terça-feira, 3 de maio de 2022

RESUMO. INFORMATIVO 734 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 734 DO STJ. 2 DE MAIO DE 2022.

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

REsp 1.869.959-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 27/04/2022. (Tema 1065)

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO MARCÁRIO

Tema

Propriedade intelectual. Patentes mailbox. Prazo de proteção conforme arts. 40, caput e 229, parágrafo único da IPI. Período mínimo de dez anos da concessão da patente. Não cabimento. Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial. ADI 5.529/STF. Tema 1065.

DESTAQUE

O marco inicial e o prazo de vigência previstos no parágrafo único do art. 40 da LPI não são aplicáveis às patentes depositadas na forma estipulada pelo art. 229, parágrafo único, dessa mesma lei (patentes mailbox).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O acórdão que acolheu a proposta de afetação do presente recurso especial como representativo da controvérsia, proferido em 22/9/2020, delimitou a tese controvertida nos seguintes termos: Fixação do prazo de vigência e do respectivo termo inicial das patentes mailbox (medicamentos e químicos) à luz da legislação de propriedade industrial.

Sobreveio, contudo, julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.529/DF (transitada em julgado em 11/9/2021), ocasião em que foi reconhecida a inconstitucional a norma constante no parágrafo único do art. 40 da LPI.

Os efeitos do reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo em questão foram modulados parcialmente pela Suprema Corte, ocasião em que ficou consignado que a todas as patentes concedidas com extensão de prazo (art. 40, parágrafo único, da LPI), relacionadas a produtos e processos farmacêuticos, bem como a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde, foi aplicado efeito ex tunc, o que resultou, conforme expressamente decidido pelo STF, "na perda das extensões de prazo concedidas com base no parágrafo único do art. 40 da LPI".

Para essas patentes, portanto - sejam elas ordinárias, sejam mailbox -, deve ser respeitado o prazo de vigência estabelecido no caput do art. 40 da LPI (20 anos contados da data do depósito), sem exceção.

Limitou-se a discussão, por consequência, à análise da questão em relação aos produtos e processos que foram submetidos à modulação de efeitos pelo STF, a respeito dos quais, sob o prisma estrito da constitucionalidade, não foram invalidadas as extensões de prazo concedidas com base no parágrafo único do art. 40 da LPI.

Como é sabido, o privilégio garantido pelas patentes, consoante previsto no art. 40, caput, da LPI, perdura pelo prazo de 20 anos para patentes de invenção e 15 anos para modelos de utilidade, contados da data do respectivo depósito. Esse lapso temporal, segundo a regra do parágrafo único do mesmo dispositivo (revogada pela Lei 14.195/2021), não pode - excetuadas as hipóteses de o INPI estar impedido de proceder ao exame do pedido por pendência judicial ou força maior - ser inferior a 10 anos (invenção) e sete anos (modelos de utilidade) desde a respectiva concessão.

Tratando-se, contudo, de patentes excepcionalmente depositadas pelo sistema mailbox, a Lei de Propriedade Industrial, em suas disposições finais e transitórias (art. 229, parágrafo único), estabeleceu regra expressa assegurando proteção limitada unicamente ao lapso de 20 anos (ou 15, para modelos de utilidade) contados do dia do depósito (conforme estipulado pelo citado art. 40, caput).

Vale dizer, o fato de o texto do art. 229, parágrafo único, da LPI dispor que referido prazo de vigência está somente limitado àquele previsto no caput do artigo 40 afasta, como corolário, a incidência do prazo do respectivo parágrafo único (10 ou sete anos contados da concessão).

Esse dispositivo legal (art. 40, parágrafo único, da LPI), ademais, não deve incidir sobre a presente hipótese fática também por estar inserido em capítulo da lei que versa sobre regras gerais aplicáveis ao sistema ordinário de patentes, não podendo irradiar efeitos sobre matéria a qual foi conferido tratamento especial pela mesma lei (sistema transitório mailbox).

Noutro vértice, no que concerne às alegações de que os titulares dos direitos em questão não podem ser punidos com a redução indevida da duração de seu privilégio patentário em razão da demora na análise dos requerimentos pelo INPI, igualmente não assiste razão.

Sopesados os interesses em conflito, não se afigura razoável impor pesados encargos à coletividade em benefício exclusivo dos interesses econômicos dos titulares de direitos patentários, sendo certo que eventual prejuízo causado pela demora do INPI não autoriza que tal ônus seja transferido à sociedade.

Importa consignar, outrossim, que a partir da data da publicação do pedido (e não apenas a partir do momento em que a patente é concedida) o depositante já possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por terceiros, do produto ou processo a que se refere seu requerimento, além de indenização por exploração indevida, conforme estipulam os arts. 42 a 44 LPI.

CORTE ESPECIAL

Processo

REsp 1.758.708-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 20/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

· Tema

Ação Civil Pública. Liquidação da sentença coletiva promovida pelo Ministério Público. Ilegitimidade. Interrupção do prazo prescricional da pretensão individual dos credores. Inocorrência. Modulação dos efeitos da decisão.

DESTAQUE

A liquidação da sentença coletiva, promovida pelo Ministério Público, não tem o condão de interromper o prazo prescricional para o exercício da pretensão individual de liquidação e execução pelas vítimas e seus sucessores.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em decidir se a liquidação da sentença coletiva, promovida pelo Ministério Público, tem o condão de interromper o prazo prescricional para o exercício da pretensão individual de liquidação e execução pelas vítimas e seus sucessores.

O objeto da liquidação de sentença coletiva, exarada em ação civil pública que versa sobre direitos individuais homogêneos, é mais amplo, porque nela se inclui a pretensão do requerente de obter o reconhecimento de sua condição de vítima/sucessor e da existência do dano individual alegado, além da pretensão de apurar o quanto lhe é devido (quantum debeatur).

Ressalvada a hipótese da reparação fluida do art. 100 do CDC, o Ministério Público não tem legitimidade para promover a liquidação correspondente aos danos individualmente sofridos pelas vítimas ou sucessores, tampouco para promover a execução coletiva da sentença, sem a prévia liquidação individual, incumbindo a estes - vítimas e/ou sucessores - exercer a respectiva pretensão, a contar da sentença coletiva condenatória.

Nesse contexto, a ilegitimidade do Ministério Público se revela porque: (i) a liquidação da sentença coletiva visa a transformar a condenação pelos prejuízos globalmente causados em indenizações pelos danos particularmente sofridos, tendo, pois, por objeto os direitos individuais disponíveis dos eventuais beneficiados; (ii) a legitimidade das vítimas e seus sucessores prefere à dos elencados no rol do art. 82 do CDC, conforme prevê o art. 99 do CDC; (iii) a legitimação para promover a liquidação coletiva é subsidiária, na forma do art. 100 do CDC, e os valores correspondentes reverterão em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos, ou de seus equivalentes em nível estadual e/ou municipal.

Ainda que se admita a possibilidade de o Ministério Público promover a execução coletiva, esta execução coletiva a que se refere o art. 98 diz respeito aos danos individuais já liquidados.

Assim, uma vez concluída a fase de conhecimento, o interesse coletivo, que autoriza o Ministério Público a propor a ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos, enquanto legitimado extraordinário, cede lugar, num primeiro momento, ao interesse estritamente individual e disponível, cuja liquidação não pode ser perseguida pela instituição, senão pelos próprios titulares. Num segundo momento, depois de passado um ano sem a habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade do dano, a legislação autoriza a liquidação coletiva - e, em consequência, a respectiva execução - pelo Parquet, voltada à quantificação da reparação fluida, porque desse cenário exsurge, novamente, o interesse público na perseguição do efetivo ressarcimento dos prejuízos globalmente causados pelo réu, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do fornecedor que atentou contra as normas jurídicas de caráter público, lesando os consumidores.

Consequência direta da conclusão de que não cabe ao Ministério Público promover a liquidação da sentença coletiva para satisfazer, um a um, os interesses individuais disponíveis das vítimas ou seus sucessores, por se tratar de pretensão não amparada no CDC e que foge às atribuições institucionais do Parquet, é reconhecer que esse requerimento - acaso seja feito - não é apto a interromper a prescrição para o exercício da respectiva pretensão pelos verdadeiros titulares do direito tutelado.

Em homenagem à segurança jurídica e ao interesse social que envolve a questão, e diante da existência de julgados anteriores desta Corte, nos quais se reconheceu a interrupção da prescrição em hipóteses análogas à destes autos, gerando nos jurisdicionados uma expectativa legítima nesse sentido, faz-se a modulação dos efeitos desta decisão, com base no § 3º do art. 927 do CPC/15, para decretar a eficácia prospectiva do novo entendimento, atingindo apenas as situações futuras, ou seja, as ações civil públicas cuja sentença seja posterior à publicação deste acórdão.

Convém alertar que a liquidação das futuras sentenças coletivas, exaradas nas ações civis públicas propostas pelo Ministério Público e relativas a direitos individuais homogêneos, deverão ser promovidas pelas respectivas vítimas e seus sucessores, independentemente da eventual atuação do Parquet, sob pena de se sujeitarem os beneficiados à decretação da prescrição.

Processo

EAREsp 1.672.966-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 20/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

· Tema

Dissídio jurisprudencial acerca da possibilidade de conhecimento do recurso especial, mesmo sem indicação expressa do permissivo constitucional em que se funda. Possibilidade, desde as razões recursais demonstrem o seu cabimento de forma inequívoca. Inteligência do art. 1.029, II, do Código de Processo Civil.

DESTAQUE

A falta de indicação expressa da norma constitucional que autoriza a interposição do recurso especial (alíneas a, b e c do inciso III do art. 105 da CF) implica o seu não conhecimento pela incidência da Súmula 284 do STF, salvo, em caráter excepcional, se as razões recursais conseguem demonstrar, de forma inequívoca, a hipótese de seu cabimento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia encontra-se pautada na exigência ou não da indicação do permissivo constitucional, com a expressa indicação da alínea, no momento da interposição do recurso especial, para que este seja apreciado por esta Corte.

Dispõe, a propósito, o Código de Processo Civil: "Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I - a exposição do fato e do direito; II - a demonstração do cabimento do recurso interposto; III - as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida".

Com efeito, deve ser dispensada a indicação expressa da alínea do permissivo constitucional em que se funda o recurso especial, se as razões recursais conseguem demonstrar, de forma inequívoca, o seu cabimento, segundo os "casos previstos na Constituição Federal," mitigando o rigor formal, em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e da efetividade do processo, a fim de dar concretude ao princípio constitucional do devido processo legal em sua dimensão substantiva de razoabilidade e proporcionalidade.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

REsp 1.655.705-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 27/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO FALIMENTAR

Tema

Recuperação judicial. Habilitação de crédito. Não obrigatoriedade. Direito disponível. Recebimento fora da recuperação. Excepcionalidade. Reconhecimento posterior. Trânsito em julgado. Sentença de encerramento.

DESTAQUE

O credor que não foi citado na relação inicial de que trata o artigo 51, III e IX, da Lei n. 11.101/2005 não está obrigado a se habilitar, pois o direito de crédito é disponível, porém não terá como receber seu crédito fora da recuperação, salvo quando a decisão que reconhece estar o crédito submetido a seus efeitos for posterior ao trânsito em julgado da sentença de encerramento da recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial, para que seja pago, deve ser habilitado, o que pode ocorrer a partir das informações prestadas pelo devedor ou por iniciativa do credor. As habilitações permitem que os credores sejam identificados, de modo que se saiba quem vai participar do acordo que se realiza com a aprovação do plano de recuperação judicial (votação).

O devedor deve apresentar, junto com sua petição inicial, a relação de todos os credores, com a identificação de cada um, com a especificação da obrigação, o montante devido e a natureza do crédito (art. 51, III, da LREF). Com essas informações, o administrador judicial irá conferir os créditos e elaborar o edital de que trata o artigo 52, § 1º, da LREF, que conterá advertência quanto aos prazos para habilitação e impugnação dos créditos.

Assim, caso algum crédito tenha sido omitido, ou esteja em desacordo com o que o credor entende ser o correto, esse terá 15 (quinze) dias para se habilitar ou apresentar impugnação. Com essas novas informações, o administrador judicial fará publicar um segundo edital (art. 7, § 2º, da LREF), contendo a lista de credores. Nesse momento encerra-se a fase administrativa da apuração dos créditos.

No entanto, ocorrem situações em que na fase inicial de habilitação, o crédito ainda era ilíquido e não foi realizada a reserva de valores (art. 6º, § 3º, da LREF). Após o trânsito em julgado da sentença indenizatória, que estabeleceu o pagamento de valor certo, havia dúvida se o crédito deveria ou não se submeter aos efeitos da recuperação judicial.

É certo que a lei não obriga o credor a habilitar seu crédito. De fato, nos dispositivos legais que tratam do tema (artigos 8º e 10 da LREF), é utilizada a construção "poderá apresentar habilitação" e não deverá. Afinal, trata-se de direito disponível.

De todo modo, o credor não pode prosseguir com a execução individual de seu crédito durante a recuperação, sob pena de inviabilizar o sistema, prejudicando os credores habilitados, como já decidiu a Segunda Seção no julgamento do CC 114.952/SP.

A questão que se põe a debate é definir se, não sendo obrigatória a habilitação, a execução pode ficar suspensa, retomando seu andamento após o encerramento da recuperação judicial.

Considerando que ainda não há jurisprudência consolidada sobre o tema, a questão merece uma reflexão mais detida. O entendimento de que o credor pode decidir aguardar e prosseguir com a execução pelo valor integral do crédito após o encerramento da recuperação judicial não parece estar de acordo com o que dispõe o artigo 49 da LREF, ressalvada uma situação.

É certo que todos os créditos existentes na data do pedido estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. A recuperanda, contudo, pode optar por negociar com apenas parte de seus credores. De fato, o artigo 49, § 2º, da LREF afirma que as obrigações anteriores à recuperação observarão as condições originalmente contratadas, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.

Assim, a recuperanda pode decidir excluir do plano de recuperação judicial alguma classe de credores, ou mesmo uma subclasse, que entende deva ser paga na forma da contratação originária. Essa opção poderá ser avaliada pelos demais credores ao votar o plano de recuperação judicial que não contempla aquela classe.

Essa classe de credores excluída será paga normalmente durante o curso da recuperação judicial, já que seus créditos não foram modificados. Fica claro, assim, que não terão interesse em se habilitar, pois nem sequer podem votar um plano que não lhes atinge.

O que não parece possível é permitir que a recuperanda exclua credores singularmente, conferindo aos excluídos a possibilidade de habilitarem ou não seus créditos no procedimento ou prosseguirem com a execução individual posteriormente pelo valor integral do crédito corrigido e acrescido dos encargos legais.

Com efeito, o artigo 51 da LREF dispõe, visando reduzir a assimetria informacional entre a devedora e seus credores, que a recuperanda deve instruir a petição inicial com a relação nominal completa dos credores, sujeitos ou não à recuperação judicial (inciso III), bem como com a relação de todas as ações judiciais (e procedimentos arbitrais) em que figure como parte, com a estimativa dos respectivos valores demandados (inciso IX).

Se a recuperanda deixar de citar um credor na lista que deve acompanhar a petição inicial, essa situação não se configura como uma exclusão voluntária, mas como desrespeito a uma determinação legal. No caso de a omissão não ser identificada pelo administrador judicial, aos credores excluídos, sem que esse fato seja conhecido dos demais, serão abertas prerrogativas não garantidas àqueles que foram listados na recuperação.

Essa situação poderá esvaziar o procedimento, pois os credores omitidos podem deixar de apresentar habilitação ou aguardar para, após a aprovação do plano, conforme for ou não de seu interesse (verificando o deságio e os prazos previstos para o pagamento de seu crédito), apresentar habilitação retardatária ou aguardar para depois prosseguir com a execução individual pelo valor integral com o encerramento da recuperação judicial.

Ademais, esse credor inicialmente excluído, pode ser detentor de um crédito de alto valor, capaz de influir inclusive na avaliação da viabilidade econômica da empresa. Encerrada a recuperação, o credor excluído prosseguirá com sua execução individual, o que poderá acarretar a falência da empresa, com a alteração da ordem de pagamento, já que durante a recuperação vão surgir créditos extraconcursais, que serão pagos na frente daqueles credores originários, que possivelmente ainda não terão recebido a totalidade das parcelas previstas no plano de recuperação.

Além disso, esse cenário permite a ocorrência de conluios fraudulentos. Não bastasse isso, caso a omissão seja involuntária, diante da possibilidade de retorno das execuções individuais suspensas, a recuperanda buscará eternizar a recuperação judicial, postergando o seu encerramento, com a interposição de recursos e a criação de incidentes protelatórios, o que rompe o equilíbrio do mercado, afetando especialmente a livre concorrência.

Assim, a possibilidade de exclusão voluntária deve se circunscrever a uma classe ou subclasse de credores, que receberão seus créditos na forma originalmente contratada, situação devidamente informada aos demais. Quanto aos credores singularmente excluídos da recuperação, devem habilitar seus créditos na forma definida na Lei n. 11.101/2005.

Registra-se, também, que há alguma divergência a respeito do que caracterizaria o encerramento da recuperação judicial para o fim de prosseguimento das execuções. Existem aqueles que entendem que o encerramento da recuperação judicial coincide com o término da fase judicial (art. 61 da LREF) e os que defendem que a recuperação somente se encerra com o pagamento integral de todas as obrigações previstas no plano de recuperação.

Em nenhum desses marcos, porém, parece possível concluir pelo prosseguimento das execuções dos credores não habilitados.

Com efeito, na hipótese de as execuções poderem prosseguir depois do pagamento integral das obrigações previstas no plano de recuperação judicial, teríamos situações em que, prevendo o plano o pagamento parcelado do crédito pelo prazo de 10 (dez) ou 20 (vinte) anos, as execuções teriam que ficar suspensas durante esse longo período, o que não parece estar de acordo com o princípio da razoável duração do processo e nem sequer com a segurança jurídica (art. 4º do Código de Processo Civil de 2015).

Caso adotado o entendimento de que a recuperação judicial termina com o encerramento da fase judicial, duas situações poderiam ocorrer.

Em primeiro lugar, a execução poderia prosseguir respeitada as condições impostas aos demais credores da mesma classe (novação), o que em tese afastaria eventual desigualdade entre os credores. Porém, nessa situação, a execução iria prosseguir sem título executivo, pois não se estaria executando o plano de recuperação judicial que não contempla o credor/exequente não habilitado, nem tampouco o título originário (crédito novado). Além disso, o exequente poderia discordar da classificação imposta a seu crédito e passaria a existir um incidente na execução sem previsão legal, questionando-se, inclusive, a competência do juízo da execução para decidir a controvérsia.

Por outro lado, prosseguir com a execução pelo valor integral do crédito, conforme já referido, iria esvaziar a recuperação e propiciar a ocorrência de fraudes.

Assim, o prosseguimento das execuções após o encerramento da recuperação se mostra inviável, quer se adote o entendimento de que ele coincide com o término da fase judicial (art. 61 da LREF) ou que se encerra com o pagamento integral de todas as obrigações previstas no plano de recuperação.

Nesse contexto, apesar de o credor que não foi citado na relação inicial de que trata o artigo 51, III e IX, da Lei n. 11.101/2005 não ser obrigado a se habilitar, pois o direito de crédito é disponível, não terá como receber seu crédito fora da recuperação, salvo em uma hipótese.

De fato, no caso em que a decisão que reconhece estar o crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial for posterior ao trânsito em julgado da sentença de encerramento da recuperação judicial, a execução deve prosseguir. Isso porque, encerrada a fase judicial da recuperação judicial, com o trânsito em julgado da sentença, novas habilitações não são mais possíveis. Nessa situação específica, a execução deve prosseguir pelo valor original do crédito, pois não há falar em novação.

Processo

REsp 1.443.290-GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/04/2022, DJe 28/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO AMBIENTAL

Tema

Queima da palha de cana-de-açúcar. Aplicação do art. 27, parágrafo único, da Lei n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal) e art. 16 do Decreto n. 2.661/1998 às atividades agroindustriais. Possibilidade.

DESTAQUE

Sob a vigência da Lei n. 4.771/1965, é lícita a queima da palha de cana-de-açúcar em atividades agroindustriais, desde que devidamente autorizada pelo órgão ambiental competente e com a observância da responsabilidade civil por eventuais danos de qualquer natureza causados ao meio ambiente ou a terceiros.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, em razão de empresas do setor agroindustrial se valerem da queima da palha da cana-de-açúcar como ato preparatório para o cultivo e a colheita nos canaviais, o que resultou na liberação de resíduos sólidos que poluem o meio ambiente e causam danos à população local.

O artigo 27 da Lei n. 4.771/1965, já revogado, mas que se aplica ao caso em razão do princípio tempus regit actum, dipunha que: Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação. Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução (grifo nosso).

O parágrafo único do artigo 27 da Lei n. 4.771/1965, foi regulamentado pelo Decreto n. 2.661, de julho de 1998, que estabeleceu normas de precaução relativas ao emprego de fogo em práticas agropastoris e florestais, mediante autorização de Queima Controlada, conforme se observa inicialmente da redação do artigo 2º, contido no Capítulo II, que trata da Permissão do Emprego do Fogo.

O artigo 16 do Decreto n. 2.661/1998, por sua vez, tratou especificamente da redução gradativa do emprego do fogo, como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar.

A Primeira Seção desta Corte e das Turmas que a compõem, já sob a vigência do Decreto n. 2.661/1998, manifestaram-se sobre a interpretação do parágrafo único do artigo 27 da Lei n. 4.771/1965 e a respeito do Decreto Federal n. 2.661/1998, tendo sido assentada a compreensão segundo a qual, não obstante prejuízos inequívocos à qualidade do meio ambiente, é lícita a queima da palha de cana-de-açúcar, desde que devidamente autorizada pelo Órgão ambiental competente e com a observância da responsabilidade civil por eventuais danos de qualquer natureza causados ao meio ambiente ou a terceiros.

Não se desconhece que há dois julgados da Segunda Turma desta Corte Superior que enfrentaram a questão e nos quais foi fixado o entendimento de que a atividade desenvolvida pela agroindústria não se amoldaria ao conceito de atividade agropastoril. Confiram-se: REsp 1.285.463/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, DJe 6/3/2012; e o AgRg nos EDcl no REsp 1.094.873/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 4/8/2009, DJe 17/8/2009.

Evidencia-se, entretanto, que a Primeira e Segunda Turmas mantiveram o entendimento segundo o qual Administração Pública pode autorizar a queima das palhas da cana-de-açúcar em atividades agrícolas industriais, desde que se atente para determinados requisitos que viabilizem amenizar e recuperar os danos ao meio ambiente.

Processo

REsp 1.923.855-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 26/04/2022, DJe 28/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO AMBIENTAL

Tema

Dano ambiental. Ressarcimento ao erário. Indenização fixada pelo Tribunal a quo no montante de 50% do faturamento bruto obtido pela extração ilegal. Necessidade de reparação integral.

DESTAQUE

A indenização de dano ambiental deve abranger a totalidade dos danos causados, não sendo possível ser decotadas em seu cálculo despesas referentes à atividade empresarial (impostos e outras) .

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na origem trata-se de ação civil pública ajuizada pela União objetivando condenação dos réus na obrigação de restauração de área degradada e ao pagamento de valor total do lucro obtido com a extração ilegal de areia e argila.

O Tribunal a quo fixou a indenização no montante de 50% (cinquenta por cento) do faturamento total da empresa proveniente da extração irregular do minério, porquanto consideradas as despesas referentes à atividade empresarial (impostos e outras).

No entanto, a indenização deve abranger a totalidade dos danos causados ao ente federal, sob pena de frustrar o caráter pedagógico-punitivo da sanção e incentivar a impunidade de empresa infratora, que praticou conduta grave com a extração mineral irregular, fato incontroverso nos autos.

Na hipótese analisada, o valor indicado em sede administrativa é incontroverso, encontrado após detida análise, inclusive mediante imagens de satélite, sendo o estimado como o de mercado ao tempo da extração, a representar 100% do valor obtido com a extração ilegal, no que entende-se pela desnecessidade de apuração em sede de liquidação de sentença.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.830.080-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/04/2022, DJe 29/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Direito real de habitação. Cônjuge supérstite. Inoponibilidade. Copropriedade preexistente da filha exclusiva do "de cujus". Arbitramento de aluguéis. Cabimento.

DESTAQUE

Tem direito ao recebimento de aluguéis a parte que, sem vínculo de parentalidade com a cônjuge supérstite, possuía imóvel em copropriedade com o de cujus.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em perquirir se a parte faz jus ao recebimento de aluguel referente a sua fração ideal, obtida em decorrência da anterior sucessão de sua genitora, em razão do uso exclusivo do bem pela cônjuge supérstite, segunda esposa de seu genitor, baseado em suposto direito real de habitação.

Inicialmente, frise-se que a situação em análise revela uma peculiaridade que o distingue das hipóteses em que se discute, de forma usual, o direito real de habitação do cônjuge supérstite frente aos demais herdeiros

Sob essa perspectiva, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar caso análogo em recente julgamento, teve a oportunidade de firmar entendimento, no sentido de que "a copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito " (EREsp 1.520.294/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 02/09/2020).

Da mesma forma, segundo a doutrina, "o direito de habitação só existe sobre bem que pertence, em sua integralidade, ao de cujus. A existência de coproprietários impede o uso pelo sobrevivente".

No caso, além da preexistente copropriedade (o direito da parte sobre fração ideal do imóvel não foi adquirido em decorrência do falecimento do pai), a parte, filha do primeiro casamento do de cujus, não guarda nenhum tipo de solidariedade familiar em relação à cônjuge supérstite, não havendo se falar em qualquer vínculo de parentalidade ou até mesmo de afinidade.

Nessa linha de intelecção, portanto, não lhe cabe suportar qualquer limitação ao seu direito de propriedade, que é, justamente, a essência do direito real de habitação.

Processo

Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/04/2022, DJe 29/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Responsabilidade civil. Eficácia transubjetiva das obrigações. Envio de carta desabonadora a patrocinadora de jogador de futebol. Teoria do terceiro cúmplice. Danos morais. Ocorrência.

DESTAQUE

Terceiro ofensor também está sujeito à eficácia transubjetiva das obrigações, haja vista que seu comportamento não pode interferir indevidamente na relação, perturbando o normal desempenho da prestação pelas partes, sob pena de se responsabilizar pelos danos decorrentes de sua conduta.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A responsabilidade civil, em face da sua relevância e da sua natureza dinâmica, tem alargado seu horizonte, sem se restringir a um rol preestabelecido de direitos tutelados, buscando a proteção das mais variadas órbitas da dignidade da pessoa humana.

A própria evolução da sociedade e o surgimento de relações jurídicas cada vez mais complexas exigiram a expansão da responsabilidade civil, notadamente para que esta cumpra sua função precípua (a de possibilitar o equilíbrio e a harmonia social), não se esgotando nos atributos tradicionais da personalidade humana - honra, nome, imagem, intimidade e vida privada.

Dessa forma, diante do reconhecimento e da ampliação de novas áreas de proteção à pessoa humana, resultantes da nova realidade social e da ascensão de novos interesses, surgem também novas hipóteses de violações de direitos, o que impõe sua salvaguarda pelo ordenamento jurídico.

Diante dessas considerações, viu-se a necessidade de analisar o comportamento daquele terceiro que interfere ou induz o inadimplemento de um contrato sob o prisma de uma proteção extracontratual, do capitalismo ético, da função social do contrato e da proteção das estruturas de interesse da sociedade, tais como a honestidade e a tutela da confiança.

Assim, a responsabilização de um terceiro, alheio à relação contratual, decorre da sua não funcionalização sob a perspectiva social da autonomia contratual, incorporando como razão prática a confiança e o desenvolvimento social na conduta daqueles que exercem sua liberdade.

Atualmente, difunde-se a ideia de que os contratos são protegidos por deveres de confiança, os quais se estendem a terceiros em razão da cláusula de boa-fé objetiva, pois, da mesma forma que um terceiro está protegido de contratos que possam vir a lhe prejudicar, os contratantes também estão protegidos da conduta de terceiro que possa prejudicar o vínculo.

Portanto, um terceiro ofendido e que estava exposto aos riscos de danos pessoais e patrimoniais em decorrência da execução do contrato teria direito a uma indenização não por ter violado algum dever de prestação oriunda da relação obrigacional, mas por ter suportado uma ofensa à sua integridade psicofísica ou econômica.

Em contrapartida, o terceiro ofensor também está sujeito à eficácia transubjetiva das obrigações, pois, segunda a doutrina, "o comportamento do terceiro não pode manifestamente interferir, perturbando o normal desempenho da prestação pelas partes. Nesse último sentido, o terceiro não pode se associar a uma das partes para descumprir com a obrigação. Nesse caso, seria um terceiro-cúmplice no inadimplemento daquela prestação".

Uma das hipóteses em que a conduta condenável do terceiro pode gerar sua responsabilização é a indução interferente ilícita, na qual o terceiro imiscui-se na relação contratual mediante informações ou conselhos com o intuito de estimular uma das partes a não cumprir seus deveres contratuais.

Destaca-se que a simples emissão de opinião não configura ato ilícito, pois a todos é lícito exprimir sua convicção sobre eventuais riscos ou desvios, o que, contudo, não pode ser exercido de forma maliciosa, exagerada ou proferida em contrariedade à boa-fé objetiva.

De outro lado, nota-se que esse entendimento tem sido aplicado para se reconhecer a responsabilidade do terceiro em relação a danos materiais causados aos contratantes em razão de seu comportamento, mas esse raciocínio é plenamente aplicável aos casos em que o proceder do terceiro configure danos extrapatrimoniais.

Apesar de não haver consenso quanto à definição de dano moral, tem prevalecido o entendimento de que ele não está atrelado à dor, mágoa ou sofrimento da vítima, pois as consternações e as dores de cada um são sensações subjetivas e pessoais, e cada ser humano percebe os flagelos da vida de uma forma particular.

Sendo assim, foi editado o Enunciado n. 444 do Conselho da Justiça Federal, emitido na V Jornada de Direito Civil, com a seguinte redação: "O dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento."

Modernamente se tem aproximado o dano moral do princípio da dignidade da pessoa humana, mas sem se limitar a ele, sob pena de verificar um conceito abstrato e desprovido de segurança jurídica. Assim, será indenizável aquela violação a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela, vislumbrando-se o ser humano diante de toda a coletividade e por meio de suas relações interpessoais.

Em face dessas premissas, constata-se que o caso concreto configura uma hipótese em que o terceiro ofensor causou lesão a um interesse existencial do atleta.

Conforme o quadro fático delineado, ao enviar correspondência à patrocinadora do jogador de futebol, fez-se expressa menção a uma denúncia criminal oferecida perante a Justiça da Espanha, mas sem se limitar à mera reprodução dos fatos narrados na acusação criminal, tendo emitido juízo de valor sobre as circunstâncias e adjetivado a conduta do atleta como mentirosa, fraudulenta e desonesta.

A conduta não pode ser caracterizada como exercício de sua liberdade de expressão, porquanto este direito constitucional compreende a autonomia de receber e transmitir informações ou ideias sem uma validação ou censura prévias por terceiros, mas encontra limites nos demais direitos fundamentais individuais.

O Superior Tribunal de Justiça, à procura de solução que melhor concilie as situações de conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, estabeleceu, entre outros, os seguintes elementos de ponderação: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de veiculação de informações com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi) - (cf. REsp n. 801.109/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2012, DJe 12/3/2013).

Por conseguinte, não configura ato ilícito a notícia de fatos verossímeis mediante opiniões severas ou irônicas, sobretudo quando se tratar de figuras públicas, o que, todavia, não justifica o ataque pessoal à vítima.

Não se descura, também, de que o vínculo contratual entre atleta e patrocinadora não se rompeu após a emissão da carta, o que, contudo, não afasta a pretensão indenizatória do autor, pois, caso o contrato viesse a ser rescindido em decorrência da conduta da recorrente, a indenização abrangeria não apenas aquela decorrente dos dano morais, mas também a relativa aos danos patrimoniais por ele suportados.

Tanto é que o pleito autoral se limita à indenização por danos morais em razão da atuação difamatória de um terceiro com o objetivo de estimular uma das partes a não cumprir seus deveres contratuais, imiscuindo-se na relação contratual extrapolando os limites da licitude.

Do mesmo modo, é desinfluente o teor da carta remetida pela patrocinadora ao atleta em virtude do recebimento da primeira missiva, pois, repita-se, o que interessa é a ofensa à personalidade e à honra do jogador perpetrada na primeira, mediante emissão de juízo de valor negativo sobre a sua conduta, ainda que não tenha havido rescisão contratual ou algum outro prejuízo material ao ofendido.

Por fim, importante relembrar que o art. 187 do CC reconhece como ilícito, e consequentemente gerador do dever de indenizar, o exercício abusivo de um direito, isto é, mesmo que se considerasse que a conduta foi um ato de liberdade de expressão, foi exercido o direito de forma abusiva, interferindo indevidamente em uma relação jurídica da qual não fazia parte.

Assim, não obstante o alto grau de subjetivismo que envolve a matéria, a indenização deve ser um desestímulo a futuras condutas ilícitas, sem, contudo, gerar o enriquecimento sem causa da vítima e, de outro lado, a ruína econômica do ofensor, devendo ser pautada nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Processo

REsp 1.983.290-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 26/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Divulgação não autorizada e incompleta de novela. Violação de direitos morais do autor reconhecida. Título executivo judicial que determina fosse levada em consideração a repercussão econômica do ilícito. Cumprimento de sentença. Quantificação dos danos. Perícia técnica. Imprescindibilidade.

DESTAQUE

É imprescindível perícia técnica para quantificar dano moral, ante divulgação não autorizada de obra, reconhecido em título executivo em que se determina que seja considerada a repercussão econômica do ilícito.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Discute-se, no caso, se a apuração da indenização devida a título de danos morais, pela veiculação indevida de novela prescinde ou não de perícia.

De acordo com o Tribunal de origem, a perícia técnica não seria necessária, porque a fixação do valor indenizatório reclamaria análise eminentemente subjetiva do magistrado. Segundo consignado, o julgador desfrutaria de ampla liberdade para eleger os critérios a serem utilizados na consecução dessa tarefa, vinculando-se, apenas, aos princípios gerais do direito, aos costumes e as peculiaridades fáticas do caso concreto.

As razões do recurso especial, em sentido contrário, afirmam que o título exequendo teria determinado que o quantum indenizatório fosse fixado com atenção ao volume econômico da atividade na qual se deu a utilização indevida da obra. Nesses termos, a perícia seria imprescindível, pois, de outra forma, não haveria como respeitar os parâmetros objetivos estabelecidos para quantificação da indenização.

Cumpre reconhecer que a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.558.683/SP, não apenas deferiu o pedido de indenização por danos morais (pela veiculação não autorizada e desfigurada da telenovela de sua autoria), como também estabeleceu um critério objetivo para sua quantificação.

A parte dispositiva daquele acórdão estabeleceu que a quantificação dos danos morais se faria mediante arbitramento.

No julgamento dos embargos de declaração que se seguiram, acrescentou-se que, muito embora a quantificação do dano estivesse a cargo do juiz, deveria ser observada, para consecução dessa tarefa, o volume econômico da atividade em que a utilização indevida da obra foi inserida.

Assim, considerando que escapa das regras normais da experiência um conhecimento adequado acerca dos lucros obtidos com a divulgação indevida de novela, tem-se, de fato, como imprescindível a realização da perícia determinada em primeiro grau de jurisdição para que, levando em conta a observação relativa aos lucros percebidos, seja fixado percentual sobre tal verba que sirva de efetiva recomposição dos danos morais do autor.

Processo

REsp 1.976.741-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Citação. Pessoa Jurídica. Mudança de endereço comunicada à junta comercial. Ausência de atualização do endereço no sítio eletrônico da internet. Carta citatória entregue no endereço antigo. Nulidade. Inaplicabilidade da teoria da aparência.

DESTAQUE

Não é possível considerar válida a citação de pessoa jurídica em seu antigo endereço, cuja mudança fora comunicada à Junta Comercial, mas sem alteração no sítio eletrônico da empresa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Discute-se a validade da citação de pessoa jurídica por carta dirigida a local onde não mais se encontra estabelecida a sua sede, conquanto entregue em endereço apontado no sítio eletrônico disponibilizado na internet.

A verificação da validade da citação deve levar em conta a importância do ato, especialmente à luz dos direitos e garantias que envolvem o sistema processual. Justamente em razão da estreita ligação entre a citação e o exercício das garantias processuais do contraditório e da ampla defesa, o formalismo desse ato de comunicação assume papel fundamental e não pode ser afastado.

Diante da dificuldade de o carteiro verificar quem ostenta poderes para representar a pessoa jurídica, a jurisprudência desta Corte sedimentou-se no sentido de que a citação é válida quando a carta for recebida por quem se apresenta como responsável pela empresa, sem ressalvas quanto à inexistência de poderes de representação.

A partir da doutrina e da jurisprudência sobre essa teoria, conclui-se que devem ser preenchidos dois requisitos básicos para que a citação seja considerada válida: 1°) entrega do mandado ou da carta de citação no endereço da pessoa jurídica; e 2°) recebimento do mandado ou da carta por funcionário da pessoa jurídica, mesmo que não seja seu representante, não faça qualquer ressalva quanto à inexistência de poderes de representação.

No caso, não foi preenchido o primeiro requisito, pois a carta de citação foi entregue em endereço no qual a recorrente não mais mantinha a sua sede. Por outro lado, não é possível concluir pelo preenchimento do segundo requisito, dado que não foi constatado, pelo Tribunal a quo, se o recebedor da carta teria algum vínculo com a recorrente ou se era porteiro do edifício comercial onde a empresa outrora manteve a sua sede.

Independentemente dos deveres que devem ser observados no âmbito das relações de direito material e, evidentemente, não se olvidando da observância da boa-fé objetiva também na seara processual, é ônus do autor informar o endereço correto do réu, a fim de viabilizar a prática correta dos atos de comunicação processual, nos termos do artigo 282 do CPC 1973 e do artigo 319, II, do CPC2015.

Ressalte-se que a recorrente cumpriu a obrigação legal de registro da alteração do contrato social com o novo endereço, nos termos do artigo 32 da Lei n. 8.934/1994, garantindo-se a publicidade da modificação e, portanto, o acesso da autora a tal informação.

Ao cuidar do dever de informar endereços para a prática de atos de comunicação processual, a Lei é bastante cautelosa e específica.

Para a citação por meio eletrônico, por exemplo, não é válido todo e qualquer endereço propagado pelo jurisdicionado, inclusive aquele publicado pelas pessoas jurídicas perante clientes e parceiros comerciais nos sítios eletrônicos da rede mundial de computadores. É necessário observar o endereço eletrônico cadastrado especificamente para tal finalidade.

Com efeito, a Lei n. 11.419/2006 já exigia que as citações por meio eletrônico fossem realizadas por meio de endereço previamente cadastrado nos Tribunais.

Ademais, o envio da carta de citação a endereço diverso daquele em que estava estabelecida a recorrente à época do ato, a par de revelar a ausência do primeiro requisito para a aplicação da teoria da aparência, induz à conclusão de que também estava ausente o segundo, porquanto se presume que o recebedor da carta não era funcionário da citanda. E isto, por si só, também invalida o ato citatório.

Ressalte-se que não existe norma jurídica prevendo qualquer tipo de presunção de validade de citação encaminhada a endereço desatualizado e, como se trata de ato processual de suma importância para o exercício do contraditório e da ampla defesa, não é lícita qualquer citação ficta além daquelas expressamente previstas em lei (citação por hora certa e citação por edital).

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.899.342-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/04/2022, DJe 29/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Gratuidade de justiça. Microempreendedor individual - MEI e empresário individual. Hipossuficiência financeira. Comprovação. Desnecessidade. Impugnação pela parte adversa e solicitação de documentos pelo magistrado. Possibilidade.

DESTAQUE

A concessão da gratuidade de justiça ao microempreendedor individual - MEI e ao empresário individual prescinde de comprovação da hipossuficiência financeira.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O empresário individual e o microempreendedor individual são pessoas físicas que exercem atividade empresária em nome próprio, respondendo com seu patrimônio pessoal pelos riscos do negócio, não sendo possível distinguir entre a personalidade da pessoa natural e da empresa.

O microempreendedor individual e o empresário individual não se caracterizam como pessoas jurídicas de direito privado propriamente ditas ante a falta de enquadramento no rol estabelecido no artigo 44 do Código Civil, notadamente por não terem eventual ato constitutivo da empresa registrado, consoante prevê o artigo 45 do Código Civil, para o qual "começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro". Portanto, para a finalidade precípua da concessão da benesse da gratuidade judiciária a caracterização como pessoa jurídica deve ser relativizada.

Para específicos e determinados fins, pode haver a equiparação de microempreendedores individuais e empresários individuais como pessoa jurídica, ocorrendo mera ficção jurídica para tentar estabelecer uma mínima distinção entre as atividades empresariais exercidas e os atos não empresariais realizados, porém, para o efeito da concessão da gratuidade de justiça, a simples atribuição de CNPJ ou inscrição em órgãos estaduais e municipais não transforma as pessoas físicas/naturais que estão por trás dessas categorias em sociedades, tampouco em pessoas jurídicas propriamente ditas.

Assim, para a concessão do benefício da gratuidade de Justiça aos microeempreendedores individuais e empresários individuais, em princípio, basta a mera afirmação de penúria financeira, ficando salvaguardada à parte adversa a possibilidade de impugnar o deferimento da benesse, bem como ao magistrado, para formar sua convicção, solicitar a apresentação de documentos que considere necessários, notadamente quando o pleito é realizado quando já no curso do procedimento judicial.

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