Fonte: Site Consultor Jurídico.
Por Fernando Porfírio.
O Judiciário de São Paulo abriu caminho para dar conta do acervo de 18,6 milhões processos. O Órgão Especial aprovou, por votação unânime, a primeira leva de súmulas que passa a nortear seus julgamentos e constituir a jurisprudência cível predominante na maior corte de Justiça do país. Ainda cauteloso, o colegiado criou seis Súmulas envolvendo temas de Direito Imobiliário e de Família. Diante da morosidade, o tribunal resolveu se render à inovação.
A redação final será conhecida quando o presidente do TJ paulista, desembargador Viana Santos, numerar e publicar as novas regras no Diário da Justiça Eletrônico (DJE). A súmula é um registro da interpretação pacífica ou majoritária adotada pelo tribunal a respeito de determinada matéria jurídica. Ela tem duas finalidades: tornar pública a jurisprudência da corte e promover a uniformidade das decisões.
A criação de súmulas está prevista no artigo 188 do novo Regimento Interno do Tribunal de Justiça paulista. A ferramenta serve de orientação para magistrados, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Procuradoria do Estado e do Município e de advogados.
A iniciativa de padronizar decisões deve impedir que vá a julgamento processos onde não há divergência entre os desembargadores. A medida deve varrer, de uma penada, milhares de processos parados. A súmula é uma solução simples e saneadora capaz de acelerar soluções e aumentar a segurança jurídica no maior tribunal do país.
A iniciativa partiu da Seção de Direito Privado 1 (constituída pelas dez primeiras câmaras). De acordo com a Corregedoria-Geral da Justiça, o acervo na primeira instância da Justiça paulista é de 18,1 milhões de processos. Na segunda instância, o número de recursos ultrapassa os 500 mil feitos. Na Seção de Direito Privado, o último levantamento, de maio, apontou um acervo de 337.650 recursos aguardando julgamento.
Novo paradigma
A importância da nova ferramenta pode ser medida com um exemplo: no ano passado, as ações envolvendo cobranças de diferenças de correção monetária em cadernetas de poupança (expurgos de planos econômicos) no TJ paulista somaram 44.410 recursos. A distribuição desses recursos está suspensa pela Portaria 7793/10, da presidência da Seção de Direito Privado.
A portaria seguiu medida do ministro Sidnei Beneti, do STJ, que aplicou a Lei de Recursos Repetitivos num caso vindo da Justiça gaúcha. A Lei dos Recursos Repetitivos permite que a corte superior escolha um processo entre os milhares que tramitam cujo resultado servirá de orientação para as decisões em casos idênticos que correm em todo o Judiciário. A decisão de Beneti ampliou para todo o país a suspensão na tramitação das ações individuais até que o STJ decida sobre o mérito dessas ações.
De acordo com levantamento, em todo o país o número de ações individuais suspensas pelo STJ — que discutem a reposição de perdas causadas a poupadores pelos planos Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2 — seria de aproximadamente 694 mil. A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) aponta em outra pesquisa que outras 721 ações coletivas discutem a mesma matéria.
O desembargador Maia da Cunha, presidente da Seção de Direito Privado, acredita que o impacto da edição de súmulas pelo TJ paulista poderá ser medido a partir do final do segundo semestre. Segundo ele, esse é o período necessário para que relatores possam acelerar os julgamentos das matérias sumuladas, bem como que Seção possa se estruturar para auxiliar na preparação de votos envolvendo essas matérias.
“Não é uma medida com resultado de curto prazo, mas de médio e longo prazo”, afirma Maia da Cunha. Para o presidente da Seção de Direito Privado, o novo modelo tem um grande desafio pela frente e o resultado dependerá da divulgação, da adoção pelos juízes de primeiro grau e da conscientização por parte dos magistrados de que temas sumulados dispensam fundamentação que vá além daquela necessária a mostrar que a controvérsia é resolvida pela súmula.
“O tempo dirá sobre o impacto das súmulas na redução dos recursos e do acervo da Seção, mas a experiência de outros Tribunais e dos Tribunais Superiores é extremamente positiva nessa direção”, diz Maia da Cunha. “No caso de os juízes adotarem as súmulas, o tribunal poderá negar seguimento monocraticamente aos recursos que se voltem apenas contra a matéria sumulada, não sendo despropositado pensar que o recurso interposto contra matéria sumulada revele litigância de má-fé”, completa.
Inovação na Justiça
Esta é a primeira vez em sua história de mais de um século que Tribunal de Justiça paulista aprova súmulas. A ferramenta era usada pelos dois Tribunais de Alçada Civil (1º e 2º TAC, extintos por força da Emenda Constitucional nº 45/04 que criou a chamada Reforma do Judiciário).
As matérias sumuladas é resultado de Enunciados (conclusões) da 3ª Câmara de Direito Privado, primeiro colegiado a registrar o entendimento pacificado na 1ª Subseção de Direito Privado. Em abril de 2009, a câmara aprovou 14 Enunciados, tratando de temas como contratos de compra de venda de imóveis, obrigação de alimentos, cobrança de benfeitorias e registros públicos.
Em abril deste ano, o presidente Viana Santos instalou a primeira Turma Especial de Direito Privado 1 para estudar a jurisprudência e apresentar uma proposta de criação de súmulas. Um mês depois, o colegiado presidido pelo desembargador Boris Kauffmann aprovou o documento.
O Tribunal de Justiça também instalou as Turmas Especiais de Privado 2 e 3. A primeira é presidida pelo desembargador Maurício Ferreira Leite e a segunda pelo desembargador Norival Oliva. A aprovação de novos temas sumulados está prevista para o segundo semestre.
A Seção de Direito Privado é como se fosse uma corte dentro do Tribunal de Justiça paulista. Corresponde a mais da metade, tanto em número de desembargadores como no total de processos que aguardam decisão. São 38 câmaras, 190 desembargadores e 38 juízes substitutos de segundo grau.
Seu tamanho e importância se expressam também na divisão administrativa. São três subseções, que preservam a competência recursal do antigo Tribunal de Justiça e dos extintos dois Tribunas de Alçada Civil. Dentro da seção ainda funciona a Câmara Reservada de Falência e Recuperação Judicial.
Leia as primeiras súmulas do TJ-SP:
1. O compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.
2. A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição.
3. Reconhecido que o compromissário comprador tem direito à devolução das parcelas pagas por conta do preço, as partes deverão ser repostas ao estado anterior, independentemente de reconvenção.
4. É cabível liminar em ação de imissão de posse, mesmo em se tratando de imóvel objeto de arrematação com base no decreto-lei n. 70/66.
5. Na ação de imissão de posse de imóvel arrematado pelo credor hipotecário e novamente alienado (art. 1.228 do código civil), não cabe, por ser matéria estranha ao autor, a discussão sobre a execução extrajudicial e a relação contratual antes existente entre o primitivo adquirente e o credor hipotecário.
6. Os alimentos são sempre devidos a partir da citação, mesmo que fixados em ação revisional, quer majorados ou reduzidos, respeitado o princìpio da irrepetibilidade.
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