UMA IDEOLOGIA PARA O STJ
Mais uma Súmula favorável aos bancos
Gerivaldo Alves Neiva*
http://gerivaldoneiva.blogspot.com/
Mais uma Súmula favorável aos bancos
Gerivaldo Alves Neiva*
http://gerivaldoneiva.blogspot.com/
O STJ editou mais uma Súmula (382) relacionada aos contratos bancários. É a terceira em menos de um mês. Desta feita, entendeu os ministros do STJ que “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.
Há poucos dias, (05.05.2009), através da Súmula 380, o STJ manifestou entendimento de que “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.” No mesmo dia, anunciou o STJ, através da Súmula 381, que “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
Critiquei com veemência as duas primeiras Súmulas com base na principiologia consumerista e civilista, defendendo posicionamento jurídico diferente, inclusive citando outros julgados do próprio STJ. Depois dessa última Súmula, porém, não vejo que tenha mais importância a crítica com base em princípios jurídicos. Não adianta mais. O caso do STJ é de outra ordem. É opção ideológica mesmo!
Como se diz aqui no sertão: “além da queda, o coice”. Ora, já foi dito pelo STJ que ao julgador é vedado o conhecimento de ofício das cláusulas abusivas nos contratos bancários (será que pode em outros contratos?). Sendo assim, quer dizer logo o STJ, antes que algum julgador se arvore a fazer diferente, que estipular juros em taxas estratosféricas, por si só, não constitui abusividade. Com a benção do STJ, portanto, a usura está ressuscitada! Viva o STJ!
O “sétimo ai!” do profeta Isaías contra os grandes de Judá nunca foi tão atual: “Ai dos que promulgam decretos iníquos e, quando redigem, codificam a miséria; afastam do tribunal os indefesos, privam dos seus direitos os pobres do meu povo, fazem das viúvas a sua presa e despojam os órfãos.” Is 10, 1-2.
Sobre o enriquecimento através dos juros exorbitantes, de outro lado, nem é preciso citar Marx, pois Aristóteles, mais de três séculos antes de Cristo, já manifestava indignação com relação à usura: “o que há de mais odioso, sobretudo, do que o tráfico de dinheiro, que consiste em dar para ter mais e com isso desvia a moeda de sua destinação primitiva? Ela foi inventada para facilitar as trocas; a usura, pelo contrário, faz com que o dinheiro sirva para aumentar-se a si mesmo...”1
Há poucos dias, (05.05.2009), através da Súmula 380, o STJ manifestou entendimento de que “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.” No mesmo dia, anunciou o STJ, através da Súmula 381, que “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
Critiquei com veemência as duas primeiras Súmulas com base na principiologia consumerista e civilista, defendendo posicionamento jurídico diferente, inclusive citando outros julgados do próprio STJ. Depois dessa última Súmula, porém, não vejo que tenha mais importância a crítica com base em princípios jurídicos. Não adianta mais. O caso do STJ é de outra ordem. É opção ideológica mesmo!
Como se diz aqui no sertão: “além da queda, o coice”. Ora, já foi dito pelo STJ que ao julgador é vedado o conhecimento de ofício das cláusulas abusivas nos contratos bancários (será que pode em outros contratos?). Sendo assim, quer dizer logo o STJ, antes que algum julgador se arvore a fazer diferente, que estipular juros em taxas estratosféricas, por si só, não constitui abusividade. Com a benção do STJ, portanto, a usura está ressuscitada! Viva o STJ!
O “sétimo ai!” do profeta Isaías contra os grandes de Judá nunca foi tão atual: “Ai dos que promulgam decretos iníquos e, quando redigem, codificam a miséria; afastam do tribunal os indefesos, privam dos seus direitos os pobres do meu povo, fazem das viúvas a sua presa e despojam os órfãos.” Is 10, 1-2.
Sobre o enriquecimento através dos juros exorbitantes, de outro lado, nem é preciso citar Marx, pois Aristóteles, mais de três séculos antes de Cristo, já manifestava indignação com relação à usura: “o que há de mais odioso, sobretudo, do que o tráfico de dinheiro, que consiste em dar para ter mais e com isso desvia a moeda de sua destinação primitiva? Ela foi inventada para facilitar as trocas; a usura, pelo contrário, faz com que o dinheiro sirva para aumentar-se a si mesmo...”1
Qual a justificativa, portanto, para as recentes Súmulas do STJ relacionadas aos contratos bancários e à fixação das taxas de juros? Como imaginar taxas acima de 12% ao ano quando a própria taxa Selic, em queda contínua, está fixada pelo Comitê de Política Monetária em “10,25 % a.a., sem viés, por unanimidade”, conforme consta da Ata da última reunião do Copom?
Não tenho dúvida, por fim, de que há um elemento fortemente ideológico nas motivações do STJ. Com efeito, segundo o Des. Rui Portanova, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, “todo homem, e assim também o juiz, é levado a dar significado e alcance universal e até transcendente àquela ordem de valores imprimida em sua consciência individual. Depois, vê tais valores nas regras jurídicas. Contudo, estas não são postas só por si. É a motivação ideológica da sentença. Pelo menos três ideologias resistem ao tempo e influenciam mais ou menos o juiz: o capitalismo, o machismo e o racismo.”2 Observa ainda o Des. Rui Portanova que “o juiz que não tem valores e diz que seu julgamento é neutro, na verdade está assumindo valores de conservação. O juiz sempre tem valores. Toda sentença é marcada por valores. O juiz tem que ter a sinceridade de reconhecer a impossibilidade de sentença neutra.”3
No mesmo sentido, outro grande magistrado brasileiro, João Batista Herkenhoff, constata que é inevitável a aplicação axiológica do Direito pelo Juiz, pois “queira ou não queira, consciente ou inconscientemente, está, a todo instante, trabalhando com uma tabela axiológica, filosofando.” 4
Em consequência, segundo outro grande magistrado brasileiro, Lédio Rosa de Andrade, os julgadores se acham“neutros, aplicadores não só do direito, mas também da justiça. Sequer cogita, a maioria, e a minoria não admite, a possibilidade de serem legitimadores, os julgadores, do poder instituído, de estarem agindo, segundo os interesses de uma pequena classe privilegiada.” 5
Não tenho dúvida, por fim, de que há um elemento fortemente ideológico nas motivações do STJ. Com efeito, segundo o Des. Rui Portanova, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, “todo homem, e assim também o juiz, é levado a dar significado e alcance universal e até transcendente àquela ordem de valores imprimida em sua consciência individual. Depois, vê tais valores nas regras jurídicas. Contudo, estas não são postas só por si. É a motivação ideológica da sentença. Pelo menos três ideologias resistem ao tempo e influenciam mais ou menos o juiz: o capitalismo, o machismo e o racismo.”2 Observa ainda o Des. Rui Portanova que “o juiz que não tem valores e diz que seu julgamento é neutro, na verdade está assumindo valores de conservação. O juiz sempre tem valores. Toda sentença é marcada por valores. O juiz tem que ter a sinceridade de reconhecer a impossibilidade de sentença neutra.”3
No mesmo sentido, outro grande magistrado brasileiro, João Batista Herkenhoff, constata que é inevitável a aplicação axiológica do Direito pelo Juiz, pois “queira ou não queira, consciente ou inconscientemente, está, a todo instante, trabalhando com uma tabela axiológica, filosofando.” 4
Em consequência, segundo outro grande magistrado brasileiro, Lédio Rosa de Andrade, os julgadores se acham“neutros, aplicadores não só do direito, mas também da justiça. Sequer cogita, a maioria, e a minoria não admite, a possibilidade de serem legitimadores, os julgadores, do poder instituído, de estarem agindo, segundo os interesses de uma pequena classe privilegiada.” 5
O que se quer dizer, por fim, é que o conteúdo das referidas Súmulas, mais do que ilegais ou contrárias aos princípios gerais do Direito, apenas refletem, quer eles queiram ou não, a ideologia dos ministros do STJ. Portanto, não se trata de má-fé ou desconhecimento do Direito, mas uma opção ideológica que confirma, na prática, a suposição do Des. Rui Portanova: “a lei nem sempre revela o Direito. Pelo contrário, muitas vezes consagra privilégios.”6
Em minha opinião, as Súmulas do STJ também, pois segundo outro grande magistrado brasileiro, Amilton Bueno de Carvalho, “quem é cego ou neutro na disputa entre opressor e oprimido é aliado daquele.”7
Em minha opinião, as Súmulas do STJ também, pois segundo outro grande magistrado brasileiro, Amilton Bueno de Carvalho, “quem é cego ou neutro na disputa entre opressor e oprimido é aliado daquele.”7
Conceição do Coité, 30 de maio de 2009.
* Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba.
* Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba.
1 ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 24.
2 PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000, p.16.
3 Op. cit. p. 74.
4 HERKENHOFF, João Batista. Como aplicar o Direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 93.
5 ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 47.
6 Op. cit. p. 68.
2 PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000, p.16.
3 Op. cit. p. 74.
4 HERKENHOFF, João Batista. Como aplicar o Direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 93.
5 ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 47.
6 Op. cit. p. 68.
7 CARVALHO, Amilton Bueno. Magistratura e direito alternativo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1992, p. 26.
6 comentários:
Prezado Prof. Tartuce: fiz um comentário no blog do Dr. Gerivaldo e vou reproduzi-lo algum (com algumas breves correções). Ele foi feito com o objetivo de discordar da idéia expressa no post do Dr. Gerivaldo e combater esta idéia de que os bancos são os grandes vilões da nação. Obrigado.
“Prezado Dr. Gerivaldo: como sempre, um belo post neste excelente blog. Mas, muito cá entre nós e com todo o respeito, a opinião do senhor sobre os juros também não é ideológica? As justificativas apresentadas pelo senhor - citando trechos religiosos e até Aristóteles - também não são ideológicas? Olha, parece-me que sim. E não se pode macular o STJ de ideológico com argumentos igualmente ideológicos; o senhor estaria sendo contraditório consigo mesmo (uma contradição performativa, aliás, muito comum em argumentações jurídicas). Não entenda, por favor, este meu comentário como um desrespeito ao senhor. Muito pelo contrário. Eu só tenho algumas objeções contra a idéia expressa no post. Os comentários aqui deixados revelam, também, que as instituições financeiras foram eleitas as grandes vilãs da nação. Acho tudo isto um grande equívoco. Respeito as opiniões de vocês todos, mas as acho equivocadas. Com todo o respeito, acho que os juízes (e operadores de direito de um modo geral) não são as pessoas mais habilitadas para ponderar se os juros são altos ou baixos. Com qual base jurídica temos condições de dizer se um juro é alto, baixo ou está bom? Creio que nenhuma. Este é um assunto, digamos, metajurídico. Além disso, os juros, que é nada mais nada menos que um preço, têm de ser livres para serem cobrados no montante que for extraído do encontro de forças entre a oferta e a demanda. Só isso já basta; já é o bastante para nós esquecermos esta conversa de juros abusivos (tradição, aliás, de países de origem católica como a nossa). Excomungar os juros não nos leva, com todo respeito, a lugar algum. É bem melhor e mais sensato concentrarmos forças na busca por um sistema bancário mais competitivo, com mais bancos, com mais competição entre eles. Olha, estipular juros por lei (o que, aí sim, obrigaria o mundo jurídico a entender a norma) é ruim. É péssimo: é como tabelar preços (experiência que já tivemos tempos atrás e não foi muito agradável, digamos assim). Mais importante que saber se os juros são abusivos ou não é garantir que os mecanismos de oferta de crédito sejam os mais amplos possíveis e que as instituições financeiras estejam em situação de extrema competição (mas num “pega pra capar” mesmo!) na busca por tomadores de crédito. Acho que é isto. Perdoe-me por qualquer consideração que o senhor achar ofensiva. Forte abraço!”
Que me perdoe o nobre colega Leandro Aragão, mas a alegação de que os operadores de direito não são as pessoas mais habilitadas para ponderar se os juros são altos ou não, merece ser desconsiderada. Isto porque, qualquer pessoa que acompanha, seja por jornal, internet ou TV, a quebra recorde de lucros das instituições bancárias, em toda a história, tem plena capacidade de entender abusivos os juros bancários cobrados no Brasil. Se ainda assim faltar convencimento, basta analisar a cobrança de juros nos países denominados de primeiro mundo, onde não ultrapassam os 6% ao ano. É claro que irão dizer que o Brasil não comporta ínfima taxa, mas certamente hão de convir que 150% ao ano (cheque especial) foge à lógica. Não é preciso ter nenhum conhecimento específico ou técnico para visualizar a abusividade neste exemplo, que salta aos olhos. Por tais motivos, discordo das argumentações tecidas pelo Sr. Leandro Aragão e, homenageio a coragem do Prof. Tartuce, por externar os anseios da população brasileira. Abraços
Caros colegas, diante da discussão sobre a aplicação ou não, de juros acima de 12% a.a, por intituições financeiras, peço permissão para aqui postar um comentário.
Por certo as intituições financeiras visam lucro, o que até é compreensível, desde que com razoabilidade.
Agora, lucros exorbitantes, com consequente desequilíbrio, bem como enriquecimento sem causa por parte destas instituições, com certeza fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, sem falar na capitalização mensal destes.
Assim, como dizia Thomas Hobbes - Leviatã - "O homem é o lobo do homem."
Abraço
Concordo plenamente com o Prof. Tartuce. Ademais quando os bancos pagam juros ou rendimentos aos aplicadores, o fazem em taxas ínfimas, e inferiores a 1% ao mes, e ainda estes aplicadores são taxados com até 20% de IR sobre os rendimentos. Não fosse só os juros estratosféricos cobrados pelos bancos,cobram ainda uma incompreensível diversidade de tarifas que só oneram o correntista, constituindo em uma carga adicional gastos. Só faltam cobrar ingresso para adentramos às agências.Que me desculpe Leandro Aragão, mas, os operadores de direito têm sim, condição de entender quando uma taxa de juros é abusiva. E não só esse segmento, mas qualquer outro com instrução equiparada.
Prezados,
A comparação das taxas praticadas num contrato, com as taxas médias de operações similares (obtidas no SISBACEN), continua vigente.
No caso dos cartões (12% a.m.) a comparação é com as operações de crédito à pessoa física (4,5% a.m.).
Se o advogado postular pela inconstitucionalidade da MP 2170-36(ADIN em julgamento) ele conseguirá a exclusão da capitalizaçao mensal ou diária, em prol da capitalização anual. Caso contrário, ja decidiu o STJ, após 30/03/2000 os juros podem ser capitalizados em períodos inferiores ao anual.
O problema reside em discriminar a parcela incontroversa (total emprestado - total pago) dos acessórios (total de juros e encargos), cuja soma algébrica resulta no valor da dívida:
Dívida = Incontroverso + Acessórios
Infelizmente poucos já devolveram nominalmente o que tomaram do Banco, cujo risco de calote eleva as taxas de juros. É difícil aos bancos terem de volta o principal quando o tomador não quer pagar. Entretanto, de forma genial os banqueiros encontraram uma solução: Jogam as taxas nas alturas, na cobrança dos encargos pela inadimplência, inchando o prejuízo que depois é deduzido do imposto de renda a pagar.
Poucos postulam uma ação de revisão de contrato bancário fazendo o depósito da parcela incontroversa. Aliás nem mesmo os próprios bancos em suas ações de cobrança, omitindo tal obrigatoriedade postulada no art.5da mencionada MP.
Sou peito judicial especializado em finanças corporativas e bancárias. São mais de 200 laudos onde tais aspectos ficaram bem claros nas sentenças proferidas pelos magistrados que atendo.
Antonio Collet
Meu amigo Leandro, depois de me deleitar com uma aula dessas, ler um comentário totalmente vazio de razões foi muito triste para mim.
Muitos outros colegas já se manifestaram contrários a suas ideias e convicções e não vou me aprofundar tanto.
Lembro de meu pai que me dizia quando criança "direito tem quem direito anda" sou Advogado hoje e ainda me pergunto quem anda direito?
Vulgarmente falando, emprestar dinheiro a juros sem qualquer limites, penso ser crime, as pessoas não estão autorizadas a praticar a "agiotagem" mas os bancos sim e se formos por ai, realmente a colônia nunca deixará de ser a essência do nosso país.
Ao nobre professor deixo minha admiração respeito e apoio.
Postar um comentário