Civil brasileiro, além de constituir verdadeiro atentado à segurança jurídica, cuja preservação se espera desta Corte Superior.

Vale destacar que, no caso do transporte unimodal (marítimo), a responsabilidade do transportador é restrita ao percurso marítimo, que se inicia após o recebimento da carga a bordo do navio no porto de origem, cessando imediatamente após o içamento das cargas e o consequente desembarque no porto de destino. Ou seja, os demais serviços e atos correlatos, tais como desembaraço aduaneiro, transporte, desunitização dos contêineres etc. são de exclusiva responsabilidade do afretador e, por tal motivo, a demora na conclusão desse procedimento pode resultar em demasiado atraso na devolução dos contêineres utilizados no transporte da carga ao transportador.

Em outras palavras, em nenhum momento a unidade de carga deixa de estar sob a posse e o controle do operador de transporte multimodal, sendo descabido falar, em caso tal, na existência de responsabilidade do contratante por suposta sobre-estadia de contêineres.

Além da dessemelhança das situações em apreço, certo é que, em se tratando de regras jurídicas acerca de prazos prescricionais, a interpretação analógica ou extensiva nem sequer é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A própria inteligência do caput do art. 205 do Código Civil evidencia a impossibilidade de interpretação analógica ou extensiva de norma sobre prescrição, visto que estabelece o prazo prescricional decenal como regra geral a ser aplicada nas hipóteses em que prazo inferior não seja expressamente fixado por lei.

Desse modo, diante da certeza de que o art. 22 da Lei n. 9.611/1998 não alcança as ações de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da execução de contrato de transporte de cargas unimodal e de que inexiste lei especial vigente que defina prazo prescricional específico para a referida pretensão, a matéria deve ser regida pelas disposições insertas no Código Civil.

Assim, em se tratando de transporte unimodal de cargas, quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores devidos a título de ressarcimento pelos prejuízos causados em virtude do retorno tardio do contêiner, será quinquenal o prazo prescricional. Caso contrário, ou seja, nas hipóteses em que inexistente prévia estipulação contratual, aplica-se a regra geral do art. 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição em 10 (dez) anos.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

REsp 1.826.463-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO

Tema

Cédula de crédito bancário. Capitalização diária de juros remuneratórios. Taxa diária não informada. Violação ao dever de informação. Art. 46 do CDC.

Destaque

Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada.

Informações do Inteiro Teor

O tema já foi enfrentado anteriormente pela Terceira Turma, sob a ótica do dever de informação. No REsp 1.568.290/RS. Naquela sessão de julgamento, chegou-se à compreensão de que o consumidor tem direito à informação sobre a taxa diária de juros, no caso de haver cláusula de capitalização diária, uma vez que essa cláusula tem potencial para gerar incremento da dívida.

No âmbito da egrégia Quarta Turma, porém, tem-se entendido pela validade da cláusula de capitalização diária, não se fazendo distinção quanto à informação da taxa diária de juros. Nesse sentido, no julgamento do AgInt no REsp 1.775.108/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 22/05/2019, aquele colegiado se manifestou nos seguintes termos: "a legalidade da capitalização de juros em periodicidade inferior à anual abrange a possibilidade da capitalização diária de juros".

A divergência de entendimentos acima apontada levou a Terceira Turma a afetar o presente recurso a Segunda Seção.

A capitalização diária de juros remuneratórios, como é intuitivo, pode constituir um fator de incremento da dívida, medida em que os juros são incorporados ao capital dia a dia, ficando sujeitos a nova incidência de juros nos dias seguintes. Tratando-se de financiamentos de longo prazo e com taxas de juros elevadas, o incremento causado pela capitalização diária se mostra significativo, conforme demonstrado no já citado REsp 1.568.290/RS.

Apesar dessa constatação intuitiva, é matematicamente possível calcular uma taxa de juros diária que não represente incremento da dívida em relação à taxa efetiva mensal, assim como também é possível calcular uma taxa mensal que produza resultado equivalente à taxa efetiva anual, não gerando, portanto, incremento da dívida para além dessas taxas efetivas.

Com base nessa equivalência entre taxas, este colegiado chegou à tese do duodécuplo, segundo a qual a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para informar o consumidor sobre a existência de capitalização de juros. Observe-se que a própria informação das taxas anual e mensal já permitem ao consumidor aferir a equivalência entre as taxas.

Esse raciocínio poderia ser transportado para a capitalização diária, pois a equivalência matemática entre as taxas pode ser obtida em qualquer periodicidade de capitalização.

Nesse passo, aplicando-se o mesmo raciocínio da tese do duodécuplo à hipótese de capitalização diária, o fator de multiplicação seria "30" (pois o mês tem trinta dias), em vez de "12" (que é o número de meses do ano), e a conclusão seria de que a previsão de taxa efetiva mensal superior 30 vezes a taxa diária denotaria a existência capitalização diária. É dizer que, havendo previsão da taxa diária, o consumidor poderia aferir a existência de capitalização diária mediante cotejo entre a taxa mensal pactuada e a taxa resultante a multiplicação da taxa diária por 30, pois se a taxa mensal for superior ao resultado dessa multiplicação, é evidência de que os juros diários foram capitalizados.

No caso dos autos, esse cotejo não é possível, uma vez que o contrato somente prevê uma cláusula genérica de capitalização diária, sem informar a taxa diária de juros remuneratórios, surgindo daí a controvérsia sobre o dever de informação.

Assim, a informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual.

A falta de previsão da taxa diária, portanto, dificulta a compreensão do consumidor acerca do alcance da capitalização diária, o que, configura descumprimento do dever de informação, a teor da norma do art. 46 do CDC

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.683.245-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Contrato de concessão de venda de automóveis. Infrações contratuais graves por parte da concessionária. Condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari (Lei n. 6.729/1979). Descabimento.

Destaque

É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária.

Informações do Inteiro Teor

Versa a controvérsia acerca dos efeitos da resolução de um contrato de concessão de venda de automóveis na hipótese em que as infrações praticadas pela concessionária foram reputadas graves o suficiente para ensejar a resolução, mas a montadora concedente não observou o regime de penalidades gradativas preconizado pela Lei n. 6.729/1979 (Lei Ferrari).

Vale ressaltar que, embora haja o condicionamento da resolução do contrato por infração contratual à prévia aplicação de penalidades gradativas (art. 22, § 1º, da Lei n. 6.729/1979), é possivel a resolução imotivada do contrato de concessão por qualquer das partes, em respeito à liberdade contratual, sem prejuízo da obrigação de reparar as perdas e danos experimentadas pela parte inocente (REsp 966.163/RS).

Ademais, na hipótese de inexistência de convenção da marca, cabe às montadoras, na condição de concedente, inserir em seus contratos de concessão o regime de penalidades gradativas para atender ao comando legal (REsp 1.338.292/SP), não havendo falar em ineficácia da norma legal, a qual possui aplicabilidade imediata.

Entretanto, na hipótese de ausência de pactuação de penalidades gradativas, há, ainda, a possibilidade de o magistrado emitir juízo sobre a gravidade das infrações imputadas à concessionária, de modo a aferir a culpa pela resolução do contrato (REsp 1.338.292/SP), ou seja, há o suprimento judicial de lacuna normativa.

Outrossim, é descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária, pois a inobservância, pela montadora, do regime de penalidades gradativas não afasta a culpa da concessionária pela resolução do contrato.

Processo

REsp 1.774.434-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 01/09/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Sociedades cooperativas. Prejuízos que superam o fundo de reserva. Responsabilidade dos ex-associados. Rateio na razão direta dos serviços usufruídos. Limitação somente até dois anos do desligamento (arts. 1.003 e 1.032 do Código Civil/2002). Inaplicabilidade.

Destaque

A responsabilidade do ex-cooperado, pelo rateio dos prejuízos acumulados, não se limita ao prazo disposto para as sociedades simples previsto nos arts. 1.003, parágrafo único, e 1.032, ambos do CC/2002, de até dois anos de seu desligamento da cooperativa.

Informações do Inteiro Teor

Quanto à constituição das cooperativas, o art. 3º da Lei n. 5.764/1971 dispõe que "celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro".

Sob a perspectiva da legislação civil, resta patente que são sociedades, e não associações, pois estas não admitem a existência de finalidade econômica, nos termos do art. 53do CC/2002.

Segundo o art. 4º da Lei n. 5.764/1971, "as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados".

São diversas as peculiaridades normativas na disciplina das cooperativas, de maneira que a aplicação subsidiária da legislação civil e comercial deve guardar observância estrita de modo a não confundir seu tratamento com as demais sociedades em geral.

Apenas em hipótese de omissão legal no que tange à disciplina das sociedades cooperativas, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples (art. 1.096 do CC/2002).

Nessa linha, deve prevalecer o disposto na lei especial em detrimento das previsões das leis gerais, como o Código Comercial e o Código Civil, na disciplina normativa da responsabilidade dos associados acerca dos débitos contraídos pela sociedade cooperativa.

Assim, os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos (art. 89 da Lei n. 5.764/1971).

Dessa forma, inadmissível limitar a responsabilidade do ex-associado, pelo rateio dos prejuízos acumulados, somente até dois anos de seu desligamento da cooperativa, ante a prevalência do disposto no Estatuto Social e a correspondente decisão da Assembleia Geral.

Processo

AgInt no REsp 1.874.078-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Custeio de medicamento importado, devidamente registrado na ANVISA. Limitação do tratamento. Indevida negativa de cobertura. Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS. Caráter exemplificativo. Ratificação da jurisprudência da Terceira Turma.

Destaque

O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS é meramente exemplificativo.

Informações do Inteiro Teor

De acordo com o posicionamento da Segunda Seção do STJ, é legítima a recusa da operadora de plano de saúde em custear medicação importada não nacionalizada, ou seja, sem registro vigente na Anvisa (art. 10, I e V, da Lei n. 9.656/1998; Recomendação n. 31/2010 do CNJ e dos Enunciados n. 6 e 26 da I Jornada de Direito da Saúde). Após o ato registral, todavia, a operadora de plano de saúde não pode recusar o tratamento com o fármaco indicado pelo médico assistente.

Diante do registro em território nacional, com o que se dá a nacionalização do fármaco, ressai estabelecida, assim, a obrigação da operadora em fornecer o medicamento, mostrando-se "abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de saúde o custeio dos meios necessários ao melhor desempenho do tratamento" (AREsp n. 354.006/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 12/08/2013).

Com efeito, a jurisprudência da Terceira Turma já sedimentou entendimento no sentido de que "não é cabível a negativa de tratamento indicado pelo profissional de saúde como necessário à saúde e à cura de doença efetivamente coberta pelo contrato de plano de saúde". Ademais, o "fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa, per se, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tratando-se de rol exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor" (AgRg no AREsp n. 708.082/DF, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 26/02/2016).

Cabe ressaltar o advento de precedente da Quarta Turma no sentido de que seria legítima a recusa de cobertura com base no rol de procedimentos mínimos da ANS (REsp n. 1.733.013/PR). Entretanto, esse precedente não vem sendo acompanhado pela Terceira Turma, que ratifica o seu entendimento quanto ao caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos.

Processo

REsp 1.882.117-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Contrato de prestação de serviços advocatícios. Revogação unilateral do mandato. Previsão de penalidade consubstanciada no pagamento integral dos valores pactuados. Impossibilidade. Direito potestativo de revogar o mandato.

Destaque

No contrato de prestação de serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou revogação unilateral do mandato.

Informações do Inteiro Teor

O Código de Ética e Disciplina da OAB (CED-OAB), ao dispor sobre as relações entre cliente e advogado, assevera expressamente que o fundamento que as norteia é a confiança recíproca (art. 10).

Em razão da relação de fidúcia entre advogado e cliente (considerando se tratar de contrato personalíssimo), o Código de Ética prevê no seu art. 16 - em relação ao advogado - a possibilidade de renúncia ao patrocínio sem a necessidade de se fazer alusão ao motivo determinante, sendo o mesmo raciocínio a ser utilizado na hipótese de revogação unilateral do mandato por parte do cliente (art. 17).

Assim, sobretudo pela possibilidade de quebra da fidúcia constante no pacto ente cliente/advogado, há o direito potestativo do patrono em renunciar ao patrocínio (sem prejuízo do cliente ser reparado por eventuais danos sofridos), bem como do cliente em revogar o mandato outorgado (sem prejuízo do causídico em receber verba remuneratória pelos serviços então prestados).

Não obstante a relevância da advocacia (tendo em vista que é por meio do trabalho do advogado que se busca trazer a claridade para dentro dos autos, de forma a colaborar permanentemente à concretização da justiça) e a importância dos honorários (mormente pela inquestionável natureza alimentar da verba), é necessário discutir se há espaço para a aplicação de cláusula de cunho penal que preveja sanção em sendo a situação de renúncia do mandato pelo patrono ou de revogação unilateral por parte do cliente do mandato outorgado.

A cláusula penal representa uma obrigação acessória ao contrato na qual se estipula - previamente - determinada pena ou multa dirigida a impedir o inadimplemento da obrigação principal ou eventual retardamento em seu cumprimento. Possui dupla função, sendo meio de coerção, de modo a obrigar o contratante ao cumprimento da obrigação, bem como sendo instrumento de prefixação de perdas e danos decorrentes do eventual inadimplemento.

Apesar da legalidade da pactuação entre as partes da cláusula penal e da existência de instrumentos legais aptos a corrigir os excessos advindos da mencionada cláusula, as especificidades da relação jurídica contratual de prestação de serviços advocatícios (constantes no Estatuto da OAB e no CED da OAB) acabam por relativizar sua incidência.

Ao se levar em conta que a advocacia não é atividade mercantil e não vislumbra exclusivamente o lucro, bem como que a relação entre advogado e cliente é pautada na confiança de cunho recíproco, não é razoável - caso ocorra a ruptura do negócio jurídico por meio renúncia ou revogação unilateral do mandato - que as partes fiquem vinculadas ao que fora pactuado sob a ameaça de cominação de penalidade.

Dessa forma, a revogação unilateral, pelo cliente, do mandato outorgado ao advogado é causa lícita de rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios, não ensejando o pagamento de multa prevista em cláusula penal. A mesma lógica pode e deve ser aplicada também quando ocorrer o inverso, na hipótese de renúncia do mandato pelo causídico.

Imperioso salientar que cláusula penal existirá nos contratos de prestação de serviços advocatícios, contudo adstrita às situações de mora e/ou inadimplemento, desde que respeitada a razoabilidade, sob pena de interferência judicial. Ademais, ocorrendo a revogação do mandato por parte do cliente, esse estará obrigado a pagar ao advogado a verba honorária de modo proporcional aos serviços então prestados.

Processo

REsp 1.821.906-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema

Alimentos. Cumprimento de sentença. Audiência de conciliação. Reconhecimento parcial da dívida. Vinculação da proposta. Valor remanescente. Nova negociação. Possibilidade.

Destaque

A proposta de pagamento parcial por devedor de alimentos em audiência de conciliação já na fase de cumprimento de sentença, perante o patrono da parte contrária, vincula o devedor no limite da proposta, restando assegurada nova negociação quanto ao valor remanescente.

Informações do Inteiro Teor

A oferta de pagamento espontâneo em audiência de conciliação em execução de dívida alimentar pelo devedor perante o Judiciário e com a concordância do representante da parte contrária apto a tanto tem caráter vinculante em relação ao proponente.

No caso, na audiência de conciliação, consumada na fase de cumprimento de sentença, o devedor reconheceu parcialmente a obrigação alimentar em favor de sua filha maior, que não compareceu ao ato processual, tendo sido devidamente representada por seu patrono com poderes específicos. Na ocasião, o executado concordou com o pagamento dos 2 (dois) últimos meses dos alimentos cobrados na inicial, no prazo de 20 (vinte) dias e, sob pena de multa, comprometeu-se a juntar aos autos, em 30 (trinta) dias, cópia da sentença que o teria exonerado dos alimentos.

O fato de ter sido exonerado da obrigação alimentar em momento posterior, em ação revisional, não o beneficia em relação ao débito cobrado e reconhecido, em parte, por ele mesmo, espontaneamente, perante as autoridades públicas competentes.

Ressalta-se que a conclusão adotada pelo Tribunal local conferiu fiel cumprimento ao art. 526 do CPC/2015 que enfatiza ser "lícito ao réu, antes de ser intimado para o cumprimento da sentença, comparecer em juízo e oferecer em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo".

Destaca-se que o CPC/2015 cuidou das "Ações de Família" no Capítulo X, do Título III, do Livro I da Parte Especial em seus artigos 693 a 699, os quais dispõem acerca dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa no Direito de Família. À luz do princípio da autonomia de vontade, o mencionado diploma estimula, como não deveria deixar de ser, a solução consensual dos conflitos familiares, o que pode ser viabilizado por meio do auxílio interdisciplinar (arts. 694 do CPC/2015). A opção do devedor, contudo, foi admitir parte da obrigação já firmada anteriormente ao propor o pagamento das 2 (duas) parcelas devidas, o que foi homologado em juízo.

Por fim, o Tribunal de Justiça ponderou que a oferta equivaleria à confissão plena e total do débito. De fato, não há falar no instituto da confissão, mas sim em reconhecimento parcial do débito no limite do valor ofertado, que vincula o proponente. Tal ponderação, contudo, não altera a conclusão a que chegou a Corte local. A proposta de procedência parcial do pedido executivo não impede que as partes realizem futura composição quanto ao valor remanescente, à luz dos princípios da boa-fé objetiva e da vedação de comportamento contraditório.

Processo

REsp 1.877.292-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema

Embargos monitórios. Pedido de repetição de indébito. Art. 940 do CC/2002. Possibilidade.

Destaque

É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios.

Informações do Inteiro Teor

Tendo em vista que se admite, nos embargos monitórios, nos termos do art. 702, § 1º, do CPC/2015, a alegação de qualquer matéria passível de defesa no procedimento comum, dessume-se que a aplicação da penalidade prevista no art. 940 do CC/2002 pode ser abordada não só por meio de reconvenção ou de ação autônoma, mas também em sede de contestação.

De fato, sob a égide do anterior Código Civil, que dispunha sobre a referida sanção em seu art. 1.531, a Terceira e Quarta Turmas do STJ reconheceram que não há como restringir a aplicação da referida pena ao prévio requerimento do demandado formulado por via exclusiva da reconvenção ou propositura de ação própria. Isso porque entendeu-se que a sanção para esse comportamento ilícito, não obstante tratar-se de norma de direito processual, tem por objetivo punir o abuso do exercício do direito de ação, em típica repressão a ilícitos processuais.

Assim, sob o fundamento de que "o suposto credor, ao demandar por dívida já paga e praticar atos processuais tendentes à cobrança indevida, provoca, ilicitamente, a prestação jurisdicional e movimenta, de forma maliciosa, a máquina judiciária, ofendendo o interesse público", concluiu-se que o demandado poderia utilizar qualquer via processual para pleitear a sua incidência, até mesmo formulando o pedido em embargos monitórios (REsp 608.887/ES, 3ª Turma, DJ 13/03/2006; REsp 661.945/SP, 4ª Turma, DJe 24/08/2010).

Desse modo, seguindo-se os precedentes desta Corte Superior, que se formaram sob a égide do CC/1916, mas que devem ser mantidos com relação ao art. 940 do CC/2002, a condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado pode ser formulada em qualquer via processual, inclusive, em sede de embargos à execução, embargos monitórios ou reconvenção, prescindindo de ação própria para tanto.

Processo

REsp 1.845.214-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

Tema

Operadora de plano de saúde. Insolvência civil. Indisponibilidade de bens de ex-conselheiro fiscal. Prazo do § 1º do art. 24-A da Lei n. 9.656/1998. Ampliação. Poder geral de cautela do juízo. Possibilidade.

Destaque

O prazo do § 1º do art. 24-A da Lei n. 9.656/1998 pode ser ampliado pelo juízo da insolvência civil de operadora de plano de saúde para atingir os bens de ex-conselheiro fiscal que deixou o cargo antes dos doze meses que antecederam o ato de decretação da liquidação extrajudicial.

Informações do Inteiro Teor

Segundo a legislação de regência, a indisponibilidade de bens dos administradores, gerentes, conselheiros ou assemelhados, decorre da instauração pela ANS do regime de liquidação extrajudicial e se mantém até a apuração e liquidação final das responsabilidades, prorrogando-se, no caso de distribuição do pedido judicial da falência ou insolvência civil, até posterior determinação judicial.

Por força do art. 24-D da Lei n. 9.656/1998, as normas do Código de Processo Civil aplicam-se, subsidiariamente, à liquidação extrajudicial, falência e insolvência civil das operadoras de planos de saúde, no que for compatível com a legislação especial, como ocorre com os dispositivos que versam sobre o poder geral de cautela, sobretudo por se tratar de poder com acento em princípios processuais gerais como o da efetividade da jurisdição e o da segurança jurídica.

A decretação da indisponibilidade de bens visa a evitar que a eventual insolvência civil ou falência da operadora, causada pela má-administração, provoque um risco sistêmico ao mercado de planos de saúde, assegurando a responsabilidade patrimonial de todos aqueles que concorreram para a instauração do regime de liquidação extrajudicial; visa, em última análise, à proteção de toda a coletividade envolvida na prestação do serviço privado de assistência à saúde, de inegável relevância econômica e social.

Desde que observados os requisitos legais, pode o Juízo, com base no poder geral de cautela, ampliar o alcance da norma que prevê a decretação da indisponibilidade de bens quando verificar a existência de fundados indícios de responsabilidade de determinado agente, a fim de assegurar, concretamente, a eficácia e a utilidade do provimento jurisdicional de caráter satisfativo.

Processo

REsp 1.771.984-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO

Tema

Portabilidade de operações de crédito. Regularidade do consentimento e da transferência. Dever dos envolvidos na cadeia de fornecimento. Defeito no serviço. Responsabilidade solidária das instituições financeiras envolvidas.

Destaque

É dever das instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade de crédito apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a reponsabilidade solidária pelos danos decorrentes de falha na prestação do serviço.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia a determinar se a portabilidade de operações de crédito é capaz, por si só, de vincular as instituições credoras - original e proponente - à cadeia de fornecimento e, assim, dar ensejo à responsabilização solidária decorrente de fato do serviço.

Atualmente, a portabilidade de operações de crédito é regulamentada pela Resolução CMN n. 4.292/2013, que introduziu conceitos importantes e contornos bem definidos para esses contratos bancários. À época dos fatos, no entanto, essa espécie de transação se sujeitava à regulamentação bastante simplificada da Resolução CMN n. 3.401/2006, a qual exigia da instituição credora original apenas a garantia da possibilidade de quitação antecipada com recursos financeiros advindos de outras instituições financeiras, além de obrigá-la a compartilhar os dados bancários mediante requerimento e autorização do cliente titular.

Por essa razão, afirma-se que a Resolução CMN n. 3.401/2006 cuidou de introduzir no Brasil a autodeterminação dos clientes em relação a seus dados bancários, consistindo importante experimento para a abertura bancária como instrumento de fomento da concorrência bancária. Ainda que de forma incipiente e impositiva, o regulamento introduziu norma relevante para o compartilhamento de dados bancários sob a base fundamental do livre consentimento e da autodeterminação dos consumidores, princípios atualmente muito debatidos sob o enfoque da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018), que entrou em vigor recentemente.

Ademais, já esboçando o caminho legislativo que seria adotado, o Conselho Monetário Nacional evidenciou o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, o qual deve ser observado por todas as instituições financeiras envolvidas no compartilhamento de dados bancários. Logo, tanto o banco de origem quanto a instituição de destino, ao integrarem uma operação de portabilidade, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento de produtos/serviços, responsabilizando-se até que a operação se aperfeiçoe com a extinção do contrato original e a formação definitiva do novo contrato.

Extrai-se daí a solidariedade das instituições financeiras envolvidas num contrato de portabilidade pelos danos decorrentes da falha desse serviço, em conformidade com o art. 7°, parágrafo único, do CDC.

De fato, constitui dever de toda e qualquer instituição financeira a manutenção de quadro específico para detectar fraudes, em razão da natureza da atividade desenvolvida em mercado, a qual induz a responsabilidade pelo risco do empreendimento, como reiteradamente afirmado por esta Corte Superior, nos termos do Enunciado 479 da Súmula do STJ: "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."

Assim, reconhecida a solidariedade das instituições financeiras responsáveis objetivamente pelos danos decorrentes de fraude, impõe-se a elas o ônus de recompor todos os danos sofridos pelo consumidor, restituindo-lhe o status quo ante como decorrência automática da inexistência do contrato fraudado.

Processo

REsp 1.887.712-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Pedido de inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes. Art. 782, § 3º, do CPC/2015. Indeferimento do pleito em virtude da ausência de hipossuficiência do requerente. Impossibilidade. Norma que deve garantir ampla eficácia à efetividade da tutela jurisdicional executiva.

Destaque

O requerimento da inclusão do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) não pode ser indeferido pelo juiz tão somente sob o fundamento de que as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover, por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito.

Informações do Inteiro Teor

Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/2015 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.

Assim, o dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício. Ademais, depreende-se da sua redação que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto.

Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual.

Com efeito, não há falar no indeferimento do pleito com base tão somente no fundamento de que os credores possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmos, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, sem a análise da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação - o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/2015.

Processo

REsp 1.884.860-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

Tema

Recuperação judicial. Administrador. Honorários. Fixação no patamar máximo de 5%. Irresignação do Ministério Público. Legitimidade recursal configurada.

Destaque

O Ministério Público é parte legítima para recorrer da decisão que fixa os honorários do administrador na recuperação judicial.

Informações do Inteiro Teor

Inicialmente, cumpre salientar que o texto normativo que resultou na atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas saiu do Congresso Nacional com uma roupagem que exigia do Ministério Público atuação em todas as fases dos processos de recuperação judicial e de falência. Essas amplas e genéricas hipóteses de intervenção originalmente previstas foram restringidas pela Presidência da República, mas nem por isso reduziu-se a importância do papel da instituição na tramitação dessas ações, haja vista ter-se franqueado ao MP a possibilidade de "requerer o que entender de direito".

A interpretação conjunta da regra do art. 52, V, da Lei n. 11.101/2005 - que determina a intimação do Ministério Público acerca da decisão que defere o processamento da recuperação judicial - e daquela constante no art. 179, II, do CPC/2015 - que autoriza, expressamente, a interposição de recurso pelo órgão ministerial quando a este incumbir intervir como fiscal da ordem jurídica - evidencia a legitimidade recursal do Parquet na hipótese concreta.

Importa destacar que a pretensão deduzida pelo Ministério Público está fundamentada no princípio da preservação da empresa e na necessidade de se observar a capacidade de pagamento da recuperanda. Nesse panorama, a irresignação manifestada ultrapassa a esfera de direitos patrimoniais individuais das partes envolvidas, sobretudo quando se considera que a fixação da remuneração do administrador não constitui ato oriundo de deliberação em assembleia de credores, mas ato estritamente judicial.

Portanto, verifica-se estar plenamente justificada a interposição do recurso pelo Ministério Público como decorrência de sua atuação como fiscal da ordem jurídica, pois é seu papel institucional zelar, em nome do interesse público (função social da empresa), para que não sejam constituídos créditos capazes de inviabilizar a consecução do plano de soerguimento.

Processo

REsp 1.843.507-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO MARCÁRIO

Tema

Propriedade industrial. Ação de infração. Justiça Estadual. Reconhecimento incidental da nulidade de patente e desenho industrial. Arguição como matéria de defesa. Arts 56, § 1º, e 118 da Lei n. 9.279/1996. Possibilidade. Ressalva não aplicável a marcas.

Destaque

Em ação de infração de patente e desenho industrial, é possível a arguição incidental de nulidade de tais direitos de propriedade industrial, como matéria de defesa, perante a justiça estadual.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia sobre à possibilidade de, em ação de infração de patente de modelo de utilidade e de desenho industrial, o réu alegar, em sua defesa, a nulidade de tais direitos de propriedade intelectual, em razão da ausência dos requisitos necessários à sua concessão, à luz do art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96.

Inicialmente, frisa-se que a questão não é nova, havendo diversos julgados desta Terceira Turma acerca do assunto. Porém, melhor examinando o tema, evidencia-se a necessidade, não de alteração, mas de um aperfeiçoamento no entendimento jurisprudencial até então esposado por esta Corte.

Este Superior Tribunal tem entendimento firmado no sentido de que a nulidade de marca registrada deve ser necessariamente arguida em ação própria, com a participação do INPI, a ser ajuizada perante a Justiça Federal, não podendo ser reconhecida de forma incidental em ação de infração de marca em trâmite na Justiça Estadual.

Esse entendimento mostra-se irretocável, uma vez que o art. 175 da Lei de Propriedade Industrial exige que a ação de nulidade do registro de marca seja ajuizada no foro da Justiça Federal, devendo o INPI, quando não for o autor, necessariamente intervir no feito. Não há, na lei, qualquer exceção a essa regra. O mesmo, porém, não ocorre no que diz respeito à patente e ao desenho industrial.

Embora os três institutos caracterizem-se por serem direitos da propriedade industrial, submetidos, todos, à disciplina da Lei n. 9.279/96, é inegável que a marca, a patente e o desenho industrial apresentam natureza e finalidade muito distintas, a demandar um exame mais detalhado de sua regulamentação.

Diferentemente da marca, a patente e o desenho industrial não se dirigem à construção de uma associação a ser feita no mercado consumidor. Eles constituem direitos de exclusividade temporários, conferidos com a finalidade de incentivar o desenvolvimento tecnológico.

Esses direitos são, por sua própria essência, necessariamente temporários, tendo a duração máxima de 20 anos, no caso das patentes de invenção, de 15 anos, no caso de patentes de modelo de utilidade, e de 25 anos, no caso de desenho industrial.

Em razão das diferenças intrínsecas a cada um desses direitos da propriedade industrial, a Lei n. 9.279/1996 cuidou de regulamentá-los separadamente, destinando, a cada um deles, um título específico.

No Título I, o art. 57 determina que a ação de nulidade de patente, à semelhança da ação de nulidade de marca, deve ser ajuizada no foro da Justiça Federal, sendo que o INPI, quando não for o autor, deve necessariamente intervir no feito.

O art. 56, § 1º, porém, traz uma ressalva expressa, que não foi feita com relação às marcas. Segundo a redação explícita do referido enunciado normativo, verbis: § 1º A nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa.

No Título III, o art. 118 da Lei de Propriedade Industrial estende aos desenhos industriais essa ressalva, ao determinar que devem ser aplicadas à ação de nulidade de registro de desenho industrial, no que couber, as disposições dos arts. 56 e 57.

Disso decorre que, embora, não seja possível o reconhecimento incidental da nulidade de marcas, o exame incidenter tantum da nulidade de patentes e de desenhos industriais se mostra perfeitamente possível, decorrendo essa possibilidade de determinação expressa de lei.

Note-se que não há qualquer usurpação da competência da Justiça Federal. A competência federal não é determinada em razão da matéria, mas, sim, em razão da pessoa, verificando-se sempre que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, nos termos do art. 109, I, da Constituição.

E não é a Constituição, mas a própria Lei n. 9.279/96 quem estabelece a necessidade de participação do INPI nas ações de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais, respectivamente nos arts. 175, 57 e 118. Não há qualquer óbice, portanto, a que essa mesma lei preveja uma exceção a essa regra nos arts. 56, § 1º, e 118, ressalvando expressamente a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do INPI.

Ademais, pontua-se que o reconhecimento incidental de nulidade em ação de infração de patentes e de desenhos industriais não faz coisa julgada material e não tem, por óbvio, efeito erga omnes, servindo apenas de fundamento para, examinando-se de forma ampla a defesa apresentada, julgar-se improcedente o pedido formulado pelo titular do direito de propriedade industrial. Seus efeitos, portanto, não se estendem para fora do processo.

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