Consumidor hipervulnerável receberá indenização por
propaganda enganosa de produto milagroso para saúde
Fonte: Site do
STJ.
Um consumidor,
vítima de propaganda enganosa, deve receber R$ 30 mil de indenização a título
de danos morais, por ter sido induzido a adquirir produto denominado “Cogumelo
do Sol” em virtude da inadequada veiculação de falsas expectativas quanto à
possibilidade de tratamento de câncer agressivo e da exploração de consumidor
hipervulnerável, naturalmente fragilizado pela esperança de cura do mal sofrido
por seu filho.
A Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a compra do produto foi
motivada pela falsa expectativa quanto à cura da doença e que houve exploração
da situação de vulnerabilidade de um pai cujo filho lutava contra um câncer no
fígado.
O produto, à base
de uma substância chamada royal agaricus, seria eficaz na cura de doenças
graves, inclusive, a neoplasia maligna. Em 1999, o pai pagou o valor total de
R$ 540 pelo produto, diante da promessa de que teria eficácia medicinal.
O filho,
entretanto, faleceu três anos após a compra do suplemento, sem, contudo, ter
abandonado os tratamentos convencionais recomendados por especialistas, como
radioterapia e quimioterapia.
Vulnerabilidade
A ideia de
vulnerabilidade, para o direito do consumidor, está associada à debilidade de
um dos agentes da relação de mercado. A vulnerabilidade informacional agravada
ou potencializada é denominada hipervulnerabilidade e está prevista no artigo
39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A Terceira Turma
não avaliou questões relativas à eficácia do produto Cogumelo do Sol, se produz
resultados para a saúde ou se há autorização da Anvisa para sua
comercialização, por serem circunstâncias alheias ao processo. Foi analisado
somente o direito do consumidor de obter informações claras, coerentes e
precisas acerca do produto comercializado no mercado.
O “remédio” foi
adquirido a partir da promessa de eficácia no tratamento da doença, pois agiria
de forma eficiente no sistema imunológico para diminuir as células cancerígenas.
O Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP), apesar de reconhecer a publicidade enganosa, negou
o direito à indenização por danos morais ao fundamento de que houve mero
aborrecimento da vítima. Manteve, contudo, a indenização por danos materiais.
O TJSP considerou
que a insatisfação com o produto não atingiria direitos de personalidade,
especialmente após o decurso de três anos do uso, tempo durante o qual foi
mantido o tratamento convencional. Para que a indenização fosse devida, segundo
o Tribunal estadual, seria necessário que o indivíduo fosse submetido a uma
situação humilhante e vexatória, o que não teria ficado caracterizado.
Substâncias
milagrosas
Segundo o relator
do processo no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, o ordenamento jurídico não
tolera a conduta de empresas que induzem o consumidor à compra de mercadorias
milagrosas, justamente em momento de desespero, tal como vivenciado pela vítima
no caso em análise.
A transparência no
comércio de medicamentos é tema de importância constitucional como se extrai do
artigo 220, parágrafo 4º, da Constituição Federal, segundo o qual “a propaganda
comercial de medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais e
conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de
seu uso”.
O relator observou
que a Política Nacional das Relações de Consumo busca assegurar a todos o
direito de informação adequada sobre produtos postos no mercado, conforme o
artigo 6º, inciso III, do CDC.
Ele disse que o
respeito à dignidade, à saúde e à segurança na relação de consumo deve ser
preservado, em especial quanto aos "riscos provocados por práticas no
fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos” –
previsão dos artigos 4º e 6º do CDC.
Ônus da prova
A jurisprudência
do STJ considera que é objetiva a responsabilidade do fornecedor pelos danos
causados aos consumidores em razão de defeitos do produto, conforme os artigos
14 e 30 do CDC, o que se aplica, inclusive, aos anúncios. O ônus de provar que
a publicidade não é enganosa nem abusiva é, portanto, do fornecedor.
A Terceira Turma
entendeu, no caso, que a propaganda enganosa, como atestado pelas instâncias
ordinárias, tinha aptidão para induzir em erro o consumidor fragilizado,
hipótese que configura estado de perigo, prevista pelo artigo 156 do Código
Civil.
A demonstração do
elemento subjetivo (dolo ou culpa) na propaganda enganosa é irrelevante para a
caracterização da publicidade ilícita no âmbito do CDC. Ainda segundo o
relator, também é prescindível o efetivo engano do consumidor, bastando aferir
em abstrato o potencial da publicidade para induzi-lo em erro.
O ministro lembrou
que condutas dessa natureza são tipificadas como crime pelo artigo 283 do
Código Penal, que veda o anúncio de cura por meio secreto ou infalível, prática
que se conhece como charlatanismo e que tem como vítima toda a coletividade e
as pessoas eventualmente iludidas. A consumação do crime se dá com o simples
anúncio.
Ao final, concluiu
o relator que “à toda evidência, não é razoável, nem se coaduna com a
legislação pátria, a oferta de produto que, sem comprovação científica quanto à
sua eficácia, é anunciado como apto a reabilitar pessoa acometida de doença
grave”.
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