RESUMO. INFORMATIVO 779 DO STJ. 20 DE JUNHO DE 2023.
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 1.837.425-PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Ação demarcatória. Usucapião. Termo inicial do prazo. Teoria da actio nata. Viés subjetivo. Afastamento.
DESTAQUE
O termo inicial da prescrição aquisitiva é o do exercício da posse ad usucapionem, não da ciência do titular do imóvel da violação ao seu direito de propriedade, ainda que constatada somente após ação demarcatória, devendo ser afastada a aplicação da teoria da actio nata em seu viés subjetivo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se a teoria da actio nata é aplicável à prescrição aquisitiva, notadamente quando a violação ao direito de propriedade é constatado somente após ação demarcatória.
De acordo com o art. 189 do Código Civil (CC/2002), o prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada a lesão ao direito subjetivo, independentemente do momento em que seu titular tomou conhecimento pleno do ocorrido e da extensão dos danos.
Entretanto, a referida regra é excepcionada quando a própria lei estabeleça o termo inicial da prescrição de forma diversa, como no caso do art. 200 do CC ou quando a própria natureza da relação jurídica torna impossível ao titular do direito adotar comportamento diverso da inércia, haja vista a absoluta falta de conhecimento do dano.
A compreensão conferida à teoria da actio nata sob o viés subjetivo encontra respaldo em boa parte da doutrina nacional e é admitida em julgados do Superior Tribunal de Justiça, justamente por conferir ao dispositivo legal sob comento interpretação convergente à finalidade do instituto da prescrição, isto é, o surgimento da pretensão reparatória dá-se no momento em que o titular do direito violado detém o pleno conhecimento da lesão, termo em que sua pretensão passa a ser efetivamente exercitável.
Entretanto, a perspectiva subjetiva da teoria da actio nata deve ser aplicada com muita prudência, sob pena de se subverter o escopo da teoria e do desígnio da própria prescrição, qual seja, instituir segurança jurídica e estabilidade às relações jurídicas, já que, se aplicada de forma inadvertida, poderá gerar injustiças não desejadas.
Na hipótese em análise, não se vislumbra a excepcionalidade necessária para sua aplicação, pois, não obstante a ação demarcatória tenha demonstrado a existência de demarcação irregular entre os lotes, a violação do direito dos recorrentes era passível de constatação desde o momento em que as cercas foram estabelecidas irregularmente entre os imóveis.
O proprietário do imóvel invadido teria condições de, a todo tempo, constatar a irregularidade e manifestar oposição à manutenção da posse, principalmente por possuir o título de propriedade do bem, mas não cuidou de confirmar a correção da área demarcada dentro do prazo fatal, não podendo se considerar que o pleno conhecimento da lesão e possibilidade de efetivamente exercer sua pretensão se deram apenas com a ação demarcatória.
Especificamente quanto à propriedade e a sua perda, pode-se afirmar que não há sua perda pelo seu desuso ou a prescrição em promover a ação reivindicatória, havendo, na verdade, o surgimento de um direito em favor de um terceiro quando preenchidos os requisitos necessários à usucapião.
Em contraposição aos direitos pessoais, que decorrem das relações humanas mediante o exercício do direito pelo credor contra o devedor, os direitos reais recaem sobre bens corpóreos, mediante o exercício de poderes imediatos e diretos sobre os bens, em caráter permanente e com direito de sequela.
Assim, não se verifica a prescrição dos direitos reais do titular sobre o bem ou o direito de reaver a coisa, independentemente do período de tempo em que ficou afastado da posse ou do simples uso. O que se verifica, na verdade, é a perda do bem diante do surgimento de algum direito em favor de uma terceira pessoa perante o mesmo bem, como é o caso da usucapião.
A usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade, tornando irrelevante quaisquer direitos que terceiros tenham sobre o bem, bastando estar demonstrada a posse contínua, mansa e pacífica durante o prazo legal, com animus domini e sem contestação, independentemente do conhecimento ou não da posse pelo antigo proprietário, não havendo discussão quanto ao elemento subjetivo das partes.
Desse modo, não se está a afirmar que houve a prescrição do direito de ação dos autores para demarcar ou reivindicar bem de sua propriedade, mas, na verdade, é que o decurso de determinado prazo para sua manifestação ou oposição deu ensejo ao surgimento do direito à usucapião dos ora recorridos, pois o reconhecimento do seu direito na ação demarcatória não tem o condão de fazer nascer sua pretensão.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
QUARTA TURMA
Processo
AgInt nos EDcl no REsp 1.491.537-MT, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Contrato de compra e venda de safra. Preço indexado a cotação futura na Bolsa de Mercadorias de Chicago. (CBOT). Determinabilidade do preço. Indicação de data e local de aferimento da cotação. Necessidade.
DESTAQUE
Para atender a determinabilidade do preço, em contrato de compra e venda com eleição de cotação em operação em bolsa de valores, é imprescindível a indicação de data e local de aferimento da cotação.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No caso dos autos, o preço de venda não constou do contrato de compra e venda de safra, que se limitou a apontar que sua fixação teria por base a cotação da Bolsa de Chicago (CBOT).
Tratando-se de título extrajudicial que se pretende executivo, é imprescindível sua liquidez, que se traduz, na lição doutrinária, na simples determinabilidade do valor mediante cálculos aritméticos. Para tanto, o título deve conter todos os critérios objetivos para apuração do valor, a exemplo do marco temporal e espacial, no caso de adoção de cotação em bolsa.
Não havia nos contratos de compra e venda referência precisa quanto à data da cotação em bolsa que seria utilizada para determinação do preço. Nessa trilha, meros cálculos aritméticos não seriam suficientes para a determinação do preço.
Assim, a eleição de cotação em operação em bolsa como critério para fixação do preço não é suficiente para afastar a liquidez do título. Entretanto, para atender a determinabilidade do preço, é imprescindível a indicação de data e local de aferimento da cotação em bolsa. Sem esses critérios, o título não gozará de plena liquidez, não podendo ser satisfeito por meio de execução, mas objeto de ação de cobrança, procedimento que será o adequado para a fixação de todos os critérios essenciais para a determinação do preço da transação.
Processo
REsp 2.029.240-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Tema
Recuperação judicial. Representante de seguros. Prêmios não repassados à seguradora. Não sujeição à recuperação judicial. Lei n. 11.101/2005. Art. 49.
DESTAQUE
Os valores dos prêmios securitários não repassados à empresa seguradora não se sujeitam à recuperação judicial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O presente caso discute a possibilidade de submeter os prêmios de seguro - pagos à representante de seguros e não repassados à seguradora - aos efeitos da recuperação judicial.
Nos termos da Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) n. 431/2021, que disciplina as operações das sociedades seguradoras por meio de seus representantes de seguros, "Os representantes de seguros são responsáveis pelo repasse dos valores de prêmios por eles arrecadados às sociedades seguradoras, nos termos estabelecidos no contrato de representação firmado entre as partes". O mesmo diploma dispõe que "O pagamento do prêmio ao representante de seguros considera-se feito à sociedade seguradora". No mesmo sentido, dispunha o art. 7º, §§ 1ºe 2º, da Resolução CNSP n. 297/2013.
O contrato travado entre a empresa seguradora e o representante de seguros tem natureza peculiar, na medida em que permite que o bem fungível - quantia recolhida do consumidor a título de prêmio de seguro - esteja em posse da representante, até que seu repasse seja realizado.
Em situação análoga, a Segunda Seção desta Corte concluiu que o inadimplemento da obrigação de devolver bens fungíveis, no caso de contrato de depósito regular em armazém, não ensejava a constituição de crédito, para os fins da legislação falimentar. A razão de decidir deste julgado foi o fato de que a propriedade dos bens fungíveis depositados não havia sido transferida para a empresa em recuperação judicial.
Na hipótese da representação securitária, como visto na regulação transcrita acima, a propriedade dos prêmios não é do representante, pois se considera que o pagamento é feito à própria empresa seguradora. Desde o momento da emissão dos bilhetes de seguro e recebimento do prêmio pela representante, em nome da seguradora, o contrato se aperfeiçoa e a seguradora passa a ser responsável pelo risco que lhe é transferido.
Assim, a intermediação não torna a representante proprietária dos valores momentaneamente sob a sua posse, assim como não é responsável pela cobertura do risco. Conclui-se, pois, de forma similar aos produtos agropecuários depositados em armazém, aos créditos consignados e ao dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, que os prêmios de seguro não são de propriedade da empresa recuperanda.
Logo, os valores que deveriam ser repassados à seguradora não estão abrangidos pela recuperação judicial, deles não se podendo servir a recuperanda no giro de seus negócios ou para pagar credores.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Lei n 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência - LRF), art. 49
Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) n. 431/2021, art 14, parágrafo único
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