terça-feira, 8 de novembro de 2022

RESUMO. INFORMATIVO 755 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 755 DO STJ.

Processo

REsp 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/10/2022. (Tema 677)

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Execução. Depósito judicial efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros. Consectários da mora. Efeito liberatório. Não configuração. Revisão de tese. Tema 677/STJ.

DESTAQUE

Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se de proposta de revisão de tese repetitiva acerca dos efeitos do depósito judicial em garantia do Juízo (Tema 677/STJ).

No julgamento do REsp 1.348.640/RS foi firmada a tese repetitiva no sentido de que "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada".

Em que pese tenha constado, na redação final do Tema, a referência expressa à extinção da obrigação do devedor por causa do depósito judicial, observa-se que, àquela ocasião, a Corte Especial não se debruçou, pontualmente, acerca do efeito do depósito sobre a mora do devedor, isto é, sobre a sua liberação quanto ao pagamento dos consectários decorrentes do retardamento no adimplemento da obrigação.

Tanto o é que, em paralelo à tese firmada no recurso representativo da controvérsia, em 21/05/2014, consolidou-se na jurisprudência do STJ o entendimento de que o mero depósito para garantia do juízo, a fim de viabilizar a impugnação do cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, porquanto a satisfação desta somente ocorre quando o valor respectivo ingressa no campo de disponibilidade do credor. Por isso, passou esta Corte a diferenciar o "pagamento" da "garantia do juízo", para o efeito de incidência da multa prevista no então art. 475-J do CPC/1973 (art. 523 do CPC/2015).

A obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios de sua mora, segundo previsto no título executivo, até que ocorra o efetivo pagamento da obrigação ao credor.

No plano de direito material, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempo devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado, nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil. Outrossim, tem-se por caracterizada a mora do devedor até que este a purgue, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/2002).

A purga da mora na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento pontual desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a efetiva entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade.

Embora o Código Civil tenha sido lacunoso a respeito do tema, limitando-se a tratar das obrigações de dar coisa certa ou incerta - com o que não se confunde a obrigação de pagar -, o Código de Processo Civil, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, deixa claro que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos exatos termos do art. 904 do CPC/2015.

Na mesma linha, o art. 906 do CPC, expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores.

Assim, tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada. Se o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor, haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao credor, cujo ato enseja a quitação do débito.

Consequentemente, se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a hipótese de mora, até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores.

Evidentemente, no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor.

Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração ou rendimento pelo uso do capital alheio (são os frutos civis do capital), os juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação.

Há de se destacar que o depósito judicial na execução não se confunde com o depósito na ação de consignação em pagamento, que é ação com procedimento especial cabível nas estritas hipóteses do art. 335 do CC/02, em especial quando há recusa do credor em receber o pagamento ou dar-lhe quitação, sem justa causa (inc. I), ou, ainda, quando pende litígio sobre o objeto do pagamento (inc. V). Este apenas tem o condão de extinguir a obrigação do devedor quando para ele concorrer os mesmos requisitos de validade do pagamento, como tempo, modo, valor e lugar (arts. 336 e 337 do CC/2002), sendo que, de todo modo, a Lei Processual garante ao credor a imediata disponibilidade da quantia, como dispõe o art. 545, § 1º, do CPC/2015.

Assim, não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque não se tratam de pagamento com animus solvendi.

Entendimento em sentido diverso teria o nefasto condão de estimular a perpetuidade da execução, porquanto, uma vez ultrapassado o prazo para o pagamento da dívida - com isenção de multa e honorários advocatícios, no cumprimento de sentença judicial (art. 523 do CPC/2015), ou com o pagamento dos honorários pela metade, na execução de título extrajudicial (art. 827 do CPC) - a menor ou maior duração do processo executivo em nada influenciaria o valor final do débito, se sua atualização (lato sensu) ocorresse apenas mediante o pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária, devidos por força do contrato de depósito mantido com a instituição financeira.

Assim, na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.

Processo

REsp 1.896.526-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/10/2022, DJe 28/10/2022. (Tema 1074)

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos - ITCMD. Arrolamento sumário. Art. 659, caput, e § 2º do CPC/2015. Homologação da partilha ou da adjudicação. Expedição dos títulos translativos de domínio. Recolhimento prévio da exação. Desnecessidade. Pagamento antecipado dos tributos relativos aos bens e às rendas do espólio. Obrigatoriedade. Art. 192 do CTN. Tema 1074.

DESTAQUE

No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O CPC/2015, ao disciplinar o arrolamento sumário, transferiu para a esfera administrativa as questões atinentes ao imposto de transmissão causa mortis - ITCMD, evidenciando que a opção legislativa atual prioriza a agilidade da partilha amigável, ao focar, teleologicamente, na simplificação e na flexibilização dos procedimentos envolvendo o tributo, alinhada com a celeridade e a efetividade, e em harmonia com o princípio constitucional da razoável duração do processo.

O art. 659, § 2º, do CPC/2015, com o escopo de resgatar a essência simplificada do arrolamento sumário, remeteu para fora da partilha amigável as questões relativas ao ITCMD, cometendo à esfera administrativa fiscal o lançamento e a cobrança do tributo.

Tal proceder nada diz com a incidência do imposto, porquanto não se trata de isenção, mas apenas de postergar a apuração e o seu lançamento para depois do encerramento do processo judicial, acautelando-se, todavia, os interesses fazendários - e, por conseguinte, do crédito tributário -, considerando que o Fisco deverá ser devidamente intimado pelo juízo para tais providências, além de lhe assistir o direito de discordar dos valores atribuídos aos bens do espólio pelos herdeiros.

Ademais, os títulos translativos de domínio de bens imóveis obtidos pelas partes somente serão averbados se demonstrado o pagamento do imposto de transmissão, consoante dispõem os arts. 143 e 289 da Lei de Registros Públicos, sujeitando-se os oficiais de registro à responsabilidade tributária em caso de omissão no dever de observar eventuais descumprimentos das obrigações fiscais pertinentes (art. 134, VI, do CTN).

De igual modo, a emissão de novo Certificado de Registro de Veículo - CRV supõe o prévio recolhimento do tributo, conforme determinado pelo art. 124, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro.

Noutro plano, o art. 192 do CTN, por seu turno, não tem o condão de impedir a prolação da sentença homologatória da partilha ou da adjudicação, ou de obstar a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação, quando ausente o recolhimento do ITCMD.

Isso porque tal dispositivo traz regramento específico quanto à exigência de pagamento de tributos concernentes aos bens do espólio e às suas rendas, vale dizer, disciplina hipóteses de incidência cujas materialidades são claramente distintas da transmissão causa mortis, evidenciando, desse modo, a ausência de incompatibilidade com o art. 659, § 2º, do CPC/2015.

Desse modo, a homologação da partilha ou da adjudicação, no arrolamento sumário, prende-se à liquidação antecipada dos tributos que incidem especificamente sobre os bens e as rendas do espólio, sendo incabível, contudo, qualquer discussão quanto ao ITCMD, que deverá ocorrer na esfera administrativa, exclusivamente.

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

REsp 1.891.498-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado 26/10/2022. (Tema 1095).

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Compra e venda de imóvel. Alienação fiduciária em garantia. Registro em cartório. Inadimplemento do devedor. Resolução do contrato. Lei n. 9.514/1997. Incidência. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Tema 1095.

DESTAQUE

Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei n. 9.514/1997, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O debate circunscreve-se à prevalência, ou não, da regra do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor em detrimento das disposições legais contidas nos artigos 26 e 27 da Lei n. 9.514/1997, bem ainda os requisitos necessários para a perfectibilização do procedimento de resolução contratual de contrato de aquisição de bem imóvel garantido por cláusula de alienação fiduciária.

Segundo o art. 53 do CDC, ainda que se trate de contrato de compra e venda de imóvel vinculado à alienação fiduciária, não se afigura razoável a existência de cláusula que estabeleça a perda total das prestações pagas em benefício do credor fiduciário que pleitear a resolução do contrato com base no inadimplemento do devedor, pois tal ensejaria inegável enriquecimento indevido dada a retomada do produto alienado e a manutenção, sem qualquer decote ou restituição, dos valores pagos pelo adquirente, ainda que sobejem o montante da dívida.

O diploma consumerista não estabeleceu um procedimento específico para a retomada do bem pelo credor fiduciário, tampouco inviabilizou que o adquirente (devedor fiduciário) pudesse desistir do ajuste ou promover a resilição do contrato. Apenas delineou consistir em prática abusiva a ocorrência do bis in idem acima referido por ensejar enriquecimento indevido.

No outro limite, estão os artigos 26 e 27, da Lei n. 9.514/1997, os quais proclamam que, também na hipótese de inadimplemento, pelo devedor, das obrigações advindas do contrato de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel - ou, nos termos da lei (artigo 26, caput) vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante - consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

A Lei n. 9.514/1997 delineou todo o procedimento que deve ser realizado, principalmente pelo credor fiduciário, para a resolução do contrato garantido por alienação fiduciária - por inadimplemento do devedor - ressalvando ao adquirente o direito de ser devidamente constituído em mora, realizar a purgação da mora, ser notificado dos leilões e, especificamente, após realizada a venda do bem, receber do credor, se existente, a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzido o quantum da dívida e as despesas e encargos.

Nessa extensão, há, portanto, diversamente do que aparenta, uma convergência entre o disposto no artigo 53 do CDC e os ditames da Lei n. 9.514/1997, pois, evidentemente, em ambos os normativos, procurou o legislador evitar o enriquecimento indevido do credor fiduciário, seja ao considerar nula a cláusula contratual que estabeleça a retomada do bem e a perda da integralidade dos valores, seja por prever o procedimento a ser tomado, em caso de inadimplemento e as consequências jurídicas que a venda, em segundo leilão, por valor igual ou superior à dívida ou por lance inferior impõe, tanto ao credor como ao devedor fiduciário.

Esse procedimento especial não colide com os princípios trazidos no art. 53 do CDC, porquanto, além de se tratar de Lei posterior e específica na regulamentação da matéria, o § 4º, do art. 27, da Lei n. 9.514/1997, expressamente prevê, repita-se, a transferência ao devedor dos valores que, advindos do leilão do bem imóvel, vierem a exceder (sobejar) o montante da dívida, não havendo se falar, portanto, em perda de todas as prestações adimplidas em favor do credor fiduciário.

Nesse sentido, no que se refere ao afastamento das normas do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária, há que se averiguar a presença de requisitos próprios da Lei n. 9.514/1997, a saber, o registro do contrato no cartório de registro de imóveis, o inadimplemento do devedor e a constituição em mora.

Aos demais casos, em que não verificadas tais circunstâncias, não se aplica a tese vinculante que ora se propõe, nada impedindo que, amadurecido o debate em torno da interpretação extensiva do conceito de inadimplemento, possa haver revisão dos limites do presente julgado.

Portanto, a tese proposta não abarca situações em que ausentes os três requisitos: registro do contrato com cláusula de alienação fiduciária, inadimplemento do devedor fiduciário e adequada constituição em mora.

No outro extremo, se inexistente o inadimplemento (falta de pagamento) ou, acaso existente, não houver o credor constituído em mora o devedor fiduciário, a solução do contrato não seguirá pelo ditame especial da Lei n. 9.514/1997, podendo se dar pelo ditame da legislação civilista (artigos 472, 473, 474, 475 e seguintes) ou pela legislação consumerista (artigo 53), se aplicável, dependendo das características das partes por ocasião da contratação.

Alude-se à aplicação da legislação civilista, pois é inegável que nem todos os contratos de compra e venda imobiliária formados com pacto adjeto de alienação fiduciária são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, notadamente quando a própria legislação especial, que instituiu a alienação fiduciária imobiliária, expressamente permite no artigo 22 da Lei n. 9.514/1997 que a alienação fiduciária "poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, podendo ter como objeto imóvel concluído ou em construção, não sendo privativa das entidades que operam no SFI" elencadas no artigo 2º do normativo.

É admitida, assim, a contratação entre particulares, pacto que não será de adesão, pois estarão ambas as partes em igualdade de condições, com a prevalência dos princípios da bilateralidade e comutatividade.

Por derradeiro, as balizas eventualmente postas ao equacionamenrto da questão envolvendo os negócios com garantia fiduciária não impõem qualquer risco econômico ao sistema, pois é inegável que a garantia fiduciária constitui elemento de fundamental importância para a expansão do crédito imobiliário, em favor, também, dos consumidores, na medida em que estes podem ter acesso a melhores taxas de juros, pondo em relevo o interesse coletivo do tema em debate e a necessidade de uniformização, por meio do presente recurso especial repetitivo, da orientação jurisprudencial no sentido da observância do procedimento estabelecido pelos artigos 26 e 27, da Lei n. 9.514/1997, desde que cumpridos os requisitos citados, de modo a oferecer a todos os envolvidos segurança jurídica.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 26/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Prisão civil. Alimentos. Advogado alimentante. Inexistência de sala de estado-maior. Recolhimento em cela separada. Prisão domiciliar. Inadmissibilidade.

DESTAQUE

A prerrogativa de ser recolhido em sala de estado-maior não pode incidir na prisão civil do advogado devedor de alimentos, desde que lhe seja garantido um local apropriado, separado de presos comuns.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Segunda Seção do STJ atualmente é dividida em duas correntes bem díspares em relação à possibilidade de abrandamento do regime fechado de cumprimento da prisão civil do executado quando se trata de profissional da advocacia.

A Quarta Turma do STJ, por sua maioria, vem perfilhando o posicionamento de que deve haver a extensão da regra protetiva da sala de estado-maior encartada no Estatuto da OAB para o advogado preso por dívida alimentar.

O principal fundamento da questão em análise é justamente o fato de que se afigura "uma inversão de valores permitir-se que advogado acusado de cometimento de ilícito penal seja recolhido a sala de Estado Maior, negando-se, contudo, igual direito àquele que tenha praticado um ilícito meramente civil [...] ainda que tenham finalidades distintas [a prisão penal em relação à prisão civil], sendo a jurisprudência uníssona em garantir ao acusado em processo penal o direito a prisão domiciliar na falta da sala de Estado Maior, não se mostra razoável negar-se tal direito a infrator de obrigação cível, por mais relevante que seja, uma vez que, na escala de bens tutelados pelo Estado, os abrangidos pela lei penal são os mais relevantes à sociedade".

Em sentido diametralmente oposto, a Terceira Turma vem entendendo que não há incidência da prerrogativa para a situação em comento. Defende-se que a prisão civil "não constitui sanção penal, não ostentando, portanto, índole punitiva ou retributiva, mas, ao revés, é uma medida coercitiva, imposta com a finalidade de compelir o devedor recalcitrante a cumprir a obrigação de manter o sustento dos alimentandos, de modo que são inaplicáveis as normas que regulam o Direito Penal e a Execução Criminal".

Na ordem internacional há diversos normativos retratando o objetivo global de se incentivar os Estados a criar expedientes para o enfrentamento do problema social grave da inadimplência da obrigação alimentar, como soem:

i) a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, é o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, ratificado por 196 países. Ela prevê que os Estados, dentro de suas possibilidades, adotem medidas apropriadas, com o objetivo de auxiliar os pais e demais responsáveis pela criança a tornar efetivo o direito ao seu desenvolvimento, exigindo que os Estados-Partes adotem meios adequados para o adimplemento da prestação alimentar (art. 27, 4);

ii) o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) das Nações Unidas, de dezembro 1966 - ratificado no Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de Julho de 1992 -, determina que se reconheça o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado, inclusive à alimentação, devendo-se tomar as "medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito" (art. 11, 1.);

iii) o Comentário Geral n. 12 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, de 1999, traz a obrigatoriedade dos Estados Membros em adotar todas as medidas que se façam necessárias para assegurar a satisfação, a facilitação e o provimento dos alimentos (item 15). O Estado deve garantir um ambiente que facilite a implementação das responsabilidades pelo descumprimento (item 20), além de adotar todas as maneiras e os meios necessários para assegurar a implementação do direito à alimentação adequada (item 21);

iv) Por meio da Recomendação n. R (82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, o Conselho da Europa recomendou que os estados membros desenvolvessem um sistema de pagamento antecipado dos alimentos ante a inadimplência do devedor, conforme os seus princípios de regência (n. 1).

O legislador constituinte promoveu uma ponderação entre direitos fundamentais - o direito de liberdade e de dignidade humana do devedor versus o direito à tutela jurisdicional efetiva, à sobrevivência, à subsistência e à dignidade humana do credor -, dando prevalência ao direito deste último. Admitiu-se a prisão civil do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (CF, art. 5°, LXVII).

Tem a doutrina reconhecido na prisão civil uma técnica de grande serventia em razão dos seus "altos índices de eficiência", em que "os dados estatísticos do cotidiano forense não escondem que a prisão civil do devedor de alimentos cumpre, em larga medida, a sua finalidade: fazer com que o alimentante pague a dívida alimentar".

Estabelece a norma, ainda, que o cumprimento da prisão civil ocorrerá pelo regime fechado, devendo o encarcerado ficar separado dos presos comuns (CPC, art. 528, § 4º).

Em relação ao disposto no art. 7º, V, da Lei n. 8.906/1994, o STF reconhece sua constitucionalidade, tratando-se de direito público subjetivo do advogado de ser recolhido preso em sala de Estado-Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, definindo que "a prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público [...] O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável (ADI 1127, Rel. p/ Ac. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ 10/06/2010).

Mais recentemente, no entanto, o próprio Supremo vem adotando uma nova orientação, passando a considerar que, na ausência de dependência que se qualifique como Sala de Estado-Maior, atende à exigência da lei nº 8.906/94 (art. 7º, V, "in fine"), "o recolhimento prisional em vaga especial na unidade penitenciária, desde que provida de 'instalações e comodidades condignas' e localizada em área separada dos demais detentos" (Rcl 19286 AgR, Rel. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 01/06/2015).

Dessarte, é possível a prisão de profissional de advocacia em unidade penitenciária que possua vaga especial, desde que provida de instalações com comodidades condignas e localizada em área separada dos demais detentos. Inclusive, a "existência de grades nas dependências da Sala de Estado-Maior onde o reclamante se encontra recolhido, por si só, não impede o reconhecimento do perfeito atendimento ao disposto no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94" (Rcl 6.387/SC, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno).

Assim, é o caso de se rever o posicionamento exarado no HC 271.256/MS para, agora, reconhecer que a prerrogativa da sala de estado-maior não pode incidir na prisão civil do advogado que for devedor alimentar, desde que lhe seja garantido, por óbvio, um local apropriado, devidamente segregado dos presos comuns, nos termos expressos do art. 528, §§ 4º e 5º do CPC/2015.

Isso porque, numa ponderação entre direitos fundamentais - o direito de liberdade e de dignidade humana do devedor advogado inadimplente de obrigação alimentícia versus o direito à tutela jurisdicional efetiva, à sobrevivência, à subsistência e à dignidade humana do credor -, promoveu o legislador constituinte a sua opção política em dar prevalência ao direito deste último, sem fazer qualquer ressalva.

Não se pode olvidar que a lei civil dever ser interpretada e aplicada à luz da norma constitucional - que conferiu ao direito à alimentação estatura constitucional e autorizou a prisão civil do devedor de alimentos - e não o contrário.

A autorização da prisão civil do devedor de alimentos é endereçada a assegurar o mínimo existencial ao credor. Admitir o seu cumprimento em sala de estado-maior ou de forma domiciliar, em nome da prerrogativa do profissional advogado, redundaria, no limite, em solapar todo o arcabouço erigido para preservar a dignidade humana do credor de alimentos.

A prerrogativa estipulada no art. 7º, V, do Estatuto da OAB é voltado eminentemente em relação à prisão penal, mais precisamente às prisões cautelares determinadas antes do transito em julgado da sentença penal condenatória.

Portanto, a aplicação dos regramentos da execução penal, como forma de abrandar a prisão civil, acabará por desvirtuar a técnica executiva e enfraquecer a política pública estatal, afetando a sua coercibilidade, justamente o móvel que induz a conduta do devedor alimentar.

TERCEIRA TURMA

Processo

Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 28/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Prisão civil. Nulidade. Pré-existência de ações penais que envolvem o magistrado que decretou a prisão e o suposto devedor de alimentos. Reconhecimento de impedimento e suspeição cumulativamente (inimizade). Art. 144, I e IX, CPC/2015. Quebra da imparcialidade em processo distinto da execução de alimentos. Produção de efeitos expansivos para todos os processos que envolvem as partes.

DESTAQUE

A pré-existência de ações penais envolvendo, de um lado, o juiz, e de outro lado, a parte ou o seu advogado, é causa típica de impedimento (art. 144, IX, do CPC/2015) que obsta a eventual decretação de prisão civil por dívida de alimentos, ainda que presentes os requisitos para adoção da medida coativa extrema.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Não é lícito ao juiz presidir nenhum processo que envolva a parte ou advogado com quem litiga, na medida em que se trata de impedimento absoluto, pois ligado às partes ou seus representantes, razão pela qual existe a real possibilidade de comprometimento da neutralidade e da imparcialidade em relação a quaisquer causas que porventura os envolvam.

De outro lado, ainda que se entenda não ser possível concluir, desde logo, que se trataria de hipótese de impedimento do juiz, especialmente porque, nas hipóteses de ações penais públicas condicionadas à representação ou incondicionadas, o juiz, tecnicamente, não é a pessoa que promoveu a ação contra a parte ou seu advogado, não há nenhuma dúvida acerca da configuração da suspeição, como reconhecido pelo próprio magistrado, com base no art. 145, I e IX, do CPC/2015.

Dessa forma, o juiz que reconheceu sua suspeição com fundamento em inimizade com a parte ou advogado tem a sua neutralidade e imparcialidade comprometidas em relação a quaisquer processos que os envolvam, ainda que a suspeição apenas tenha sido reconhecida em um desses processos.

No caso, desde a decisão proferida, por meio da qual o juiz se declarou suspeito (em verdade, impedido) para atuar em pedido de alvará judicial no qual o paciente atuava como parte e advogado, estava também o juiz impedido para atuar nos demais processos judiciais que envolviam o paciente, como parte ou advogado, inclusive na execução de alimentos em que o julgador impedido decretou a prisão do paciente, ainda que, nesta execução de alimentos, o impedimento somente tenha sido reconhecido expressamente depois.

Significa dizer, portanto, que o reconhecimento do impedimento com base no art. 144, IX, e também da suspeição com base no art. 145, I, ambos do CPC/2015 - uma vez lançado em algum dos processos que envolvem as partes ou advogados em conflito com o julgador -, produzem efeitos expansivos em relação aos demais processos, inviabilizando a atuação do magistrado em quaisquer deles, independentemente de expressa manifestação em cada um dos processos individualmente.

Processo

REsp 1.930.837-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022, DJe 25/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Recuperação judicial. Homologação de plano. Agravo de instrumento. Desistência. Anuência da parte contrária. Desnecessidade. Julgamento de ofício pelo tribunal. Impossibilidade.

DESTAQUE

Não cabe ao Tribunal indeferir o pedido de desistência em agravo de instrumento e julgar o recurso de ofício, ainda que que as questões nele veiculadas sejam ordem pública e de interesse da coletividade dos credores da empresa em recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste na possibilidade de indeferimento do pedido de desistência de agravo de instrumento interposto contra decisão que homologou o plano e concedeu a recuperação judicial requerida pelas recorrentes e consequente julgamento de ofício da sua legalidade das cláusulas aprovadas pela assembleia geral de credores.

A desistência do recurso é um ato processual unilateral que veicula uma manifestação de vontade da parte. E, por ser um ato unilateral, independe da concordância da parte contrária e, uma vez praticado, produz efeitos imediatos no processo, gerando a pronta e instante modificação, constituição ou extinção de direitos processuais.

Somente a parte recorrente, quando interpõe um recurso, possui a legítima expectativa de obter uma tutela jurisdicional em seu favor. Logo, não há se cogitar, de fato, na necessidade de aquiescência da parte recorrida, cujo pronunciamento judicial já lhe é favorável, ainda mais porque é vedado o agravamento da situação da parte que não recorreu (proibição da reformatio in pejus).

Por outro lado, no caso, os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para proceder ao exame do agravo de instrumento, apesar do pedido de desistência - apresentado antes de iniciado o julgamento -, no sentido de que haveria "questões de ordem pública e de interesse coletivo", também não se sustentam.

Do contrário, estar-se-ia admitindo a possibilidade da criação de uma nova espécie de "remessa necessária" fora das hipóteses expressamente previstas nos arts. 496 do CPC e 19 da Lei n. 4.717/1965 (aplicável ao microssistema das ações coletivas).

Ademais, considerada a desistência do presente agravo de instrumento, não se têm notícias de que algum outro credor teria impugnado o plano de recuperação.

É entendimento pacífico do STJ de que "No processo recuperacional, são soberanas as decisões da assembleia geral de credores sobre o conteúdo do plano de reestruturação e sobre as objeções/oposições suscitadas, cabendo ao magistrado apenas o controle de legalidade do ato jurídico, o que decorre, principalmente, do interesse público consubstanciado no princípio da preservação da empresa e consectária manutenção das fontes de produção e de trabalho" (REsp 1.587.559/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/04/2017, DJe 22/05/2017).

Entretanto, para que o Poder Judiciário exerça o controle judicial da legalidade do plano de recuperação judicial é imprescindível, por óbvio, que haja provocação de uma das partes para que, aí sim, até mesmo de ofício, seja declarada eventual nulidade, em virtude do efeito translativo do recurso.

Portanto, até mesmo na hipótese em que há notório interesse público envolvido, como no julgamento de causas repetitivas, a lei processual admite a possibilidade de desistência do recurso (§ único, do art. 998, do CPC).

Processo

REsp 1.924.452-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 10/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Negócio jurídico processual. Consenso entre as partes para a indicação de perito. Ausência. Profissional recusado. Realização da prova pericial. Impossibilidade.

DESTAQUE

Se não há consenso entre as partes a respeito da escolha do perito, o profissional indicado por uma das partes, mas rejeitado pela outra, não pode realizar a produção da prova como perito do juízo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A nomeação do perito deve ocorrer entre os profissionais e órgãos técnicos ou científicos constantes do cadastro realizado pelo Tribunal. Somente na localidade onde não houver o registro de profissionais habilitados, a escolha do expert será de livre escolha do juiz (§ 5º do art. 156 do CPC/2015).

O art. 471 do CPC/2015 trouxe importante inovação ao permitir a indicação do perito pelas partes, havendo, no ponto, a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual.

Por se tratar de perícia consensual, exige-se o comum acordo entre os litigantes, cuja prova realizada substitui, para todos os efeitos, aquela que seria realizada por profissional nomeado pelo juiz. Além disso, as partes devem ser plenamente capazes e a causa deve versar acerca de direito que admita a autocomposição.

Diante da necessidade de uniformização da matéria, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 233/2016 para dispor acerca da "criação de cadastro de profissionais e órgãos técnicos ou científicos no âmbito da Justiça de primeiro e segundo graus" e determinar a instituição do Cadastro Eletrônico de Peritos e Órgãos Técnicos e Científicos (CPTEC).

Ademais, a referida resolução traça outras normas a respeito da questão: (I) impossibilidade de nomeação profissional ou de órgão que não esteja regularmente cadastrado, salvo no caso do art. 156, § 5º, do CPC/2015 (art. 6º, caput); (II) a escolha dos peritos previamente cadastrados ocorrerá por nomeação direta ou por sorteio eletrônico, a critério do magistrado (art. 9º, § 1º) e (III) o juiz poderá selecionar profissionais de sua confiança, entre aqueles que estejam regularmente cadastrados no CPTEC, para atuação em sua unidade jurisdicional, devendo, entre os selecionados, observar o critério equitativo de nomeação em se tratando de profissionais da mesma especialidade (art. 9º, § 2º).

Por sua vez, o CNJ reafirma que a nomeação de perito ou de órgão não cadastrado somente ocorrerá quando não existir profissional especializado e quando houver indicação conjunta pelas partes. Nessa hipótese, "o profissional ou o órgão será notificado, no mesmo ato que lhe der ciência da nomeação, para proceder ao seu cadastramento" (art. 10).

Nessa linha, observa-se que o CPC/2015 estabelece como regra a escolha do perito pelo juízo e, como alternativa, possibilita a nomeação do referido profissional pelas partes. Porém, na segunda hipótese, a concordância dos litigantes é elemento fundamental à validade (ou à existência) do negócio jurídico processual.

Tanto é assim que o Enunciado n. 616 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) orienta no sentido de que "os requisitos de validade previstos no Código Civil são aplicáveis aos negócios jurídicos processuais, observadas as regras processuais pertinentes".

Além disso, o art. 190 do CPC/2015, que traz a norma geral dos negócios processuais, prescreve ser lícito às partes estipular mudança "no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Com efeito, o estatual processual deixa claro, mais uma vez, a necessidade de convergência entres os sujeitos litigantes, sem a qual o ajuste não se concretiza.

Dessa forma, diante da ausência de consenso entre as partes, é nula a decisão que acolheu a indicação do perito feita pelo autor, cabendo ao magistrado, na origem, nomear profissional devidamente inscrito em sistema mantido pelo tribunal ao qual está vinculado.

Processo

REsp 1.940.427-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe de 15/08/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO BANCÁRIO

Tema

Ação civil pública. Expurgos inflacionários. Cumprimento de sentença. Juros remuneratórios. Capitalização mensal. Possibilidade.

DESTAQUE

É cabível a capitalização mensal dos juros remuneratórios que incidem sobre as diferenças decorrentes de expurgos inflacionários reconhecidas em ação civil pública.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar se, havendo previsão expressa no título judicial, é cabível a capitalização mensal de juros remuneratórios que incidem sobre as diferenças decorrentes de expurgos inflacionários reconhecidos em ação civil pública.

A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.392.245/DF, sob o rito dos repetitivos, fixou a tese de que é vedada a inclusão de juros remuneratórios nos cálculos de liquidação/execução se inexistir condenação expressa na fase de conhecimento, sem prejuízo de, quando cabível, o interessado ajuizar ação individual de conhecimento. Na ocasião do julgamento do referido recurso especial, prevaleceu o entendimento de que os juros remuneratórios possuem natureza contratual, dependendo sua incidência de pedido na inicial da ação de conhecimento e condenação expressa a esse respeito na sentença exequenda. Assim, a determinação de capitalização mensal dos juros remuneratórios da poupança não conflita com esse entendimento, haja vista que, naquela oportunidade, apenas se decidiu sobre a inclusão de juros remuneratórios não previstos no título exequendo quando do respectivo cumprimento de sentença.

Tratando-se de contrato de caderneta de poupança, é possível concluir que os juros remuneratórios contemplados na sentença devem incidir mês a mês.

A capitalização mensal dos juros remuneratórios das cadernetas de poupança foi autorizada pelo BACEN por meio da Resolução nº 1.236/86, que estabeleceu "que as instituições autorizadas a receber depósitos de poupança livre deverão creditar os rendimentos às contas de pessoas físicas no 1º (primeiro) dia útil após período de 1 (um) mês corrido de permanência do depósito".

Além disso, os juros remuneratórios das cadernetas de poupança, ao se agregarem ao capital, passam a constituir o próprio crédito, deixando de ter a natureza de acessório. Tanto que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o prazo prescricional aplicável para a pretensão de recebimento de referida verba é o vintenário.

Portanto, havendo condenação expressa ao pagamento de juros remuneratórios no título exequendo, estes capitalizam-se mensalmente.

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Contrato de arrendamento mercantil. Título executivo extrajudicial. Configuração.

DESTAQUE

O contrato de arrendamento mercantil é título executivo extrajudicial apto a instrumentalizar a ação de execução forçada.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Ao estruturar-se uma relação jurídica, transitória e de natureza econômica, sujeitos determinados, credor e devedor, se vinculam por meio de prestações recíprocas. Esta, uma conceituação de obrigação, é claro, deveras restritiva. Todavia, é certa a possibilidade de haver a quebra de um dos deveres contratuais, determinando uma imperfeição no cumprimento da obrigação, ou, até mesmo, o desfazimento do vínculo.

Nesse passo, verificado o inadimplemento, o ordenamento confere ao interessado a possibilidade de se valer da ação judicial executiva para a satisfação do que lhe for devido. Para tanto, o credor da obrigação não cumprida deverá portar um título executivo, capaz de revelar "o conteúdo da obrigação, o seu valor ou seu objeto, os seus acessórios, quem responde pela dívida, quem pode exigi-la, tudo isso há de se definir pelo título executivo", conforme lição da doutrina.

No que diz respeito aos títulos executivos extrajudiciais, o diploma processual de 2015, ao disciplinar a execução forçada com base em título executivo extrajudicial, apresentou um rol dos que a doutrina denomina específicos (art. 784, I ao XI), somando à lista "todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva" (art. 784, XII).

Sobre o ponto, ainda sob a vigência do Código Processual de 1973, já observou a ilustre Ministra Nancy Andrighi "que o sistema legal brasileiro revela a peculiaridade de admitir uma vasta gama de títulos executivos aptos a iniciar um juízo de execução forçada, de satisfação sem prévia cognição. Os termos do art. 585, II, CPC, permitem que qualquer 'documento assinado pelo devedor e por duas testemunhas' tenha força executiva" (REsp n. 944.917/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/09/2008, DJe de 03/10/2008).

É, também, da doutrina que se extrai, quanto ao rol do art.784, "que alguns têm todos os requisitos formais e substanciais definidos em lei própria. É o caso dos títulos cambiários (inc. I). Outros são apenas parcialmente identificados, como ocorre com [...] o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas". "Desse modo, para que se lhes reconheça a plena eficácia executiva, necessário se torna recorrer ao direito material para concluir sobre a retratação da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação titulada".

Na linha desse entendimento, o art. 783 do CPC/2015 apregoa que "a execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certalíquida e exigível".

Assim, acertada a conclusão da instância ordinária, que conferiu ao contrato de arrendamento mercantil a qualidade de título executivo extrajudicial, tendo em vista o satisfatório preenchimento dos elementos exigidos pelo sistema processual pátrio.

No tocante especificamente ao título executivo decorrente de documento particular, salvo as hipóteses previstas em lei, exige o normativo processual que o instrumento contenha a assinatura do devedor e de duas testemunhas (NCPC, art. 784, III, e CPC/73, art. 595, II).

Aliás, quanto às testemunhas, ainda que não se identifique na hipótese, assinale-se, apenas a título complementar, que o STJ, em alguns julgados, tem reconhecido que sua ausência não configura necessariamente falta de executividade do título, sendo certo que, em caráter absolutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de validade do contrato podem ser revelados por outros meios idôneos e pelo próprio contexto dos autos (REsp 1.438.399/PR, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/03/2015, DJe de 05/05/2015).

Por derradeiro, as Turmas da Seção de Direito Privado defendem que a caracterização de determinado negócio jurídico como título executivo dá-se a partir da verificação do preenchimento dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade dos documentos apresentados à execução.

Processo

REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Contrato de arrendamento mercantil. Inadimplemento do arrendatário. Cláusula que prevê o vencimento antecipado da dívida. Abusividade. Não configuração.

DESTAQUE

Não é abusiva a cláusula de contrato de arrendamento mercantil que prevê o vencimento antecipado da dívida em decorrência do inadimplemento do arrendatário.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A previsão de termo contratual ou a sujeição da obrigação a prazo estabelece uma contenção ao exercício da pretensão, suspendendo-o até o dia do vencimento. Alcançado o tempo estabelecido para o adimplemento, surgirá o poder jurídico de exigir a prestação, a pretensão ao cumprimento.

Todavia, haverá situações excepcionais em que o credor poderá receber o pagamento, mesmo antes do termo estabelecido originalmente no contrato. Com efeito, a doutrina esclarece que, "conforme a teoria Geral das obrigações, pelo vencimento antecipado, uma obrigação de execução diferida - aquela em que o cumprimento ocorre de uma vez só no futuro - ou de execução continuada ou trato sucessivo - em que o cumprimento com forma periódica no tempo - converte-se em uma obrigação de execução imediata ou instantânea".

De fato, o art. 333 do CC prescreve uma série de situações em que se dá o vencimento antecipado, conferindo ao credor ao direito de cobrar a dívida antes de vencido prazo estipulado no contrato ou marcado na legislação.

Quanto ao ponto, a doutrina observa que o rol do dispositivo acima "não é taxativo (numerus clausus), mas exemplificativo (numerus apertus)", tendo a hipótese incidência genérica. Nessa linha, conclui: "De qualquer forma, é comum, em obrigações garantidas ou não por direitos reais, estipular o vencimento antecipado da dívida pelo inadimplemento. A lei não estabelece qual o número de parcelas inadimplidas que gera antecipação. Dessa forma, é possível estabelecer pelo instrumento que a impontualidade de uma única parcela gera tal efeito".

Em âmbito jurisprudencial, esta Corte já afirmou que, fundado também no princípio da autonomia da vontade, podem os contratantes estipular o vencimento antecipado das obrigações, "como sói ocorrer nos mútuos feneratícios, em que o inadimplemento de determinado número de parcelas acarretará o vencimento extraordinário de todas as subsequentes, ou seja, a integralidade da dívida poderá ser exigida antes de seu termo" (REsp 1.489.784/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 15/12/2015, DJe de 3/2/2016.)

Ademais, importante ressaltar que o vencimento antecipado da dívida, previsto contratualmente, é uma faculdade do credor e não uma obrigatoriedade, de modo que pode se valer ou não de tal instrumento para cobrar seu crédito por inteiro antes do advento do termo ordinariamente avençado.

Tanto é assim que é possível a renúncia ao direito de execução imediata da totalidade da obrigação, como ocorre, a título exemplificativo, nos casos de recebimento apenas das prestações em atraso, afastando o devedor, espontaneamente, os efeitos da impontualidade (arts. 401, I, e 1.425, III, do CC).

Destarte, parece não haver dúvidas quanto à não abusividade, ao menos em tese, de cláusula contratual que preveja o vencimento antecipado do acordo ajustado.

No mesmo sentido dessa conclusão, a doutrina estabelece nos seguintes termos: "tem-se debatido se a cláusula de vencimento antecipado é abusiva, mormente se incluída em contratos de consumo. De fato, em regra, pela previsão expressa da lei, não há que se falar em abusividade, salvo se outro direito do consumidor for atingido pela convenção".

Salienta-se, ademais, que a cláusula de antecipação do vencimento, operada em favor do credor adimplente em face do devedor inadimplente, permitirá, naturalmente, a cobrança das parcelas vincendas.

Todavia, o mandamento que sujeita o credor à quitação das prestações não poderia significar a possibilidade de o arrendador reintegrar-se na posse do bem arrendado antes do prazo estabelecido no contrato, sob pena, aí, sim, de configurar-se verdadeiro enriquecimento ilícito.

Isso porque, se a antecipação do vencimento, como visto, é forma de restabelecer a segurança dos contratantes no que diz respeito à execução do contrato, nenhuma razão haveria, após o adiantamento das prestações, privar o arrendatário da posse do bem pelo prazo originalmente acordado.

Interessante registrar, no que respeita à possibilidade de previsão da cláusula de antecipação do vencimento pelo inadimplemento, consideração da doutrina que ressalta fator econômico relevante para fundamentar a execução perfeita dos contratos de arrendamento mercantil, qual seja a recuperação do investimento realizado pela empresa arrendadora para viabilizar o bem ao arrendatário.

Isso porque há uma peculiaridade no contrato objeto deste estudo, que, apesar de aparentemente sutil, é "peça chave" de toda engrenagem: o bem arrendado o é em razão da necessidade do arrendatário.

Noutras palavras, ao arrendador o bem não possui utilidade, considerada em si mesmo. A utilidade apenas se vê quando considerada em relação ao arrendatário. Sendo assim, a dinâmica revelada pelo negócio jurídico só se mostra conveniente ao arrendador na hipótese em que o contrato se aperfeiçoa, quando seu cumprimento não é maculado pelo inadimplemento.

E não é demais avivar que os contratos de leasing financeiro, a empresa de leasing não produz o bem, tendo, portanto, que desembolsar certo capital para adquiri-lo para o arrendatário. O bem adquirido não faz parte da atividade empresarial da arrendadora e, por isso, fica claro que somente a operação financeira lhe interessa.

Por oportuno, destaco que este Tribunal Superior já considerou plenamente válidas as cláusulas de contrato de arrendamento mercantil em que se previa não apenas o vencimento antecipado, mas a resolução do negócio pactuado.

Processo

REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Arrendamento mercantil. Extinção dos contratos. Resilição. Impossibilidade no caso de mora. Abuso de direito.

DESTAQUE

No arrendamento mercantil, a resilição não poderá ser exercida se o contratante se encontrar em mora, devendo, nesses casos, o devedor, suportar todos os riscos de sua inadimplência, sob pena de configurar-se abuso do direito por parte do contratante que pretende resilir.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na teoria das obrigações, a resilição se sobressai como uma de suas formas de extinção, integrando o tema geral do "poder de desligamento nas relações contratuais".

Com efeito, a doutrina assevera que por encerrar um "poder contratual" mais severo, o exercício da resilição dá ensejo a situações mais suscetíveis ao abuso de direito, principalmente quando não fundamentada no inadimplemento da outra parte. De fato, a prerrogativa de "sair e se desligar", unilateralmente, de uma relação jurídica contratual, por si só, é causa de frustração da expectativa legítima de manutenção da relação jurídica no tempo, de obtenção de ganhos e proveitos que haviam sido projetados quando da constituição do contrato.

Em julgamento da Quarta Turma, também ficou consignado que os contornos traçados pelo ordenamento sobre este tema nunca pretenderam a aniquilação do instituto, visando, tão somente garantir que a resilição unilateral seja responsável, impondo-se a observância da boa-fé até mesmo no momento de desfazimento do pacto, principalmente quando for contrário aos interesses de uma das partes. (REsp 1.555.202/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2016, DJe de 16/03/2017).

No mesmo rumo, a doutrina afirma que a resilição não pode ser levada a efeito pela parte que agiu culposamente. "Isto posto, se o contratante se encontrava em mora (por deixar de realizar a prestação no tempo certo) ao tempo da onerosidade excessiva, terá que suportar todos os riscos do novo cenário ambiental. Haveria abuso do direito (art. 187, CC) por parte do contratante que exige o direito a resolução com base na norma violada".

Pelo exposto, parece distante da razoabilidade cogitar-se que o interesse exclusivo de uma das partes no desfazimento de um contrato seja bastante à conclusão pela regularidade da resilição. Na hipótese em análise, a resilição configura abuso de direito, não podendo dela surtir os efeitos esperados, uma vez que fora manifestada quando a arrendatária já se encontrava em estado de inadimplência e somente após ter sido judicialmente compelida à satisfação das obrigações que já havia descumprido.

Perceba-se que, não bastasse manifestar-se sobre a pretensão de resilir o contrato após estar inadimplente, a executada, ofereceu à penhora o bem objeto do arrendamento mercantil, que não era de sua propriedade. Deve ser destacado, o fato de o bem arrendado ter permanecido na posse da arrendatária, por todo o tempo, condição inquestionavelmente contrária à intenção de efetivamente resilir.

Ademais, na hipótese, a espécie de leasing celebrado entre as partes foi o leasing financeiro.

No rumo dessas ideias, a doutrina leciona que o arrendamento mercantil financeiro não confere "qualquer direito ao arrendatário de pretender devolver a coisa e resilir unilateralmente o contrato, salvo se pagas todas as sofridos".

Processo

REsp 2.028.232-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 17/10/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Sociedade seguradora de capitalização. Liquidação extrajudicial. Comissão paga à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966. Limitação a 5% (cinco por cento) sobre o ativo apurado na liquidação. Impossibilidade de aplicação da disciplina prevista na Lei n. 6.024/1974. Princípio da especialidade.

DESTAQUE

Em decorrência da aplicação do princípio da especialidade, os valores pagos aos liquidantes não devem ser descontados da comissão devida à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), responsável pela atividade concreta de condução do processo de liquidação extrajudicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Superintendência de Seguros Privados - SUSEP exerce, nos procedimentos de liquidação extrajudicial, dúplice função, a primeira consubstanciada no órgão processante do procedimento de liquidação - tal como ocorre com o Banco Central na hipótese de liquidação de instituições financeiras - e outra, como o próprio liquidante da sociedade empresária, com responsabilidade de realização do ativo e pagamento dos credores (arts. 97 e 106 do Decreto-Lei n. 73/1966).

Assim, após decretada a liquidação extrajudicial da sociedade seguradora, a SUSEP poderá nomear agente público para conduzir o respectivo processo, na qualidade de liquidante, de maneira similar à função do administrador judicial na falência, nos termos do art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966.

A exegese consentânea com a disciplina legal orienta-se no sentido de que a SUSEP, pelo exercício das funções de liquidante e órgão processante previstas na legislação de regência, auferirá a remuneração equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o ativo apurado da sociedade seguradora em liquidação. Em caso de nomeação de agente público para conduzir o procedimento, eventual remuneração deve ser subtraída dessa comissão, porquanto a legislação aplicável não prevê outra forma de remuneração de tais agentes. Idêntica exegese é determinada pelo art. 82 do Decreto n. 60.459/1967.

Dessarte, é imperiosa a inferência no sentido de que a comissão referida pelo art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966, em verdade, constitui a única importância devida pela sociedade liquidanda à SUSEP pelo exercício de suas atividades. Assim, ao prever a legislação que os valores pagos aos agentes encarregados de executar a liquidação devem ser extraídos da comissão, não está a transferir à SUSEP a incumbência do pagamento, pelo singelo motivo de que a disciplina legal já supõe estarem incluídas as importâncias no montante relativo à comissão.

Ademais, nos arts. 39 e 40 do Decreto-Lei n. 73/1966, instrumento que cria a SUSEP, autarquia responsável pela execução da política pública elaborada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP e pela fiscalização da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras, não há previsão específica da comissão como fonte geral de custeio da autarquia, o que culmina por confirmar seu caráter de retribuição pelos serviços específicos prestados no procedimento de liquidação extrajudicial.

Quanto ao custeio de caráter geral como agente fiscalizador do mercado supervisionado, dá-se por intermédio do recebimento das verbas referidas nos arts. 39 e 40 do Decreto-Lei n. 73/1966, mas a específica atividade de processamento e liquidação das sociedades seguradoras conta com retribuição específica, consubstanciada na comissão prevista no art. 106 do mesmo diploma legal.

Isso porque a aplicação da Lei n. 6.024/1964 às sociedades seguradoras de capitalização e às entidades de previdência privada, todavia, pela própria dicção legal, somente ocorre no que for cabível, é dizer, se houver regulação própria pela lei especial - Decreto-Lei n. 73/1966 - que seja incompatível com o conteúdo normativo da Lei n. 6.024/1964, prevalecerá a disciplina especial.

Verifica-se, portanto, que o critério para a solução da antinomia, no caso em questão, decorre da aplicação do princípio da especialidade. Por conseguinte, a incompatibilidade normativa soluciona-se pela aplicação da norma que contém elementos especializantes, subtraindo do espectro normativo da norma geral a aplicação em virtude de determinadas características que são especiais. O conflito entre os critérios cronológico e de especialidade resolve-se priorizando a regulamentação particular.

A Lei n. 6.024/1974 dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Porém, o Decreto-Lei n. 73/1966 cuida do processo de liquidação de um tipo específico de instituição financeira (equiparado pelo art. 18, § 1º, da Lei n. 4.595/1964), cujo agente fiscalizador - a SUSEP - é diverso daquele que atua no sistema financeiro - o Banco Central do Brasil.

Em consequência, não é aplicável à hipótese - por se referir à liquidação de sociedade seguradora de capitalização - o art. 16, § 2º, da Lei n. 6.024/1974, que prevê a fixação dos honorários do liquidante pelo Banco Central do Brasil - aqui, a SUSEP -, pagos por conta da liquidanda.

Vale referir, finalmente, que também a Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências) tem similar disposição em seu art. 24, § 1º, ao prever que o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência, o que equivale, nesta última hipótese, ao ativo apurado no processo de liquidação.

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