quarta-feira, 22 de maio de 2024

RESUMO. INFORMATIVO 812 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 812 DO STJ. 21 DE MAIO DE 2024.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

REsp 2.037.616-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 24/4/2024, DJe 8/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE

Tema

Plano de Saúde. Rol da ANS. Pressuposto de superação. Critérios da Segunda Seção do STJ. Legislação superveniente. Irretroatividade. Caráter inovador. Tratamento continuado. Aplicação ex nunc. Neoplasia maligna. Medicamento quimioterápico. Diretrizes de utilização (DUT). Mero elemento organizador da prescrição farmacêutica de insumos e de procedimentos. Efeito impeditivo de tratamento assistencial. Afastamento.

DESTAQUE

Nos tratamentos de caráter continuado, deverão ser observadas, a partir da sua vigência, as inovações trazidas pela Lei n. 14.454/2022, diante da aplicabilidade imediata da lei nova.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se a discussão acerca do alcance das normas definidoras do plano referência de assistência à saúde, também conhecido como Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, elaborado periodicamente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sobretudo com relação às Diretrizes de Utilização (DUT).

No caso, a paciente se submeteu a uma cirurgia de remoção de tumor no intestino (neoplasia estenosante de sigmoide), tendo sido solicitada a realização de exame PET-SCAN, com vistas a evidenciar e a monitorar a situação da sua patologia, o que contrariaria Diretriz de Utilização do Rol da ANS.

Quando do julgamento dos EREsps n. 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, a Segunda Seção do STJ uniformizou o entendimento de ser o Rol da ANS, em regra, taxativo, podendo ser mitigado quando atendidos determinados critérios.

A Lei n. 14.454/2022 promoveu alteração na Lei n. 9.656/1998 (art. 10, § 13) para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar. Com essa edição legislativa o Rol da ANS passou por sensíveis modificações em seu formato, suplantando a eventual oposição rol taxativo/rol exemplificativo.

A superveniência desse novo diploma legal foi capaz de fornecer nova solução legislativa, antes inexistente, provocando alteração substancial do complexo normativo. Ainda que se quisesse cogitar, erroneamente, que a modificação legislativa havida foi no sentido de trazer uma "interpretação autêntica", ressalta-se que o sentido colimado não vigora desde a data do ato interpretado, mas apenas opera efeitos ex nunc, já que a nova regra modificadora ostenta caráter inovador.

Em âmbito cível, conforme o princípio da irretroatividade, a lei nova não alcança fatos passados, ou seja, aqueles anteriores à sua vigência. Seus efeitos somente podem atingir fatos presentes e futuros, salvo previsão expressa em outro sentido e observados o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.

Embora a lei nova não possa, em regra, retroagir, é possível a sua aplicação imediata, ainda mais em contratos de trato sucessivo. Assim, nos tratamentos de caráter continuado, deverão ser observadas, a partir da sua vigência, as inovações trazidas pela Lei n. 14.454/2022, diante da aplicabilidade imediata da lei nova.

Dessa forma, mantém-se a jurisprudência da Segunda Seção do STJ, que uniformizou a interpretação da legislação da época, devendo incidir aos casos regidos pelas normas que vigoravam quando da ocorrência dos fatos, podendo a nova lei incidir, a partir de sua vigência, aos fatos daí sucedidos.

Por fim, a Diretriz de Utilização (DUT) deve ser entendida apenas como elemento organizador da prestação farmacêutica de insumos e de procedimentos no âmbito da Saúde Suplementar, não podendo a sua função restritiva inibir técnicas diagnósticas essenciais ou alternativas terapêuticas ao paciente, sobretudo quando já tiverem sido esgotados tratamentos convencionais e existir comprovação da eficácia da terapia à luz da medicina baseada em evidências.

Desse modo, aplicando-se os parâmetros definidos para a superação, in concreto, da taxatividade do Rol da ANS (que são similares à inovação trazida pela Lei n. 14.454/2022, conforme também demonstra o Enunciado n. 109 das Jornadas de Direito da Saúde), verifica-se que a paciente faz jus à cobertura pretendida de realização do PET-SCAN (ou PET-CT), ainda mais em se tratando de exame vinculado a tratamento de câncer.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 9.656/1998, art. 10, § 13

Lei n. 14.454/2022

SEGUNDA TURMA

Processo

REsp 2.134.160-AP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 17/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL

Tema

Lei n. 14.010/2020. Inaplicabilidade. Relações jurídicas de direito público. Concurso público. Prescrição quinquenal.

DESTAQUE

Os efeitos da Lei n. 14.010/2020 concernentes à prescrição e à decadência não se aplicam às relações jurídicas de direito público que tratam de direitos e obrigações que surjam de concurso público, aplicando-se o prazo do Decreto Federal n. 20.910/1932 para a pretensão de nomeação deduzida por candidato aprovado em cadastro de reserva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Durante a pandemia ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2 o Congresso Nacional fez editar diversas leis com o intuito de minimizar o impacto que surgia da contingência das restrições à liberdade ambulatorial e os seus efeitos econômicos, uma dessas leis a de n. 14.010, de 10.06.2020, que dispunha sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).

Essa lei contemplou uma série de regramentos que buscavam compor essa situação excepcional com o regular andamento da vida em sociedade, e assim, por exemplo, suspendeu o exercício do direito de arrependimento do consumidor previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor para a hipótese de entrega domiciliar ("delivery") de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. Uma outra regra, a do art. 3.º, dispunha explicitamente sobre os prazos prescricionais e decadenciais, igualmente tratando de sustar o curso regular deles.

Por disposição legal expressa a regra impedia o início desses prazos ou os suspendia desde a entrada em vigor da lei até o dia 30.10.2020. É preciso ter em mente que o objetivo da lei nunca foi o de regular as relações jurídicas de direito público mas unicamente aquelas de direito privado e tanto assim que, atentando ao fato de que se presumia tratar-se a pandemia de uma situação passageira, dispôs nos seus dois primeiros artigos o âmbito da sua aplicação assim como o período da produção dos seus efeitos.

É bastante claro, portanto, que a Lei n. 14.010/2020 estabeleceu um regime jurídico transitório de regulação de relações privadas, o que torna absolutamente impertinente a sua aplicabilidade no caso concreto, que trata de relação entre Administração Pública e administrado, na especificidade da executora do concurso público e o candidato.

Com efeito, não parece razoável uma interpretação que considere que a vontade legislativa expressada no texto legal ("voluntas legis") seja distinta da vontade legislativa supostamente implícita ("voluntas legislatoris") e que se deva, então, utilizar de método interpretativo que estenda a aplicação da lei a situações claramente não abrangidas por ela. Nesse sentido, verifica-se que todos os preceitos normativos da Lei n. 14.010/2020 trataram meramente de situações relacionadas ao direito privado, como a resolução, resilição e revisão contratual, os condomínios edilícios, as relações de consumo ou as relações de direito de família e sucessões, de forma que não há no corpo legal nada que possibilite ao intérprete criar situação que descambe dos limites do texto.

Dessa forma, inaplicável a Lei n. 14.010/2020 às relações jurídicas de direito público que tratem de pretensão decorrente de concurso público, aplicando-se o prazo do Decreto Federal 20.910/1932 para a pretensão de nomeação deduzida por candidato aprovado em cadastro de reserva.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Decreto Federal n. 20.910/1932

Lei n. 14.010/2020, arts 1º 

Código de Defesa do Consumidor (CDC/1990), art. 49

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.121.585-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 17/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Contrato de locação. Prazo determinado. Empresa afiançada. Alteração do quadro social. Exoneração da fiança. Notificação extrajudicial. Efeitos.

DESTAQUE

Na locação por prazo determinado, embora possa ser enviada notificação exoneratória ao locador durante a vigência do contrato, o fiador somente irá se exonerar de sua obrigação ao término do contrato por prazo determinado, ainda que haja alteração no quadro social da empresa afiançada, ou em 120 dias a partir da data em que o contrato se torna indeterminado, por qualquer razão.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em saber se, em contrato de locação por prazo determinado, a alteração de quadro social da empresa afiançada admite a exoneração de fiador que havia prestado a garantia em razão de vínculo afetivo com algum dos sócios que se retirou e, sendo possível, a partir de quando a notificação passa surtir os efeitos de exonerar o fiador.

Necessário distinguir a notificação feita pelo fiador ao locador com a intenção de exonerar-se dos efeitos dessa notificação, os quais irão definir efetivamente a partir de quando o fiador estará exonerado da obrigação fidejussória.

A exoneração do fiador tem início distinto em cada uma das modalidades de contrato de locação, que pode ser firmado por (I) prazo indeterminado, (II) por prazo determinado que, prorrogando-se, torna-se indeterminado e (III) por prazo determinado que se extingue na data prevista ou antes.

Em se tratando de locação por prazo determinado que tem fim na data avençada ou antes, a notificação exoneratória pode ser feita durante sua vigência, mas o compromisso fidejussório se estende até o fim do contrato.

Não há como se aplicar aos contratos de locação firmados por prazo determinado a regra do art. 40, X, da Lei n. 8.245/1991, pois o dispositivo refere-se exclusivamente aos contratos por prazo indeterminado.

Embora possa ser enviada notificação exoneratória ao locador durante a vigência do contrato por prazo determinado, o fiador somente irá se exonerar de sua obrigação, (I) ao término do contrato por prazo determinado, ainda que haja alteração no quadro social da empresa afiançada ou (II) em 120 dias a partir da data em que o contrato se torna indeterminado, por qualquer razão.

Dessa forma, nos contratos por prazo determinado em que não houve prorrogação, embora admita-se que o fiador realize a notificação extrajudicial durante a sua vigência, somente haverá exoneração da garantia com o fim do prazo estabelecido contratualmente. Tal conclusão remanesce mesmo se houver alteração no quadro societário da empresa afiançada durante a vigência do contrato.

Até mesmo porque, diferentemente do que ocorria no Código Civil de 1916, em que a exoneração decorria de acordo entre as partes ou de sentença, no atual Código, o único requisito formal é a notificação. Assim, a mera notificação extrajudicial; elaborada unilateralmente pelo fiador; alegando questão de alta subjetividade, como o "vínculo afetivo" com algum dos sócios da empresa afiançada; e de alta recorrência, como a alteração do quadro social de empresa; não pode ser requisito suficiente para a exoneração, sob o risco de enfraquecimento da garantia fidejussória mais utilizada no país.

Dessa forma, o fiador que livremente anuiu em prestar garantia a uma pessoa jurídica - e não a um de seus sócios-, ciente de que a empresa estaria sujeita a alteração de quadro social, não pode simplesmente exonerar-se, após enviar notificação extrajudicial, ainda durante a vigência de contrato por tempo determinado, em razão de fato que lhe era previsível.

E sendo o vínculo pessoal entre o fiador e algum dos sócios da empresa afiançada essencial para continuidade da garantia, tal disposição deve estar prevista expressamente no contrato de fiança, nos termos do art. 830 do Código Civil.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 8.245/1991, art. 40, X

Código Civil (CC/2015), art. 830

Processo

REsp 2.096.465-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 16/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Alienação fiduciária de imóvel. Execução extrajudicial. Lei n. 9.514/1997. Arrematação a preço vil. Impossibilidade.

DESTAQUE

As normas que impedem a arrematação por preço vil são aplicáveis à execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A execução extrajudicial de imóvel dado em alienação fiduciária tem regramento próprio estabelecido na Lei n. 9.514/1997, que, antes das modificações perpetradas pela Lei n. 14.711/2023, previa que o contrato que serve de título ao negócio fiduciário deveria conter o valor do principal da dívida e a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão (art. 24, I e VI).

A partir da vigência da Lei n. 14.711/2023, não há mais dúvidas de que, em segundo leilão, não pode ser aceito lance inferior à metade do valor de avaliação do bem, ainda que superior ao valor da dívida (acrescido das demais despesas), à semelhança da disposição contida no art. 891 do CPC/2015.

No caso, o leilão foi realizado antes da vigência da Lei n. 14.711/2023, o que não altera, contudo, a compreensão acerca da matéria. Com efeito, no âmbito doutrinário, há muito já se defendia a impossibilidade de alienação extrajudicial a preço vil, não só por invocação do art. 891 do CPC/2015, mas também de outras normas, tanto de direito processual quanto material, que i) desautorizam o exercício abusivo de um direito (art. 187 do Código Civil); ii) condenam o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil); iii) determinam a mitigação dos prejuízos do devedor (art. 422 do Código Civil) e iv) prelecionam que a execução deve ocorrer da forma menos gravosa para o executado (art. 805 do CPC/2015).

A despeito de ser a quantia obtida em segundo leilão muito inferior à metade do preço de avaliação para venda forçada, mesmo sem atualização, entenderam as instâncias ordinárias que as normas de caráter geral não seriam aplicáveis à execução extrajudicial regida pelas disposições especiais da Lei n. 9.514/1997.

Tal orientação, no entanto, não encontra amparo nem na doutrina majoritária, tampouco em julgados do STJ que, mesmo antes da inovação legislativa, já defendiam a impossibilidade da arrematação a preço vil na execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente.

Por fim, em que pese a prevalência do caráter negocial da alienação por iniciativa particular, também à ela se aplica a vedação da alienação a preço vil, entendida, em regra, como sendo aquela que não alcança 50% do valor da avaliação, ressalvadas as situações em que se deve levar em conta as particularidades do caso concreto.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 9.514/1997, art. 24, I e VI

Lei n. 14.711/2023

Código Processual Civil (CPC/2015), arts. 805 e 891

Código Civil (CC), arts. 187, 422 e 884

Processo

REsp 2.127.647-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 17/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Tema

Recuperação judicial. Regularidade fiscal. Comprovação. Necessidade. Pressuposto da concessão da recuperação judicial. Entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020. Exigência. Lei vigente à data da decisão concessiva da recuperação. Pendência de concessão de recuperação judicial. Prazo razoável para comprovação de regularidade.

DESTAQUE

Em relação aos processos de recuperação judicial em andamento no momento da entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020, mas ainda pendente a concessão da recuperação judicial, deve ser conferido prazo razoável pelo Juízo da recuperação para comprovação da regularidade fiscal antes de decidir sobre o pedido.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Lei n. 14.112/2020, que entrou em vigor 30 (trinta) dias após a sua publicação, ou seja, em 23/1/2021, aplica-se aos casos em andamento, consoante o teor do art. 5º, observando-se o disposto no art. 14 do CPC/2015, segundo o qual "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

A despeito do citado art. 14 do CPC/2015 limitar-se à norma processual, igualmente se aplicam as balizas restritivas da incidência da lei nova à norma de cunho material, pois, partindo da natureza mista da Lei de Recuperação e Falência, o art. 5º da Lei n. 14.112/2020 deve ser lido em conjunto com o art. 6º da LINDB, que, versando sobre a retroatividade mínima da lei, impõe o respeito, pela lei nova, aos atos praticados validamente segundo a lei vigente à época.

Esse regramento representa a adoção pelo legislador da teoria do isolamento dos atos processuais, encampada pacificamente pela jurisprudência deste Tribunal Superior.

Assim, a regra é a incidência imediata da Lei n. 14.112/2020 aos processos pendentes, ressalvadas as hipóteses elencadas nos incisos do § 1º do art. 5º, em que o marco temporal de incidência dessa lei nova é a data de ajuizamento do pedido de recuperação judicial.

Embora a Lei de Recuperação de Empresas e Falência seja de natureza mista (material e processual), não há óbice à aplicação imediata e integral da Lei n. 14.112/2020, independentemente da natureza da norma.

No que tange aos arts. 47 e 58 da Lei n. 11.101/2005, a jurisprudência dominante atual deste Tribunal Superior é uníssona na esteira de que, com a entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020, é imprescíndivel à concessão da recuperação judicial a comprovação da regularidade fiscal das empresas em recuperação, com a apresentação das certidões negativas de débito tributário (ou positivas com efeito de negativa), na forma do art. 57 da Lei n. 11.101/2005.

Da análise da Lei n. 11.101/2005, não se verifica essa exigência em momento anterior do processo de recuperação, pois não se trata de pressuposto do deferimento do pedido de recuperação judicial (art. 48 da Lei n. 11.101/2005), nem de documento de juntada obrigatória com a petição inicial (art. 51 da Lei n. 11.101/2005).

Portanto, conclui-se que a comprovação da regularidade fiscal da empresa em soerguimento é condição apenas à homologação judicial do plano e à concessão da recuperação judicial, sendo este o marco para fins de incidência da Lei n. 14.112/2020 e, em consequência, da jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, que, superando o entendimento anterior, confere efetiva aplicabilidade ao art. 57 da Lei n. 11.101/2005.

Esse foi o entendimento da Quarta Turma proferido no julgamento do outrora citado REsp n. 1.955.325-PE, dispondo que, "na hipótese de decisões homologatórias do plano de recuperação proferidas anteriormente à vigência da Lei n. 14.112/2020, aplica-se o entendimento jurisprudencial pretérito no sentido da inexigibilidade da comprovação da regularidade fiscal, forte no princípio tempus regit actum (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), de forma a não prejudicar o cumprimento do plano".

Assim, em relação aos processos de recuperação em andamento no momento da entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020, mas ainda pendente a concessão da recuperação judicial, há de ser conferido prazo razoável pelo Juízo da recuperação para a adoção dessa providência antes de decidir sobre a concessão, tendo em vista os preceitos dos arts. 218, § 1º, do CPC/2015 e do art. 189 da Lei n. 11.101/2005.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 14 e 218, § 1º

Lei 11.101/2005, arts. 485157 e 189

Constituição Federal (CF/1988), art. 5º, XXXVI

Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LINDB), art. 6º

Lei n. 14.112/2020

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.706.088-ES, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL, DIREITO AGRÁRIO

Tema

Imóvel rural. Definição do direito agrário. Inaplicabilidade ao direito registral. Matrículas imobiliárias distintas. Princípios da unitariedade e especalidade. Memorial descritivo georreferenciado. Individualização.

DESTAQUE

Não se aplica o conceito agrário de imóvel rural ao procedimento de certificação do memorial descritivo georreferenciado, para os fins e efeitos do registro imobiliário, devendo o georreferenciamento ser realizado no âmbito de cada matrícula individualizada.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O princípio da especialidade impõe que, para efeito de registro público, toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individualizado, a partir de indicações exatas de suas medidas, características e confrontações.

O artigo 176 da Lei de Registros Públicos mostra-se como verdadeira expressão do registro da especialidade ao exigir, para fins de registro do imóvel, sua identificação com todas as suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver.

A Lei n. 10.267/2001, que alterou a Lei de Registros Públicos, instituiu a necessidade de georreferenciamento dos imóveis rurais, uma técnica ainda mais precisa de descrição desses imóveis, que passou a ser exigida para os casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, bem como para efetivação de registro.

Portanto, o procedimento de georreferenciamento passou a integrar o registro dos imóveis rurais, com a necessidade de que a certificação do memorial descritivo conste da matrícula do imóvel, com o objetivo de aperfeiçoar a identificação e descrição dos imóveis rurais, garantindo uma maior precisão e a veracidade das informações constantes do registro público, principalmente para evitar eventuais efeitos negativos decorrentes de descrições imobiliárias vagas e imprecisas como a superposição de áreas, por exemplo.

Conforme definição da legislação agrária defendida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), imóvel rural abrange a totalidade das glebas contíguas do mesmo proprietário utilizadas para fins econômicos similares. Todavia, tal definição, embora seja utilizada para fins de cadastro de imóveis rurais na autarquia, não pode ser utilizada no âmbito do direito registral, em observância ao já mencionado princípio da especialidade.

Para o direito registral, com espeque nos princípios da especialidade e da unitariedade, cada matrícula representa uma unidade imobiliária, inclusive no que tange aos imóveis rurais, o que significa que o memorial descritivo a que se refere os §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei de Registros Públicos deve corresponder ao imóvel representado pela matrícula e que, portanto, cada matrícula deve ser demarcada e georreferenciada individualmente.

Nada impede que o proprietário requeira a unificação das áreas descritas em matrículas distintas de sua propriedade, o que então resultará na formação de uma nova unidade imobiliária com a abertura de uma nova matrícula. Somente nessa hipótese é que o perímetro georreferenciado deverá abranger todos os imóveis referidos nas suas respectivas matrículas, as quais serão encerradas para constituir um único imóvel rural com uma nova matrícula.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 6.015/1973, art. 176, §§ 3º e 4º

Lei n. 10.267/2001

RESUMO. INFORMATIVO 811 DO STJ. 14 DE MAIO DE 2024.

 RESUMO. INFORMATIVO 811 DO STJ. 14 DE MAIO DE 2024 .

SEGUNDA TURMA

Processo

AgInt no AREsp 2.360.631-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2024, DJe 2/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Impenhorabilidade. Bem de família. Imóvel de propriedade de pessoa Jurídica. Núcleo familiar. Conceito de bem de família. Fins sociais da lei. Genitora que detém a posse do imóvel por lá residir. Flexibilização.

DESTAQUE

A confusão entre a moradia de entidade familiar com o local de funcionamento de empresa não constitui requisito para o reconhecimento da proteção de imóvel como bem de família.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se, na origem, de embargos de terceiro que visam resguardar, de futura penhora, o bem cuja titularidade fora transferido para a propriedade de sociedade empresária e tenha se tornado indisponível por força de liminar deferida nos autos considerando que a interessada afirma não possuir qualquer outro imóvel, mas apenas deter a posse do imóvel e por lá residir.

Por sentença, os pedidos veiculados nos embargos de terceiro foram julgados improcedentes, sob o fundamento de que o bem objeto da lide foi integralizado à pessoa jurídica familiar de grande porte, porém nenhuma parte do imóvel seria utilizada para qualquer atividade empresarial, e, portanto, não poderia aproveitar a "elástica jurisprudência" relacionada a impenhorabilidade.

A Lei n. 8.009/1990, por outro lado, é clara no sentido de que a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza; e de que o imóvel residencial próprio é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nessa lei.

Embora a referida Lei determine que a impenhorabilidade recaia sobre o imóvel de propriedade dos membros da família que nele residam, o STJ já decidiu que essa proteção legal também pode ser aplicada a imóveis pertencentes a pessoas jurídicas, desde que sirvam de residência dos sócios, conforme o disposto no REsp n. 1935563/SP.

Nesse sentido, a Lei, estabelecida em razão da proteção à dignidade da pessoa humana, é norma cogente, que contém princípio de ordem pública, não se admitindo, assim, interpretações extensivas às exceções à garantia legal da impenhorabilidade. Assim, a simples comprovação de que o imóvel constitui moradia é suficiente para lhe conferir a proteção legal. A confusão entre a moradia da entidade familiar com o local de funcionamento da empresa, portanto, não constitui requisito para o reconhecimento da proteção do imóvel.

Dessa forma, deve-se entender como possível a interposição de embargos de terceiro visando à declaração de impenhorabilidade de imóvel pertencente a empresa envolvida em processo fiscal, por ser o imóvel a residência da genitora dos sócios envolvidos e em nada interferir na decretação de indisponibilidade de ação cautelar.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 8.009/1990

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.108.182-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 16/4/2024, DJe 19/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação de indenização por danos morais. Responsabilidade civil. Competição automobilística. Acidente envolvendo piloto. Omissão de socorro. Ausência de envio de ambulância e equipe médica presentes no local. Falta com dever de cuidado. Negligência. Dano moral. Configuração. Teoria da perda de uma chance. Aplicabilidade.

DESTAQUE

De acordo com a teoria da perda de uma chance, há responsabilidade civil de empresa organizadora de competição automobilística que deixa de prestar socorro a piloto que falece por afogamento após acidente durante o percurso.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se há responsabilidade civil de empresa organizadora de competição automobilística que deixa de prestar socorro a piloto que falece, por afogamento, em razão de capotamento e queda de automóvel em rio durante o percurso.

A organizadora de competição automobilística, que dispõe de ambulâncias com equipe médica e deixa de enviá-las para socorrer piloto participante que sofreu acidente durante o percurso, pratica ato ilícito pela falta do dever de cuidado esperado, resultando em dano moral, ao frustrar a legítima expectativa de assistência e causar profundo sofrimento e desamparo.

De acordo com a teoria da perda de uma chance, a expectativa ou a chance de alcançar um resultado ou de evitar um prejuízo é um bem que merece proteção jurídica e deve, por isso, ser indenizado. Assim, a simples privação indevida da chance de cura ou sobrevivência é passível de ser reparada.

O nexo causal que autoriza a responsabilidade pela aplicação da teoria da perda de uma chance é aquele entre a conduta omissiva ou comissiva do agente e a chance perdida, sendo desnecessário que esse nexo se estabeleça diretamente com o dano final.

Hipótese em que existia chance séria e concreta de que a recorrida, se tivesse enviado a ambulância ao local do acidente de forma imediata, teria conseguido promover o resgate em menor tempo e prestar assistência médica, aumentando significativamente as chances de sobrevida do piloto (marido da recorrente).

QUARTA TURMA

Processo

REsp 2.123.047-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 30/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Abuso sexual infantil. Ação de indenização por danos materiais e morais. Prescrição. Termo inicial. Teoria subjetiva da actio nata. Aplicação.

DESTAQUE

O termo inicial da prescrição nos casos de abuso sexual durante a infância e adolescência não pode ser automaticamente vinculado à maioridade civil, sendo essencial analisar o momento em que a vítima tomou plena ciência dos danos em sua vida, aplicando-se a teoria subjetiva da actio nata.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na origem, foi ajuizada ação de indenização por danos materiais e morais em decorrência de abuso sexual sofrido na infância. O Tribunal a quo manteve a prescrição reconhecida na sentença, pois já havia transcorrido muito mais que os três anos do prazo prescricional. Ademais, consignou que o prazo "tem a fluência a partir da maioridade, e não, do início do tratamento psicológico, eis que já tinha discernimento suficiente para mensurar a gravidade dos fatos ocorridos e o livre arbítrio para procurar os meios legais para responsabilização do réu".

Portanto, a controvérsia diz respeito ao termo inicial da prescrição no caso de abuso sexual cometido contra menor de idade, em que o resultado lesivo do crime foi efetivamente constatado pela vítima apenas muitos anos após a cessação dos atos libidinosos.

O abuso sexual contra menores de idade é problema grave e alarmante, que traz consequências devastadoras para as vítimas e suas famílias. Embora seja tema sensível, é fundamental discuti-lo para ampliar a conscientização e promover medidas eficazes de prevenção e combate.

O abuso sexual ocasiona danos permanentes, deixando cicatrizes emocionais, cognitivas e comportamentais que podem perdurar ao longo da vida da vítima. Por sua vez, esses danos podem se manifestar de maneira mais perceptível em determinadas épocas da vida da pessoa, muitas vezes em resposta a acontecimentos específicos. Por exemplo, uma pessoa que tenha sido vítima de abuso sexual na infância pode experimentar o ressurgimento significativo dos traumas durante a gravidez, o nascimento de um filho, ou ao entrar em relacionamento íntimo. Esses eventos podem desencadear lembranças dolorosas e uma série de reações emocionais e psicológicas, como ansiedade, depressão ou baixa autoestima.

Logo, embora os danos do abuso sexual sejam intrinsecamente permanentes, sua manifestação pode variar ao longo do tempo e em resposta a diferentes eventos ou estágios da vida da vítima. Muitas vezes, as vítimas enfrentam dificuldades para lidar com as consequências emocionais e psicológicas do abuso e podem levar anos, ou mesmo décadas, para reconhecer e processar plenamente o trauma que sofreram.

Por conseguinte, é desarrazoado exigir da vítima de abuso sexual a imediata atuação no exíguo prazo prescricional de três anos após atingir a maioridade civil (art. 206, § 3º, V, do CC/2002). Em razão da complexidade do trauma causado pelo abuso sexual infantil, é plenamente possível que, aos 21 anos de idade, ela ainda não tenha total consciência do dano sofrido nem das consequências desse fato ao longo de sua vida.

Sob outro ângulo, é crucial considerar a possibilidade de a vítima, aos 21 anos, ainda manter contato direto com o agressor, que, na maior parte das vezes, é membro da família, como o pai, o padrasto ou parente próximo. Essa situação pode adicionar uma camada significativa de complexidade e dificuldade para reconhecer e lidar com o abuso sofrido.

Em regra, esta Corte Superior adota para o cômputo da prescrição a teoria objetiva da actio nata, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem (art. 189 do CC/2002). Contudo, em situações peculiares, nas quais a vítima não detém plena consciência do dano nem de sua extensão, a jurisprudência do STJ tem adotado a teoria subjetiva da actio nata, elegendo a data da ciência como termo inicial da prescrição.

A teoria subjetiva da actio nata é especialmente relevante no contexto de abuso sexual infantil, em que o ofendido pode não ter plena consciência do dano sofrido até décadas após o ocorrido, quando o trauma começa a se manifestar de forma mais evidente. Nessa situação, a teoria subjetiva da actio nata permite que o prazo de prescrição inicie a partir do momento em que a vítima efetivamente tenha conhecimento dos efeitos decorrentes do abuso sexual, permitindo que busque a reparação legal.

Portanto, considerando a gravidade do crime, a complexidade do dano causado e suas repercussões, com impacto permanente na vida tanto da vítima quanto de seus familiares, e o relevante bem jurídico tutelado - a integridade física, moral e psicológica -, é imperativo reconhecer que, nos casos de abuso sexual durante a infância e adolescência, o início do prazo prescricional não pode ser automaticamente vinculado à maioridade civil. Em vez disso, é essencial analisar o momento em que a vítima tomou plena ciência dos danos em sua vida, aplicando-se assim a teoria subjetiva da actio nata.

Dessa forma, é imprescindível conceder à vítima a oportunidade de comprovar o momento em que constatou os transtornos decorrentes do abuso sexual, a fim de estabelecer o termo inicial de contagem do prazo prescricional para a reparação civil.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), art. 189 e art. 206, § 3º, V

Processo

REsp 2.087.485-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 2/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Alienação fiduciária. Busca e apreensão de bem. Notificação extrajudicial do devedor fiduciante. Correio eletrônico. E-mail. Possibilidade. Comprovação de recebimento. Necessidade.

DESTAQUE

É suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por e-mail, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária e comprovado seu efetivo recebimento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 estabelece ser a carta registrada com aviso de recebimento uma das formas de notificação extrajudicial do devedor. Por sua vez, esta Corte firmou o entendimento, em recurso especial repetitivo, de que, "em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos com alienação fiduciária (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969), para a comprovação da mora, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros" (REsp 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, DJe 20/10/2023).

Isso significa que deverá ser considerada suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante encaminhada ao endereço indicado no contrato, com prova de seu recebimento, independentemente de quem tenha assinado o AR.

A par desses dois requisitos - notificação enviada para o endereço do contrato e comprovação de sua entrega efetiva -, é viável explorar outros possíveis meios de notificação extrajudicial que possam legitimamente demonstrar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento da obrigação legal para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem.

Sob esse aspecto, é possível, por interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato e, principalmente, seja comprovado seu recebimento, independentemente de quem a tenha recebido.

Não é razoável exigir, a cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as notificações para fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia desenvolvida.

Além disso, a aceitação, pelo Poder Judiciário, de métodos de comprovação de entrega de mensagens eletrônicas pode ser embasada na análise de sua eficácia e confiabilidade, como ocorre com qualquer prova documental, independentemente de certificações formais. Se a parte apresentar evidências sólidas e verificáveis que atestem a entrega da mensagem, assim como a autenticidade de seu conteúdo, o magistrado pode considerar tais elementos válidos para efeitos legais.

Nessa perspectiva, se o credor fiduciário apresentar prova do recebimento do e-mail, encaminhado ao endereço eletrônico fornecido no contrato de alienação fiduciária, a notificação extrajudicial deve ser admitida para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem, uma vez cumpridos os mesmos requisitos exigidos da carta registrada com aviso de recebimento.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Decreto-Lei n. 911/1969, art. 2º, § 2º

Processo

REsp 1.632.928-RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 9/4/2024, DJe 25/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Ação civil pública. Legalidade de cobrança de taxa de conveniência para aquisição de ingressos para shows. Distinção entre taxa de conveniência, taxa de entrega e taxa de retirada. Cobrança das referidas taxas que refletem custos de intermediação de vendas e de serviços efetivamente prestados ao consumidor. Abusividade não comprovada.

DESTAQUE

Não configura prática abusiva a cobrança das taxas de conveniência, retirada e/ou entrega de ingressos comprados na internet, desde que o valor cobrado pelo serviço seja acessível e claro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A taxa de conveniência é aquela cobrada pela simples aquisição de ingresso por meio de empresa contratada e diz respeito aos custos de intermediação da venda desses ingressos. Por outro lado, a taxa de retirada (também chamada de will call) é aquela cobrada quando o próprio consumidor compra o ingresso pela internet ou por telefone, mas, ao invés de imprimi-lo em casa, o emite em bilheteria específica colocada à sua disposição. No mais, taxa de entrega é aquela cobrada quando a pessoa opta por receber seu ingresso em domicílio, pelos Correios ou por outro serviço de courier.

No caso relativo à taxa de conveniência, cobrada quando da aquisição de ingresso pela internet, guiando-se pelo que decidido no julgamento dos Temas n. 938 e n. 958, a Terceira Turma desta Corte já entendeu que não há óbice a que os custos da intermediação de venda de ingressos sejam transferidos ao consumidor, desde que haja informação prévia acerca do preço total da aquisição, com destaque do valor.

Na inicial da ação civil pública, o MP não alega que os custos da taxa de conveniência estariam sendo omitidos dos consumidores, existindo indicação expressa no sentido de que a empresa recorrente ofereceria os ingressos "sob o pagamento de valor adicional" e que estaria agregando "referido valor ao dos ingressos, ainda que os mesmos sejam adquiridos junto às bilheterias".

Tratando-se de valor explícito no momento da compra do ingresso, não há como considerar, neste tipo de situação, que tenha havido a ocorrência de prática abusiva.

As taxas de entrega e de retirada, ao contrário da taxa de conveniência, não configuram um simples custo de intermediação de venda, mas estão vinculadas a um serviço independente, dirigido ao consumidor que não quer ou não pode imprimir seu ingresso virtual em casa.

Assim como a entrega em domicílio gera um custo para a empresa responsável pela venda dos bilhetes, pois implica a contratação de serviço de courier, não há dúvidas de que o serviço de retirada de bilhetes em posto físico (will call) também acarreta um custo para a mesma empresa, porque, para colocá-lo à disposição do consumidor, ela tem que contratar uma pessoa para atendê-lo, além de ter que alugar ou comprar um espaço físico e as impressoras necessárias.

Se há serviço disponibilizado ao consumidor, que pode optar, a seu critério, se vai imprimir seu ingresso em casa, se vai solicitar que ele seja entregue pelos Correios, ou se vai preferir retirá-lo em bilheteria, e se o valor cobrado pelo serviço é acessível e claro, não há que se falar em abusividade.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

PRECEDENTES QUALIFICADOS

Tema n. 958/STJ

Processo

REsp 1.830.550-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 30/4/2024.

Ramo do Direito

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Tema

Recuperação judicial. Descumprimento do plano. Cláusula que possibilita nova convocação da assembleia geral de credores. Legalidade.

DESTAQUE

É válida a cláusula que possibilita nova convocação da assembleia geral de credores em caso de descumprimento do plano de recuperação judicial, em vez da imediata conversão em falência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia jurídica envolve a legalidade de cláusulas que preveem a convocação de uma nova assembleia geral de credores caso seja descumprido o plano de recuperação judicial, em vez da imediata conversão em falência.

As instâncias de origem afirmaram que a previsão de nova assembleia geral de credores violaria o estabelecido nos arts. 61, § 1º, e 73, IV, da Lei n. 11.101/2005, os quais determinam que, em caso de descumprimento de qualquer obrigação, a recuperação judicial deve ser convertida em falência.

Contudo, essas disposições não são normas imperativas, devendo ser interpretadas à luz do propósito da Lei de Recuperação Judicial, que consiste principalmente na superação da crise econômico-financeira e na preservação da empresa, conforme estabelecido em seu artigo 47.

A inserção de cláusula que possibilita nova convocação da assembleia geral, a fim de evitar o decreto imediato da falência, está inserida no âmbito da liberdade negocial dos credores. Se os próprios credores, maiores interessados no recebimento do crédito, optam por mais uma tentativa para manter a empresa, essa decisão, firmada em assembleia, coaduna-se com os imperativos que regem a Lei de Recuperação Judicial.

Justamente por não ser a conversão em falência norma cogente, a Quarta Turma, ao julgar o AREsp n. 1.059.178/SP, entendeu ser possível a instalação de nova assembleia, em razão de alterações no quadro fático e da existência de novos elementos para elaboração de um plano de recuperação judicial efetivamente viável, a ser aprovado pelos credores.

No mais, no âmbito do processo de recuperação, é soberana a deliberação da assembleia geral de credores relativa ao conteúdo do plano. Ao magistrado compete exclusivamente a avaliação da conformidade legal do ato jurídico, fundamentado no interesse público refletido no Princípio da Preservação da Empresa e na consequente manutenção dos empregos e das fontes de produção.

Por fim, a própria Lei de Recuperação Judicial, em seu artigo art. 35, I, a, estabelece a competência da assembleia geral de credores para deliberar acerca de eventual alteração no plano de recuperação judicial.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 11.101/2005, arts. 35, I, a, 4761, § 1º, e 73, IV