quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

ARTIGO. ARBITRAGEM E DIREITO DE FAMÍLIA

 ARBITRAGEM E DIREITO DE FAMÍLIA

 

Flávio Tartuce[1]


Um dos temas que vem sendo debatido muito intensamente no âmbito da doutrina brasileira diz respeito à possibilidade da arbitrabilidade em matérias de Direito de Família. O assunto foi objeto da tese de doutorado de Ricardo Lucas Calderon, defendida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná no último dia 7 de fevereiro de 2022, com o título “Ressignificação da indisponibilidade dos direitos: transigibilidade e arbitrabilidade nos conflitos familiares”. Participaram da banca os Professores Carlos Eduardo Pianovski – orientador e presidente −, Ana Carla Matos, Anderson Schreiber, Mario Luiz Delgado e Francisco José Cahali. O trabalho foi aprovado com distinção e deve ser publicado como livro em breve.

A propósito, o último doutrinador citado há tempos é um dos defensores da possibilidade de a arbitragem envolver os conflitos de direitos disponíveis no âmbito familiar, mesmo não havendo norma expressa o autorizando. Segundo ele, “vedada a arbitragem para solução de questão de estado (filiação, poder familiar, estado civil etc.) e para direitos não patrimoniais e indisponíveis, para se colocar os protagonistas de um conflito envolvendo o direito de família no palco arbitral, então, indispensável que a matéria pontual respectiva, dentro da amplitude do instituto, seja exclusivamente de natureza patrimonial disponível” (CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 435). O jurista – alterando posição anterior − é favorável a que a arbitragem resolva até mesmo as questões relativas aos valores dos alimentos: “acabamos por nos curvar à admissibilidade, em princípio, da fixação, da pensão alimentícia no juízo arbitral, sempre no pressuposto de se verificar a capacidade das partes e a convergente disposição no sentido de existir a respectiva obrigação”. De toda sorte, ressalva, com razão, que “temos dificuldade em vislumbrar proveito expressivo às partes nesta situação. E, na prática, preferimos deixar esta matéria ainda aos cuidados do Poder Judiciário” (CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 437).

Ainda no campo doutrinário, superando-se o debate que foi inaugurado na I Jornada, aprovou-se o Enunciado n. 96 na II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em agosto de 2021. Consoante o seu teor, é “válida a inserção da cláusula compromissória em pacto antenupcial e em contrato de união estável”. Como se percebe, a ementa doutrinária prevê a validade, nos termos do art. 104 do Código Civil, da cláusula compromissória incluída em acordo de vontades prévio entre cônjuges e companheiros, como exercício legítimo da autonomia privada.

Quando da plenária final daquele evento, cheguei a propor à comissão de arbitragem – presidida pelo Professor Carlos Alberto Carmona − um novo texto para a proposta, com a seguinte redação: “é possível a arbitragem que envolva questões estritamente patrimoniais de Direito de Família”. A sugestão, porém, não foi acatada, e, após intensos debates, aprovou-se com pequena margem o enunciado na dicção antes apontada.

Pois bem, este breve artigo visa a trazer algumas questões de debate a respeito do tema, e que ainda servem como argumento para as minhas resistências ou ressalvas quanto à arbitragem no Direito de Família.

primeira delas diz respeito ao fato de ser difícil a separação absoluta de interesses puramente patrimoniais nas disputas de família. Como está previsto no art. 852 do Código Civil, é vedado o compromisso arbitral – seja judicial ou extrajudicial − para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial. Além disso, o art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996) prevê que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Não se pode negar que as questões relativas à partilha de bens entre cônjuges envolvem direitos de cunho patrimonial que podem ser objeto de disposição ou alienação. Mas o que dizer de disputas que envolvem bens sobre os quais existe certo apego afetivo, caso de quadros, livros, obras de arte, veículos, peças de roupas e mesmo imóveis? E as hipóteses envolvendo os animais, que caminham para um tratamento legal em separado dos bens e das coisas? Nessas disputas, aspectos subjetivos e extrapatrimoniais, por vezes, entram em cena, a retirar a patrimonialidade pura ou a neutralidade patrimonial e objetiva das disputas.

segunda ressalva está relacionada ao modo como foi pactuada a cláusula compromissória, sabendo-se que, em muitas situações concretas, haverá sua imposição por um dos cônjuges ou companheiros, notadamente em casos de discrepância econômica entre eles. Nesse contexto, o próprio contrato ou negócio jurídico firmado poderá ter o conteúdo imposto por uma das partes, caracterizando-se como um contrato de adesão. Lembro, a propósito de uma necessária diferenciação categórica, que o contrato de adesão não necessariamente é um contrato de consumo, como se retira do Enunciado n. 171, aprovado na III Jornada de Direito Civil. A primeira categoria pode ser definida como o contrato em que alguém, o estipulante, impõe o conteúdo do negócio, restando à outra parte, o aderente, duas opções: aceitar ou não. Ora, é perfeitamente possível que tal situação se revele em pacto antenupcial ou contrato de convivência, podendo atingir todo o seu conteúdo ou determinadas cláusulas.

Revelando-se tal situação, é necessário observar, quanto à cláusula compromissória, o que está previsto no art. 4º da Lei de Arbitragem. Nos termos do seu caput, a cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal contrato. Como é notório, trata-se de uma previsão prévia que obriga as partes, que renunciam à jurisdição estatal e passam a se vincular, necessariamente, à jurisdição estatal, nas hipóteses de litígios futuros.

Controlando o seu conteúdo, o § 2º desse preceito estabelece que nos contratos de adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. Aplicando a norma, aresto do Superior Tribunal de Justiça considerou que a cláusula que não preenche tais requisitos deve ser tida como patológica, o que acarreta a sua nulidade absoluta e não a mera ineficácia. O acórdão disse respeito a contrato de franquia, tendo sido assim ementado:

“Recurso especial. Direito civil e processual civil. Contrato de franquia. Contrato de adesão. Arbitragem. Requisito de validade do art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96. Descumprimento. Reconhecimento prima facie de cláusula compromissória ‘patológica’. Atuação do Poder Judiciário. Possibilidade. Nulidade reconhecida. Recurso provido. 1. Recurso especial interposto em 07/04/2015 e redistribuído a este gabinete em 25/08/2016. 2. O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomento econômico. 3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96. 4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral ‘patológico’, i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral. 5. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 1.602.076/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.09.2016, DJe 30.09.2016).

Além da precisa análise técnica, o aresto traz a correta diferenciação entre os contratos de consumo e os de adesão, não havendo necessariamente uma coincidência de conceitos, como antes pontuei. Além disso, sobre a eventual diferenciação entre os termos contrato de adesão e por adesão, no sentido de que os primeiros exigiriam a presença do monopólio da atividade, como muitas vezes se sustenta – de forma equivocada −, a Ministra Relatora pontuou que, “quanto à diferenciação apresentada pela recorrida segundo a qual contratos ‘por adesão’ são distintos de contratos ‘de adesão’, entendo que essa sutileza sintática é incapaz de representar alguma diferença semântica relevante, pois o Direito não trata de forma distinta essas duas supostas categorias”. Isso reforça a possibilidade de se aplicar a ideia nas relações entre cônjuges e companheiros.

Em continuidade de análise do acórdão, entendo que o enquadramento pela nulidade absoluta da cláusula compromissória patológica pode se dar pelo que consta do art. 424 do Código Civil, pelo qual nos contratos de adesão é nula a cláusula de renúncia a direito resultante da natureza do negócio, no caso à jurisdição estatal. Ainda quanto a essa minha segunda objeção, vale lembrar o teor do art. 1.655 do Código Civil, segundo o qual é nula – por nulidade absoluta − a convenção antenupcial ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei, entendida a última expressão como norma de ordem pública. A norma cogente violada, no caso de imposição de uma cláusula compromissória em contrato celebrado entre consortes, é justamente o art. 424 do Código Civil. Todas essas questões, sem dúvida, merecem ser melhor analisadas quando se tem a sua inserção prévia por cônjuges ou companheiros em posições econômicas discrepantes.

Por fim, como terceira ressalva, nota-se que há um problema prático na aceitação da atuação por árbitros em contendas que envolvam o Direito de Família. Como é notório, toda a atuação dos árbitros nos procedimentos é efetivada para o fim de se evitar ao máximo qualquer nulidade da sentença arbitral a ser proferida no futuro. E, nos termos do art. 32, inc. I, da Lei n. 9.307/1996, é nula a sentença arbitral se for nula a convenção de arbitragem, categoria que engloba tanto o compromisso quanto a cláusula compromissória. Volta-se ao problema da neutralidade patrimonial das questões de Direito de Família, sendo difícil, no meu entender, fazer uma separação absoluta de questões que são patrimoniais puras, como anotei no desenvolvimento da primeira ressalva.

De toda sorte, não se pode negar que o tema é polêmico e que existem vozes e argumentos fortes para se efetivar a arbitrabilidade familiar. O mesmo debate – até com maiores dificuldades, diante da intangibilidade da legítima – atinge o Direito das Sucessões. Pretendo desenvolver melhor essas minhas objeções em artigo científico a ser escrito no futuro.


[1] Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM/SP). Conselheiro seccional da OABSP e Diretor da ESAOABSP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

RESUMO. INFORMATIVO 725 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 725 DO STJ.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.811.153-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

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Tema

Compra e venda de imóvel. Promitente comprador. Promitente vendedor. Corretagem. Relações jurídicas diversas. Responsabilidade da corretora. Limitação à eventual falha na prestação do serviço de corretagem.

DESTAQUE

A relação jurídica estabelecida no contrato de corretagem é diversa daquela firmada entre o promitente comprador e o promitente vendedor do imóvel, de modo que a responsabilidade da corretora está limitada a eventual falha na prestação do serviço de corretagem.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se há legitimidade passiva da corretora de imóveis que intermediou o contrato de compra e venda que se rescinde em razão da mora contratual.

Inicialmente, esta Corte Superior firmou o entendimento de que todos aqueles fornecedores que compõem a relação jurídica do contrato de promessa de compra e venda de imóvel possuem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, incluindo não apenas a construtora, mas também a incorporadora do empreendimento.

Sobre o tema, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese em recurso repetitivo: "Legitimidade passiva 'ad causam' da incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder pela restituição ao consumidor dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, nas demandas em que se alega prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor" (REsp 1.551.951/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016, DJe 6/9/2016 - Tema 939/STJ).

Nada obstante esse entendimento, vê-se que a tese citada nada diz quanto à legitimidade da corretora de imóveis que realiza a aproximação entre as partes. Assim, constata-se que não há legitimidade da corretora para responder pelos encargos indevidamente transferidos ao consumidor ou para restituir os valores adimplidos em virtude da rescisão contratual, pois se referem a relações jurídicas diversas.

O art. 722 do CC, ao definir o contrato de corretagem, é bastante esclarecedor ao dispor que "uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas".

Nota-se, ainda, que, de acordo com o art. 725 do CC, a remuneração é devida ao corretor, uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.

Assim, a obrigação fundamental do comitente é a de pagar a comissão ao corretor assim que concretizado o resultado a que este se obrigou, qual seja, a aproximação das partes e a conclusão do negócio de compra e venda, ressalvada a previsão contratual em contrário.

A relação jurídica estabelecida no contrato de corretagem é diversa daquela firmada entre o promitente comprador e o promitente vendedor do imóvel, de modo que a responsabilidade da corretora está limitada a eventual falha na prestação do serviço de corretagem.

Desse modo, a responsabilidade da corretora de imóveis está associada ao serviço por ela ofertado, qual seja, o de aproximar as partes interessadas no contrato de compra e venda, prestando ao cliente as informações necessárias sobre o negócio jurídico a ser celebrado.

Eventual inadimplemento ou falha na prestação do serviço relacionada ao imóvel em si, ao menos em regra, não lhe pode ser imputada, pois, do contrário, seria responsável pelo cumprimento de todos os negócios por ela intermediados, desvirtuando, portanto, a natureza jurídica do contrato de corretagem e a própria legislação de regência.

Insta ressalvar, contudo, que a constatação de eventuais distorções na relação jurídica de corretagem, como o envolvimento da corretora na construção e incorporação do imóvel, pode afastar o entendimento acima e viabilizar o reconhecimento da sua responsabilidade solidária, desde que demonstrado, no caso concreto, a sua ocorrência.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.938.984-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

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Tema

Ação declaratória de reconhecimento de indignidade com pedido de exclusão de herdeiro. Possibilidade jurídica do pedido. Condição da ação no CPC/1973. Questão de mérito no CPC/2015. Resolução do processo com mérito. Aptidão para formar coisa julgada material. Divergência sobre a natureza do rol do art. 1.814 do CC/2002 e sobre as técnicas hermenêuticas admissíveis para a sua interpretação. Pedido juridicamente possível. Vedado o julgamento de improcedência liminar.

DESTAQUE

É juridicamente possível o pedido de exclusão do herdeiro em virtude da prática de ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado, contra os pais, à luz da regra do art. 1.814, I, do CC/2002.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/1973, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina, que reconhecia o fenômeno como uma questão de mérito, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/2015, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação.

O fato de a possibilidade jurídica do pedido ter sido realocada como questão de mérito, conquanto provoque reflexos significativos na forma como o processo será resolvido, com mérito e aptidão para formar coisa julgada material, não acarreta modificação substancial em seu conceito e conteúdo, que continua sendo a ausência de vedação, pelo ordenamento jurídico, à pretensão deduzida pelo autor, sob pena de, após o CPC/2015, conduzir à improcedência liminar do pedido.

Para que haja o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido, há que se ter uma repulsa do sistema jurídico à pretensão autoral, de tal maneira eloquente e contundente, que seria capaz de resultar, de imediato e sem grande debate, na improcedência liminar do pedido formulado, ainda que essa situação, em específico, não tenha sido expressamente contemplada pelo art. 332 do CPC/2015.

Na hipótese, a questão relativa à possibilidade de exclusão do herdeiro que atenta contra a vida dos pais é objeto de severas controvérsias doutrinárias, seja sob a perspectiva da taxatividade, ou não, do rol do art. 1.814 do CC/2002, seja sob o enfoque dos métodos admissíveis e apropriados para a interpretação das hipóteses listadas no rol, razão pela qual as múltiplas possibilidades hermenêuticas do referido dispositivo induzem à inviabilidade do julgamento de improcedência liminar do pedido.

Processo

REsp 1.943.848-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

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Tema

Ato infracional análogo a homicídio contra ascendentes. Ato doloso, consumado ou tentado. Reconhecimento de indignidade. Exclusão de herdeiro. Cabimento. Art. 1.814 do Código Civil/2002. Rol taxativo. Diferença técnico-jurídica com homicídio. Irrelevância para fins civis.

DESTAQUE

O herdeiro que seja autor, coautor ou partícipe de ato infracional análogo ao homicídio doloso praticado contra os ascendentes fica excluído da sucessão.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se o ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado, praticado contra os pais, está abrangido pela regra do art. 1.814, I, do CC/2002, segundo a qual será excluído da sucessão o herdeiro que seja autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, consumado ou tentado, contra os ascendentes de cuja sucessão se trata.

Na esteira da majoritária doutrina, o rol do art. 1.814 do CC/2002, que prevê as hipóteses autorizadoras de exclusão de herdeiros ou legatários da sucessão, é taxativo, razão pela qual se conclui não ser admissível a criação de hipóteses não previstas no dispositivo legal por intermédio da analogia ou da interpretação extensiva.

Contudo, o fato do rol ser taxativo não induz à necessidade de interpretação literal de seu conteúdo e alcance, uma vez que a taxatividade do rol é compatível com as interpretações lógica, histórico-evolutiva, sistemática, teleológica e sociológica das hipóteses taxativamente listadas.

A diferenciação entre o texto de lei, enquanto proposição física, textual e escrita de um dispositivo emanado do Poder Legislativo, e a norma jurídica, enquanto produto da indispensável atividade interpretativa por meio da qual se atribui significado ao texto, conduz à conclusão de que a interpretação literal é uma das formas, mas não a única forma, de obtenção da norma jurídica que se encontra descrita no dispositivo em análise.

A regra do art. 1.814, I, do CC/2002, se interpretada literalmente, prima facie, de forma irreflexiva, não contextual e adstrita ao aspecto semântico ou sintático da língua, induziria ao resultado de que o uso da palavra homicídio possuiria um sentido único, técnico e importado diretamente da legislação penal para a civil, razão pela qual o ato infracional análogo ao homicídio praticado pelo filho contra os pais não poderia acarretar a exclusão da sucessão, pois, tecnicamente, homicídio não houve.

Registra-se que a exclusão do herdeiro que atenta contra a vida dos pais, cláusula geral com raiz ética, moral e jurídica existente desde o direito romano, está presente na maioria dos ordenamentos jurídicos contemporâneos e, no Brasil, possui, como núcleo essencial, a exigência de que a conduta ilícita do herdeiro seja dolosa, ainda que meramente tentada, sendo irrelevante investigar se a motivação foi ou não o recolhimento da herança.

A finalidade da regra que exclui da sucessão o herdeiro que atenta contra a vida dos pais é, a um só tempo, prevenir a ocorrência do ato ilícito, tutelando bem jurídico mais valioso do ordenamento jurídico, e reprimir o ato ilícito porventura praticado, estabelecendo sanção civil consubstanciado na perda do quinhão por quem praticá-lo.

Assim, se o enunciado normativo do art. 1.814, I, do CC/2002, na perspectiva teleológica-finalística, é de que não terá direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não se consuma, independentemente do motivo, a diferença técnico-jurídica entre o homicídio doloso e o ato análogo ao homicídio doloso, conquanto relevante para o âmbito penal diante das substanciais diferenças nas consequências e nas repercussões jurídicas do ato ilícito, não se reveste da mesma relevância no âmbito civil, sob pena de ofensa aos valores e às finalidades que nortearam a criação da norma e de completo esvaziamento de seu conteúdo.

Processo

REsp 1.954.643-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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Tema

Ação de dissolução parcial de sociedade. Exclusão de sócio. Decisão que homologa transação. Natureza jurídica de sentença. Recurso cabível. Apelação. Interposição de agravo de instrumento. Erro grosseiro. Princípio da fungibilidade recursal. Inaplicabilidade.

DESTAQUE

A interposição de agravo de instrumento contra decisão que, em ação de exclusão de sócio, homologa transação quanto à saída da sociedade e fixa critérios para apuração dos haveres constitui erro grosseiro, inviabilizando a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Havendo pretensão de dissolução parcial da sociedade e de apuração de haveres, o processo engloba duas fases distintas: na primeira, é apreciado se é o caso ou não de se decretar a dissolução; na segunda, são apurados os valores devidos ao sócio retirante ou excluído, de acordo com o procedimento de liquidação específica previsto nos artigos 604 a 609 do CPC/2015.

A fase inicial - que, havendo contestação, seguirá o procedimento comum (art. 603, § 2º, do CPC/2015) - pode ser abreviada na hipótese de existir "manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução" (art. 603, caput, do CPC/2015).

No caso dos autos, a ação está fundada nos incisos I e II do art. 599 do CPC/2015, pois foram cumulados pedidos de exclusão do sócio e de apuração de haveres.

Depreende-se do comando sentencial que, em audiência de instrução e julgamento, as partes, por declaração bilateral de vontade, "acordaram sobre a retirada da ré da sociedade mediante formalização da alteração do contrato social, assim como a recíproca prestação de contas".

A tese defendida nas razões do especial é a de que tal pronunciamento judicial possui natureza de decisão parcial de mérito - e não de sentença -, o que atrairia a incidência da norma do art. 356, § 5º, do CPC/2015.

No entanto, o pronunciamento judicial que homologa transação (art. 487, III, "b" do CPC/2015), pondo fim à fase cognitiva do processo com resolução de mérito, possui natureza jurídica de sentença, conforme disposto expressamente no art. 203, § 1º, da lei adjetiva.

Ainda que estivesse ausente a especificidade da presente demanda - sentença homologatória de transação -, o pronunciamento judicial que decreta a dissolução parcial da sociedade em casos como o dos autos possui natureza de sentença, e não, como afirma a recorrente, de decisão parcial de mérito, de modo que o recurso contra ela cabível é a apelação (art. 1.009 do CPC/2015).

Veja-se, ademais, que sequer se poderia cogitar da ocorrência de julgamento parcial de mérito no particular, uma vez que a sentença - além de expressamente ter julgado integralmente extinto o processo, com resolução de mérito - já definiu as premissas necessárias à apuração dos haveres (art. 604 do CPC/2015), não havendo espaço para qualquer outra deliberação judicial nesta fase da ação.

Por derradeiro, cumpre sublinhar que, inexistindo dúvida razoável quanto ao recurso cabível, afigura-se inviável a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, cuja incidência não admite a ocorrência de erro grosseiro quando da interposição do recurso.

Processo

REsp 1.964.321-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL

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Tema

Nota promissória. Duplicidade de datas de vencimento. Defeito sanável. Prevalecimento da data posterior. Vontade do emitente. Presunção.

DESTAQUE

Na aposição de datas de vencimentos distintas em nota promissória, sendo uma coincidente com a emissão do título, deve prevalecer, por presunção de que se trata da efetiva manifestação de vontade do devedor, a data posterior.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente cumpre salientar que nem todos os requisitos definidos em lei são essenciais para que o documento ostente natureza de título de crédito, havendo situações em que se pode relevar a ausência de alguma informação ou suprir a presença de algum vício.

Em regra, esses requisitos não essenciais e/ou defeitos sanáveis contam com previsão no próprio texto legal, como ocorre, por exemplo, com as situações constantes nos arts. 6º e 76 da Lei Uniforme de Genebra - LUG (promulgada pelo Dec. n. 57.663/1966), relativas à existência de divergência entre as expressões do valor da dívida e à ausência de indicação da data de vencimento.

Lei Uniforme de Genebra tratou expressamente de três alternativas decorrentes das atitudes do devedor/emitente quanto à época do pagamento: (i) se omite, o que acarreta a presunção legal de que o pagamento deve ser feito à vista ou a critério do credor, circunstância que não retira a eficácia do título de crédito (art. 76, primeira parte); (ii) manifesta vontade de fixar uma modalidade de vencimento dentre aquelas previstas no art. 33, o que garante a eficácia da cártula; ou (iii) escolhe modalidade de vencimento diversa, situação que implicará a invalidade da nota promissória.

O escopo buscado pela LUG, portanto, é o de preservar ao máximo a manifestação de vontade do emitente da cártula, ainda que essa vontade tenha sido expressa por meio do silêncio.

Esse é, também, o intuito da norma do art. 6º da LUG, que considerou que divergências na expressão do valor da dívida deveriam dar ensejo à preservação da vontade presumida do emitente da cártula, estabelecida pela lei como a expressão por extenso ou a menos valiosa.

Assim, embora a LUG não tenha enfrentado especificamente a hipótese de divergência entre datas de vencimento apostas na cártula, afigura-se consentâneo com o espírito da lei considerar que se trata de defeito suprível - sobretudo porque a data de vencimento constitui requisito dispensável da nota promissória.

Portanto, se a LUG não possui regra expressa acerca da disparidade de expressões da data de vencimento da dívida constantes de um mesmo título, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve, necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida.

Diante disso, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título - não existindo, assim, como se entrever uma operação de crédito -, deve prevalecer a data posterior, uma vez que, por ser futura, autoriza a presunção de que se trata da efetiva manifestação de vontade do devedor.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 1E

· Informativo de Jurisprudência n. 697

Processo

REsp 1.965.973-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO BANCÁRIO

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Tema

Execução judicial lastreada em Cédula de Crédito Bancário. Alienação fiduciária. Lei n. 9.514/1997. Pacto adjeto. Possibilidade de execução.

DESTAQUE

Ao credor fiduciário é dada a faculdade de executar a integralidade de seu crédito judicialmente, desde que o título que dá lastro à execução esteja dotado de todos os atributos necessários.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se o credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel está obrigado a promover a execução extrajudicial de seu crédito na forma determinada pela Lei n. 9.514/1997.

Sobre o tema, vale ressaltar que a Cédula de Crédito Bancário, desde que satisfeitas as exigências do art. 28, § 2º, I e II, da Lei n. 10.931/2004, de modo a lhe conferir liquidez e exequibilidade, e desde que preenchidos os requisitos do art. 29 do mesmo diploma legal, é título executivo extrajudicial.

Assim, o só fato de estar a dívida lastreada em título executivo extrajudicial e não haver controvérsia quanto à sua liquidez, certeza e exigibilidade, ao menos no bojo da exceção de pré-executividade, é o quanto basta para a propositura da execução, seja ela fundada no art. 580 do Código de Processo Civil de 1973, seja no art. 786 do Código de Processo Civil de 2015.

A constituição de garantia fiduciária como pacto adjeto ao financiamento instrumentalizado por meio de Cédula de Crédito Bancário em nada modifica o direito do credor de optar por executar o seu crédito de maneira diversa daquela estatuída na Lei n. 9.514/1997 (execução extrajudicial).

A propositura de execução de título extrajudicial, aliás, aparenta ser a solução mais eficaz em determinados casos, diante da existência de questão altamente controvertida, tanto da doutrina quanto na jurisprudência dos tribunais, referente à possibilidade de o credor fiduciário exigir o saldo remanescente se o produto obtido com a venda extrajudicial do bem imóvel dado em garantia não for suficiente para a quitação integral do seu crédito, ou se não houver interessados em arrematar o bem no segundo leilão, considerando o disposto nos §§ 5º e 6º do art. 27 da Lei n. 9.514/1997.

Com efeito, ao credor fiduciário é dada a faculdade de executar a integralidade de seu crédito judicialmente, desde que o título que dá lastro à execução esteja dotado de todos os atributos necessários - liquidez, certeza e exigibilidade.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 514

· Informativo de Jurisprudência n. 678

Processo

REsp 1.967.264-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO AUTORAL

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Tema

Direitos autorais. Paródia. Previsão legal expressa. Requisitos. Art. 47 da Lei n. 9.610/1998. Divulgação do nome do autor da obra originária. Ausência de obrigatoriedade. Ofensa a direito moral do autor. Inocorrência.

DESTAQUE

É lícita a divulgação de paródia sem a indicação do autor da obra originária.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Com fundamento assentado na liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, da CF), a Lei n. 9.610/1998, em seu art. 47 - inserto no capítulo que trata das limitações aos direitos autorais - estabelece que "São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito".

A liberdade a que se refere o dispositivo precitado significa que a criação e a comunicação ao público de paródias não dependem de autorização do titular da obra que lhe deu origem, não se lhes aplicando, portanto, a disciplina do art. 29 da Lei de Direitos Autorais - LDA (em cujos incisos estão elencadas modalidades de utilização que exigem autorização prévia e expressa do respectivo autor).

Segundo compreensão do STJ, "A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica" (REsp 1.548.849/SP, Quarta Turma, DJe 4/9/2017).

Todavia, ainda que se trate de obra derivada, a paródia, nos termos do precitado art. 5º, VIII, 'g', da Lei n. 9.610/1998, constitui "criação intelectual nova", isto é, consiste em uma obra nova, autônoma e independente daquela da qual se originou.

Outro aspecto que interessa sublinhar é que, sendo livre a paródia (art. 47 da LDA), sua divulgação ao público - desde que respeitados os contornos estabelecidos pelo dispositivo precitado - não tem o condão de caracterizar ofensa aos direitos do criador da obra originária.

Dado, contudo, o exíguo tratamento dispensado à paródia pela Lei n. 9.610/1998 - que trata dela apenas em seu art. 47, sem sequer definir seus termos exatos -, é razoável concluir, a partir de uma interpretação sistêmica das normas que regem a matéria, pela necessidade de se respeitar outros requisitos para que o uso da paródia seja considerado lícito.

Nesse norte, a doutrina elenca outros três pressupostos a serem considerados, além daqueles expressos no dispositivo retro citado (proibição da "verdadeira reprodução" e proibição de a paródia implicar descrédito à obra originária). São eles: (i) respeito à honra, à intimidade, à imagem e à privacidade de terceiros (art. 5º, X, da CF); (ii) respeito ao direito moral do ineditismo do autor da obra parodiada (art. 24, III, da LDA); e (iii) vedação ao intuito de lucro direto para fins publicitários (por se tratar de exercício disfuncional do direito de parodiar, em prejuízo dos interesses do criador da obra originária).

Portanto, em se tratando de paródia, a ausência de divulgação do nome do autor da obra originária não figura como circunstância apta a ensejar a ilicitude de seu uso (nem mesmo quando os requisitos exigidos pelo art. 47 são interpretados ampliativamente).

Não há, de fato, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio ou a indicação do nome do autor da obra originária.

O direito moral elencado no art. 24, II, da LDA diz respeito, exclusivamente, à indicação do nome do autor quando do uso de sua obra. Ademais, quando o legislador entendeu por necessária, na hipótese de utilização de obra alheia, a menção do nome do autor ou a citação da fonte originária, ele procedeu à sua positivação de modo expresso, a exemplo do que se verifica das exceções constantes no art. 46, I, 'a', e III, da LDA.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 661

Processo

REsp 1.967.725-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

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Tema

Contrato de Locação. Restituição de caução. Prazo prescricional trienal. Art. 206, § 3º, I, do Código Civil.

DESTAQUE

É trienal o prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição da caução prestada em contrato de locação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente cumpre salientar que, quanto aos prazos prescricionais, destaca-se que podem ser gerais ou especiais, isto é, o art. 205 do Código Civil prevê o prazo geral de 10 (dez) anos, enquanto o art. 206 daquele mesmo diploma estabelece os prazos especiais, o que implica dizer que o prazo decenal é aplicado de forma subsidiária, quando não incidir nenhum dos prazos específicos.

Diante disso, importante destacar que o art. 206, § 3º, I, do Código Civil prevê a prescrição de 3 (três) anos para a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos e rústicos.

Acerca do contrato de locação, oportuno salientar que ele poderá possuir algumas modalidades de garantia, conforme prevê o art. 37, I, da Lei n. 8.425/1991, sendo que, entre elas está a caução, a qual poderá ser em bens móveis ou imóveis.

Quando a caução for em dinheiro, não poderá exceder o equivalente a 3 (três) meses de aluguel e deverá ser depositada em caderneta de poupança, revertendo-se em benefício do locatário todas as vantagens dela decorrentes por ocasião do levantamento da soma respectiva (art. 38, § 2º, da Lei n. 8.425/1991).

Em face disso, não há dúvidas que a caução é uma garantia prestada ao contrato de locação, constituindo-se, portanto, um acessório ao contrato principal, impondo-se a aplicação do mesmo prazo prescricional a ambos, e, em observância ao princípio da gravitação jurídica, o acessório deve seguir a sorte do principal, isto é, a aplicação do prazo trienal à pretensão de restituição da caução decorre da incidência do art. 206, § 3º, I, do Código Civil ao contrato de locação.

Ainda que se afaste a aplicação do inciso I do § 3º do art. 206 do Código Civil, o prazo trienal subsistiria, haja vista que a pretensão seria de ressarcimento de enriquecimento sem causa, disposto no inciso IV daquele mesmo dispositivo legal.