Informativo nº 752. 10 de outubro de 2022.
PRIMEIRA TURMA
Processo
AREsp 1.325.652-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 4/10/2022.
Ramo do Direito
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Ação civil pública. Ministério Público Federal. Ingerência judicial no liame entre assistidos e entidade de previdência complementar. Proibição de concessão de novos benefícios e cancelamento de benefícios complementares. Direitos individuais homogêneos. Relevância social. Inexistência.
DESTAQUE
Não é possível, em ação civil pública ajuizada pelo MPF, a ingerência judicial no liame entre assistidos e entidade de previdência complementar, notadamente a proibição de concessão de novos benefícios e o cancelamento de benefícios complementares indevidamente concedidos, sem que exista prova concreta de que a manutenção desses poderia violar gravemente a esfera jurídica de número indeterminado de múltiplos sujeitos de direito.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No caso, o Ministério Público Federal (MPF) promoveu ação civil pública em razão de repasses indevidos efetuados por fundação a entidade fechada de previdência complementar que assistia os então empregados celetistas daquela, no período de 1991 a 2007, a título de previdência complementar de servidores incluídos no regime estatutário (RJU - Regime Jurídico Único) após a edição da Lei n. 8.112/1990, postulando pela: a) reparação do erário; b) proibição de concessão de novos benefícios e cancelamento dos concedidos nos últimos 5 (cinco) anos.
O Tribunal de origem condenou a fundação a cessar as contribuições para a entidade de previdência complementar e a entidade fechada de previdência complementar a: restituir os valores indevidamente recebidos; se abster de conceder novos benefícios, ressalvados os casos em que tal direito foi adquirido antes da edição da Lei n. 8.112/1990 e; cancelar os benefícios complementares indevidamente concedidos a estatutários após a edição da Lei n. 8.112/1990 e há menos de 5 (cinco) anos antes do ajuizamento da ação.
Este comando judicial vulnerou parcialmente os princípios da segurança jurídica e boa-fé.
Observa-se que o fundamento central para a condenação de cancelamento de benefícios e abstenção na concessão de novos se deu em razão do fato de haver coparticipação no financiamento por parte da fundação. Ocorre que essa situação não mais se perpetuaria, porque a fundação foi condenada a se abster de efetuar qualquer pagamento a título de contribuição para a entidade fechada de previdência complementar na condição de patrocinadora, além do fato de ter-se garantido a restituição do que foi indevidamente pago.
Ou seja, o interesse público principal perseguido com esta ação (impedir o custeio irregular de previdência complementar por parte da Administração e restituir parte dos valores mal empregados) foi garantido com parcela das condenações. As demais obrigações impostas (de cancelamento de benefícios e abstenção de novas concessões), por sua vez, estão muito mais ligadas à relação estabelecida entre a entidade de previdência complementar e seus filiados, que ostenta outra natureza.
A ingerência judicial nesse liame entre assistidos e entidade de previdência complementar, notadamente na profundidade com que foi imposta, pressuporia estar muito mais claro, agora no plano concreto, que os impactos da manutenção dos benefícios poderiam violar gravemente a esfera jurídica de número indeterminado de múltiplos sujeitos de direito. Com isso, revelar-se-ia a relevância social da intervenção e só assim se justificaria cogitar que não deveriam prevalecer, no particular, a boa-fé dos assistidos e a confiança legítima de que receberiam o retorno das suas contribuições em forma de benefícios.
Mas, no caso, esse potencial impacto geral, transindividual e de efeitos coletivos deletérios, não foi o fio condutor da fundamentação externada no juízo a quo. Não houve menção sequer se a entidade de previdência complementar, só com seu próprio caixa ou com as contribuições já recolhidas dos associados, seria capaz de honrar com o pagamento dos benefícios.
Diante desse cenário, não se justifica determinar a abstenção na concessão de novos benefícios, porque vulnera diretamente o princípio da confiança legítima que os assistidos tinham de que, após meses/anos de contribuição, receberiam contrapartida futura.
Menos ainda, justifica-se a determinação de cancelamento de benefícios de assistidos que já estavam experimentando a fruição de acréscimo patrimonial e, de repente, sem direito de defesa, quiçá sem nem saber o porquê, teriam ceifada parcela da renda. Nesse último caso, a ofensa à segurança jurídica é até mais evidente.
A preocupação geral com a manutenção da própria solidariedade do regime de previdência complementar, que justificaria a legitimidade, em abstrato, do MPF, não foi demonstrada em concreto nas decisões da origem. Não tendo sido revelada de maneira flagrante a relevância social quanto ao cancelamento de benefícios e abstenção de novas concessões, não cabia a intervenção judicial no caso, sob pena de violação dos princípios acima citados.
Se as consequências desta ação puser em xeque a própria existência da entidade fechada de previdência complementar, poderá a Superintendência Nacional de Previdência Complementar atuar para dirimir todas essas questões de maneira holística e estrutural, nos termos da Lei n. 12.154/2009.
É essa autarquia, no desempenho das suas atribuições técnicas, que melhor terá condições de direcionar as soluções aos problemas vistos em sua totalidade (benefícios concedidos antes de 1990, benefícios concedidos após a instituição do Regime Jurídico Único, associados ainda não beneficiados e com expectativa e direitos, associados ainda não beneficiados e com direito adquirido, etc) em caso de inviabilidade da manutenção dos benefícios.
Processo
REsp 1.453.891-PE, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 15/09/2022, DJe 26/09/2022.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Ação civil pública. Vícios na construção de edifícios populares. Alvenaria autoportante. "Prédio-caixão". Natureza dos pedidos formulados na exordial. Litisconsórcio passivo necessário em relação a todos os sujeitos econômicos, direta ou indiretamente, responsáveis. Art. 47 do CPC/1973. Prescindibilidade.
DESTAQUE
Em ação civil pública que se objetiva apenas a realização de levantamento dos prédios construídos com determinada técnica, a realização de estudo técnico e a reparação de vícios urgentes, não há litisconsórcio necessário de todos sujeitos econômicos, direta ou indiretamente, responsáveis pela construção e segurança dos imóveis.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No caso, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal propuseram ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal/CEF e contra municípios, relatando a ocorrência de desabamentos de ao menos dois edifícios, com vítimas fatais, em cujas construções se adotara a técnica de alvenaria autoportante (também denominada "prédios-caixão"), havendo o risco de que outros imóveis localizados nas referidas municipalidades, e nos quais empregada essa mesma técnica, pudessem vir a sofrer semelhantes sinistros.
Fora requerida a condenação da Caixa Econômica Federal e dos municípios acionados a adotarem específicas providências de campo, que vão do levantamento da totalidade de obras feitas em modo de prédio-caixão, passando pela subsequente feitura de estudos técnicos segundo moldes propostos pelo ITEP, adotando-se, nesse interregno e incidentalmente, medidas preventivas que se apresentem eventualmente necessárias para a preservação da segurança dos imóveis e de seus moradores, tudo ultimado por requerimento orientado a impedir a concessão, pelos municípios, de licença para a construção de novas edificações com a metodologia assim questionada.
O Tribunal de origem, em vista da relação jurídica veiculada na subjacente ação civil pública, assentou a exigência da formação de litisconsórcio passivo necessário entre os entes municipais, as empresas construtoras e os agentes financeiros que, direta ou indiretamente, atuaram na construção dos imóveis sob risco.
No entanto, em suma, observa-se que o objeto da presente ação não é, necessariamente, reparação de vícios, mas sim, basicamente, a realização de levantamento dos prédios construídos com a técnica autoportante, a realização de estudo técnico, o que ficará a cargo, tão-somente, dos municípios, e a reparação de vícios urgentes, que ponham em risco o patrimônio e vidas alheios.
Não há falar, portanto, na obrigatoriedade de formação do litisconsórcio necessário, sobretudo pela circunstância de que, a teor dos contornos da demanda em apreço, não se antevê perspectiva de que, "por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica", tenha o juiz de "decidir a lide de modo uniforme para todas as partes", como preconizava o conteúdo do art. 47, do hoje revogado CPC de 1973 (correspondente ao art. 114 do CPC/2015).
Processo
REsp 1.997.590-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 06/10/2022.
Ramo do Direito
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO URBANÍSTICO
Tema
Reintegração de Posse. Imóveis localizados às margens de ferrovia. Extensão da faixa atingida. Soma da faixa de domínio com a faixa não edificável.
DESTAQUE
A faixa não edificável às margens de ferrovia, prevista na Lei n. 6.766/1979, se inicia ao final da faixa de domínio.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O 4º, III, da Lei n. 6.766/1979 em vigor quando da propositura da demanda previa que "ao longo … das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias e dutos será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica".
Conforme consignado pelo Ministério Público, pela leitura da lei, tem-se por equivocada a conclusão de considerar que a faixa não edificável estaria inserida na área de domínio, uma vez que a legislação é clara ao dizer que será observada a faixa non aedificandi de 15 metros ao longo das faixas de domínio público das ferrovias.
Com isso, a interpretação correta do art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1979 deve ser no sentido de que uma faixa tem início a partir do final da outra.
Registre-se, por oportuno, que atualmente a faixa non aedificandi encontra previsão no inciso III-A do art. 4º da Lei n. 6.766/1979, assim redigido: III-A - ao longo da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado; (Redação dada Lei n. 14.285, de 2021).
Assim, deve-se estabelecer como de 30 (trinta) metros a faixa sujeita à reintegração de posse, considerando-se os 15 (quinze) metros de faixa de domínio (de cada lado do eixo da via férrea) do Decreto n. 7.929/2013 reconhecidos pelo Tribunal de origem e os 15 (quinze) metros de faixa não edificável, nos termos da Lei n. 6.766/1979.
TERCEIRA TURMA
Processo
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Investigação paternidade post mortem. Busca da verdade real. Dignidade da pessoa. Recusa dos descendentes do de cujus para realização de exame DNA. Exumação de restos mortais. Possibilidade de realização de exame.
DESTAQUE
É legal a ordem judicial de exumação de restos mortais do de cujus, a fim de subsidiar exame de DNA para averiguação de vínculo de paternidade, diante de tentativas frustradas de realizar-se o exame em parentes vivos do investigado, bem como de completa impossibilidade de elucidação dos fatos por intermédio de outros meios de prova.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a discussão acerca da alegada ilegalidade da ordem judicial de exumação dos restos mortais do genitor, a fim de subsidiar exame de DNA para averiguação de alegado vínculo de paternidade.
Mais especificamente, cumpre determinar se este meio de prova deve ser admitido especialmente diante (i) da recusa dos descendentes do suposto genitor em fornecer material genético para a realização da perícia indireta e (ii) da insuficiência do regime de presunções legais para resolver a controvérsia.
Quanto ao ponto, cabe registrar que a possibilidade de determinação de exumação cadavérica para fins de realização de exame de DNA encontra guarida na jurisprudência do STJ, que considera ser providência probatória inserida no âmbito das faculdades instrutórias do juiz, nos termos do art. 130, do CPC/1973 (atual art. 370, do CPC/2015), segundo o qual, "caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias".
Efetivamente, em se tratando de investigação de paternidade, demanda em que estão em discussão direitos personalíssimos indisponíveis, o processo deve pautar-se pela busca da verdade real, possibilitando aos investigantes a maior amplitude probatória possível.
Conforme já proclamou o STJ, "a ação de investigação de paternidade ajuizada pelo pretenso filho contra o suposto pai é manifestação concreta dos direitos à filiação, à identidade genética e à busca da ancestralidade, que compõem uma parcela muito significativa dos direitos da personalidade, que, sabidamente, são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes (REsp 1.893.978/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 29/11/2021).
O direito à identidade genética, vale dizer, é atributo da personalidade da pessoa, direito fundamental do indivíduo. Nessa perspectiva, é absolutamente lícito ao pretenso filho perseguir a elucidação da sua parentalidade lançando mão de "todos os meios legais e moralmente legítimos" para provar a verdade dos fatos, conforme estatuído no caput do art. 2º-A, da Lei n. 8.560/1992 (Lei da Ação de Investigação de Paternidade).
A realização ou não da prova de DNA é um ônus probatório do demandado na ação investigatória de paternidade e não um dever. No entanto, o dinamismo que se atribui ao ônus da prova, denominado como "carga dinâmica", corrobora a imputação do ônus àquele que, facilmente, possui condições de comprovar as suas teses, sob pena de, com base no art. 373 do CPC/2015, em não o fazendo, ver a pretensão julgada contra si.
De toda forma, a encerrar antigas divergências jurisprudenciais e doutrinárias, recentemente foi promulgada e publicada a Lei n. 14.138/2021, que acrescentou o §2º ao art. 2º-A, da Lei n. 8.560/1992, possibilitando a realização do exame de DNA nos parentes do falecido, gerando a sua recusa a presunção relativa do vínculo biológico, a ser apreciada em conjunto com outras provas.
Com efeito, o contexto processual do caso, a primazia da busca da verdade biológica, as tentativas frustradas de realizar-se exame de DNA em parentes vivos do investigado, ante a recusa destes, apesar de constituir o meio menos gravoso para a solução da controvérsia, bem como a completa impossibilidade de esclarecimento e de elucidação dos fatos submetidos a julgamento por intermédio de outros meios de prova, justifica plenamente o exame exumatório determinado.
Processo
REsp 1.726.804-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 29/09/2022.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Violação a direito de marca. Imitação de trade dress. Concorrência de desleal. Inocorrência. Ausência de ineditismo, confusão ao consumidor ou desvio de clientela. Supressio. Perda do direito de apropriar-se da roupagem, por carência de animus. Convivência harmônica entre as marcas, há mais de quarenta anos.
DESTAQUE
Para a caracterização da infringência de marca, não é suficiente que se demonstrem a semelhança dos sinais e a sobreposição ou afinidade das atividades, é necessário que a coexistência das marcas seja apta a causar confusão no consumidor ou prejuízo ao titular da marca anterior, configurando concorrência desleal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, relevante ponderar que a proteção jurídica que se dá ao trade dress decorre da necessidade de se combater a utilização indevida de elementos e caracteres que, adstritos a marca, personalizam e distinguem produtos e serviços ofertados no mercado, a exemplo de embalagens, cores, designs, desenhos, decorações, dentre outros - os quais, por vezes, não integram o registro dessa marca, mas possuem alto poder de influência na liberdade volitiva dos consumidores. E a finalidade precípua de tal amparo legal é coibir confusão e má associação por parte do público consumidor, garantindo, por outro lado, o exercício da livre concorrência.
O art. 124, em seu inciso VIII, da Lei de Propriedade Industrial dispõe que não são passíveis de registro de marca: cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo. E o inciso XIX da referida norma, estabelece que também não são passíveis de registro de marca, a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia.
Dessa forma, para a caracterização da infringência de marca, por usurpação ou arremedo de sua "roupagem", não é suficiente que se demonstrem a mera semelhança de cores, embalagens, sinais, sobreposição ou afinidade das atividades. É necessário que o ato apontado como desleal seja de tal relevância que a coexistência das marcas, em decorrência da identidade de suas trade dresses, cause confusão no consumidor ou prejuízo ao titular da marca anterior, a impor uma ação do Estado a fim de reprimir a conduta.
A possibilidade de associação indevida e confusão entre as marcas deve ser analisada diante de cada caso concreto, cujos parâmetros a doutrina buscou definir, listando critérios para a avaliação da possibilidade de confusão de marcas: a) grau de distintividade intrínseca delas; b) grau de semelhança entre elas; c) legitimidade e fama do suposto infrator; d) tempo de convivência delas no mercado; e) espécie dos produtos em cotejo; f) especialização do público-alvo; e g) diluição.
Segundo a doutrina, nenhum desses elementos deve se sobrepor aos demais, sendo certo que o resultado da avaliação de um critério isoladamente não confirma nem elimina a colidência das marcas sob exame. "(...) O grau de relevância de cada item do teste só poderá ser sopesado pelo examinador diante do caso concreto". No caso, a falta de originalidade/pioneirismo e vulgarização das roupagens utilizadas, que seguiram as tendências de mercado, como outras tantas marcas do mesmo segmento, não havendo se falar em confusão ou má-associação entre os consumidores.
Ademais, as questões trazidas se conjugam perfeitamente ao instituto da supressio, pela qual o não exercício de certo direito, por parte de seu titular, em considerável lapso temporal, infunde a crença real e efetiva de que esse direito não mais será perseguido, criando na outra parte um verdadeiro sentimento de confiança de que não há sequer interesse daquele em pleiteá-lo.
Portanto, é evidente a generalização das trade dresses examinadas que, embora similares, valeram-se de elementos e caracteres de domínio comum, seguindo a tendência de mercado ditada pela líder internacional: embalagem cilíndrica com corpo ou conteúdo amarelo, carregando nome, sinais e tampa na cor vermelha - ao longo de todo esse período, sem notícias de confusão ao consumidor ou desvio de clientela, até porque, sequer se destinavam ao mesmo público. Desse modo, não há que se falar em concorrência desleal ou ofensa a direito marcário ou a propriedade industrial, intelectual e autoral.
Processo
REsp 1.984.013-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Ação demarcatória. Terras particulares. Fixação de limites. Divergência entre os marcos e o constante no registro imobiliário. Retificação. Via adequada.
DESTAQUE
A ação demarcatória é a via adequada para dirimir a discrepância entre a realidade fática dos marcos divisórios e o constante no registro imobiliário.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na origem, alegou-se que o levantamento topográfico georreferenciado, realizado como condição para registrar escritura pública de compra e venda do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóveis, revelou que a sua área real equivaleria a 334.43,73 hectares, e não aos 184.77,82 hectares constantes no registro. Ou seja, sustentou-se que haveria uma discrepância entre a realidade fática dos marcos divisórios e o constante no registro imobiliário.
No caso, as autoras não pretendem a aquisição da propriedade de terras contíguas às suas com base em alegação de posse mansa e pacífica.
O Tribunal de origem entendeu que a ação demarcatória não seria a via adequada para a pretensão almejada sob o argumento de que a ação demarcatória pressupõe a inexistência de linha divisória entre os terrenos, bem como que eventual acréscimo de área implicaria aquisição originária da propriedade incompatível com a demanda demarcatória.
No entanto, o cabimento da ação demarcatória, em casos como esse, encontra amplo respaldo na jurisprudência desta Corte segundo o qual "havendo divergência entre a verdadeira linha de confrontação dos imóveis e os correspondentes limites fixados no título dominial, cabível a ação demarcatória para eventual estabelecimento de novos limites (art. 946, I, do CPC c/c art. 1.297 do CC)". (REsp 759.018/MT, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/5/2009, DJe de 18/5/2009).
QUARTA TURMA
Processo
REsp 1.504.916-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 27/09/2022.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Condomínio pro indiviso entre particulares e a Terracap. Gleba não demarcada. Aquisição parcial por usucapião via judicial. Possibilidade.
DESTAQUE
A existência de bem público não demarcado em condomínio pro indiviso com particulares não impede ação de usucapião parcial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na origem, trata-se de ação de usucapião julgada improcedente ao fundamento de ser inviável porque, na hipótese, a área usucapienda se encontra em condomínio pro indiviso com área de domínio público, não sendo possível distinguir as glebas públicas das privadas.
Inicialmente, consigna-se que bens públicos são todos os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, isto é, União, Distrito Federal, Estados, Municípios, Autarquias e Associações Públicas.
Não se incluem no rol de bens públicos aqueles pertencentes às empresas públicas e sociedades de economia mista, por serem detentoras de personalidade jurídica de direito privado.
Nesse cenário, os bens da Companhia Imobiliária de Brasília - Terracap, constituída sob a forma de empresa pública, não se enquadrariam na classificação de bens públicos. No entanto, o entendimento há muito sedimentado pelo STJ é de que os imóveis administrados pela Terracap são públicos e, portanto, insuscetíveis de usucapião (EREsp 695.928/DF, Rel. Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado em 18/10/2006, DJ 18/12/2006).
De fato, deve-se considerar a peculiaridade de que a Terracap, conquanto constituída sob a forma de empresa pública, tem justamente a específica finalidade de executar, mediante remuneração, as atividades imobiliárias de interesse do Distrito Federal, compreendendo a utilização, aquisição, administração, disposição, incorporação, oneração ou alienação de bens dominicais do Distrito Federal, susceptíveis de alienação a particulares.
Todavia, no caso, a área litigiosa não pertence exclusivamente à Terracap na qualidade de empresa pública, mas a um condomínio com particulares, isto é, a mais de um proprietário em estado de comunhão de fato e de direito e, ainda que entre eles se inclua a Terracap, não se pode considerá-lo não passível de usucapião pela via judicial, enquanto não realizada a divisão das terras.
Com efeito, se a empresa pública tivesse comprovado a propriedade exclusiva da área desapropriada, seria manifesta a sua qualidade de bem público, nos termos da citada jurisprudência desta Corte, na modalidade de bem dominical. Ademais, considere-se que, nos limites da ação de usucapião, haverá necessariamente a devida identificação do imóvel objeto da pretensão, como condição para a ação (CPC/2015, art. 1.071 c/c art. 216-A da Lei de Registros Públicos).
Portanto, a propriedade da área não é exclusiva da Empresa Pública, de modo que, diante das especificidades do caso, não há como se estender a natureza pública a todo o imóvel, a ponto de considerá-lo absolutamente insuscetível de usucapião, pois tal hipótese não se amolda perfeitamente nem ao critério subjetivo da titularidade, adotado pelo art. 98 do Código Civil, tampouco ao critério destinador, tratado nos arts. 99 a 101 do CC/2002, para o enquadramento do bem como público e insuscetível de alienação a particulares.
Processo
REsp 2.018.619-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Contrato de alienação fiduciária. Ingresso da ação monitória. Início do prazo prescricional. Transferência definitiva da propriedade do imóvel.
DESTAQUE
No contrato de mútuo com alienação fiduciária, o prazo quinquenal de prescrição é contado da data em que consolidada a propriedade do imóvel em nome da instituição financeira (transferência definitiva da propriedade do imóvel), e não da data em que instituída a garantia da alienação fiduciária.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Nos termos do que prevê o art. 22 da Lei n. 9.514/1997, "A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel".
Assim, não se trata a alienação fiduciária de transferência definitiva da propriedade do imóvel do fiduciante ao fiduciário, mas institui uma garantia da dívida. O credor tem a propriedade resolúvel, condicionada ao não pagamento do débito, quando, então, considera-se resolvida. Somente a partir desse momento será plena a propriedade para o fiduciário.
Tanto é assim que a lei faculta ao devedor purgar a mora, evitando que a propriedade, que era resolúvel, se consolide para o credor, o que ocasiona, segundo os ditames legais (§ 5º do art. 26), a convalescência da alienação fiduciária, ou seja, a garantia:"§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária".
Nesse sentido, já decidiu o STJ que a "intenção do devedor fiduciante, ao oferecer o imóvel como garantia ao contrato de alienação fiduciária, não é, ao fim e ao cabo, transferir para o credor fiduciário a propriedade plena do bem, diversamente do que ocorre na compra e venda, mas apenas garantir o adimplemento do contrato de financiamento a que se vincula, objetivando que, mediante o pagamento integral da dívida, a propriedade plena do bem seja restituída ao seu patrimônio" (REsp 1.726.733/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 16/10/2020).
Com efeito, é também entendimento consolidado que a cobrança de dívida líquida constante em instrumento particular sujeita-se ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do CC/2002.
Processo
REsp 1.836.910-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022.
Ramo do Direito
DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Contrato de seguro. Recusa de cobertura securitária. Dever de informação. Regulação de sinistro. Atribuição da Susep.
DESTAQUE
Em caso de recusa de cobertura securitária, não cabe ao Poder Judiciário, em ação civil pública, impor a obrigação de a seguradora fornecer todos os elementos coligidos no procedimento de regulação de sinistros, e não apenas a mera justificativa.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A regulação de sinistro consiste em uma atividade complexa e multidisciplinar, realizada pelos ajustadores de perdas em conjunto com os peritos nomeados pelas seguradoras.
A atividade é feita, em regra, por empresas terceirizadas, isto é, constitui a soma da expertises da seguradora e da empresa que fará, por delegação da seguradora, as vezes de regulador.
No caso, o Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública em face de Companhia de Seguros, sustentando que a seguradora adota, para celebração de contrato, questionário de avaliação de risco, e que realiza investigações sobre as circunstâncias de sinistros que lhe sejam comunicados pelo segurado, todavia, apurada eventual inexatidão das respostas, a indenização securitária é recusada ou reduzida, sem que seja dado acesso às provas apuradas ou a contraposição a elas.
Segundo a doutrina, "a regulação do sinistro não tem recebido maior atenção no direito positivo brasileiro, diferentemente do que ocorre em outros ordenamentos jurídicos, nos quais costuma ser objeto de alguma disciplina legal. O Código Civil de 2002, no capítulo relativo ao contrato de seguro (arts. 757 a 802), não dispõe a respeito do procedimento. O mesmo se diga em relação ao Código Civil de 1916 e ao Dec.-lei n. 73/66, este ainda em vigor. [...] Deste modo, torna-se objeto de disposições contratuais e de normas administrativas emitidas pelo ente regulador".
O art. 2º do Decreto-Lei 73/1966, que criou a Susep, estabelece no art. 36 que compete à Susep: a) baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP; b) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional; c) fiscalizar as operações das Sociedades Seguradoras, inclusive o exato cumprimento deste Decreto-lei, de outras leis pertinentes, disposições regulamentares em geral, resoluções do CNSP e aplicar as penalidades cabíveis.
O rito da regulação do sinistro não se encontra disciplinado em lei no direito brasileiro, e há princípio inteligível estabelecendo em lei essa atribuição à Susep de formular política pública, o que, nesses casos, pode mesmo se configurar necessário em vista do fato de que a rapidez com que são editadas as regras é a mesma com que elas podem ser revogadas ou modificadas, caso produzam resultados contrários aos pretendidos. Estes efeitos, em muitos casos, não poderiam ser obtidos se fosse necessário o processo legislativo (e muito menos em decisões judiciais com manto de coisa julgada).
Ademais, o Judiciário não está devidamente aparelhado para formular políticas públicas, inclusive sopesando todos efeitos de eventual decisão, e consoante precedente da Segunda Turma do STJ, não é papel do Judiciário promover a substituição técnica por outra concepção defendida pelo julgador, sendo "incabível substituição da discricionariedade técnica pela discricionariedade judicial" (AgInt no REsp n. 1.823.636/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 16/9/2021).
Nessa linha de intelecção, o art. 41 da vigente Circular Susep n. 621/2021 estabelece que nos contratos deverão ser informados os procedimentos para comunicação, regulação e liquidação de sinistros, incluindo a listagem dos documentos básicos previstos a serem apresentados para cada cobertura, e o art. 43 estabelece que deve constar o prazo máximo para liquidação de sinistros, limitado a trinta dias, contados a partir da entrega de todos os documentos básicos previstos no art. 41. Já o art. 46, na mesma linha das Circulares revogadas, estabelece que, caso o processo de regulação de sinistros conclua que a indenização não é devida, o segurado deverá ser comunicado formalmente, com a justificativa para o não pagamento dentro do prazo previsto no art. 43 (30 dias).
Igualmente, expor todos os documentos obtidos no procedimento de regulação, a toda evidência, representaria extensa exposição ao mercado do modo de apurar da seguradora e de sua parceira reguladora (Know-how de ambas), trazendo desequilíbrio concorrencial, riscos de ocasionar dissabores, danos morais e materiais a segurados e terceiros beneficiários de seguro, e também dificultando sobremaneira a eficiência da regulação de seus contratos de seguros (facilitação de fraudes).
Nessa perspectiva, não cabe ao Judiciário substituir-se ao legislador, violando a tripartição de Poderes e suprimindo a atribuição legal da Susep ou mesmo efetuando juízos morais e éticos, não competindo ao magistrado a imposição dos próprios valores de modo a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo.
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