quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

RESUMO. INFORMATIVO 801 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 801 DO STJ.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.951.170-DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, Terceira Turma, julgado em 20/2/2024, DJe 23/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

Tema

Alteração de registro civil. Art. 56 da Lei n. 6.015/1973 (redação original). Modificação do prenome após a maioridade civil. Justo motivo. Prescindibilidade. Constituição de prenome composto. Possibilidade.

DESTAQUE

É possível a inclusão do sobrenome do padrinho para constituição de prenome composto, com amparo na regra do art. 56 da Lei n. 6.015/1973 (redação original), independentemente de motivação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No que toca à mudança de nome, antes mesmo da alteração implementada pela Lei n. 14.382/2022 à Lei de Registros Publicos ( LRP), este Tribunal já vinha evoluindo sua interpretação sobre o assunto, passando a entender que o tema está inserido no âmbito da autonomia privada, apesar de não perder seu aspecto público, haja vista que somente será admissível a retificação quando não se verificar riscos a terceiros e à segurança jurídica.

O nome de família tem como escopo identificar a qual família pertence a pessoa, isto é, faz com que a pessoa sinta-se pertencente a determinada família, como membro integrante dela. Já o sobrenome não tem a função de estreitar vínculos afetivos com os membros da família ou pessoas próximas, pois sua função primordial é revelar a estirpe familiar no meio social e reduzir as possibilidades de homonímia, haja vista que, nos termos do art. 54 da LRP, o registro de nascimento contém os nomes dos pais e dos avós.

O art. 56 da LRP previa que o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderia alterar o nome, desde que não prejudicasse os apelidos de família, sendo essa a redação vigente ao tempo da propositura da presente ação. Todavia, a Lei n. 14.382/2022 alterou a redação original do aludido dispositivo, passando a dispor que a pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, sem a limitação temporal anteriormente prevista.

Na espécie, deve-se acolher a pretensão autoral, pois, ao contrário do que entenderam as instâncias ordinárias, postula-se a inclusão de vocábulo ao prenome, tornando-o composto, com fundamento no art. 56 da LRP.

Se a pretensão do autor fosse a de incluir o sobrenome de seu padrinho, com amparo no art. 57 da LRP, não seria viável o acolhimento da pretensão ante a ausência de justo motivo para tanto, sobretudo porque a simples pretensão de homenagear parente ou pessoa próxima não constitui fundamento bastante, já que não há previsão de que sentimentos íntimos sejam suficientes para alterar a qualidade imutável do nome, não sendo essa a função exercida pelo sobrenome.

Ademais, o requerente completou a maioridade civil em 25/12/2017, tendo proposto a presente ação em 18/12/2018, ou seja, dentro do prazo decadencial de 1 (um) ano.

Ao autorizar a alteração do prenome, a norma de regência não exige a apresentação de justo motivo, de maneira que, se lhe é permitida a modificação do prenome por um outro, não se mostraria plausível vedar a inclusão de determinada partícula para torná-lo duplo ou composto, como ocorre na espécie.

Dessa maneira, deve-se admitir o pleito de alteração do prenome, relegando essa matéria ao âmbito da autonomia privada, pois ausente qualquer risco à segurança jurídica e a terceiros, já que foram juntadas inúmeras certidões negativas em relação ao nome do autor, bem como há declaração expressa do padrinho no sentido de não se opor ao fato de que o afilhado faça a inclusão postulada.

Assim, não se mostraria razoável admitir a inclusão de qualquer outro nome ou até mesmo a adoção de prenome totalmente diverso do originário, mas, vedar a inclusão do sobrenome de seu padrinho ao seu prenome por esse simples motivo.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 6.015/1973, arts. 5456 e 57.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 3 - Edição Especial

· Informativo de Jurisprudência n. 555

· Informativo de Jurisprudência n. 666

· Informativo de Jurisprudência n. 723

· Informativo de Jurisprudência n. 748

Processo

REsp 2.079.440-RO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DA PESSOA IDOSA, DIREITO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS

Tema

Ação Civil Pública. Legitimidade. Ministério Público. Honorários Contratuais. Abusivos. Beneficiários Previdência Social. Hipossuficiência. Subsistência Afetada.

DESTAQUE

O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública que trate de contrato de honorários advocatícios abusivos quando houver litigantes hipossuficientes e repercussão social que transcenda a esfera dos interesses particulares, como nos de beneficiários da Previdência Social.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se o Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública que discuta a legalidade de cláusulas contratuais que versam sobre o montante de honorários advocatícios ajustados entre advogado e cliente para fins de ajuizamento de ações previdenciárias.

Quando se cuida de situação recorrente e continuada, de clientes em situação de hipossuficiência que são induzidos, em razão de sua condição de vulnerabilidade, a anuir com cobrança abusiva de honorários advocatícios contratuais, desenha-se uma situação que ultrapassa os limites da esfera individual.

A Previdência Social tem por finalidade garantir aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.

Estatuto do Idoso confere competência ao Ministério Público para instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos da pessoa idosa.

A modalidade de advocacia que obsta o propósito da Previdência Social de mantença de seus segurados, ao atuar com desídia para aumentar a sua remuneração e ao cobrar honorários que prejudicam a subsistência dos beneficiários, desvirtua a lógica do direito previdenciário.

O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública que trate de contrato de honorários advocatícios abusivos quando houver litigantes hipossuficientes e repercussão social que transcenda a esfera dos interesses particulares.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Estatuto do Idoso

QUARTA TURMA

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 22/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Intimação. Portal eletrônico e Diário de Justiça Eletrônico. Data do julgamento do recurso de apelação. Intimação pelo DJe. Cientificação feita pelo portal eletrônico. Alteração de inopino. Prejuízo configurado. Aplicação do princípio da não-surpresa. Invalidade do ato.

DESTAQUE

É nula a modificação ou alternância do meio de intimação eletrônica (Portal ou Diário eletrônico) pelos Tribunais, durante a tramitação processual, sem aviso prévio, causando prejuízo às partes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a respeito da possibilidade de os Tribunais, durante a tramitação processual, intimarem as partes pelo Portal ou pelo Diário eletrônico, ou mesmo alternarem as modalidades, ora fazendo-as através dos respectivos portais, ora através de disponibilização da publicação no Diário de Justiça eletrônico, sem qualquer justificativa para tanto.

São modalidades de intimação eletrônica tanto as realizadas por meio dos Portais de Sistemas Eletrônicos disponibilizados pelos Tribunais quanto as efetivadas através do Diário de Justiça eletrônico, a primeira prevista na Lei n. 11.419/2006 e, a segunda, no Código de Processo Civil.

No caso, o advogado da recorrente efetuou o cadastramento, a fim de viabilizar o seu acesso ao sistema de processos eletrônicos do Tribunal, habilitando-o a receber as intimação por meio do respectivo portal.

Desse modo, todas as intimações referentes a esse processo deveriam se dar da mesma forma, qual seja, pelo Portal, não se justificando a modificação ou a alternância de meio, sem motivação, por força do princípio da boa-fé processual, da previsibilidade e da não surpresa.

Frise-se que pode haver necessidade de que determinada intimação seja feita por Oficial de Justiça ou por carta e que outras, sejam por meios eletrônicos (Portal ou DJe). A legislação processual civil e a Lei de processos eletrônicos coexistem harmonicamente. O que não se pode admitir é que, tramitando um processo por meio eletrônico, o advogado que se cadastrou e esteja apto no Portal eletrônico seja intimado por meio dessa modalidade e, sem notícia da indisponibilidade do sistema ou de qualquer outro problema que justifique a mudança, seja intimado exclusivamente através do Diário de Justiça eletrônico.

Essa alternância injustificada causa imprevisibilidade, gera descrédito nos sistemas eletrônicos, e, no caso, prejuízo para o jurisdicionado, já que seu advogado, não proferiu sustentação oral na sessão de julgamento, cuja data só foi tornada pública quando da disponibilização do Diário de Justiça eletrônico.

A prática do ato por modo diverso do até então realizado permite o entendimento de que ele não alcançou sua finalidade, que era a de dar ciência inequívoca ao receptor da informação (parte ou advogado), inquinando o ato de nulidade.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 697

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

RESUMO. INFORMATIVO 800 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 800 DO STJ. 20 DE FEVEREIRO DE 2024.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.082.860-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação de Cobrança. Cumprimento de Sentença. Dívida decorrente de contrato de prestação de serviços de reforma residencial. Bem de família. Penhora. Possibilidade. Art. 3º, II, da Lei 8.009/1990.

DESTAQUE

É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívida contraída para reforma deste imóvel.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em definir se a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990 se aplica à dívida contraída para reforma do imóvel.

As regras que estabelecem hipóteses de impenhorabilidade não são absolutas. O próprio art. 3º da Lei n. 8.009/1990 prevê uma série de exceções à impenhorabilidade, entre as quais está a hipótese em que a ação é movida para cobrança de crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (inciso II).

Da exegese do comando do art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990, fica evidente que a finalidade da norma foi coibir que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem.

É nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros.

No particular, o débito objeto de cumprimento de sentença foi contraído pela recorrente junto às recorridas com a finalidade de implementação de reforma no imóvel residencial, razão pela qual incide o disposto no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990.

Portanto, a dívida relativa a serviços de reforma residencial se enquadra na referida exceção.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 8.009/1990, art. 3º, II

Processo

REsp 2.095.740-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 9/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação de busca e apreensão. Alienação fiduciária. Decreto-Lei n. 911/1969. Registro da garantia no certificado de registro de veículo. Desnecessidade. Eficácia entre as partes. Veículo registrado em nome de terceiro. Necessidade de prova da tradição do bem ao devedor fiduciante. Requisito de eficácia da garantia entre as partes.

DESTAQUE

A anotação da alienação fiduciária no certificado de registro do veículo não constitui requisito para a propositura da ação de busca e apreensão, uma vez que o registro é condição de eficácia da garantia perante terceiros e não entre os contratantes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se o registro da alienação fiduciária no órgão de trânsito é requisito para o ajuizamento da ação de busca e apreensão e se o fato de o veículo estar registrado em nome de terceiro constitui óbice ao prosseguimento da demanda.

A ação de busca e apreensão é uma ação autônoma de conhecimento (art. 3º, §8º, do Decreto-Lei n. 911/1969) que tem por finalidade a retomada do bem pelo credor fiduciário. A petição inicial deve indicar o valor da integralidade da dívida pendente (art. 3º, §2º, do Decreto-Lei n. 911/1969) e devem ser observados os requisitos estabelecidos nos arts. 319 e 320 do CPC.

São documentos indispensáveis ao ajuizamento da ação de busca e apreensão a comprovação da mora do devedor fiduciante (Súmula n. 72/STJ) e o contrato escrito celebrado entre as partes. Além disso, se o bem objeto da alienação fiduciária estiver registrado em nome de terceiro, a petição inicial deverá ser instruída com prova de que a posse do bem foi transferida ao devedor. Isso porque, a alienação fiduciária somente tem eficácia entre as partes contratantes (comprador e financiador) a partir do momento em que o devedor se torna proprietário do bem, o que ocorre com a tradição (arts. 1.267 e 1.361, § 3º, do CC).

A anotação da alienação fiduciária no certificado de registro do veículo não constitui requisito para a propositura da ação de busca e apreensão, uma vez que o registro é condição de eficácia da garantia perante terceiros e não entre os contratantes.

No particular, as partes celebraram contrato de financiamento de veículo com pacto acessório de alienação fiduciária, o qual não foi registrado no órgão de trânsito competente, o que, todavia, não é exigido para ação de busca e apreensão. Mas, sendo o proprietário registral terceiro estranho à lide, cabe à recorrente (credora fiduciária) comprovar a tradição do veículo ao recorrido (devedor fiduciante).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), arts. 319 e 320

Código Civil (CC), arts. 1.267 e 1.361, § 3º

Decreto-Lei n. 911/1969, art. 3º, §§2º e 8º

SÚMULAS

Súmula n. 72/STJ

QUARTA TURMA

Processo

AgInt no REsp 1.881.482-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Promessa de compra e venda. Atraso na entrega da obra. Rescisão contratual. Retorno ao status quo ante. Indenização. Restituição integral dos valores despendidos com o imóvel com os encargos legais. Lucros cessantes. Descabimento. Interesse contratual negativo. Presunção de prejuízo. Afastamento.

DESTAQUE

É indevido o pagamento de indenização por lucros cessantes, no caso de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento da promitente vendedora.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, ressalta-se que a jurisprudência desta Corte é pacífica quanto ao cabimento de lucros cessantes em razão do descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, havendo presunção de prejuízo do promitente comprador. Nesse sentido, concluiu a Segunda Seção que os valores a título de lucros cessantes seriam devidos desde o dia seguinte à data pactuada para entrega até o dia de ingresso dos autores na posse do imóvel, já que esse seria o tempo em que teriam permanecido privados do bem em descumprimento aos termos do contrato.

Todavia, no universo de casos que vêm sendo trazidos à apreciação das turmas da Segunda Seção, é possível distinguir duas situações principais. No primeiro grupo, a parte compradora ainda anseia por receber o imóvel adquirido na planta, mas requer a condenação da vendedora por lucros cessantes, entre outras parcelas indenizatórias, em decorrência do atraso em sua entrega. Em tais casos, a presunção de lucros cessantes advém da circunstância de que o comprador se viu privado da posse do bem na data aprazada e, por isso, teve custear outra moradia, ou deixar de alugar o imóvel durante o período de atraso.

No segundo grupo, estão as ações em que o adquirente, insatisfeito com o atraso, postula a resolução do contrato, cumulada com pedido de indenização, inclusive lucros cessantes, consubstanciados nos aluguéis que deixou de receber ou acabou por ter despendido em decorrência da mora. Em tais casos, deve-se realizar diferenciação em relação aos precedentes da Segunda Seção, exatamente pelo fato de que não é jurídico reconhecer o pedido de lucros cessantes de forma presumida quando o pedido principal da parte compradora é precisamente resilir o contrato com o retorno ao estado anterior em que as partes se encontravam antes da contratação.

Com efeito, o art. 475 do Código Civil assim dispõe: "a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". Interpretando esse dispositivo, é possível perceber que o corolário natural da dissolução da relação contratual consiste no retorno das partes às posições ocupadas antes da contratação. É o que determina o art. 182 do Código Civil relativo à ação de nulidade, mas aplicável analogicamente ao remédio resolutivo, quando dispõe: "restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restitui-las, serão indenizadas pelo equivalente."

Ademais, como a resolução acaba por extinguir a relação contratual entre as partes e não propriamente o contrato, extinta esta, surgirá nova relação (relação de liquidação para restituir as partes ao status quo ante (restituição) e, eventualmente, indenização ao credor pelo dano sofrido (art. 475 do Código Civil)). Dessa forma, o credor da obrigação não deve receber nem mais nem menos do que forneceu, porque a reconstituição de uma situação jurídica em seguida à resolução é o retorno ao estado que existira anteriormente ao ato. A questão, contudo, é delimitar o que pertenceria à restituição desses valores: se abarcariam os lucros cessantes presumidos, delimitados esses como os aluguéis que a parte agravada deixou de receber pela coisa, ou não.

Para explicar a situação indenizatória quando há resolução de contrato por não cumprimento da avença, a maioria da doutrina tradicional trabalha com a distinção entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, o mesmo acontecendo na jurisprudência. Assim, se o credor optar por pleitear o cumprimento da obrigação terá direito também ao ressarcimento de todos os prejuízos sofridos (danos emergentes e lucros cessantes), ou seja, será colocado na mesma situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido voluntariamente e no modo/tempo/lugar devido (chamado interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento).

Por outro lado, se o credor optar pela resolução do contrato, só poderá pedir de forma cumulada a indenização relacionada aos danos que sofreu pela alteração da sua posição contratual. Será, portanto, ressarcido na importância necessária para colocá-lo na mesma situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo). O que não cabe é a cumulação das indenizações que seriam resultantes da pretensão de cumprimento do contrato, com as que decorreriam da pretensão de resolução do mesmo pacto.

Dessa forma, na hipótese de se requer a resolução do compromisso de compra e venda, deve-se atender ao interesse contratual negativo da parte contratante, visando-se a colocar a parte compradora frustrada na mesma situação em que estaria se o contrato não tivesse sido realizado. Nesse sentido, mesmo sendo possível cumular o pedido de perdas e danos, que abarcariam tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, estes últimos não poderiam ser considerados presumidos e muito menos decorrentes de aluguéis da própria coisa nas hipóteses em que há pedido de resolução.

Ademais, a devolução integral de todos os valores despendidos, devidamente corrigidos, com juros de mora de 1% (um por cento) a contar da citação, com a imputação da devolução da corretagem à construtora, nas mesmas condições (correção e juros), se acrescida de lucros cessantes torna desproporcional os termos da resolução do contrato, criando desequilíbrio na solução do inadimplemento absoluto, no mais das vezes, servindo de incentivo à rescisão e, consequentemente à multiplicação dos conflitos, visto que o desfazimento do negócio passa a ser mais vantajoso economicamente para o comprador do que a manutenção do contrato, dado que o resultado tenderá a ser correspondente a uma diferenciada aplicação financeira.

Assim, a partir do momento em que o adquirente opta pela rescisão do contrato, em razão do atraso na entrega da obra, com restituição integral dos valores despendidos com o imóvel e retorno das partes ao status quo ante, tem-se que os prejuízos materiais decorrentes passam a ser sanados pela devolução de toda a quantia com os encargos legais, o que torna indevida a indenização por alugueis desse mesmo imóvel, afastando-se a presunção de prejuízo.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil, (CC/2002), arts. 182 e 475

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Grave abuso sexual sofrido pelo infante. Negligência dos genitores. Hipótese de destituição do poder familiar.

DESTAQUE

A negligência ou omissão dos genitores ante a grave abuso sexual configura hipótese excepcional de destituição do poder familiar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

De início, rememora-se que "a proteção integral está intimamente ligada ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, pelo qual, no caso concreto, devem os aplicadores do direito buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para o menor. Trata-se de princípio constitucional estabelecido pelo art. 227 da CF, com previsão nos arts. 4° e 100, parágrafo único, II, da Lei n. 8.069/1990, no qual se determina a hermenêutica que deve guiar a interpretação do exegeta. O norte nessa seara deve buscar a máxima efetividade aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, especificamente criando condições que possibilitem, de maneira concreta, a obtenção dos alimentos para a sobrevivência" (REsp 1.533.206/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2015, DJe de 1º/2/2016).

No caso, sobejam provas acerca de abuso sexual cometido contra o menor, enquanto ambos os pais, de forma insólita, recusam a evidência científica colhida em exame médico-hospitalar. Somado a esse fato, o comportamento da criança revela preocupante temor em relação ao genitor, conforme atestam os serviços de atendimento especializados.

Com base no microssistema do ECA, à luz do Princípio da Integral Proteção à Criança e ao Adolescente, concluiu o Tribunal de origem que a ação e a omissão dos genitores em face do abuso sofrido pelo menor e a negação deliberada dos graves fatos demonstram, claramente, a total incapacidade de exercício do poder parental, além da submissão do infante ao constante risco de violação da sua integridade física e psicológica. Consignou, ainda, a ausência de ente da família extensa em condições de cuidar da criança.

Com efeito, o entendimento do tribunal a quo está em consonância ao desta Corte, tendo em vista que "em demandas envolvendo interesse de criança, como no caso, a solução da controvérsia deve sempre observar o princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal, o qual deve orientar a atuação tanto do legislador quanto do aplicador da norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional aos seus contornos" (HC 776.461/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 29/11/2022, DJe de 1º/12/2022).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal (CF), art. 227

Lei n. 8.069/1990, arts. 4° e 100, parágrafo único, II

Processo

AgInt no AREsp 1.488.546-PE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO BANCÁRIO

Tema

Obrigação de fazer. Impossibilidade de entrega das ações ao acionista. Conversão em indenização por perdas e danos. Cumprimento de sentença. Apuração do valor das ações cotadas em Bolsa de valores. Eventos societários ocorridos entre a data de emissão das ações e a do trânsito em julgado. Necessidade de inclusão no cálculo.

DESTAQUE

Nas ações que houver a conversão em indenização por perdas e danos pela impossibilidade de entrega das ações ao acionista, embora a fase de liquidação não seja necessariamente obrigatória, é preciso considerar, no cálculo da indenização, os eventos societários de grupamentos e desdobramentos de ações ocorridos entre a data em que as ações foram emitidas e a data do trânsito em julgado da sentença.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Analisando a forma como se deve dar a liquidação do julgado, nas causas que envolvem a conversão de ações em indenização por perdas e danos pela impossibilidade de entrega das ações ao acionista, a Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.387.249/RS, em sede de recurso repetitivo, se manifestou no sentido de que, embora a fase liquidação não seja necessariamente obrigatória, é preciso considerar, no cálculo da indenização, os eventos societários ocorridos entre a data em que foram emitidas as ações e a data do trânsito em julgado da sentença.

No referido precedente, o relator afirma que o número de ações obtido deve ser multiplicado por um fator de conversão (Fc), para que se encontre o equivalente de ações na companhia sucessora, hoje existente. Esse fator de conversão deve englobar os agrupamentos acionários eventualmente ocorridos. Por exemplo, se cada grupo de 1.000 ações da companhia X foi agrupado em uma ação da companhia Y, a variável (Fc) deve englobar essa operação acionária. O passo seguinte é multiplicar o número de ações da companhia atual pela cotação das ações no fechamento do pregão da bolsa de valores do dia do trânsito em julgado da ação de conhecimento, conforme definido no REsp 1.025.298/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, DJe 11/2/2011.

Seguindo essa mesma linha de entendimento, a Terceira e a Quarta Turmas desta Corte acabaram firmando sua jurisprudência no sentido de que devem ser considerados, para o cálculo do valor devido, todos os eventos societários que importem grupamento e/ou desdobramento de ações, entre a data em que elas foram emitidas e a data do trânsito em julgado da demanda, não havendo que se falar que a observância dessas operações acarretaria ofensa à coisa julgada.

Deste modo, é indispensável a avaliação dos eventos societários de grupamentos e desdobramentos de ações ocorridos desde a data em que foram emitidas as ações até a data do trânsito em julgado da ação de obrigação de fazer ajuizada contra o banco, sob pena de configurar-se o enriquecimento sem causa.