Substituição quase-pupilar – deve ser introduzida no direito brasileiro?
Zeno Veloso. - Professor de Direito Civil e de Direito Constitucional Aplicado na Universidade Federal do Pará (aposentado) e na Universidade da Amazônia; Diretor Regional Norte do IBDFAM; membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
1. O presente estudo é inspirado numa consulta que dei a uma mãe angustiada, cujo problema não pude resolver. Por sinal, nesses já longos anos de atividade profissional, foi o terceiro ou quarto caso semelhante que me apareceu. A senhora devia ter 65 anos de idade. Contou que aos 20 anos, apaixonou-se por um funcionário público que tinha sido transferido de Salvador. Deu-se o que se chama paixão à primeira vista, e do namoro ao noivado pouco tempo transcorreu. A moça descobriu que estava grávida e ainda sentiu-se mais realizada e feliz, pois a data de seu casamento já se aproximava. Mas, para sua surpresa e desapontamento, o rapaz rompeu o compromisso, dizendo que havia sentido saudades de uma ex-namorada e abandonou-a. Além disso, não deu mais notícias, jamais quis saber do filho, evaporou-se, ao ponto de não se saber se ainda vive ou morreu. Sozinha, teve de criar o menino, enfrentando galhardamente dificuldades extremas. Este filho está com 44 anos, nasceu com uma doença mental profunda, grave, permanente e, segundo o atual estágio da ciência médica, irreversível. Em tudo, sem quase nada tirar, depende da mãe. Embora não deva ser chamado assim, por força da Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência, que, além de muitos outros, alterou o art. 3º do Código Civil, trata-se, na prática, na realidade de sua existência, de um absolutamente incapaz.
A senhora, talvez porque observou no meu olhar alguma expressão de solidariedade, disse: “não tenho queixas, doutor, da vida que tenho vivido, nem fico me lamentando, nem me acho uma heroína, uma ‘mulher maravilha’. Considero, ao contrário, ter sido eleita por Deus, Nosso Senhor, com a missão de cuidar dessa criatura tão amada por Ele e por mim, que foi colocada nesse mundo”. Tenho de confessar que escutei isso com grande emoção e respeito.
A consulente explicou que, não obstante os cuidados que teve de dispensar ao filho, sempre trabalhou muito, bem aplicou seu dinheirinho. É dona de dois apartamentos e de um investimento financeiro. Mas, recentemente, numa visita rotineira a seu clínico, foi pedida uma bateria de exames, e descobriu que está sofrendo de moléstia muito grave. Sabe que, com sua morte, todos os seus bens passarão para esse filho, único e universal herdeiro.
Ela tem uma amiga de confiança, desde os tempos em que ambas eram meninas. Essa amiga muito se afeiçoou a seu filho, gosta muito dele. Poderá ficar como sua curadora.
Entretanto, os bens que irão ao filho, com a morte dele, passarão a seus parentes mais próximos, seguindo a ordem de vocação hereditária, que são quatro primos, que jamais tiveram nenhuma aproximação ou ligação com ele. Ao contrário, rejeitaram-no, trataram-no com total discriminação, com visível desapreço. Nada mais vil e odioso de que o preconceito com relação a uma pessoa deficiente, e só por causa dessa limitação. Perguntou-me, então, a mãe amorosa e aflitíssima o que poderia fazer, legalmente, para que os bens que coubessem a seu filho amado não se transferissem, futuramente, para aqueles parentes que, gratuitamente, o odiavam?
Indagou sobre a possibilidade de fazer um testamento, deixando todos os seus bens para a aludida e querida amiga, futura cuidadora do filho incapaz, com o encargo de ela amparar e proteger esse filho. Respondi que isso era impossível, pois o filho é herdeiro necessário, tendo direito à legítima (arts. 1.845 e 1.846 do Código Civil). O máximo que podia fazer, expliquei, era deixar a metade de seus bens – metade disponível – para essa amiga (CC, art. 1.789). Mas a outra metade, obrigatoriamente, iria para o filho, e, quando este morresse, para os primos que o tratavam tão mal, considerando que ele não tinha possibilidade de escolher seus herdeiros, não poderia manifestar a sua vontade, por falta absoluta de discernimento e autonomia, estava vedada ao mesmo a facção testamentária. Notei a sua contrariedade e decepção com as informações que dei.
Quando ela se despediu, deixando meu gabinete com ar de profunda tristeza, afirmando: “qualquer dia, volto aqui”, quem ficou angustiado fui eu. Meditei sobre a questão, pensei e repensei, até concluir que tinha dado a ela a solução possível, embora não resolvesse o problema. De repente, veio-me à mente uma figura do direito romano, que dava um jeito para casos como esse, e eu até já havia abordado o tema em meu livro Comentários ao Código Civil (São Paulo: Saraiva, 2003, coordenador Antônio Junqueira de Azevedo, vol. 21, p. 294). Transcreverei o que ali escrevi, introduzindo alguns acréscimos, e, afinal, vou apresentar uma sugestão de reforma legislativa, alterando o Código Civil.
2. O direito romano conheceu a substituição pupilar, pela qual o pater familias designava herdeiro para seu filho, se este falecesse impúbere (pupillus). Na época de Justiniano, consolidou-se outro tipo de substituição, denominada quase-pupilar (ou exemplar, ou justinianeia), em que o ascendente nomeava herdeiro para o descendente que sofresse das faculdades mentais, e morresse no estado de alienação.
Nas Institutas do Jurisconsulto Gaio – uma das maiores autoridades do direito romano, a quem o Imperador Justiniano chamava “Gaius noster” (“O nosso Gaio”), demonstrando carinho e respeito – encontramos no Livro II, nº 179, referência à substituição pupilar – que já existia no tempo de Cícero, em que o pai (paterfamilias), por testamento, indica quem será o herdeiro do filho (filiusfamilias), se este morrer impúbere, antes de ter adquirido a capacidade de outorgar um testamento, ou seja, era desprovido da testamenti factio. Ulpiano afirma que a substituição pupilar já era conhecida deste os tempos antigos do jus romanum, tendo origem consuetudinária. As Institutas de Gaio foram escritas durante o reinado de Antonino Pio (138-161 d. C.). Passados mais de 300 anos, surgiram as Institutas do Imperador Justiniano, de 533 d. C., que, no Livro 2, Tít. XVI, trata da substituição pupilar (De pupillari substitutione). Entretanto, Justiniano, através de uma Constituição, à imagem e semelhança da pupilar, criou a substituição quase-pupilar ou exemplar (ad exemplum pupillaris substituitionis), em que o pai de um filho mentecapto (louco), faz a indicação dos herdeiros deste filho, ficando sem efeito a substituição do filho se este recupera a razão, como, do mesmo modo, fica sem efeito a substituição pupilar quando o filho chega à puberdade (cf. Pietro Bonfante, Istituzioni di Diritto Romano, 8ª ed., Roma, 1925, § 208; Eugène Petit, Tratado Elemental de Derecho Romano, tradução da 9ª ed. francesa, México, 1977, ns. 563 a 567; Max Kaser, Direito Privado Romano(Römisches Privatrecht), Fundação Calouste Golbenkian, Lisboa, 1999, § 68, p. 387); José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, 14ª ed., Rio de Janeiro, 2008, n. 318, p. 735; Silvio Meira, Instituições de Direito Romano, 4ª ed., São Paulo, 2017, ns. 287 e 288, p. 493).
3. Nas Ordenações Filipinas (Livro 4, Tít. LXXXVII, § 7º) previu-se: “Substituição pupilar é a que o pai faz a seu filho pupilo, que tem debaixo de seu poder, nesta forma: Se meu filho Pedro falecer dentro da pupilar idade, seja seu herdeiro Paulo”. Assim que o filho varão completasse quatorze anos e a filha doze anos, expirava a substituição pupilar que o pai tivesse feito. O objetivo era o de evitar que os impúberes morressem sem ter feito testamento. As Ordenações Filipinas (L. 4, Tít. LXXXI, princ.) diziam: “O varão menor de quatorze anos, ou a fêmea menor de doze, não podem fazer testamento, nem o furioso”. Nesse tempo, os menores eram considerados púberes ou impúberes: o varão é púbere, se completou quatorze anos de idade; e a mulher, desde que completou doze anos (Ordenações citadas, L.4., Tít. CIV, último parágrafo). Na Consolidação das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, art. 993, § 1º, estabeleceu-se que não podem fazer testamento os menores de quatorze anos e as menores de doze.
No L. 4, Tít. LXXXVII, § 11, as citadas Ordenações[1] diziam que a substituição exemplar é a que um ascendente faz a seu descendente, o qual não pode fazer testamento por causa de algum impedimento natural e perpétuo, como no caso de o descendente ser furioso, mentecapto, surdo e mudo de nascimento. Tratava-se, como se vê, da substituição quase-pupilar, criada por Justiniano.
4. Na Consolidação das Leis Civis, Teixeira de Freitas – nosso sumo civilista – regulou tais substituições nos arts. 1.045 a 1.051.
5. O anterior Código Civil português, de 1867 (um momento jurídico, cujo projeto foi redigido pelo Visconde de Seabra, que nasceu no Brasil), acolheu essas substituições nos arts. 1.859 e 1.862. No Código lusitano em vigor, a matéria vem tratada nos arts. 2.297 (substituição pupilar) e 2.298 (substituição quase-pupilar). Na substituição pupilar, o progenitor que tem o poder paternal institui herdeiros ou legatários ao filho menor de 18 anos de idade. Na substituição quase-pupilar, o progenitor nomeia herdeiros ou legatários ao filho incapaz de testar em consequência de interdição por anomalia psíquica. Essas substituições só podem abranger os bens que o substituído (o filho menor de idade ou o filho incapaz de testar em consequência de interdição por anomalia psíquica) haja adquirido por via do testador, embora a título de legítima. A substituição pupilar fica sem efeito logo que o substituído perfaça os dezoito anos, ou se falecer deixando descendentes ou ascendentes, e a substituição quase-pupilar fica sem efeito logo que seja levantada a interdição, ou se o substituído falecer deixando descentes ou ascendentes (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra, 1998, v. VI, p. 467 s.; José de Oliveira Ascensão, Direito Civil-Sucessões, 5ª ed., Coimbra, 2000, n. 25, p. 49 s.; Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, 4ª ed., Coimbra, 2000, v. I, p. 224 s.; Inocêncio Galvão Telles, Sucessão Testamentária, Coimbra, 2006, ns. 108 e 109, p. 101; Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de Direito das Sucessões, Lisboa, 2012, n. 144, p. 97; Jorge Duarte Pinheiro, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 2ª ed., Lisboa, 2017, n. 25, p. 89).
6. O Código Civil espanhol, fiel às fontes romanas, menciona, igualmente, as substituições pupilar e quase-pupilar, nos arts. 775 e 776, que se aplicam aos casos de descendentes menores de 14 anos de idade (que não podem ainda testar) e dos que se encontram (de qualquer idade) incapacitados de testar por limitações psíquicas.
Nesses casos, os pais e demais ascendentes poderão fazer testamento e nomear substitutos a seus descendentes. A substituição pupilar fica sem efeito se o filho completar 14 anos, quando adquire a capacidade testamentária ativa, e a substituição quase-pupilar perde o efeito se o incapaz outorga um testamento durante um intervalo lúcido ou depois de haver recobrado a razão. Essas substituições, quando o substituído tiver herdeiros necessários, somente serão válidas se não prejudicarem os direitos legitimários desses herdeiros (cf. José Puig Brutau, Fundamentos de Derecho Civil, tomo V, vol. II, Barcelona, 1977, p. 578; Francisco Bonet Rámon, Compendio de Derecho Civil, tomo V – Sucesiones, Madrid, 1965, ns. 61 e 62, p. 339 s.; José Manuel Fernández Hierro, Los Testamentos, Granada, 2000, p. 666 s.; Carlos Lasarte, Derecho de Sucesiones, 6ª ed., Madrid, 2010, p. 109 s.; José Luis Lacruz Berdejo et alii, Elementos de Derecho Civil, V, Sucesiones, Madrid, 2001, § 57, n. 269, p. 290 s.).
7. O Código Civil de Macau, que entrou em vigor no dia 1º de novembro de 1999, e que tomou o lugar do Código Civil português – que vigorava naquele antigo território –, prevê a substituição pupilar (art. 2.126) e a quase-pupilar (art. 2.127).
8. Como essas figuras que estamos investigando sempre foram denominadas “substituições”, penso que é útil um breve relato sobre a também antiga figura do direito sucessório do mesmo nome. Roma conheceu a substituição vulgar (substitutio vulgaris) e o fideicomisso (fideicomissum hereditatis).
O Código Civil brasileiro acolheu e regula a substituição vulgar (art. 1.947 s.) e a substituição fideicomissária (art. 1.951 s.).
Vou aproveitar, aqui, o que disse em meu livro Comentários ao Código Civil, antes citado (p. 293 s.). Na substituição vulgar ou direta, o testador, nomeando herdeiro ou legatário, prevê o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, indicando outra pessoa – ou outras pessoas – como beneficiária da instituição. Inspiradas no Digesto, as Ordenações Filipinas (L. 4, Tít. LXXXVII) davam exemplo de substituição vulgar: “Instituo a Pedro por meu herdeiro, e se não for meu herdeiro, seja meu herdeiro Paulo”. Chama-se vulgar ou comum essa substituição, por ser a mais frequente. Dá-se o fideicomisso (ou substituição fideicomissária), nos termos do art. 1.951 do Código Civil, quando o testador nomeia herdeiro ou legatário determinando que, por ocasião da morte do instituído (quum morietur), a certo tempo ou sob certa condição, a herança ou legado passará para outra pessoa. O art. 1.952 do Código Civil traz uma inovação importante, estatuindo: “A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador”.
Há uma importante distinção a consignar: na substituição vulgar, o substituto é chamado alternativamente, se o primeiro nomeado não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. O primeiro nomeado não chega a ser sucessor e o herdeiro ou legatário, efetivamente, é o substituto. No fideicomisso, o primeiro nomeado ocupa, realmente, o lugar de sucessor, exercendo os respectivos direitos, mas com a sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, a herança ou o legado se reverte para a pessoa indicada pelo disponente, havendo, assim, vocações sucessivas (cf. Silvio Rodrigues, Direito Civil, v. 7, Direito das Sucessões, São Paulo, 2002 – que tive a honra de atualizar a pedido do saudoso e grande autor –, n. 137, p. 239 s.).
Nas substituições pupilar e quase-pupilar, a substituição não ocorre com relação aos herdeiros ou legatários, mas na pessoa do filho incapaz de fazer testamento, que é substituído pelo pai na feitura do ato de disposição de última vontade.
O substituído é o filho; o pai, autorizado por lei, vai testar por ele, escolhendo seus herdeiros ou legatários. Esses sucessores não serão do pai, mas do filho. Sintetizando: na substituição vulgar ou fideicomissária, a substituição dá-se na pessoa do herdeiro ou do legatário, isto é, do sucessor, do instituído. Na substituição pupilar e na quase-pupilar, a substituição é pelo lado ativo, na pessoa do filho que não tem capacidade testamentária, e que é substituído, para este fim, por seu pai, o autor da substituição. Esclareço que estou utilizando a expressão pai no sentido genérico, e a mãe tem o mesmo e igual direito de exercer a substituição e outorgar o testamento no lugar do filho incapaz de fazê-lo (cf. CC, arts. 1.511, 1.567, 1.631).
9. Feitas estas digressão histórica e visita às legislações de outros povos, além do estudo doutrinário, é chegado o momento de concluir esta investigação e fazer uma proposta de mudança legislativa.
Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1973, tomo LIX, § 5.873, p. 61) observa que é nulo o testamento feito no Brasil por procurador. Hoje, é princípio de ordem pública a irrepresentabilidade para testar. O princípio de que testamento é um negócio jurídico unilateral, pessoal – personalíssimo, como acentua a melhor doutrina –, encontra exceção nas substituições pupilar e quase-pupilar.
Essas substituições são um expediente para suprir a incapacidade testamentária de um filho. Noutra exceção aos princípios, uma pessoa faz testamento por outrem. O filho, que não tem a possibilidade de outorgar disposições de última vontade válidas, é substituído na autoria do testamento por seu pai. Presume-se que este ascendente tem muito afeto pelo filho – quod plerumque fit -, haverá de atuar com o maior respeito, responsabilidade e atenção, com vistas a superar a impossibilidade invencível do filho para outorgar testamento, escolhendo herdeiros e legatários que esse filho provavelmente elegeria, se pudesse fazer a sua própria disposição de última vontade. Essa presunção do amor e do carinho do pai por seu filho cai por terra e se desvanece se esse genitor teve limitado ou extinto o poder familiar (CC, arts. 1.635, 1.637 e 1.638).
O espanhol Lasarte, em seu livro, acima citado (p. 110), argumenta que essas formas de substituição (pupilar e exemplar) representam exclusivamente a manutenção de figuras do passado cuja função na sociedade atual pode considerar-se virtualmente nula, tendo a matéria escasso atrativo e relativa importância prática, tanto assim que o Código Civil francês e o alemão (BGB) não acolheram as duas figuras.
Realmente, as substituições pupilar e quase-pupilar (mais aquela do que esta) têm uma origem que se perde nos tempos antigos. A substituição pupilar é de velhez bimilenar. A quase-pupilar é mais nova(!), foi introduzida por Justiniano. Mas não acho que na época em que vivemos devamos rejeitar antigos institutos jurídicos só por serem vetustos, ou porque não têm grande atrativo ou interesse prático. Se assim fosse, teríamos de revogar, simplesmente, muitos artigos do Código Civil (o próprio instituto do testamento é de escassa utilização por nosso povo, quase ninguém faz testamento, e nem se pode admitir uma ideia disparatada de abolir a figura...)
Até posso concordar que a substituição pupilar perdeu muito de seu interesse e serventia, ficando relegada ao museu histórico do direito. Mas, ao contrário, acho que a substituição quase-pupilar pode ser de grande utilidade.
Se um filho é acometido de doença mental profunda, permanente, e segundo o atual estágio da ciência médica, irreversível, irremediável, achando-se desprovido de vontade, não podendo resolver, escolher, decidir, independentemente de ter havido ou não uma sentença judicial reconhecendo esta situação, não possuindo, ademais, herdeiros necessários, seu pai deve ser autorizado a fazer um testamento, suprindo a incapacidade testamentária do filho, e indicando, por ele, herdeiros ou legatários. Admitida essa possibilidade, o testamento do pai pode abranger todos os bens do filho, sem considerar a procedência dos mesmos. Obviamente, o testamento do pai perde o efeito e caduca, se o filho adquirir ou readquirir o juízo perfeito, ou se tiver herdeiros necessários.
10. O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM nomeou uma Comissão de Juristas para promover estudos e oferecer um anteprojeto de reforma do Livro V – Do Direito das Sucessões – do Código Civil. O presidente desta Comissão é o advogado e professor Mário Delgado, e também fazem parte da mesma os professores Ana Luiza Maia Nevares, João Brandão Aguirre e Flávio Tartuce, que neste ano de Copa do Mundo da Rússia, posso dizer que formam uma verdadeira seleção brasileira de juristas. Por eles tenho grande admiração e apreço.
Ex positis, e servindo a própria exposição como justificativa, venho oferecer minha colaboração a essa douta Comissão, com base nas reflexões antes feitas. Proponho, então, que, em seguida do art. 1.960 do Código Civil, seja introduzida a Seção III, com dois novos artigos, e a redação seguinte:
Seção III
Substituição do filho incapaz de testar
Art. 1.960-A. O ascendente que não teve suspenso nem extinto o poder familiar (arts. 1.635, 1.637, 1.638), cujo filho não pode manifestar a sua vontade, por enfermidade ou deficiência mental, poderá, por testamento, nomear herdeiros ou legatários para este filho.
Art. 1.960-B. Caduca o testamento se o filho recobrar a razão, ou deixar descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro.
Zeno Veloso
- Professor de Direito Civil e de Direito Constitucional Aplicado na Universidade Federal do Pará (aposentado) e na Universidade da Amazônia; Diretor Regional Norte do IBDFAM; membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
[1] As Ordenações foram recompiladas por mandado do rei D. Filipe I de Portugal (II de Espanha) e vigentes a partir da Lei de 11 de janeiro de 1603, já no reinado de Filipe II de Portugal e III de Espanha. Em Portugal, as Ordenações Filipinas vigoraram até 1867, com a entrada em vigor do primeiro Código Civil. No Brasil, essas Ordenações sobreviveram por mais tempo: só foram integralmente revogadas com o Código Civil de 1916, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1917. Rui de Figueiredo Marcos, Carlos Fernando Mathias e Ibsen Noronha (História do Direito Brasileiro, Gen/Forense, 1ª ed., 2014, Rio de Janeiro, n. 15, p. 69) expõem que as Ordenações Filipinas foram a codificação com mais extenso reinado na história do direito luso-brasileiro.
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