terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES: DESAFIOS PARA O FUTURO. COLUNA DO MIGALHAS DE FEVEREIRO DE 2019


DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES: DESAFIOS PARA O FUTURO.

SEGUNDA PARTE[1]
Flávio Tartuce[2]
Desde o texto anterior, publicado neste canal, estou analisando os desafios para o futuro do Direito de Família e das Sucessões Brasileiro, tendo como pano de fundo os debates que foram travados quando do VIII Congresso Paulista de Direito de Família e das Sucessões do IBDFAM, realizado entre os dias 8 e 9 de novembro de 2018, na Associação dos Advogados de São Paulo. Agora, abordaremos os debates do segundo dia, relembrando o sistema que foi adotado no evento, de participação e votação do público.
O congresso retomou os seus trabalhos com um primeiro painel, em que se analisou a necessidade ou não de rever a legítima no Brasil, quota atribuída aos herdeiros necessários, notadamente em seu percentual. Participaram dos debates os Professores Marcelo Truzzi Otero, do IBDFAMSP, respondendo "Sim"; e Ana Luiza Nevares, do IBDFAMRJ, respondendo "Não". A presidência da mesa e os debates couberam à Professora Sandra Bayer, da nossa Diretoria Paulista. Ao final, cerca de 80% dos presentes votaram positivamente, propondo que haja alguma revisão a respeito da legítima no Brasil, enquanto os outros 20% entenderam que não.
O debate demonstrou as grandes dificuldades em repensar esse sistema protetivo sucessório dos herdeiros, atualmente com a atribuição de quota de 50% ou metade do patrimônio do autor da herança, como estabelece o art. 1.789 do Código Civil. A minha posição – ao lado de outros juristas como Giselda Hironaka e José Fernando Simão, conforme pareceres que apresentamos em conjunto quando da elaboração da Reforma Sucessória pelo próprio IBDFAM –, foi no sentido de sua redução para 25%, ampliando-se a liberdade de doar e de testar.
No painel, afloraram outras propostas, como de instituir uma legítima variável, com maior proteção para as pessoas vulneráveis e hipossuficientes,como tem sugerido a Professora Ana Luiza Nevares. Com o devido respeito, entendo que os conceitos destacados são muito variáveis no âmbito jurídico, havendo uma ideia em cada campo do conhecimento do Direito, o que pode trazer grandes dificuldades de enquadramento. Na verdade, a legítima variável tende a acirrar as disputas sucessórias, mostrando-se incompatível com o processo de inventário, que é meramente homologatório.
A legítima continuou a ser abordada no evento, pois o segundo painel da manhã do dia 9 de novembro – talvez o mais intenso e agitado de todo o Congresso –, tratou da seguinte indagação: o companheiro é herdeiro necessário com a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil? O Professor Zeno Veloso, um dos fundadores do IBDFAM e um dos maiores sucessionistas brasileiros, respondeu "Sim", enquanto o Professor Mario Luiz Delgado respondeu "Não". A presidência da mesa e a condução dos debates couberam à advogada Ana Paula Copriva, nossa diretora estadual.
Na exposição do primeiro jurista, com toda a sua conhecida e notória retórica, a resposta positiva disparou, chegando aos 90% do público presente. Porém, também foi bem enfático o segundo expositor, principal defensor de uma interpretação restrita do julgamento do STF sobre o tema, e, ao final, houve um empate de 50% para cada uma das posições manifestadas.
Nesse painel, muito se falou sobre o julgamento dos embargos de declaração opostos na ação que analisou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil pela Suprema Corte Brasileira, em repercussão geral e publicada no seu Informativo n. 864, pois, em grande coincidência e sincronismo, a decisão dos embargos de declaração foi publicada e noticiada justamente naquele dia em que debatíamos o assunto. Como é cediço, os embargos foram, na ocasião, rejeitados, sob o argumento processual de não ter sido ventilada a questão na demanda original.
Como aduziu o Ministro Roberto Barroso, no que foi seguido de forma unânime, “a embargante sustenta que o regime sucessório do cônjuge não se restringe ao art. 1.829 do Código Civil, de forma que o acórdão embargado teria se omitido com relação a diversos dispositivos que conformam esse regime jurídico, em particular o art. 1.845 do Código Civil. Requer que se esclareça o alcance da tese de repercussão geral, no sentido de mencionar as regras e dispositivos legais do regime sucessório do cônjuge que devem se aplicar aos companheiros”. Em complemento, ao enfrentar a questão relativa à afirmação de ser o companheiro herdeiro necessário, pontuou que “não há que se falar em omissão do acórdão embargado por ausência de manifestação com relação ao art. 1.845 ou qualquer outro dispositivo do Código Civil, pois o objeto da repercussão geral reconhecida não os abrangeu. Não houve discussão a respeito da integração do companheiro ao rol de herdeiros necessários, de forma que inexiste omissão a ser sanada”.
A despeito de posições em sentido contrário, a minha interpretação é no sentido de que essa rejeição dos embargos de declaração não resolveu o dilema sobre o enquadramento do companheiro como herdeiro necessário, devendo a doutrina e a jurisprudência – notadamente do Superior Tribunal de Justiça – responder, em interpretação ao decisum anterior do Supremo Tribunal Federal, se o companheiro deve ser incluído ou não no rol do art. 1.845 do Código Civil. Em suma, o intenso debate que foi travado no nosso Congresso Paulista do IBDFAM segue a pleno vapor.
No primeiro painel da tarde, tivemos mais um debate sobre o direito sucessório, especificamente sobre a situação sucessória do embrião. Perguntou-se: devem ser reconhecidos direitos sucessórios ao embrião, como sucessor legítimo? Respondeu positivamente o Professor da UFPR Erolths Cortiano Jr. A resposta negativa coube à Professora Heloísa Helena Barboza, da UERJ. A condução dos trabalhos foi do advogado Sérgio Marques da Cruz Filho, ex-presidente do nosso instituto em São Paulo. Houve ampla vitória da resposta do "Não", em cerca de 80%, concluindo o público que o embrião somente teria direitos sucessórios após a sua implantação e o seu nascimento.
Com o devido respeito à tese vitoriosa no evento, a minha posição sobre o reconhecimento de direitos sucessórios ao embrião é no sentido de dar uma interpretação concreta de inclusão ao art. 1.798 do Código Civil, segundo o qual "legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão". Na verdade, hoje se entende de forma majoritária que até em relação ao nascituro – aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu, tendo vida intrauterina – há a necessidade do nascimento com vida para que exista o seu direito sucessório. Em suma, a parte final do comando tem sido negada e afastada por doutrina e jurisprudência majoritárias. Com relação ao embrião, a tese de exclusão dos direitos sucessórios também foi a vencedora no nosso evento, mormente diante dos numerosos problemas práticos que podem surgir do seu reconhecimento, muito bem demonstrados pelos expositores.
O último painel de debate voltou ao Direito de Família, com a seguinte indagação: a escritura pública de união estável pode ter eficácia retroativa? O Professor Euclides de Oliveira respondeu "Sim", compartilhando a mesma posição que sigo, enquanto o Professor Rolf Madaleno disse "Não", pelo menos em parte, pois a sua conhecida posição doutrinária é no sentido de que a escritura até pode ter eficácia retroativa, desde que beneficie o companheiro. A presidência da mesa e a condução dos debates couberam à Professora Fabiana Domingues. Houve novo empate técnico na votação do público, pois 55% ficou com a resposta negativa, e 45% com a resposta positiva.
Apesar de os dois juristas defenderem, em certa medida, a possibilidade de a escritura pública retroagir, reconhecendo a existência de união estável e o regime de bens aplicável desde determinado lapso temporal, sabe-se que a resposta que tem sido dada pela jurisprudência superior é negativa. Conforme julgado relatado pelo Ministro Moura Ribeiro, que havia participado do Congresso no dia anterior, "no curso do período de convivência, não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo o regime de bens para a sociedade de fato, pois, assim, estar-se-ia conferindo mais benefícios à união estável que ao casamento” (STJ, REsp 1.383.624/MG, Terceira Turma, julgado em 02.06.2015, DJe 12.06.2015). Com o devido respeito, não estou filiado ao teor do acórdão e penso que é possível, sim, dar um caráter retroativo ao contrato de convivência, tendo ele uma eficácia restritiva, podendo a prova fática demonstrar, por exemplo, que a união estável já existia antes da data apontada.
Por fim, o VIII Congresso Paulista foi encerrado com duas conferências de nossos ex-presidentes. O Professor Francisco Cahali tratou da possibilidade da arbitragem em sede de Direito de Família e das Sucessões, o que vem defendendo há tempos e merece ser melhor debatido pela comunidade jurídica. O Desembargador Antonio Carlos Mathias Coltro, por sua vez, abordou aspectos da jurisprudência atual do Tribunal Paulista nesses âmbitos. A presidência da mesa e os debates foram conduzidos pela advogada Silvia Felipe Marzagão.
Como derradeira nota, o nosso evento renovou a necessidade de continuarmos no debate de assuntos que ainda não estão resolvidos no âmbito do Direito de Família e das Sucessões. Além dos temas expostos, existem outros que merecem maiores aprofundamentos, como a guarda compartilhada de filhos, os limites de conteúdo do pacto antenupcial e do contrato de convivência, o planejamento sucessório, a parentalidade socioafetiva e a multiparentalidade.
De todo modo, não se pode negar que o sistema de participação do público foi um tremendo sucesso e deve se repetir nos próximos Congressos do IBDFAMSP, ocasiões em que queremos ampliar os diálogos com juristas que pensam bem diferente de nós. Discussões como essa só fazem crescer a comunidade e o pensamento jurídico e, por isso, pretendemos seguir em projetos similares.

[1] Coluna do Migalhas de fevereiro de 2019.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensuda EPD. Professor do G7 Jurídico. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAMSP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

RESUMO. INFORMATIVO 640 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 640 DO STJ.
SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
EREsp 1.439.749-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 28/11/2018, DJe 06/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO COMERCIAL
TEMA
Contrato de factoring. Duplicatas previamente aceitas. Endosso à faturizadora. Circulação e abstração do título de crédito após o aceite. Oposição de exceções pessoais. Não cabimento.
DESTAQUE
A duplicata mercantil, apesar de causal no momento da emissão, com o aceite e a circulação adquire abstração e autonomia, desvinculando-se do negócio jurídico subjacente, impedindo a oposição de exceções pessoais a terceiros endossatários de boa-fé, como a ausência ou a interrupção da prestação de serviços ou a entrega das mercadorias.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Segunda Seção do STJ, em apreciação aos embargos de divergência, pacificou o entendimento que encontrava dissonância no âmbito do Tribunal sobre a natureza da transmissão da titularidade de duplicata mercantil aceita, adquirida por empresa atuante no mercado de factoring, se de endosso ou de mera cessão civil de crédito, de onde emanaria ou não a possibilidade de oposição de exceções pessoais pelo devedor/sacado em face do substituto do credor. O acórdão embargado entendeu que o endosso da duplicata representa mera cessão de crédito, permanecendo possível ao devedor/sacado opor as exceções que seriam cabíveis em face do vendedor/sacador/endossante/faturizado. Ao revés, o aresto paradigma perfilhou o entendimento de que o aceite lançado nos títulos lhes confere abstração e autonomia, afastada a causalidade, de modo que não possui relevância a conclusão dos serviços ou a entrega do objeto da compra e venda, pois ao devedor/sacado não seria mais possível, a partir daí, opor exceções pessoais à faturizadora, portadora do título. Sobre a duplicata mercantil, a doutrina leciona que "conquanto mantenha traços comuns com a letra de câmbio, desta distingue-se por ter a sua origem necessariamente presa a um contrato mercantil – disso decorrendo sua natureza causal. Daí só admitir, com relação ao sacador, as exceções que se fundam na devolução da mercadoria, vícios, diferenças de preços etc., exceções, entretanto, jamais argüíveis contra terceiros. Todavia, de causal torna-se abstrato por força do aceite, desvinculando-se do negócio subjacente sobretudo quanto se estabelece circulação por meio do endosso". Assim, a ausência de entrega da mercadoria não vicia a duplicata no que diz respeito a sua existência regular, de sorte que, uma vez aceita, o devedor/sacado vincula-se ao título como devedor principal e a ausência de entrega da mercadoria somente pode ser oponível ao vendedor/sacador/endossante/faturizado, como exceção pessoal, mas não a endossatário/faturizador de boa-fé.
PRIMEIRA TURMA
PROCESSO
AREsp 1.198.146-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 04/12/2018, DJe 18/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO TRIBUTÁRIO
TEMA
ICMS. Empresa vendedora. Não recolhimento. Adquirente de boa-fé. Responsabilidade solidária. Inaplicabilidade.
DESTAQUE
O adquirente de boa-fé não pode ser responsabilizado pelo tributo que deixou de ser oportunamente recolhido pela empresa vendedora que realizou a operação mediante indevida emissão de nota fiscal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a verificar a existência de responsabilidade solidária da empresa adquirente pelo pagamento de ICMS não recolhido pela empresa vendedora que realizou a operação mediante indevida emissão de nota fiscal pela sistemática do Simples Nacional, a qual não contém o destaque do imposto. Registra-se, desde logo, que está claro que o ICMS ora exigido pelo fisco é oriundo de operação de compra e venda realizada pelo regime normal de tributação, não se tratando de substituição tributária para frente e que o débito discutido não se refere à parte que seria devida pela recorrente na condição de empresa substituída, mas ao imposto que não foi recolhido pelo vendedor contribuinte em uma das fases da cadeia comercial. Sendo esse o caso, tem-se o vendedor como responsável tributário, na figura de contribuinte (art. 121, parágrafo único, I, do CTN), pelo ICMS incidente sobre a operação mercantil. Nesse contexto, mostra-se absolutamente inaplicável o art. 124, I, do CTN para o propósito de atribuir ao adquirente a responsabilidade solidária e objetiva pelo pagamento de exação que não foi oportunamente recolhida pelo vendedor. Com efeito, a expressão contida nesse dispositivo legal, concernente ao "interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal", refere-se às pessoas que se encontram no mesmo polo do contribuinte em relação à situação jurídica ensejadora da exação, no caso, a venda da mercadoria, sendo certo que esse interesse não se confunde com a vontade oposta manifestada pelo adquirente, que não é a de vender, mas sim de comprar a coisa. Importa salientar, ainda, que a Primeira Seção deste Sodalício, quando do julgamento do REsp 1.148.444-MG, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que "o comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação". A razão de decidir desse precedente obrigatório, mutatis mutandis, pode ser perfeitamente aplicada ao presente caso, pois, se o adquirente de boa-fé tem o direito de creditar o imposto oriundo de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, com maior razão não pode ser responsabilizado pelo tributo que deixou de ser oportunamente recolhido pelo vendedor infrator.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.694.324-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, por maioria, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Transporte rodoviário de mercadorias. Vale-pedágio obrigatório. Lei n. 10.209/2001. Multa denominada "dobra do frete". Norma cogente. Art. 412 do CC/2002. Não incidência.
DESTAQUE
A multa prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, conhecida como "dobra do frete", é uma sanção legal, de caráter especial, razão pela qual não é possível a convenção das partes para lhe alterar o conteúdo, bem assim a de se fazer incidir o art. 412 do CC/2002.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a verificar se a imposição da multa prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, conhecida como "dobra do frete", causa alguma violação ao art. 412 do CC/2002. Registre-se, inicialmente, que a ratio essendi da norma visou beneficiar, de modo geral, os transportadores rodoviários de carga, os embarcadores e as concessionárias de rodovias. Assim, tal multa prestigia múltiplos agentes econômicos, abraçando, de modo concreto, aquelas partes envolvidas na prestação de transporte de mercadorias. Nesse contexto, não há que se falar na incidência do art. 412 do CC/2002 para reduzir a multa prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, pelas seguintes razões. Primeiro, somente através do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, previsto nos termos dos arts. 948 e seguintes do NCPC, é que se poderá deixar de aplicar a multa chamada "dobra do frete". Segundo, a penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001 é uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga. Assim, sendo a lei anterior ao Código Civil de 2002, o que se verifica é um conflito entre os critérios normativos, chamado de antinomia de segundo grau: de especialidade e cronológico. Isso porque, existe uma norma anterior, especial, conflitante com uma posterior, geral; colhendo, assim, em um primeiro momento, a ideia de que seria a primeira preferida, pelo critério da especialidade, e a segunda, pelo critério cronológico. Desse modo, no caso, deve prevalecer, o critério da especialidade, com a aplicação dos exatos termos do disposto no art. 2º, § 2º, da LINDB. Assim, por se tratar de norma especial, a Lei n. 10.209/2001 afasta a possibilidade de convenção das partes para alterar o conteúdo do seu art. 8º, bem assim a possibilidade de se fazer incidir o ponderado art. 412 do CC/2002, lei geral.

PROCESSO
REsp 1.694.324-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, por maioria, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Transporte rodoviário de mercadorias. Vale-pedágio obrigatório. Lei n. 10.209/2001. Pagamento antecipado. Norma cogente. Inaplicabilidade do instituto da supressio.
DESTAQUE
A obrigação de pagamento antecipado do Vale-Pedágio previsto pela Lei n 10.209/2001 é norma cogente que não admite o instituto da supressio.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal consiste em verificar se seria possível a aplicação da teoria da supressio, com fundamento na boa-fé objetiva, de forma a não ser exigível na relação contratual entre as partes o pagamento do vale-pedágio de forma adiantada e em separado. Nesse sentido, assume especial relevo a função limitadora de direitos do princípio da boa-fé objetiva e, mais especificamente, o instituto da supressão (supressio). Tal instituto indica a possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese em que o não-exercício do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse não-exercício se prorrogará no tempo. Mesmo que a boa-fé objetiva existente na relação contratual entre os contratantes imponha o afastamento da obrigação referente ao vale-pedágio, não se trata de regra que pode ser disposta pelas partes e, assim, não se deve aplicar a supressão (supressio).
PROCESSO
REsp 1.749.941-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 04/12/2018, DJe 07/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Responsabilidade civil. Concessionária de rodovia. Roubo e sequestro ocorridos em dependência de suporte ao usuário, mantido pela concessionária. Nexo de causalidade e conexidade. Inocorrência. Fato de terceiro. Fortuito externo. Excludente de responsabilidade.
DESTAQUE
Concessionária de rodovia não responde por roubo e sequestro ocorridos nas dependências de estabelecimento por ela mantido para a utilização de usuários.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Supremo Tribunal Federal, em reconhecimento de repercussão geral (RE 591.874), decidiu que "a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal". Contudo, no mesmo julgamento, a Corte constitucional afirma que, como requisito da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado, é necessária a presença inequívoca do nexo de causalidade entre ato e dano. Na hipótese, para a determinação da responsabilidade da concessionária de serviço público, é necessário perquirir sobre a existência de fato de terceiro que seja capaz de excluir tal nexo de causalidade. Especificamente no que concerne à culpa de terceiro – excludente que se discute no presente processo – a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de reconhecer o rompimento do nexo causal quando a conduta praticada pelo terceiro, desde que a causa única do evento danoso, não apresente qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. Diz-se, nessa hipótese, que o fato de terceiro se equipara ao fortuito externo, apto a elidir a responsabilidade do transportador. De outro turno, constatado que, apesar de ter sido causado por terceiro, o dano enquadra-se dentro dos lindes dos riscos inerentes ao transporte, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de não afastar a responsabilidade do transportador, garantido o direito de regresso, na esteira do art. 735 do CC/2002 e da Súmula n. 187/STF. No caso, é impossível afirmar que a ocorrência do dano sofrido pelos usuários guarda conexidade com as atividades desenvolvidas pela recorrente. A segurança que ele deve fornecer aos usuários da rodovia diz respeito ao bom estado de conservação e sinalização da rodovia, não com a presença efetiva de segurança privada ao longo da estrada, mesmo que seja em postos de pedágio ou de atendimento ao usuário.

PROCESSO
REsp 1.765.004-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por maioria, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Corretagem. Intermediação para venda de imóvel. Realização de contrato diverso. Resultado útil. Comissão de corretagem. Cabimento.
DESTAQUE
É devida a comissão de corretagem ainda que o resultado útil da intermediação imobiliária seja negócio de natureza diversa da inicialmente contratada.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Trata-se, inicialmente, da celebração de contrato de comissão por intermediação para venda de uma gleba de terras. Entretanto, entre a proprietária do imóvel e terceiro restou pactuado um contrato diverso de compromisso de parceria para loteamento urbano, em razão da atuação da corretora. Nesse cenário, ainda que as partes não tenham celebrado contrato escrito quanto à alteração da atividade da corretora, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a validade do contrato verbal de corretagem. No caso, é inegável o benefício patrimonial obtido com a parceria realizada, pois a gleba de terra rural, sem uso e benfeitorias, foi transformada em um empreendimento imobiliário de grande porte. Assim, em razão desse resultado útil, é devida a comissão de corretagem por intermediação imobiliária, porquanto o trabalho de aproximação realizado pelo corretor resultou, efetivamente, no consenso das partes quanto aos elementos essenciais do negócio.
PROCESSO
REsp 1.594.024-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Seguro de automóvel. Restrição de crédito do consumidor. Contratação e renovação. Pagamento à vista. Recusa de venda direta. Conduta abusiva.
DESTAQUE
A seguradora não pode recusar a contratação de seguro a quem se disponha a pronto pagamento se a justificativa se basear unicamente na restrição financeira do consumidor junto a órgãos de proteção ao crédito.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cabe esclarecer, de início, que todo consumidor, em princípio, desde que pague o preço correspondente, tem o direito de adquirir um produto ou serviço quando é colocado no mercado, tendo em vista a situação havida de oferta permanente, sendo repelido qualquer ato de recusa baseado em aspectos discriminatórios. Todavia, nas relações securitárias, a interpretação do art. 39, IX, do CDC é mitigada, devendo sua incidência ser apreciada concretamente, ainda mais se for considerada a ressalva constante na parte final desse dispositivo legal ("ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais") e a previsão dos arts. 9º e 10 do Decreto-Lei n. 73/1966. Com efeito, existem situações em que a recusa de venda se justifica, havendo motivo legítimo o qual pode se opor à formação da relação de consumo, sobretudo nas avenças de natureza securitária, em que a análise do risco pelo ente segurador é de primordial importância, sendo um dos elementos desse gênero contratual, não podendo, portanto, ser tolhida. Entretanto, no que tange especificamente à recusa de venda de seguro (contratação ou renovação), baseada exclusivamente na restrição financeira do contratante a quem tenha restrição financeira junto a órgãos de proteção ao crédito, tal justificativa é superada se o consumidor se dispuser a pagar prontamente o prêmio. De fato, se o pagamento do prêmio for parcelado, a representar uma venda a crédito, a seguradora pode se negar a contratar o seguro se o consumidor estiver com restrição financeira, evitando, assim, os adquirentes de má-fé, incluídos os insolventes ou maus pagadores. Por outro lado, nessa hipótese, a recusa será abusiva caso ele opte pelo pronto pagamento.
PROCESSO
REsp 1.635.238-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 11/12/2018, DJe 13/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Seguro de acidentes pessoais. Contrato de adesão. Cláusulas genéricas e abstratas. Exclusão de cobertura. Abusividade.
DESTAQUE
É abusiva a exclusão do seguro de acidentes pessoais em contrato de adesão para as hipóteses de: I) gravidez, parto ou aborto e suas consequências; II) perturbações e intoxicações alimentares de qualquer espécie; e III) todas as intercorrências ou complicações consequentes da realização de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Salienta-se, de início, que da definição de acidente pessoal, veiculada por meio da Resolução CNSP n. 117/2004, da SUSEP, extrai-se que se trata de "evento com data caracterizada, exclusivo e diretamente externo, súbito, involuntário, violento, e causador de lesão física, que, por si só e independente de toda e qualquer outra causa, tenha como conseqüência direta a morte, ou a invalidez permanente, total ou parcial, do segurado, ou que torne necessário tratamento médico". Assim, sobressai como inequívoca a abusividade da restrição securitária em relação a gravidez, parto ou aborto e suas consequências, bem como as perturbações e intoxicações alimentares de qualquer espécie, pois não se pode atribuir ao aderente a ocorrência voluntária do acidente, isto é, a etiologia do acidente não revela qualquer participação do segurado na causação da lesão física, seja pela ingestão de alimentos, seja pelos eventos afetos à gestação. No entanto, remanesce a discussão relativa à exclusão securitária de todas as intercorrências ou complicações consequentes da realização de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos, quando não decorrentes de acidente coberto. Neste ponto, percebe-se que a generalidade da cláusula poderia abarcar inúmeras situações que definitivamente não teriam qualquer participação do segurado na sua produção. Inserir cláusula de exclusão de risco em contrato padrão, cuja abstração e generalidade abarquem até mesmo as situações de legítimo interesse do segurado quando da contratação da proposta, representa imposição de desvantagem exagerada ao consumidor, por confiscar-lhe justamente o conteúdo para o qual se dispôs ao pagamento do prêmio.
PROCESSO
RHC 100.446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Violência doméstica e familiar contra a mulher. Alimentos fixados a título de medida protetiva. Decisão em processo penal. Título idôneo. Inadimplemento. Prisão civil. Possibilidade.
DESTAQUE
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha, em razão da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
De início, relevante assentar que o art. 14 da Lei n. 11.340/2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para o julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que, a um só tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. Assim, se afigura absolutamente consonante com a abrangência das matérias outorgadas à competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher o deferimento de medida protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. É de se reconhecer, portanto, que a medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe (perante o próprio Juízo) não sendo necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito. Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade.
PROCESSO
REsp 1.721.731-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 27/11/2018, DJe 06/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Sistema Financeiro da Habitação. Ação de execução hipotecária. Lei n. 5.741/1971. Adjudicação direta ao credor hipotecário pelo valor da avaliação do imóvel, indepentemente de hasta pública. Possibilidade. CPC/1973.
DESTAQUE
Em ação de execução hipotecária, o credor hipotecário pode requerer a adjudicação do imóvel penhorado pelo valor constante do laudo de avaliação, independentemente da realização de hasta pública.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Registre-se, inicialmente, que o art. 10 da Lei n. 5.741/1971, que dispõe sobre a proteção do financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, preceitua que o Código de Processo Civil será aplicado, subsidiariamente, à ação executiva de que trata referida lei. Cabe, então, perquirir acerca de suposta incompatibilidade entre dispositivos legais previstos em lei especial e em lei geral. Enquanto a Lei n. 5.741/1971 prevê a realização de hasta pública (art. 6º), admitindo a adjudicação direta ao credor hipotecário apenas na hipótese de não haver qualquer licitante na praça (art. 7º), situação que, quando verificada, e após a adjudicação do bem, exonerará o devedor da obrigação de pagar o restante da dívida, o CPC/1973 (art. 685-A) prevê a possibilidade de a adjudicação ao credor dar-se pela simples oferta de preço não inferior ao da avaliação, independentemente da prévia realização de hasta pública. Da confrontação de mencionados comandos, chega-se à conclusão de que se a exceção da exoneração do restante da dívida prevista na Lei n. 5.741/1971 tem objetivos específicos, não poderia ser revogada por dispositivo de lei geral posterior que prevê o prosseguimento da execução na hipótese de haver saldo remanescente. Assim, tendo em vista os escopos sociais e de celeridade processual estabelecidos na própria lei especial, não há como se vedar o pleito do credor hipotecário de adjudicação direta do imóvel pelo valor da avaliação judicial do bem. Afinal, para o devedor inócua seria a realização da praça a fim de possivelmente auferir valor superior ao da avaliação do bem quando a adjudicação direta ao credor hipotecário importará na exoneração da sua obrigação de pagar saldo remanescente na dívida. A realização de hasta pública, na espécie, apenas comprometeria a celeridade da própria execução, ou seja, tardando a própria satisfação da dívida.

PROCESSO
REsp 1.733.697-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 11/12/2018, DJe 13/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
CPC/2015. Execução de alimentos. Penhora de bens do devedor. Desconto em folha de pagamento. Concomitância. Possibilidade. Adoção de medidas atípicas. Satisfatividade. Norma fundamental.
DESTAQUE
É admissível o uso da técnica executiva de desconto em folha de dívida de natureza alimentar ainda que haja anterior penhora de bens do devedor.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, salienta-se que a legislação revogada, em sua versão original, consagrava tão somente a expropriação de bens como técnica executiva nas obrigações de pagar quantia certa (art. 646 do CPC/1973), ao passo que, para as obrigações de fazer e de não fazer, estabelecia-se a possibilidade de imposição de uma multa como única forma de evitar a conversão em perdas e danos na hipótese de renitência do devedor em cumprir a obrigação definida em sentença. Contudo, a tipicidade dos meios executivos, nesse contexto, servia essencialmente à demasiada proteção ao devedor. Nesse aspecto, o CPC/2015 evoluiu substancialmente, a começar pelo reconhecimento, com o status de norma fundamental do processo civil (art. 4º), que o direito que possuem as partes de obter a solução integral do mérito compreende, como não poderia deixar de ser, não apenas a declaração do direito (atividade de acertamento da relação jurídica de direito material), mas também a sua efetiva satisfação (atividade de implementação, no mundo dos fatos, daquilo que fora determinado na decisão judicial). Diante desse novo cenário, não é mais correto afirmar que a atividade satisfativa somente poderá ser efetivada de acordo com as específicas regras daquela modalidade executiva, mas, sim, que o legislador conferiu ao magistrado um poder geral de efetivação, que deve, todavia, observar a necessidade de fundamentação adequada e que justifique a técnica adotada a partir de critérios objetivos de ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, de modo a conformar, concretamente, os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade do devedor, inclusive no que se refere às impenhorabilidades legais e à subsidiariedade dos meios atípicos em relação aos típicos. Na hipótese, pretende-se o adimplemento de obrigação de natureza alimentar devida pelo genitor há mais de 24 (vinte e quatro) anos, com valor nominal superior a um milhão e trezentos mil reais e que já foi objeto de sucessivas impugnações do devedor, sendo admissível o deferimento do desconto em folha de pagamento do débito, parceladamente e observado o limite de 10% sobre os subsídios líquidos do devedor, observando-se que, se adotada apenas essa modalidade executiva, a dívida somente seria inteiramente quitada em 60 (sessenta) anos, motivo pelo qual se deve admitir a combinação da referida técnica sub-rogatória com a possibilidade de expropriação dos bens penhorados.

PROCESSO
REsp 1.735.668-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 11/12/2018, DJe 14/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de levantamento de curatela. Propositura por terceiros juridicamente interessados. Possibilidade. Legitimados. Art. 756, §1º, do CPC/2015. Rol de natureza não exaustiva.
DESTAQUE
O rol de legitimados do art. 756, §1º, do CPC/2015, acerca dos possíveis legitimados para a ação de levantamento de curatela, não é taxativo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O art. 756, §1º, do CPC/2015 ampliou o rol de legitimados para o ajuizamento da ação de levantamento da curatela previsto no art. 1.186, §1º, do CPC/1973, a fim de expressamente permitir que, além do próprio interdito, também o curador e o Ministério Público sejam legitimados para o ajuizamento dessa ação, acompanhando a tendência doutrinária que se estabeleceu ao tempo do código revogado. É, portanto, possível afirmar que a razão de existir do art. 756, §1º, do CPC/2015, até mesmo pelo uso pelo legislador do verbo "poderá", é de, a um só tempo, enunciar ao intérprete quais as pessoas têm a faculdade de ajuizar a ação de levantamento da curatela, garantindo-se ao interdito a possibilidade de recuperação de sua autonomia quando não mais houver causa que justifique a interdição, sem, contudo, excluir a possibilidade de que essa ação venha a ser ajuizada por pessoas que, a despeito de não mencionadas pelo legislador, possuem relação jurídica com o interdito e, consequentemente, possuem legitimidade para pleitear o levantamento da curatela. É correto concluir, dessa forma, que o rol previsto no dispositivo em questão não enuncia todos os legitimados a propor a ação de levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que outras pessoas, que se pode qualificar como terceiros juridicamente interessados em levantá-la ou modificá-la, possam propor a referida ação.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.552.227-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 27/11/2018, DJe 06/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO AUTORAL
TEMA
ECAD. Assembléia. Músicas de fundo (background). Valoração diferenciada. Possibilidade.
DESTAQUE
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD pode definir critérios diferenciados para distribuição de valores de direitos autorais de acordo com os diversos tipos de exibição de músicas inseridos no contexto de obras audiovisuais, como nas chamadas músicas de fundo (background).
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia está em saber se é possível a fixação de critério diferenciado para valoração de obras de background (música de fundo) veiculadas em programas televisivos. O que se questiona não é o valor dos direitos autorais correspondente a determinadas músicas pelo titular delas, mas o critério de distribuição do valor global arrecadado pelo ECAD entre os vários titulares das músicas exibidas na programação da emissora. Ocorre, que a relação tratada na demanda é de natureza eminentemente privada e se relaciona a direitos disponíveis. O simples fato de a Constituição Federal não regulamentar especificamente a matéria não é fundamento razoável para afastar eventual regulamentação privada, até mesmo porque não é função da Constituição fazê-lo. De igual modo, tratando-se de relações privadas, o princípio da legalidade determina justamente a liberdade na regulamentação, e não a atuação em razão de lei. Vale lembrar os precedentes desta Corte Superior admitindo que o ECAD fixe os critérios de cobrança relativos aos direitos autorais. Se cabe ao ECAD fixar os valores a serem cobrados (preços) para remunerar os direitos autorais de seus associados, por idêntico fundamento compete a ele estabelecer, nos termos do decidido em assembléia, os critérios de distribuição de tais valores entre seus integrantes. Ressalte-se que, especificamente quanto ao critério de distribuição dos valores arrecadados, conferindo peso inferior às músicas de fundo (background), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou, nos termos do REsp 1.331.103-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrigui, julgado em 23/04/2013, DJe 16/05/2013. O fato de a lei não atribuir peso diferente aos direitos autorais relativos a diversos tipos de exibição de música não impede que a instituição legalmente constituída com o monopólio da arrecadação e distribuição o faça por meio de normatização infralegal, de acordo com o definido em assembléia, em que representados os autores por meio da associação ao qual filiados. É o que resulta da interpretação dos arts. 97, 98 e 99 da Lei nº 9.610/1998.

PROCESSO
REsp 1.155.590-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, por unanimidade, julgado em 27/11/2018, DJe 07/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
TEMA
Transporte coletivo interestadual gratuito para pessoas com deficiência hipossuficientes. Lei n. 8.899/1994. Inclusão do transporte aéreo. Descabimento.
DESTAQUE
O Superior Tribunal de Justiça carece de competência constitucional para ampliar os modais de transporte interestadual submetidos ao regime da gratuidade, prevista na Lei n. 8.899/1994 e nos atos normativos secundários que a regulamentam.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cumpre salientar, inicialmente, que a Lei n. 8.899/1994 em seu art. 1º, inovou o ordenamento jurídico, estabelecendo o passe livre à multitude de pessoas portadoras de deficiência dependentes do transporte coletivo interestadual, com a condicionante de que apenas demonstrem a sua hipossuficiência. O Decreto n. 3.691/2000, que veio complementar a legislação anteriormente citada, dispôs sobre o transporte de pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual, mas pecou pela vagueza deixando de especificar em quais modais de transporte coletivo interestadual que a gratuidade deveria ser aplicada. Nesse passo, as dúvidas até então existentes foram dirimidas com a edição da Portaria Interministerial n. 003/2001, que, de plano, no art. 1º, tratou de definir a incidência da benesse ao transporte coletivo interestadual, em seus modais rodoviário, ferroviário e aquaviário, sem se pronunciar sobre a aplicação na esfera da aviação civil. O sistema infraconstitucional leva a crer, portanto, que a propalada omissão legislativa foi voluntária, ou melhor, contemplou hipótese de silêncio eloqüente, sejam os motivos legítimos ou não, de modo a inexistir lacuna a ser colmatada por meio das técnicas hermenêuticas disponíveis ao exegeta. Assim, carece esta Corte Superior, a partir da competência constitucional que lhe é determinada, ampliar hipóteses de concessão de benefício a determinado grupo minoritário, com base unicamente no exercício hermenêutico, de modo a ampliar os modais de transporte interestadual submetidos ao regime da gratuidade, prevista na Lei n. 8.899/1994 e nos atos normativos secundários que a regulamentam, sob pena de atuar como legislador positivo.

PROCESSO
REsp 1.753.990-DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por maioria, julgado em 09/10/2018, DJe 11/12/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Indeferimento da inicial. Recurso. Citação do executado na fase de apelação. Fixação dos honorários sucumbenciais. Art. 85, § 2º, do CPC. Cabimento.
DESTAQUE
Em caso de indeferimento da petição inicial seguida de interposição de apelação e a integração do executado à relação processual, mediante a constituição de advogado e apresentação de contrarrazões, uma vez confirmada a sentença extintiva do processo, é cabível o arbitramento de honorários em prol do advogado do vencedor (CPC, art. 85, § 2º).
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
De início, é importante lembrar que a jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que "os honorários recursais não têm autonomia nem existência independente da sucumbência fixada na origem e representam um acréscimo (o CPC/2015 fala em 'majoração') ao ônus estabelecido previamente, motivo por que na hipótese de descabimento ou na de ausência de fixação anterior, não haverá falar em honorários recursais" (AREsp 1.050.334/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28/3/2017, DJe de 3/4/2017). Na hipótese, não se trata dos honorários recursais, a que se refere o §11º do art. 85 do CPC, mas sim dos honorários de sucumbência decorrentes da extinção da relação processual (CPC, art. 85, caput e §1º). Destaca-se que não houve arbitramento de verba honorária em primeiro grau de jurisdição unicamente porque foi proferida a sentença de indeferimento da inicial, sem angularização da relação jurídica processual. E, de fato, sem a citação ou o comparecimento espontâneo do réu, não se completou a formação da relação jurídica processual, não houve resistência ao pedido. Não tendo sido constituído advogado, cujo labor justificasse o estabelecimento de honorários de sucumbência, não havia, no momento da prolação da sentença, substrato para a incidência da regra do art. 85, segundo o qual "a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". Com a apresentação do recurso de apelação do autor, foi procedida a citação do executado que constituiu advogado e apresentou contrarrazões ao recurso. Com o julgamento da apelação, o Tribunal de origem entendeu improsperável o pleito de reforma da sentença, momento a partir do qual passou estar configurada a hipótese de estabelecimento de honorários de sucumbência, em face da extinção da execução, após a apresentação de defesa pelo executado. Desse modo, o mero fato de não ter havido, em primeira instância, fixação de verba honorária, não autoriza que deixe de ser aplicado o art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil a partir da apelação, quando, extinta a relação processual, houver advogado constituído nos autos pela parte vitoriosa.