DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DE
MÉRITO (ART. 356 DO NOVO CPC) E SUA APLICAÇÃO ÀS AÇÕES DE DIREITO DE FAMÍLIA
Flávio
Tartuce[1]
O Novo Código de Processo Civil, que
entrará em vigor em 18 de março de 2016 – na visão deste autor, seguindo-se o
mesmo critério adotado anteriormente para o Código Civil de 2002 –, traz muitas
normas com impacto direto sobre o Direito de Família Brasileiro. Cite, como principal
exemplo, as regras procedimentais específicas para as Ações de Família,
previstas entre os seus arts. 693 a 699, com destaque para a prioridade que
deve ser dada à mediação e à conciliação entre as partes.
Ademais, existem outros preceitos,
muitos deles escondidos, ou não
perceptíveis em uma primeira análise, com repercussões para esse importante
ramo do Direito Civil, o que deve ser esmiuçado pela doutrina e incrementado
pela jurisprudência nos próximos anos.
Um desses comandos é aquele que trata do
julgamento antecipado parcial de mérito, o que tem enorme incidência para as
demandas que almejam o fim da conjugalidade, pelo divórcio, e a dissolução da
união estável. Conforme o art. 356 do CPC/2015, passa a ser possível,
expressamente pelo texto legal, uma decisão parcial, quando um ou mais dos
pedidos formulados ou parcela deles: a)
mostrar-se incontroverso; e b)
estiver em condições de imediato julgamento, por não haver a necessidade de
produção de provas ou por ter ocorrido à revelia.
Sendo assim, partindo para a prática
familiarista, em havendo pedido de divórcio ou de dissolução da união estável
de ambos os cônjuges ou companheiros, cumulado com outras pretensões –, caso da
guarda de filhos, dos alimentos e de eventual pedido de responsabilização da
outra parte –, é perfeitamente possível que o juiz da causa decrete a
dissolução do casamento ou da união estável, seguindo a ação no debate de
outras questões que ainda pendem de julgamento.
Na verdade, tal solução já vinha sendo
adotada pela jurisprudência, em especial pelo Desembargador Caetano Lagrasta
Neto, ora aposentado, em julgamentos perante o Tribunal de Justiça de São
Paulo, seguindo-se a tese dos capítulos
de sentença, desenvolvida por Cândido Rangel Dinamarco. Entre muitos
arestos, conforme acórdão da 8.ª Câmara de Direito Privado da Corte
Bandeirante, proferido no Agravo de Instrumento 990.10.357301-3, em 12 de
novembro de 2010, de sua relatoria, “com a promulgação da Emenda Constitucional
n. 66/2010, e a nova redação do § 6.º do art. 226 da CF, o instituto da
separação judicial não foi recepcionado, mesmo porque não há direito adquirido
a instituto jurídico. A referida norma é de aplicabilidade imediata e não impõe
condições ao reconhecimento do pedido de divórcio, sejam de natureza subjetiva
– relegadas para eventual fase posterior à discussão sobre culpa – ou objetivas
– transcurso do tempo. (...). Discussões restantes: nome, alimentos, guarda e
visitas aos filhos, bem como a patrimonial, devem ser resolvidas, conforme
ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco, em ‘cisão da sentença em partes, ou
capítulos, em vista da utilidade que o estudioso tenha em mente. É lícito: a)
fazer somente a repartição dos preceitos contidos no decisório, referentes às
diversas pretensões que compõem o mérito; b) separar, sempre no âmbito do
decisório sentencial, capítulos referentes aos pressupostos de admissibilidade
do julgamento do mérito e capítulos que contêm esse próprio julgamento; c)
isolar capítulos segundo os diversos fundamentos da decisão’ (Capítulos de Sentença. 4ª ed., São
Paulo: Malheiros Editores, p. 12). Observa-se que solução diversa não
preservaria a força normativa da Constituição e a carga axiológica decorrente
da normatização dos princípios da dignidade humana e liberdade na busca do amor
e da felicidade”.
No âmbito da doutrina, esse mesmo caminho
foi adotado, pelo menos parcialmente, em enunciado aprovado na VIII Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da
Justiça Federal em setembro de 2015, segundo o qual: “transitada em julgado a
decisão concessiva do divórcio, a expedição de mandado de averbação independe
do julgamento da ação originária em que persista a discussão dos aspectos
decorrentes da dissolução do casamento” (Enunciado n. 602). Em suma, o casal
tem o seu vínculo extinto, sem prejuízo da resolução de todos os dilemas que
ainda pendem de decisão perante o Poder Judiciário.
No mesmo sentido, mas com tom bem mais
abrangente, o Enunciado n. 18 do IBDFAM, aprovado no seu X Congresso Brasileiro, em outubro do mesmo ano, conforme proposta
formulada por este autor: “nas ações de divórcio e de dissolução da união
estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo
CPC), para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a
discussão de outros temas”.
Em verdade, acreditamos que, em tal
aspecto, o Novo Código de Processo Civil dialoga
perfeitamente com a Emenda Constitucional n. 66/2010, que suprimiu os prazos
para o divórcio e a separação de direito, alterando o art. 226, § 6.º, do Texto
Maior e facilitando a dissolução do vínculo conjugal. Esse diálogo é perfeitamente
notado pelo fato de o Estatuto Processual emergente afastar qualquer burocracia
ou entrave maior para o fim do casamento. Efetiva-se, assim, o teor do que
consta do próprio art. 8.º do mesmo Codex,
in verbis: “ao aplicar o ordenamento
jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
Não restam dúvidas de que a eficiência e
a economia estão muito prestigiadas com tal premissa. A título de exemplo mais
específico, e com o intuito de esclarecer, em havendo pedido de divórcio
cumulado com alimentos, o juiz pode deferir o divórcio por sentença, liberando
definitivamente as partes daquele indesejado vínculo, e seguir no curso da lide
a discussão a respeito dos alimentos. Tal opção não afasta a possibilidade de
as partes ingressarem com duas ações autônomas, quais sejam uma de divórcio e
outra de alimentos, o que depende de sua pretensão. De toda sorte, não resta
dúvida de que o primeiro caminho melhor concretiza o que consta como regramento
fundamental da própria norma processual.
Feitos tais esclarecimentos,
acrescente-se que, de acordo com a mesma norma em estudo, a decisão que julgar
parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida –
certa quanto à existência e determinada quanto ao valor –, ou mesmo ilíquida –
que não preenche tais requisitos (art. 356, § 1.º, do CPC/2015). Eventualmente,
não havendo dissenso ou pendência entre as partes, a sentença que decreta o fim
da união pode também trazer em seu bojo a fixação de verba alimentar. A parte
poderá liquidar ou executar, desde logo, essa obrigação reconhecida na decisão
que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução ou garantia,
ainda que haja recurso contra essa interposto (art. 356, § 2.º, do CPC/2015).
Na hipótese dessa execução, se houver
trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva (art. 356, § 3.º, do
CPC/2015). Em complemento, a liquidação e o cumprimento da decisão que julgar
parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a
requerimento da parte ou a critério do juiz (art. 356, § 4.º, do CPC/2015).
Por fim, está previsto na norma emergente
que a decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de
instrumento (art. 356, § 5.º, do CPC/2015). No campo processual, anote-se que
essa já era a posição da doutrina especializada, especialmente no tocante às Ações
de Família (por todos: TARTUCE, Fernanda. Processo
civil aplicado ao direito de família. São Paulo: GEN/Método, 2012, p. 253).
Como palavras finais, entre perdas e ganhos, no objeto de estudo
aqui abordado, o Novo Código de Processo Civil é elogiável, resolvendo definitivamente
dilema que há muito tempo incomodava os teóricos e práticos do Direito de
Família Brasileiro. Esperamos que a jurisprudência incremente essa solução nos
próximos anos.
[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Professor do
programa de mestrado e doutorado da FADISP – Faculdade Especializada em
Direito. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD – Escola Paulista de Direito,
sendo coordenador dos últimos. Professor da Rede LFG. Diretor nacional e
estadual do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado e
consultor jurídico em São Paulo.
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