PROC. Nº TST-RR-2135/2005-032-02-00.6
A C Ó R D Ã O 3ª Turma RMW/cg
RECURSO DE REVISTA. GARANTIA DE EMPREGO. ACIDENTE DE TRABALHO. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. COMPATIBILIDADE. Em atenção aos princípios da razoabilidade e da boa fé objetiva, à teoria do risco da atividade (art. 927 do CC) e, ainda, aos termos do art. 118 da Lei 8.213/91, preceito no qual o legislador ordinário não fez constar qualquer distinção entre as modalidades de contrato de trabalho - indeterminado, a prazo ou de experiência - imperativa a conclusão de que nestes o ordenamento jurídico também assegura ao trabalhador, vítima de acidente de trabalho, a estabilidade no emprego, - pelo prazo mínimo de doze meses ... após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente -. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de revista nº TST-RR-2135/2005-032-02-00.6, em que é recorrente VALMIR VAZ SANTOS e recorrido CREMER S.A..
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, pelo acórdão das fls. 131-2, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante mantendo a sentença de improcedência. Inconformado, o reclamante interpõe recurso de revista (fls. 139-44), com fundamento nas alíneas -a- e -c- do art. 896 da CLT. Com contrarrazões às fls. 161-71, vêm os autos para julgamento. Feito não submetido ao Ministério Público do Trabalho, na forma do art. 83 do RITST. É o relatório.
V O T O
I - CONHECIMENTO 1. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Tempestivo o recurso (fls. 137 e 139), regular a representação processual (fl. 10) e dispensado o preparo.
2. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
GARANTIA DE EMPREGO. ACIDENTE DE TRABALHO. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. COMPATIBILIDADE O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, pelo acórdão das fls. 131-2, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante, mantendo a sentença de improcedência. Eis os termos do acórdão:
Pretendeu o autor a nulidade de sua dispensa, com fundamento na estabilidade do artigo 118 da Lei nº 8.213/91 e, conseqüentemente, sua reintegração aos quadros. Extrai-se dos autos que as partes firmaram contrato de experiência em 17.01.05, vindo o autor a sofrer acidente do trabalho em 15.02.05, com alta médica em 20.06.05, tendo sido dispensado aos 04.08.05. Registre-se, inicialmente, que, na hipótese de acidente do trabalho, ocorre a interrupção do contrato de trabalho nos quinze primeiros dias e a suspensão a partir do décimo sexto dia. No caso dos autos, o autor havia trabalhado por trinta dias, quando sofreu o acidente de trabalho, sendo computado como tempo de serviço, ainda, os quinze primeiros dias do afastamento, totalizando quarenta e cinco dias. Considerando-se que, a partir do décimo sexto dia o contrato ficou suspenso, não se computando esse período de tempo de serviço, o término do contrato de experiência por quarenta e cinco dias, prorrogável por mais quarenta e cinco dias, restou protaído para 04.08.05, termo final do contrato. Tendo o acidente do trabalho ocorrido no interregno do contrato de experiência, não há que se falar em estabilidade e conseqüente reintegração, isto porque, em face de sua natureza experimental, o contrato a termo é incompatível com o instituto da estabilidade acidentária, pois tem sua extinção logo que atingido o termo prefixado, ao passo que a estabilidade acidentária dirige-se aos contratos por prazo indeterminado, visando assegurar a manutenção do emprego. E nem se cogite com a aplicação do quanto disposto no artigo 472, § 2º da CLT, uma vez que o afastamento ali tratado diz respeito ao serviço militar ou de encargo público. Por conseguinte, mantenho a r. decisão hostilizada.-
Inconformado, o reclamante interpõe o recurso de revista das fls. 139-44. Alega que o - artigo 118, bem como a Súmula nº 378 do C. TST que legaliza constitucionalmente a Lei nº 8.213/91 não diferencia entre contrato de trabalho e contrato de experiência, ou seja, se o legislador não distinguiu, não caberia ao intérprete fazê-lo - (fl. 140). Sustenta que a - estabilidade acidentária é garantida também à hipótese do contrato por prazo determinado - (fl. 140). Aponta violação dos arts. 118 da Lei 8213/91 e 472, § 2º, da CLT, e contrariedade à Súmula 378 do TST. Colige arestos. Com razão. O modelo transcrito ao amparo do recurso de revista às fls. 141-2, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região e publicado no DJ/MG de 16.02.07, contempla tese jurídica que viabiliza o conhecimento da revista, por dissenso pretoriano, in verbis:
-Regra geral, as causas suspensivas do contrato de trabalho podem atuar, no máximo, como fatores de prorrogação do vencimento do contrato de experiência, estendendo seu termo final à data do retorno do obreiro ao serviço, sempre sem prevalência de quaisquer das garantias de emprego legalmente tipificadas. Entretanto, em situações de afastamento por acidente de trabalho ou doença profissional pode-se apreender da ordem jurídica a existência de uma exceção a essa regra geral do artigo 472, §2º, da CLT. Nessa situação excepcional enfatizada, a causa do afastamento integra a essência sociojurídica de tal situação trabalhista, já que se trata de suspensão provocada por malefício sofrido estritamente pelo trabalhador em decorrência do ambiente e processo laborativos; portanto, em decorrência de fatores situados fundamentalmente sob ônus e risco empresariais. Conquanto a CLT, em sua origem, não tenha previsto a situação excetiva enfocada (§2º do artigo 472 da CLT), em ocorrendo acidente de trabalho no curso de contrato de experiência, os dispositivos legais mencionados têm de se ajustar ao comando mais forte oriundo da Constituição de 1988, que é incompatível com essas restrições infraconstitucionais. É que o Texto Magno determina tutela especial sobre as situações envolventes à saúde e segurança (art. 7º, XXII, CF/88). A Carta de 1988, afinal, fala em redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Em tal quadro, a garantia de emprego de um ano que protege trabalhadores acidentados ou com doença profissional, após seu retorno da respectiva licença acidentária (art. 118, Lei n. 8.213/91), incide em favor do empregado, ainda que admitido, na origem, por pacto empregatício de experiência. Trata-se da única e isolada exceção (que não abrange sequer o afastamento por outras doenças não ocupacionais ou por serviço militar ou outro fator), que decorre da própria ordem constitucional e suas repercussões sobre o restante da ordem jurídica.- (fls. 264-5)
Conheço da revista, por divergência jurisprudencial.
II - MÉRITO GARANTIA DE EMPREGO. ACIDENTE DE TRABALHO. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. COMPATIBILIDADE
O acidente de trabalho é conceituado no art. 19 da Lei 8.213/91, nos seguintes termos:
-Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. § 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. § 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. § 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular. § 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.-
Note-se que, em razão da entrega da força de trabalho, a ser inserida na atividade produtiva do empregador, sofre o empregado dano pessoal, físico ou mental, que lhe pode acarretar a incapacitação temporária ou permanente para o trabalho. O ordenamento jurídico assegura ao trabalhador vítima de acidente de trabalho a permanência no emprego, pelo prazo mínimo de doze meses após a cessação do auxílio-doença acidentário. Aludida garantia de emprego encontra-se insculpida no artigo 118 da Lei nº 8.213/91:
-O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.-
Aludido dispositivo garante, portanto, a manutenção do emprego sem tecer distinção entre as modalidades de contrato de trabalho, donde se depreende que tal garantia é aplicada inclusive aos contratos de trabalho de experiência. De outra parte, o art. 927 do Código Civil, no parágrafo único, consagra a responsabilidade objetiva em razão do risco da atividade:
-Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.-
Comentando aludido dispositivo, Flávio Tartuce (Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, vol. 2, São Paulo: Editora Método, 2006, p. 363) consigna:
-Esse dispositivo consagra, portanto, a cláusula geral de responsabilidade objetiva, conforme ensina Gustavo Tepedino, consubstanciada na expressão `atividade de risco-, possibilitando ao juiz a análise do caso concreto, gerando ou não a responsabilidade sem culpa. Visando esclarecer o que seria `atividade de risco- foi aprovado enunciado na I Jornada de Direito Civil do CJF com a seguinte redação: `Enunciado 38 - Art. 927: a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quanto a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade-. (...) A nosso ver, o art. 927, parágrafo único, do CC poderá ser aplicado à relação de trabalho, particularmente à responsabilidade direta do empregador, podendo haver, dependendo da atividade desempenhada pelo empregado, responsabilidade objetiva deste-.
Igualmente, entendo que mencionado dispositivo revela-se perfeitamente aplicável às relações de emprego. Não me parece razoável a interpretação segundo a qual, perante terceiros, o empregador responde objetivamente e, em relação ao empregado, em face do disposto no artigo 7º, XXVIII, da Constituição, com quem mantém relação jurídica - caracterizada pela subordinação -, apenas responderia em caso de culpa. Ora, o caput do artigo 7º da Lei Maior é claro ao referir que os direitos trabalhistas ali previstos somam-se a outros que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. Assim, introduzida no ordenamento jurídico a norma insculpida no art. 927 do Código Civil em 2002, prevendo a responsabilidade objetiva em razão do risco do empreendimento, responde o empregador, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da CLT, de forma objetiva, pelos danos advindos do acidente de trabalho ao empregado. Acerca do tema, destaco o posicionamento de Rodolfo Pamplona Filho com o qual comungo:
-De fato, não há como se negar que, como regra geral, indubitavelmente a responsabilidade civil do empregador, por danos decorrentes de acidente de trabalho, é subjetiva, devendo ser provada alguma conduta culposa de sua parte, em alguma das modalidades possíveis, incidindo de forma independente do seguro acidentário, pago pelo Estado. Todavia , parece-nos inexplicável admitir a situação de um sujeito que: -Por força de lei, assume os riscos da atividade econômica; -Por exercer uma determinada atividade (que implica, por sua própria natureza, em risco para os direitos de outrem), responde objetivamente pelos danos causados. Ainda assim, em relação aos seus empregados, tenha o direito subjetivo de somente responder, pelos seus atos, se os hipossuficientes provarem culpa... A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria direito a responder subjetivamente.- (Responsabilidade civil nas relações de trabalho e o novo Código Civil. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Editora Método, 2003, p. 251)
Responde o empregador, portanto, com o pagamento de eventual indenização decorrente do acidente de trabalho, bem como com o respeito ao período de garantia acidentária. Oportunas as reflexões de Sebastião Geraldo De Oliveira (Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional, 2ª ed., São Paulo: LTr, 2006, pp. 97-9):
-Uma vez consolidada a estrutura básica da responsabilidade objetiva, surgiram várias correntes com propostas de demarcação de seus limites, criando modalidades distintas da mesma teoria, mas todas gravitando em torno da idéia central do risco. (...) Qualquer que seja a teoria adotada, nota-se a preocupação de não desamparar o lesado e que os danos ocorridos possam ser ressarcidos. Considerando que não é possível garantir totalmente a segurança material, pode-se proporcionar relativa segurança jurídica. Se na sociedade moderna os riscos são crescentes e muitos danos praticamente inevitáveis ou mesmo previsíveis, é preciso, pelo menos, assegurar aos prejudicados que não lhes faltarão a solidariedade e a reposição dos prejuízos-.
Saliento que, segundo o princípio da boa-fé objetiva, os direitos e deveres das partes não se limitam à realização da prestação estipulada no contrato. O que encontramos, na realidade, é a boa-fé impondo a observância também de muitos outros deveres de conduta, formando assim uma relação obrigacional complexa. Destaco a lição de Clóvis do Couto e Silva (A obrigação como processo. São Paulo : José Bushatsky, 1964, p. 30-1), no sentido de que, nos negócios bilaterais, o interesse conferido a cada participante da relação jurídica encontra sua fronteira nos interesses do outro figurante, dignos de serem protegidos, operando o princípio da boa-fé como mandamento de consideração. - O mandamento de conduta engloba todos os que participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um elo de cooperação, em face do fim objetivo a que visam -. Segundo o renomado jurista o dever que deriva da concreção do princípio da boa-fé é dever de consideração para com o outro, endereçado a todos os partícipes do vínculo, podendo inclusive, criar deveres para o credor, o qual, tradicionalmente, era apenas considerado titular de direitos. Nessa linha, Jorge Cesa Ferreira da Silva assevera:
-A boa-fé expande as fontes dos deveres obrigacionais , posicionando-se ao lado da vontade e dotando a obrigação de deveres orientados a interesses distintos dos vinculados estritamente à prestação, tais como o não-surgimento de danos decorrentes da prestação realizada ou a realização do melhor adimplemento- (A Boa-fé e a Violação Positiva do Contrato - Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 270).-
Dentro de uma relação obrigacional, portanto, podemos encontrar além do dever principal que é o alicerce da relação, deveres secundários, laterais, anexos ou instrumentais, o que acarreta ao empregador deveres de cuidado - previdência e segurança -, deveres de aviso e esclarecimento sobre os riscos da atividade, deveres de colaboração e cooperação, deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio pessoal do empregado. Incumbindo ao empregador o dever de proteção, de segurança, de zelo pela incolumidade física e mental de seus empregados, não se harmoniza com a boa-fé objetiva a extinção contratual, no período em que o empregado se encontra afastado e incapacitado para o trabalho em razão, justamente, de acidente sofrido na dedicação ao labor entregue em proveito do empregador. Entendo, nesse contexto, que o empregado sob contrato de prova, uma vez acidentado, tem o contrato de trabalho suspenso até o efetivo retorno ao trabalho. Tratando-se de suspensão do contrato de trabalho, o prazo avençado para o seu termo voltaria a correr após o retorno ao trabalho, contudo é absorvido pelo próprio período da garantia de emprego - 12 meses, no mínimo. Logo, a dispensa do empregado, no período em que se encontra incapacitado para o labor e no de estabilidade do art. 118 da Lei 8.213/91, viola o princípio da boa-fé objetiva consagrado em nosso ordenamento jurídico. Note-se que, além de a atividade patronal ter causado dano pessoal ao empregado, afastando-o do trabalho, o empregador arranca-lhe também a fonte de sustento. Não me parece razoável tese no sentido de afastar a incidência do art. 118 da Lei 8.213/91 dos contratos de prazo determinado, visto que é pacífica a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes do seu empreendimento, independentemente do estabelecimento de qualquer relação jurídica com a parte lesada (art. 927 do Código Civil). No período da garantia de emprego, o respeito ao emprego do trabalhador acidentado - contratado por prazo indeterminado, por prazo certo ou por experiência - é o mínimo que o Direito do Trabalho pode exigir do empregador. Esses são os fundamentos pelos quais dou provimento ao recurso de revista do reclamante, para lhe reconhecer a garantia de emprego prevista no art. 118 da Lei 8213/91, e condenar a reclamada ao pagamento da indenização correspondente ao período estabilitário de doze meses, com os consectários pertinentes, invertido o ônus da sucumbência.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento, para assegurar ao reclamante a garantia de emprego prevista no art. 118 da Lei 8213/91, e condenar a reclamada ao pagamento da indenização correspondente ao período estabilitário de doze meses, com os consectários pertinentes, invertido o ônus da sucumbência.
Brasília, 29 de abril de 2009.
ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA
Ministra Relatora