RESUMO. INFORMATIVO 573
DO STJ.
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL
CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM
DEFESA DE JURIDICAMENTE NECESSITADOS. A Defensoria Pública tem legitimidade
para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos
de consumidores idosos que tiveram plano de saúde reajustado em razão da
mudança de faixa etária, ainda que os titulares não sejam carentes de recursos
econômicos. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem
dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos.
Entretanto, ela também exerce atividades de auxílio aos necessitados jurídicos,
os quais não são, necessariamente, carentes de recursos econômicos. Isso
ocorre, por exemplo, quando a Defensoria exerce as funções de curador especial
(art. 9º, II, do CPC) e de defensor dativo (art. 265 do CPP). No caso, além do
direito tutelado ser fundamental (direito à saúde), o grupo de consumidores
potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já
é reconhecida na própria Constituição Federal, a qual dispõe no art. 230 que:
"A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e
bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida". Dessa forma, nos termos do
assentado no julgamento do REsp 1.264.116-RS (Segunda Turma, DJe 13/4/2012),
"A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece
a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil
Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes
de recursos financeiros - os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto
é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as
gerações futuras), enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por
conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder
econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado
para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado". EREsp
1.192.577-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/10/2015, DJe
13/11/2015.
DIREITO DO CONSUMIDOR. PUBLICIDADE
ENGANOSA POR OMISSÃO. É enganosa a publicidade televisiva que omite o preço e a
forma de pagamento do produto, condicionando a obtenção dessas informações à
realização de ligação telefônica tarifada. O
direito à informação, garantia fundamental da pessoa humana expressa no art.
5°, XIV, da CF, é gênero que tem como espécie o direito à informação previsto
no CDC. O Código traz, entre os direitos básicos do consumidor, a
"informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e
preço, bem como sobre os riscos que apresentam" (art. 6º, III). Além
disso, ao cuidar da oferta nas práticas comerciais, o CDC, no caput do art. 31, determina que a "oferta e
apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas,
claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características,
qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e
origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores". Ademais, o CDC atenta para a publicidade,
importante técnica pré-contratual de persuasão ao consumo, trazendo, como um
dos direitos básicos do consumidor, a "proteção contra a publicidade
enganosa e abusiva" (art. 6º, IV). Nesse contexto, frise-se que o dever de
informar não é tratado como mero dever anexo, e sim como dever básico,
essencial e intrínseco às relações de consumo. Dessa forma, não se pode afastar
a índole enganosa da informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto
de induzir o consumidor em erro, uma vez que não é válida a "meia
informação" ou a "informação incompleta". Nessa conjuntura, a
publicidade enganosa pode ser comissiva ou omissiva. A publicidade é enganosa
por comissão quando o fornecedor faz uma afirmação, parcial ou total, não
verdadeira sobre o produto ou serviço, capaz de induzir o consumidor em erro
(art. 37, § 1º). É enganosa por omissão a publicidade que deixa de informar
dado essencial sobre o produto ou o serviço, também induzindo o consumidor em
erro exatamente por não esclarecer elementos fundamentais (art. 37, § 3º).
Diante disso, a hipótese em análise é exemplo de publicidade enganosa por
omissão, pois suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e
forma de pagamento), as quais somente podem ser conhecidas pelo consumidor
mediante o ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser
concretizada. Além do mais, a liberdade de escolha do consumidor, direito
básico previsto no inciso II do artigo 6º do CDC, está vinculada à correta,
fidedigna e satisfatória informação sobre os produtos e os serviços postos no
mercado de consumo. De fato, a autodeterminação do consumidor depende
essencialmente da informação que lhe é transmitida, pois esta é um dos meios de
formar a opinião e produzir a tomada de decisão daquele que consome. Logo, se a
informação é adequada, o consumidor age com mais consciência; se a informação é
falsa, inexistente ou omissa, retira-se-lhe a liberdade de escolha consciente.
De mais a mais, o dever de informação do fornecedor tem importância direta no
surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor. Isso porque a
informação deficiente frustra as legítimas expectativas do consumidor,
maculando sua confiança. Na hipótese aqui analisada, a falta de informação
suprime a liberdade do consumidor de, previamente, recusar o produto e escolher
outro, levando-o, ainda que não venha a comprar, a fazer uma ligação tarifada
para, só então, obter informações essenciais atinentes ao preço e à forma do
pagamento, burlando-lhe a confiança e onerando-o. REsp
1.428.801-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 27/10/2015, DJe
13/11/2015.
DIREITO CIVIL. VALOR DE INDENIZAÇÃO
PELO EXTRAVIO DE MERCADORIAS EM TRANSPORTE AÉREO. Independentemente da
existência de relação jurídica consumerista, a indenização pelo extravio de mercadoria
transportada por via aérea, prévia e devidamente declarada, com inequívoca
ciência do transportador acerca de seu conteúdo, deve corresponder ao valor
integral declarado, não se aplicando, por conseguinte, as limitações tarifadas
prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia. De fato, a jurisprudência do STJ já entende que,
estabelecida relação jurídica de consumo entre as partes, a indenização pelo
extravio de mercadoria transportada por via aérea deve ser integral, não se aplicando,
por conseguinte, a limitação tarifada prevista no Código de Aeronáutica e na
Convenção de Varsóvia. Em verdade, tem-se pela absoluta inaplicabilidade da
indenização tarifada contemplada na Convenção de Varsóvia, inclusive na
hipótese em que a relação jurídica estabelecida entre as partes não se
qualifique como de consumo. Isso porque, em matéria de responsabilidade civil
no serviço de transporte aéreo, pode-se identificar a aparente colisão entre as
seguintes normas: de um lado, a Convenção de Varsóvia de 1929 e o Código
Brasileiro de Aeronáutica de 1986 (normas especiais e anteriores à própria
Ordem Constitucional inaugurada pela CF/1988), e, de outro, o Código Civil de
2002 (norma geral e posterior), que preconiza que a indenização mede-se pela extensão
do dano (art. 944), em consonância com a Ordem Constitucional inaugurada pela
CF/1988, que traz, em si, como direito fundamental, o princípio da
indenizabilidade irrestrita (art. 5º, V e X). Nesse contexto, o critério da
especialidade, como método hermenêutico para solver o presente conflito de
normas (Convenção de Varsóvia de 1929 e Código Brasileiro de Aeronáutica de
1986 versus Código Civil
de 2002), isoladamente considerado, afigura-se insuficiente para tal escopo.
Deve-se, para tanto, mensurar, a partir das normas em cotejo, qual delas melhor
reflete, no tocante à responsabilidade civil, os princípios e valores
encerrados na ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de
1988. E inferir, a partir daí, se as razões que justificavam a referida
limitação, inserida no ordenamento jurídico nacional em 1931 pelo Decreto
20.704 (que ratificou a Convenção de Varsóvia), encontrar-se-iam presentes nos
dias atuais, com observância ao postulado da proporcionalidade. A limitação
tarifária contemplada pela Convenção de Varsóvia aparta-se, a um só tempo, do
direito à reparação integral pelos danos de ordem material injustamente sofridos,
concebido pela Constituição Federal como direito fundamental (art. 5º, V e X),
bem como pelo Código Civil, em seu art. 994, que, em adequação à ordem
constitucional, preceitua que a indenização mede-se pela extensão do dano.
Efetivamente, a limitação prévia e abstrata da indenização não atenderia,
sequer, indiretamente, ao princípio da proporcionalidade, notadamente porque
teria o condão de esvaziar a própria função satisfativa da reparação, ante a
completa desconsideração da gravidade e da efetiva repercussão dos danos
injustamente percebidos pela vítima do evento. Tampouco se concebe que a
solução contida na lei especial, que preceitua a denominada indenização
tarifada, decorra das necessidades inerentes (e atuais) do transporte aéreo.
Isso porque as razões pelas quais a limitação da indenização pela falha do
serviço de transporte se faziam presentes quando inseridas no ordenamento
jurídico nacional, em 1931, pelo Decreto 20.704, não mais subsistem nos tempos
atuais. A limitação da indenização inserida pela Convenção de Varsóvia, no
início do século XX, justificava-se pela necessidade de proteção a uma
indústria, à época, incipiente, em processo de afirmação de sua viabilidade
econômica e tecnológica, circunstância fática inequivocamente insubsistente
atualmente, tratando-se de meio de transporte, estatisticamente, dos mais
seguros. Veja-se, portanto, que o tratamento especial e protetivo então
dispensado pela Convenção de Varsóvia e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica
ao transporte aéreo, no tocante à responsabilização civil, devia-se ao risco da
aviação, relacionado este à ocorrência de acidentes aéreos. O art. 750 do CC,
por sua vez, não encerra, em si, uma exceção ao princípio da indenizabilidade
irrestrita. O preceito legal dispõe que o transportador se responsabilizará
pelos valores constantes no conhecimento de transporte, ou seja, pelos valores
das mercadorias previamente declaradas pelo contratante ao transportador. Desse
modo, o regramento legal tem por propósito justamente propiciar a efetiva
indenização da mercadoria que se perdeu - prévia e devidamente declarada,
contando, portanto, com a absoluta ciência do transportador acerca de seu
conteúdo -, evitando-se, com isso, que a reparação tenha por lastro a
declaração unilateral do contratante do serviço de transporte, que,
eventualmente de má-fé, possa superdimensionar o prejuízo sofrido. Ressalta-se
que a restrição ao direito à reparação integral pelos danos de ordem material e
moral injustamente percebidos somente poderia ser admitida, em tese, caso
houvesse previsão nesse sentido no próprio diploma legal do qual tal direito
emana. Esta contemporização do direito à integral reparação, todavia, não se
verifica do tratamento ofertado à questão pelo Código Civil. Vislumbra-se,
quando muito, como hipótese de incidência subsidiária, o caso em que o
transportador não detém conhecimento prévio sobre o conteúdo da mercadoria a
ser transportada e, embora incontroverso a ocorrência do dano, não se tem
elementos idôneos a demonstrar seu valor (ante o extravio da mercadoria, por
exemplo), circunstâncias diversas da presente hipótese. Assim, tem-se pela
absoluta inaplicabilidade da indenização tarifada contemplada na Convenção de
Varsóvia, inclusive na hipótese em que a relação jurídica estabelecida entre as
partes não se qualifique como de consumo. REsp
1.289.629-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
20/10/2015, DJe 3/11/2015.
DIREITO CIVIL. COBERTURA SECURITÁRIA
EM CASO DE PERDA TOTAL DO BEM. Ainda que o sinistro tenha ocasionado a perda
total do bem, a indenização securitária deve ser calculada com base no prejuízo
real suportado pelo segurado, sendo o valor previsto na apólice, salvo expressa
disposição em contrário, mero teto indenizatório. Com
a entrada em vigor do CC/2002, passou a ser observado, para os casos de
pagamento de indenização em seguro de dano, o chamado princípio indenitário
previsto no art. 781, o qual é claro ao dispor que "A indenização não pode
ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em
hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso
de mora do segurador". Dessa forma, a quantificação da indenização está,
em regra, condicionada ao valor do dano atual e efetivo, e não ao valor que foi
segurado. Ou seja, a quantia atribuída ao bem segurado no momento da
contratação é considerada, salvo expressa disposição em sentido contrário, como
o valor máximo a ser indenizado. Nesse passo, segundo doutrina, o contrato de
seguro não deve ser causa de enriquecimento do segurado. O seu objetivo é
apenas o de restabelecer a situação das coisas, em nível patrimonial, ao mesmo
patamar que tinha antes do sinistro. Em suma, a indenização não pode
ultrapassar o valor de mercado do bem no momento do sinistro. REsp
1.473.828-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 27/10/2015, DJe
5/11/2015.
DIREITO CIVIL. PRETENSÃO ANULATÓRIA DE
DOAÇÃO-PARTILHA. Na hipótese em que o autor da herança tenha promovido em vida
a partilha da integralidade de seus bens em favor de todos seus descendentes e
herdeiros necessários, por meio de escrituras públicas de doação nas quais
ficou consignado o consentimento de todos eles e, ainda, a dispensa de colação
futura, a alegação de eventual prejuízo à legítima em decorrência da referida
partilha deve ser pleiteada pela via anulatória apropriada, e não por meio de
ação de inventário. Com efeito, segundo entendimento
doutrinário, "inventário é o processo judicial que se destina a apurar os
bens deixados pelo finado, a fim de sobre o monte proceder-se à partilha".
Consiste, portanto, na descrição pormenorizada dos bens da herança, tendente a
possibilitar o recolhimento de tributos, o pagamento de credores e, por fim, a
partilha. Em regra, a doação feita de ascendente para descendente, por si só,
não é considerada inválida ou ineficaz pelo ordenamento jurídico, mas impõe ao
donatário a obrigação protraída no tempo de, à época do óbito do doador, trazer
o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar as legítimas, caso não seja
aquele o único herdeiro necessário (arts. 2.002, parágrafo único, e 2.003 do
CC), sob pena de perda do direito sobre os bens não colacionados. O teor docaput do art. 2.002 dispõe expressamente que os descendentes
que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para preservar a
regra de igualdade das legítimas, a conferir o valor das doações que dele em
vida receberam, sob pena de sonegação. Não obstante, o dever de colacionar os
bens admite exceções, sendo de destacar, entre elas, "as doações que o
doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam,
computado o seu valor ao tempo da doação" (art. 2.005). Assim, a única
restrição imposta pela lei à livre vontade do disponente é o respeito à
legítima dos herdeiros necessários, que, por óbvio, não pode ser reduzida.
Desde que observado esse limite, não fica o autor da herança obrigado nem mesmo
a proceder à distribuição igualitária dos quinhões, contanto que eventuais
desigualdades sejam imputadas à sua quota disponível. Isso porque, sendo-lhe
lícito dispor livremente de metade de seus bens, nada impede que beneficie um
de seus herdeiros mais do que os outros, embora sejam todos necessários,
contando que não lhes lese a legítima. Complementando a regra anterior, o art.
2.006 do mesmo diploma legal preconiza que a dispensa da colação "pode ser
outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de
liberalidade", revelando, portanto, a necessidade de que seja expressa. No
caso em análise, os atos de liberalidade foram realizados abrangendo todo o
patrimônio do cedente, com a anuência dos herdeiros, o que configura partilha
em vida dos bens, tendo constado, ainda, das escrituras públicas de doação a
dispensa de colação futura. Para a doutrina, "no caso do que vulgarmente
se denomina doação-partilha, não existe dádiva, porém inventário antecipado, em
vida; não se dá colação; rescinde-se ou corrige-se a partilha, quando ilegal ou
errada". Desse modo, considera-se que os autores são carecedores de
interesse de agir para o processo de inventário, o qual, ante o ato
constitutivo de partilha em vida e consequente dispensa de colação, não teria
nenhuma utilidade. Ressalte-se que eventual prejuízo à legítima do herdeiro
necessário em decorrência de partilha em vida dos bens feita pelo autor da
herança deve ser buscada pela via anulatória apropriada, e não por meio de ação
de inventário. Afinal, se não há bens a serem partilhados, não há a necessidade
de processo do inventário. REsp
1.523.552-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
3/11/2015, DJe 13/11/2015.
DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO À
REPARAÇÃO DE DANOS POR VÍCIO DO PRODUTO. Não tem direito à reparação de perdas
e danos decorrentes do vício do produto o consumidor que, no prazo decadencial,
não provocou o fornecedor para que este pudesse sanar o vício. Os
vícios de qualidade por inadequação dão ensejo, primeiro, ao direito do
fornecedor ou equiparado a corrigir o vício manifestado, mantendo-se íntegro o
contrato firmado entre as partes. Apenas após o prazo trintídio do art. 18,
§1º, do CDC ou a negativa de conserto, abre-se ao consumidor a opção entre três
alternativas: a) a redibição do contrato; b) o abatimento do preço; ou c) a substituição do produto, ressalvada em qualquer
hipótese a pretensão de reparação de perdas e danos decorrentes. A escolha quanto
a alguma das soluções elencadas pela lei consumerista deve ser exercida no
prazo decadencial do art. 26 do CDC, contado, por sua vez, após o transcurso do
prazo trintídio para conserto do bem pelo fornecedor. Nota-se que toda a
construção acerca da tutela dos vícios redibitórios, seja sob o enfoque
civilista, seja sob o enfoque consumerista, diz respeito a viabilizar a
manutenção do contrato e de seu sinalagma original. Isso faz sentido porque os
vícios, embora desconhecidos, são contemporâneos ao contrato ou preexistentes.
No entanto, na hipótese, a pretensão não é a de recomposição do equilíbrio
contratual, mas tão somente a efetiva reparação de dano decorrente de
existência de vício oculto que teria provocado a realização de despesas não
condizentes com a legítima expectativa do consumidor. Diante dessa distinção
entre o regramento dos vícios redibitórios e a pretensão de mera recomposição
de prejuízo decorrente do vício, há precedentes que, aparentemente, concluíram
pelo afastamento do prazo decadencial do art. 26 do CDC, fazendo incidir na
hipótese o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do CDC (AgRg no AREsp
52.038-SP, Quarta Turma, DJe 3/11/2011; e REsp 683.809-RS, Quarta Turma, DJe
3/5/2010). Todavia, a moldura fática daqueles precedentes é essencialmente
distinta, uma vez que naqueles houve, mais do que a comprovação da reclamação
quanto à existência dos vícios dentro do prazo decadencial, a demonstração de
que os vícios não foram devidamente sanados no prazo trintídio. A partir daí,
está constituído o direito à pretensão de reparação, obviamente sujeita a prazo
prescricional, e não a prazo decadencial. Diferente é a hipótese em que não foi
demonstrada a realização da notificação do fornecedor dentro do prazo
decadencial. Desse modo, não se constituiu o direito à reparação civil, de
forma que não há que se discutir qual seria o prazo prescricional aplicável, se
o civil (art. 206, § 3º, V, do CC) ou o consumerista (art. 27 do CDC). Entender
de modo diverso seria admitir que, transcorrido o prazo decadencial, o
adquirente lançasse mão de instrumento diverso para, ao fim e ao cabo, atingir
o mesmo objetivo perdido exclusivamente em razão de sua desídia. Noutros
termos, seria desnaturar a garantia desenhada por lei que, embora destinada
precipuamente à proteção do adquirente e, em especial, do consumidor, não perde
o caráter geral de garantir previsibilidade e segurança às relações jurídicas,
resguardando expectativas mútuas legítimas. REsp
1.520.500-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
27/10/2015, DJe 13/11/2015.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE
COTA CONDOMINIAL E PENHORA SOBRE DIREITO AQUISITIVO DECORRENTE DE COMPROMISSO
DE COMPRA E VENDA. Em ação de cobrança de cotas condominiais proposta somente
contra o promissário comprador, não é possível a penhora do imóvel que gerou a
dívida - de propriedade do promissário vendedor -, admitindo-se, no entanto, a
constrição dos direitos aquisitivos decorrentes do compromisso de compra e
venda. É certo que o adquirente de unidade condominial,
após a imissão na posse e a ciência inequívoca do condomínio acerca da
alienação, deve responder pelas cotas que recaem sobre o bem, ainda que não
tenha sido averbado junto ao competente registro de imóveis (REsp 1.345.331-RS,
Segunda Seção, DJe 20/4/2015). Além disso, o promitente vendedor detém
legitimidade passiva concorrente para responder por eventual ação de cobrança
de débitos condominiais, mesmo que posteriores à imissão na posse (REsp
1.442.840-PR, Terceira Turma, DJe 21/8/2015). Convém esclarecer que a promessa
de compra e venda de imóvel faz nascer para o promissário comprador o direito à
aquisição do bem, embora a propriedade continue sendo do promitente vendedor.
Ao promissário comprador cabe, após o cumprimento das obrigações previstas no
pacto preliminar (em regra, o adimplemento do preço), exigir a outorga da
escritura definitiva, por vontade do promitente vendedor ou por decisão
judicial. Somente a partir de então, com o registro deste título, é que passará
o até então promissário comprador a ser o proprietário do bem. Assim, a
transferência da propriedade, nos termos do art. 1.245 do CC, opera-se mediante
registro do título translativo no Registro de Imóveis, e, enquanto não
registrado, o alienante continuará a ser dono do imóvel. Nesse contexto, não se
pode autorizar a penhora de unidade condominial sobre o qual o executado possui
apenas direito aquisitivo e, portanto, não ostenta a condição de proprietário.
Concretamente, é possível apenas e tão somente a constrição do direito do
promissário comprador do imóvel, e não da propriedade em si. Admitir
entendimento contrário equivaleria a aceitar que bem de terceiro (proprietário)
responda por dívida em processo no qual ele não figurou como parte,
circunstância que, inclusive, desafia o disposto nos arts. 568, I, e 591 do
CPC. Assim, aperfeiçoado o título executivo judicial, por sentença transitada
em julgado, impossível a constrição de bem pertencente ao patrimônio de pessoa
que não faz parte da demanda, restando possível apenas a penhora de bens e
direitos que se encontrem dentro da esfera de disposição do executado, de modo
que sejam respeitados os limites subjetivos da lide. Destaca-se, ainda, que a
natureza propter rem, por si só, não
autoriza a ampliação, sem título, dos bens do executado ou a penhora de bem de
propriedade de terceiro. Isso porque, diferentemente dos ônus reais, em que a
coisa responde pela dívida, na obrigação propter rem, o devedor é quem responde com todos os seus bens,
pois, nessa espécie, é a pessoa que se encontra vinculada à coisa. Desse modo,
não sendo o executado titular do domínio do imóvel que gerou o débito
exequendo, afigura-se inviável a sua constrição. Todavia, tratando-se de meros
detentores de direitos sobre o imóvel, é perfeitamente possível a incidência da
penhora sobre eles, até porque possuem valor econômico, não havendo nenhum
óbice à sua alienação judicial (art. 655, XI, do CPC). REsp
1.273.313-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
3/11/2015, DJe 12/11/2015.
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL
DOS GENITORES PELOS DANOS CAUSADOS POR SEU FILHO ESQUIZOFRÊNICO. Os pais de
portador de esquizofrenia paranoide que seja solteiro, maior de idade e more
sozinho tem responsabilidade civil pelos danos causados durante os recorrentes
surtos agressivos de seu filho, no caso em que eles, plenamente cientes dessa
situação, tenham sido omissos na adoção de quaisquer medidas com o propósito de
evitar a repetição desses fatos, deixando de tomar qualquer atitude para
interditá-lo ou mantê-lo sob sua guarda e companhia. Inicialmente,
é importante destacar que a guarda representa mais que um direito dos pais de
ter próximos os seus filhos. Revela-se, sobretudo, como um dever de cuidar, de
vigiar e de proteger os filhos, em todos os sentidos, enquanto necessária essa
proteção. Para reforçar a responsabilidade dos pais em relação aos filhos,
dispõe o art. 1.583, § 3º, do CC que "A guarda unilateral obriga o pai ou
a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos". O art.
1.589 do mesmo diploma, por sua vez, mediante outras palavras, afirma que
"O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá [...]
fiscalizar sua manutenção e educação". Ademais, o CC impõe aos genitores,
sistemática e reiteradamente, em vários outros dispositivos pertinentes a
capítulos diversos, o dever natural de cuidar, de instruir, de proteger e de
vigiar sua prole, obrigações essas inseridas no próprio conceito de guarda. A
par disso, observa-se que o art. 1.590 do CC - segundo o qual "As
disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores
estendem-se aos maiores incapazes" - estende ao maior incapaz (absoluta ou
relativamente) as normas pertinentes à guarda dos filhos menores. No que diz
respeito ao caso em análise, destaca-se ser absolutamente necessária e cabível
uma interpretação mais positiva desse dispositivo para que seja alcançado, de
fato, o real e mais justo objetivo do legislador. Dessa forma, ao portador de
esquizofrenia paranoide que comumente tem surtos psicóticos é aplicável a
expressão "maiores incapazes", no sentido de não estar apto a
praticar, sozinho e indistintamente, todo e qualquer ato da vida civil em todos
os momentos. Isso porque o esquizofrênico que sofra, reincidentemente, surtos
psicóticos e pratique atos agressivos - como no caso em análise - é, realmente,
incapacitado, total ou parcialmente, para a prática de atos da vida civil,
mesmo que não oficialmente interditado, demandando cuidados especiais por parte
daqueles que estão cientes do problema psiquiátrico, cuja obrigação decorre da
lei e da relação de parentesco - genitores, cônjuge, companheiro, filhos etc.
-, tudo para proteger o doente e terceiros. Ele deve ser enquadrado, no mínimo,
como relativamente incapaz, nos termos do art. 4º, II, do CC (segundo o qual
são relativamente incapazes "os que, por deficiência mental, tenham o
discernimento reduzido"), tendo em vista que possui momentos intercalados
de sanidade, sendo-lhe possível, em tese, praticar atos da vida civil, até
mesmo desacompanhado, durante os períodos de lucidez. Ademais, dependendo do
grau de evolução da doença mental, poderá o enfermo ficar impossibilitado,
total e permanentemente, de praticar sozinho quaisquer atos da vida civil,
passando a se qualificar como absolutamente incapaz, a teor do disposto no art.
3º, II, do CC (de acordo com o qual são absolutamente incapazes "os que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento
para a prática desses atos"). Além do mais, no tocante à possibilidade de
o genitor estar sujeito a indenizar os danos causados pelo filho maior incapaz,
interpretando sistematicamente o art. 932, I e II, do CC com as normas que
disciplinam as obrigações dos pais em relação aos filhos, tem-se que os trechos
a) "estiverem sob sua autoridade e em sua companhia" e b)
"curatelados, que se acharem nas mesmas condições" são aplicáveis,
também, aos casos em que os pais - seja com o propósito de isentar-se de
responsabilidades, seja por simples omissão quanto aos deveres de guardar,
proteger, vigiar e educar - deixam de impor sua autoridade sobre os maiores
reconhecidamente incapazes, de trazê-los para junto de si, de interditá-los e
de assumir, oficialmente, o papel de curador quando deveriam tê-lo feito por
força das circunstâncias e da lei. Nesse caso, a obrigação dos genitores não
depende de interdição judicial, decorrendo de uma situação de fato, qual seja,
a sabida deficiência mental instalada. Além disso, dispõe o art. 942 do CC que
"Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor,
todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São
solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas
no art. 932". Diante disso, como, no caso aqui analisado, caberia aos
genitores tomar cuidados para, ao menos, tentar evitar que seu filho, portador
de esquizofrenia paranoide, cometesse agressões contra terceiros - tratando-se,
inclusive, de diligência recomendada como forma de protegê-lo de revides -,
revela-se flagrante a omissão da mãe no cumprimento das suas obrigações como
genitora do incapaz, o que a obriga a indenizar os danos causados pelo seu
filho. REsp
1.101.324-RJ,Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
13/10/2015, DJe 12/11/2015.
DIREITO CIVIL. PURGAÇÃO DA MORA EM
CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL DE VEÍCULO AUTOMOTOR. Em contrato de
arrendamento mercantil de veículo automotor - com ou sem cláusula resolutiva
expressa -, a purgação da mora realizada nos termos do art. 401, I, do CC
deixou de ser possível somente a partir de 14/11/2014, data de vigência da Lei
13.043/2014, que incluiu o § 15º do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969. De fato, a Lei
6.099/1974 - que dispõe sobre o arrendamento mercantil - é omissa quanto à
possibilidade de purgação da mora nesse tipo de contrato. Diante disso, a
jurisprudência do STJ (REsp 228.625-SP, Terceira Turma, DJ 16/2/2004; e AgRg no
REsp 329.936-SP, Quarta Turma, DJ 12/5/2003) admitia a possibilidade de
purgação da mora em contrato de arrendamento mercantil, ainda que contemplasse
cláusula resolutiva expressa, invocando, como base, a regra geral do CC/1916,
ou a regra geral do CC/2002, ou o CDC, ou, por analogia, o disposto no art.
1.071 do CPC (nas vendas a crédito com reserva de domínio), ou o art. 3º do
Decreto-Lei 911/1969, com redação anterior à Lei 10.931/2004. Diferentemente,
em relação ao financiamento garantido por alienação fiduciária, os §§ 1º e 3º
do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969, em suas redações originais, garantiam ao
devedor a purgação da mora, desde que observados certos limites. Contudo, com o
advento da Lei 10.931/2004, alterou-se o art. 3º do Decreto-Lei 911/1969 para
coibir a purgação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária.
Nesse contexto, o § 2º desse dispositivo passou a prever que "No prazo do
§ 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente,
segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na
qual o bem lhe será restituído livre do ônus". Essa modificação legislativa,
inclusive, foi alvo de amplo debate no STJ, que passou a declarar o fim da
purgação da mora nos contratos de financiamento com garantia de alienação
fiduciária, ao firmar, para fins do art. 534-C do CPC (REsp 1.418.593-MS,
Segunda Seção, DJe 27/5/2014), o seguinte entendimento: "Nos contratos
firmados na vigência da Lei 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5
(cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a
integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e
comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade
do bem móvel objeto de alienação fiduciária". Ocorre que, em 14/11/2014,
entrou em vigor a Lei 13.043/2014, que incluiu o § 15º do art. 3º do Decreto-Lei
911/1969, segundo o qual as "disposições deste artigo aplicam-se no caso
de reintegração de posse de veículos referente às operações de arrendamento
mercantil previstas na Lei 6.099, de 12 de setembro de 1974". Dessa forma,
estabeleceu-se, a partir de então, a aplicação das demais disposições do art.
3º do Decreto-Lei 911/1969 (direcionadas à alienação fiduciária) à reintegração
de posse de veículos objeto de arrendamento mercantil. Nessa conjuntura, a
Terceira Turma do STJ (REsp 1.507.239-SP, DJe 11/3/2015) estabeleceu ser
aplicável ao contrato de arrendamento mercantil de bem móvel o mesmo
entendimento fixado, para fins do art. 534-C do CPC, no referido REsp
1.418.593-MS. Todavia, deve-se ressaltar que, na forma do disposto nos arts.
1º, caput, 2º, caput e § 2º, da LINDB, a alteração
promovida pela Lei 13.043/2014 - que coibiu a purgação da mora no contrato de
arredamento mercantil de veículo automotor - somente passou a incidir a partir
de 14/11/2014, data de sua publicação. Portanto, até a data da inclusão do
aludido § 15º, a norma que disciplinava a purgação da mora no contrato de
arrendamento mercantil de veículo automotor era a do art. 401, I, do CC/2002. REsp
1.381.832-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015,
DJe 24/11/2015.
DIREITO CIVIL. APLICAÇÃO DE MULTAS
SANCIONATÓRIA E MORATÓRIA POR INADIMPLÊNCIA CONDOMINIAL CONTUMAZ. No caso de
descumprimento reiterado do dever de contribuir para as despesas do condomínio
(inciso I do art. 1.336 do CC), pode ser aplicada a multa sancionatória em
razão de comportamento "antissocial" ou "nocivo" (art.
1.337 do CC), além da aplicação da multa moratória (§ 1º do art. 1.336 do CC). De acordo com o
art. 1.336, caput, I e § 1°, do CC, o condômino que não cumpra com
o dever de contribuir para as despesas do condomínio, adimplindo sua cota-parte
dentro do prazo estipulado para o vencimento, ficará obrigado a pagar juros
moratórios convencionados ou, caso não ajustados, de 1% ao mês e multa de até
2% sobre o débito. Já o art. 1.337 do CC cria a figura do "condômino
nocivo" ou "condômino antissocial", utilizando-se de cláusula
aberta em relação àquele que não cumpra reiteradamente com os seus deveres com
o condomínio. Nessa medida, o caput do art. 1.337 do CC inovou
ao permitir a aplicação de "multa" de até o quíntuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, em face do condômino ou
possuidor que não cumpra reiteradamente com os seus deveres com o condomínio,
independente das perdas e danos que eventualmente venham a ser apurados.
Frise-se que o "condômino nocivo" ou "antissocial" não é
somente aquele que pratica atividades ilícitas, utiliza o imóvel para
atividades de prostituição, promove a comercialização de drogas proibidas ou
desrespeita constantemente o dever de silêncio, mas também aquele que deixa de
contribuir de forma reiterada com o pagamento das despesas condominiais. A par
disso, em leitura detida docaput do art. 1.337 do CC, conclui-se
que o CC previu a hipótese genérica para aquele "que não cumpre
reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio", sem fazer
qualquer restrição ou óbice legal que impeça a aplicação ao devedor contumaz de
débitos condominiais. Ademais, observa-se que a multa prevista no § 1º do art.
1.336 do CC tem natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária
regulada pelo art. 1.337 do CC tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o
caso, o condomínio pode exigir, inclusive, a apuração das perdas e danos. De
mais a mais, tal posicionamento intensifica a prevalência da
"solidariedade condominial", a fim de que seja permitida a
continuidade e manutenção do próprio condomínio e impedir a ruptura da sua
estabilidade econômico-financeira, o que provoca dano considerável aos demais
comunheiros. Por fim, a atitude do condômino que reiteradamente deixa de
contribuir com o pagamento das despesas condominiais viola os mais comezinhos deveres
anexos da boa-fé objetiva, principalmente na vertente da cooperação e lealdade,
devendo ser rechaçada veementemente atitudes tais que colocam em risco a
continuidade da propriedade condominial. REsp
1.247.020-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2015,
DJe 11/11/2015.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
DISCUSSÃO DE CULPA NO DIREITO SUCESSÓRIO E ÔNUS DA PROVA. Ocorrendo a morte de
um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente
relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente
pela ruptura da vida em comum, cabendo a ele o ônus de comprovar que a
convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa. A despeito das
críticas doutrinárias a respeito do art. 1.830 do CC/2002, no que se refere
principalmente à possibilidade de discussão de culpa como requisito para se
determinar a exclusão ou não do cônjuge sobrevivente da ordem de vocação
hereditária, cumpre definir o sentido e o alcance do texto expresso da lei.
Posto isso, observa-se que as regras trazidas pelo CC/2002, na linha de
evolução do direito brasileiro, visam elevar a proteção conferida ao cônjuge
sobrevivente. Registre-se, desse modo, que o tratamento conferido ao cônjuge
pelo CC/1916 considerava a circunstância de que a maioria dos matrimônios
seguia o regime legal da comunhão universal. Assim, em caso de falecimento de
um dos cônjuges, o outro não ficava desamparado, já que a metade dos bens lhe
pertencia, porque lhe era conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio
do casal. A partir de 1977, com a edição da Lei 6.515 (Lei do Divórcio), o
regime legal passou a ser o da comunhão parcial de bens, de modo que o cônjuge
supérstite não necessariamente ficaria amparado, em caso de morte de seu
consorte, já que a meação incidia apenas sobre os bens adquiridos onerosamente
na constância do casamento. Neste contexto, a doutrina esclarece que a exclusão
do direito sucessório do cônjuge sobrevivente com a simples separação de fato,
independente de lapso temporal ou arguição de culpa, não exprime "o valor
da justiça nos casos de abandono de lar por um dos cônjuges, ou de decretação
de separação de fato pelo Poder Judiciário dos consortes em virtude de
tentativa de morte ou injúria grave, de casais unidos, por exemplo, há mais de
vinte anos, e que estão separados de fato há mais de dois anos". Nesse
sentido, a doutrina continua: "seria absurdo defender que uma mulher que
conviveu por anos com seu esposo e contribuiu para a dilatação do patrimônio do
casal, em sendo abandonada por seu marido não tivesse direito à herança do
falecido, por ser legalmente apartada da sucessão". Portanto, não há se
falar em ilegalidade ou impertinência da discussão da culpa no vigente direito
sucessório. Por fim, cabe ao cônjuge sobrevivente o ônus de comprovar que a
convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa, a fim de lhe
reconhecer o direito sucessório na sucessão de seu consorte. Isso porque,
conforme se verifica da ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do
CC/2002, o cônjuge separado de fato é exceção à ordem de vocação. Ademais, ao
alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, a intenção do
CC/2002 é proteger as relações unidas por laços de afetividade, solidariedade e
convivência para as quais a proximidade e integração de seus membros são mais
relevantes que os laços mais distantes de parentesco. REsp
1.513.252-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/11/2015,
DJe 12/11/2015.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO E PROTEÇÃO POSSESSÓRIA
REQUERIDA POR VENDEDOR. Ainda que sem prévia ou concomitante rescisão do
contrato de compra e venda com reserva de domínio, o vendedor pode, ante o inadimplemento
do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o bem móvel objeto da
avença. A cláusula de reserva de domínio ou pactum
reservati dominii é uma disposição
inserida nos contratos de compra e venda que permite ao vendedor conservar para
si a propriedade e a posse indireta da coisa alienada até o pagamento integral
do preço pelo comprador, o qual terá apenas a posse direta do bem, enquanto não
solvida a obrigação. Neste contexto, segundo doutrina, "o domínio não se
transmite com o contrato e entrega da coisa, mas automaticamente com o pleno
pagamento". Desde que formulado o pacto com reserva de domínio, o
comprador tem conhecimento que recebe a mera posse direta do bem e o vendedor,
por pressuposto, sabe que a sua propriedade é resolúvel, uma vez que o primeiro
poderá adquirir a propriedade do bem com o pagamento integral do preço, sendo
franqueado à parte vendedora/credora optar pelo procedimento que melhor lhe
convier a fim de ressarcir-se dos prejuízos havidos com o ajuste inadimplido.
Saliente-se que nem a lei nem a doutrina impõem, textual ou implicitamente, a
necessidade de ajuizamento preliminar de demanda rescisória do contrato de
compra e venda com reserva de domínio, para a obtenção da retomada do bem. Isso
porque não se trata, aqui, da análise do ius possessionis (direito de posse decorrente do simples fato da
posse), mas sim doius possidendi,
ou seja, do direito à posse decorrente do inadimplemento contratual, onde a
discussão acerca da titularidade da coisa é inviabilizada, haja vista se tratar
de contrato de compra e venda com reserva de domínio onde a transferência da
propriedade só se perfectibiliza com o pagamento integral do preço, o que não
ocorreu em razão da inadimplência do devedor. A fim de melhor elucidar a
questão, o ius possessionis é o direito de posse, ou seja, é o poder sobre a coisa e a possibilidade
de sua defesa por intermédio dos interditos (interdito proibitório, de manutenção
da posse ou de reintegração de posse). Trata-se de conceito que se relaciona
diretamente com a posse direta e indireta. Já o ius possidendi é o direito à posse, decorrente do direito de
propriedade, ou seja, é o próprio domínio. Em outras palavras, é o direito
conferido ao titular de possuir o que é seu, independentemente de prévio
ajuizamento de demanda objetivando rescindir o contrato de compra e venda, uma
vez que, nos ajustes cravados com cláusula de reserva de domínio, a propriedade
do bem, até o pagamento integral do preço, pertence ao vendedor, ou seja, não
se consolida a transferência da propriedade ao comprador. Destaque-se que não
se trata das hipóteses em que o STJ assevera que o deferimento da proteção
possessória está condicionado à prévia conclusão do contrato (AgRg no REsp
1.337.902-BA, Quarta Turma, DJe 14/3/2013; e AgRg no REsp 1.292.370-MS,
Terceira Turma, DJe 20/11/2012). Isso porque, nas ações em que se discute o ius
possessionis, ainda que fundada em contrato
de compra e venda inadimplido, no qual não consta cláusula de reserva de
domínio, a propriedade já se transfere de plano, razão pela qual, por não comportar a tutela
possessória dilação processual necessária à discussão da ocorrência, ou não, do
inadimplemento contratual, essa não pode ser requerida sem que seja
oportunizado ao comprador/devedor questionar o descumprimento da obrigação, em
face da abusividade das cláusulas contratuais ou purgar a mora quando se
verificar a ocorrência de pagamento substancial do preço. Desta feita, a
discussão do contrato e, por conseguinte, a sua rescisão deve se dar em momento
anterior ao ajuizamento da ação possessória ou, ao menos de forma concomitante,
em cumulação de ações, sendo o pleito possessório pedido subsidiário em relação
à pretensão rescisória do contrato, pelo inadimplemento obrigacional, uma vez
que somente após a resolução contratual é que poderá haver posse injusta a
aclamar a retomada do bem. REsp
1.056.837-RN, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 3/11/2015, DJe
10/11/2015.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE
ALIMENTOS E IMPOSSIBILIDADE DE EFETUAR O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. Em execução
de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC, o acolhimento da justificativa da
impossibilidade de efetuar o pagamento das prestações alimentícias executadas
desautoriza a decretação da prisão do devedor, mas não acarreta a extinção da
execução. De fato, por força do art. 733 do CPC, institui-se
meio executório com a possibilidade de restrição da liberdade individual do
devedor de alimentos, de caráter excepcional, nos seguintes termos: "Art.
733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais,
o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento,
provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º Se o
devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de
1 (um) a 3 (três) meses". Recorrendo à justificativa, o devedor terá o
direito de comprovar a sua situação de penúria, devendo o magistrado conferir
oportunidade para seu desiderato, sob pena de cerceamento de defesa. Não se
pode olvidar que a justificativa deverá ser baseada em fato novo, isto é, que
não tenha sido levado em consideração pelo juízo do processo de conhecimento no
momento da definição do débito alimentar. Outrossim, a impossibilidade do
devedor deve ser apenas temporária. Uma vez reconhecida, irá subtrair o risco
momentâneo da prisão civil, não havendo falar, contudo, em exoneração da
obrigação alimentícia ou redução do encargo, que só poderão ser analisados em
ação própria. Assim, a justificativa afasta temporariamente a prisão, não
impedindo, porém, que a execução prossiga em sua forma tradicional
(patrimonial), com penhora e expropriação de bens, ou ainda, que fique suspensa
até que o executado se restabeleça em situação condizente com a viabilização do
processo executivo, conciliando as circunstâncias de imprescindibilidade de
subsistência do alimentando com a escassez superveniente de seu prestador,
preservando a dignidade humana de ambos. De fato, a justificativa não pode
afrontar o título executivo nem a coisa julgada, sendo apenas um meio de
afastar ocasionalmente a coerção pessoal do devedor por circunstâncias pessoais
e atuais que demonstrem a escusabilidade no seu dever relacionado à obrigação
de alimentos, representando verdadeira inexigibilidade de conduta diversa do
alimentante. Não haverá, contudo, de se reconhecer, nesse âmbito, a exoneração
ou a revisão dos alimentos devidos, que deverão ser objeto de ação própria,
pois, como visto, a execução não se extingue, persistindo o crédito, podendo o
credor, por outros meios, buscar a satisfação da quantia devida. Precedente
citado do STJ: HC 285.502-SC, Quarta Turma, DJe 25/3/2014. Precedente citado do
STF: HC 106.709-RS, Segunda Turma, DJe 15/9/2011. REsp
1.185.040-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/10/2015,
DJe 9/11/2015.
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