quarta-feira, 27 de novembro de 2019

INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL COM TESTAMENTO. COLUNA DO MIGALHAS DO MÊS DE NOVEMBRO DE 2019.

INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL COM TESTAMENTO
Flávio Tartuce[1]
Com a aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei 4.725/2004, convertido na Lei 11.441/2007, o sistema jurídico brasileiro passou a admitir o inventário extrajudicial, feito por escritura pública, perante o Tabelionato de Notas. Trata-se de inovação festejada, que veio a reduzir consideravelmente a burocracia para a partilha dos bens do falecido. Nesse sentido, a redação anterior do art. 982 do CPC de 1973, já alterada pela Lei 11.965/2009, pela menção ao defensor público, estabelecia que, havendo testamento ou interessado incapaz, somente seria possível o inventário judicial. Por seu turno, se todos herdeiros fossem capazes e concordes, haveria a viabilidade jurídica de processamento do inventário e da partilha por escritura pública, a qual constituiria título hábil para o registro imobiliário. A norma também enunciava que o tabelião somente lavraria a escritura pública se todas as partes interessadas estivessem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constariam do ato notarial. Por fim, estava previsto na lei anterior que a escritura e demais atos notariais seriam gratuitos àqueles que se declarassem pobres, sob as penas da lei.
O Código de Processo Civil de 2015 praticamente repetiu o preceito no seu art. 610, que merece destaque, para os devidos fins de aprofundamento:
“Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1.º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2.º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial”.
Como se pode perceber, a única diferença substancial entre os dois comandos diz respeito à falta de menção à gratuidade do ato para os que se declararem pobres, assim como ocorreu com a separação e o divórcio extrajudiciais. De todo modo, defendo desde a emergência do CPC/2015 que a gratuidade permanece no sistema jurídico brasileiro, por estar prevista em lei especial anterior, qual seja a Lei 11.441/2007, que não foi recepcionada nem revogada nessa parte pelo Estatuto Processual em vigor. Vale lembrar, entre outros argumentos para a sua manutenção, que há referência expressa à gratuidade no art. 5.º, inciso LXXIV, da Norma Fundamental, in verbis: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Exatamente nesse sentido, e citando a minha posição doutrinária, merece relevo decisão prolatada no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada em abril de 2018, no sentido de que “a consulta é respondida no sentido que a gratuidade de justiça deve ser estendida, para efeito de viabilizar o cumprimento da previsão constitucional de acesso à jurisdição e a prestação plena aos atos extrajudiciais de notários e de registradores. Essa orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5.º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF/88), restando, portanto, induvidosa a plena eficácia da Resolução n. 35 do CNJ, em especial seus artigos 6.º e 7.º” (CNJ, Consulta 0006042-02.2017.2.00.0000, requerente: Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Paraíba). Assim, a gratuidade das escrituras de inventário está mantida em todo o território nacional, na linha desse importante julgado do CNJ, que teve como relator o Conselheiro Arnaldo Hossepian.
Voltando à essência do tema deste artigo, pela literalidade dos dois textos instrumentais, o anterior e o atual, constata-se que, sendo as partes capazes e inexistindo testamento, poderão os herdeiros optar pelo inventário extrajudicial. O requisito da inexistência do testamento já vinha sendo contestado por muitos doutrinadores, existindo decisões de primeira instância que afastavam tal elemento essencial, quando todos os herdeiros forem maiores, capazes e concordantes com a via extrajudicial.
A questão foi anteriormente julgada pela 2.ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital de São Paulo, tendo sido prolatada a decisão pelo magistrado Marcelo Benacchio, em abril de 2014. A dúvida havia sido levantada pelo 7.º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, com pareceres favoráveis à dispensa do citado requisito de representante do Ministério Público e do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, este último apoiado em entendimento do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Ponderou o julgador, naquela ocasião, que as posições que admitem o inventário extrajudicial havendo testamento “são entendimentos respeitáveis voltados à eficiente prestação do imprescindível serviço público destinado à atribuição do patrimônio do falecido aos herdeiros e legatários. Ideologicamente não poderíamos deixar de ser favoráveis a essa construção na crença da necessidade da renovação do Direito no sentido de facilitar sua aplicação e produção de efeitos na realidade social, econômica e jurídica”. No entanto, seguindo outro caminho, deduziu o magistrado em trechos principais de sua sentença que “o ordenamento jurídico aproxima, determina e impõe o processamento da sucessão testamentária em unidade judicial como se depreende dos regramentos atualmente incidentes e dos institutos que cercam a sucessão testamentária; daí a razão da parte inicial do art. 982, caput, do Código de Processo Civil iniciar excepcionando expressamente a possibilidade de inventário extrajudicial no caso da existência de testamento independentemente da existência de capacidade e concordância de todos interessados na sucessão; porquanto há necessidade de se aferir e cumprir (conforme os limites impostos à autonomia privada na espécie) a vontade do testador, o que não pode ser afastado mesmo concordes os herdeiros e legatários”.
Com o devido respeito, a minha posição sempre foi no sentido de que os diplomas legais que exigem a inexistência de testamento para que a via administrativa do inventário seja possível devem ser mitigados, especialmente nesses casos em que os herdeiros são maiores, capazes e concordam com esse caminho facilitado, havendo prévio processamento de abertura do testamento na via judicial. Nos termos do art. 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o fim social da Lei 11.441/2007 foi a redução de formalidades, devendo essa sua finalidade sempre guiar o intérprete do Direito. O mesmo deve ser dito quanto ao CPC/2015, inspirado pelas máximas de desjudicialização e de celeridade, em vários de seus comandos.
Pontue-se que o próprio Colégio Notarial do Brasil aprovou enunciado em seu XIX Congresso Brasileiro, realizado entre 14 e 18 de maio de 2014, estabelecendo que “é possível o inventário extrajudicial ainda que haja testamento, desde que previamente registrado em Juízo ou homologado posteriormente perante o Juízo competente”. Como reforço para a tese na VII Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em de 2015, foi aprovado enunciado prevendo que, após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial (Enunciado n. 600). Ainda em 2015, em outubro, no X Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e das Sucessões do IBDFAM, aprovou-se o Enunciado n. 16 da entidade, com o seguinte teor: “mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial”.
Em 2016, o Provimento 37 da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo passou a aplicar exatamente o teor desse Enunciado n. 600, da VII Jornada de Direito Civil. Conforme decisão do Desembargador-Corregedor Manoel de Queiroz Pereira Calças, “diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, que constituirá título hábil para o registro imobiliário. Poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, também, nos casos de testamento revogado ou caduco, ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento, observadas a capacidade e a concordância dos herdeiros. Nas hipóteses do subitem 129.1, o Tabelião de Notas solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada, e o inventário far-se-á judicialmente”.
A propósito, ainda em 2016, no mês de agosto, o mesmo Conselho da Justiça Federal promoveu a I Jornada sobre Solução Extrajudicial de Conflitos, sob a coordenação do Ministro Luís Felipe Salomão, também com a aprovação de enunciados doutrinários sobre a extrajudicialização do direito. Umas das propostas aprovadas amplia o sentido do Enunciado 600 da VII Jornada de Direito Civil, possibilitando o inventário extrajudicial se houver testamento também nos casos de autorização do juiz do inventário. Nos termos do Enunciado n. 77, “havendo registro ou autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, o inventário e partilha poderão ser feitos por escritura pública, mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento judicial”. Em agosto de 2017, dando ainda mais sustento doutrinário a tal posição, foi aprovado outro enunciado com o mesmo teor do último, quando da realização da I Jornada de Direito Processual Civil, promovida pelo mesmo Conselho da Justiça Federal.
Por fim, pontue-se que, no mesmo ano de 2017, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro seguiu o exemplo paulista, e passou a admitir que, se todos os interessados forem maiores de idade, lúcidos e não discordarem entre si, o inventário e a partilha de bens poderão ser feitos por escritura pública, mediante acordo, se isso for autorizado pelo juiz da Vara de Órfãos e Sucessões onde o testamento foi aberto. Citando enunciados doutrinários aqui destacados, houve alteração do art. 297 da Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça da Corte, por meio do Provimento 21/2017, que passou a ter a seguinte redação: “A escritura pública de inventário e partilha conterá a qualificação completa do autor da herança; o regime de bens do casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário se houver; dia e lugar em que faleceu o autor da herança; data da expedição da certidão de óbito; livro, folha, número do termo e unidade de serviço em que consta o registro do óbito, além da menção ou declaração dos herdeiros de que o autor da herança não deixou testamento e outros herdeiros, sob as penas da lei. § 1.º Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente nos autos da apresentação e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro. § 2.º Será permitida a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco, ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento”. Outros Estados percorreram o mesmo caminho, sucessivamente, caso da Paraíba e do Paraná, que editaram normas administrativas na mesma linha.
Espera-se que outras unidades da Federação sigam esse sadio caminho da desjudicialização, ou que a questão seja definitivamente regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça, valendo para todo o País. Essa possibilidade de regulamentação pelo CNJ ganhou força pelo fato de que, em 2019, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou por admitir a realização de inventário extrajudicial, mesmo havendo testamento público, desde que a sua abertura seja feita anteriormente, no âmbito judicial. O acórdão cita todos os enunciados doutrinários aqui referenciados e também a posição deste autor, representando um passo importante para a sadia desburocratização (STJ, Recurso Especial n. 1.808.767/RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 15 de agosto de 2019). De toda sorte, acaba não dispensando que a abertura prévia do testamento seja feita judicialmente, o que representa outro entrave burocrático que deve ser repensado.
Na verdade, para que não surjam argumentos contrários a todas essas posições doutrinárias e jurisprudenciais de avanço, parece-me que a melhor solução é a reforma do art. 610 do CPC/2015, admitindo-se o inventário extrajudicial mesmo com a existência de testamento – desde que todos os herdeiros concordem –, até mesmo havendo filhos incapazes do de cujus. Tais alterações são almejadas pelo grande Projeto de Lei de Desburocratização, originário de comissão mista formada no Senado Federal. Pelo PL 217/2018, que é específico sobre o preceito em comento, passaria ele a ter a seguinte dicção: “Havendo testamento, proceder-se-á ao inventário judicial. § 1.º Se todos forem concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. § 2.º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 3.º Havendo interessado incapaz, o Ministério Público deverá se manifestar no procedimento, para fiscalizar a conformidade com a ordem jurídica do inventário e da partilha feitos por escritura pública. § 4.º Na hipótese do § 3.º, caso o tabelião se recuse a lavrar a escritura nos termos propostos pelas partes, ou caso o Ministério Público ou terceiro a impugnem, o procedimento deverá ser submetido à apreciação do juiz”. Faz o mesmo o projeto de lei de reforma do Direito das Sucessões elaborado pelo IBDFAM, que originou o PL 3.799/2019, proposto pela Senadora Soraya Thronicke, que tem conteúdo no mesmo sentido.
Pelas projeções, nota-se que o Ministério Público passa a atuar nos inventários extrajudiciais, diretamente no Tabelionato de Notas, o que já ocorre em outros Países, como em Portugal. Aguarda-se, assim, que uma das proposições citadas seja aprovada com brevidade pelo Congresso Nacional, retirando-se definitivamente entraves burocráticos do inventário extrajudicial, que não fazem mais o menor sentido, e efetivando-se a saudável e esperada desjudicialização.

[1] Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Professor Titular do programa de mestrado e doutorado da FADISP – Faculdade Especializada em Direito. Professor e Coordenador dos cursos de pós-graduação em Direito Privado lato sensu da EPD – Escola Paulista de Direito. Professor do G7 Jurídico.
Diretor nacional e vice-presidente estadual do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado e consultor jurídico em São Paulo

sábado, 23 de novembro de 2019

RESUMO. INFORMATIVO 659 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 659 DO STJ. 22 DE NOVEMBRO DE 2019.
SÚMULA N. 637
O ente público detém legitimidade e interesse para intervir, incidentalmente, na ação possessória entre particulares, podendo deduzir qualquer matéria defensiva, inclusive, se for o caso, o domínio. Corte Especial, julgado em 06/11/2019, DJe 11/11/2019.
SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
CC 166.591-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 23/10/2019, DJe 28/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Autofalência da sociedade empresária devedora. Recuperação judicial da eventual credora. Descumprimento de obrigações contratuais. Controvérsia pendente. Juízo arbitral. Bens da falida dados em garantia. Disposição. Competência do juízo falimentar.
DESTAQUE
Compete ao Juízo falimentar decidir sobre os bens do falido dados em garantia em favor de sociedade empresária em recuperação judicial ainda que pendente decisão no juízo arbitral sobre eventual descumprimento de obrigações entre as partes.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O conflito de competência decorre da divergência entre o Juízo que processa a autofalência da suposta devedora, o qual se considera competente e afirma que os bens dados em garantia são de propriedade da massa falida, e o Juízo onde tramita a recuperação judicial da credora, que não libera os referidos bens por entender que compete ao Juízo arbitral, em primeiro lugar, decidir sobre o mérito do descumprimento das obrigações. O art. 6º, caput e § 1º, da Lei n. 11.101/2005 estabelece que a decretação da falência suspende o curso de todas as ações e execuções contra o devedor, prosseguindo, no juízo no qual estiver se processando, a ação que demandar quantia ilíquida. No caso, a arrecadação dos bens em favor da massa falida não impede seja processada no Juízo arbitral eventual demanda na qual se discuta o descumprimento de obrigações contratuais e créditos ilíquidos. Havendo somente decisão do Juízo falimentar afirmando que os bens pretendidos por suposta credora pertencem à massa falida compete ao juízo da falência decidir sobre a destinação dos bens, que estão vinculados à execução concursal, inclusive sobre eventuais atos constritivos incidentes sobre o patrimônio da falida. Considerando que a devedora, que requereu a própria falência, entregou os bens tratados neste conflito somente a título de garantia, sendo detentora da propriedade, diversos são os dispositivos da Lei n. 11.101/2005 que justificam a competência do Juiz do processo falimentar para decidir a respeito da destinação a ser dada ao depósito efetuado e aos bens entregues para a realização da perícia. Eventualmente se o Juízo arbitral reconhecer que a empresa falida é devedora de algum valor à sociedade que postula os bens dados em garantia, haverá formação de crédito em favor da empresa credora, a ser habilitado na falência, para fins de execução concursal.
PROCESSO
AREsp 1.084.396-RO, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 19/09/2019, DJe 18/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO AMBIENTAL
TEMA
Ilícito ambiental. Veículo utilizado objeto de locação. Apreensão. Possibilidade. Garantia do direito de defesa do proprietário antes da decisão sobre a destinação do bem. Necessidade.
DESTAQUE
A autoridade administrativa deve notificar o proprietário do veículo locado para oportunizar que comprove a sua boa-fé antes de decidir sobre a destinação do bem apreendido pela prática de infração ambiental.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Os arts. 25 e 72, IV, da Lei n. 9.605/1998 estabelecem como efeito imediato a apreensão dos bens e instrumentos utilizados na prática do ilícito ambiental. A exigência de requisito não expressamente previsto na legislação de regência para a aplicação dessas sanções compromete a eficácia dissuasória inerente à medida, consistindo em incentivo, sob a perspectiva da teoria econômica do crime, às condutas lesivas ao meio ambiente. Nesse sentido, exigir que a autoridade ambiental comprove que o veículo é utilizado específica, exclusiva, reiterada ou rotineiramente para a prática de delito ambiental caracteriza verdadeira prova diabólica, tornando letra morta a legislação que ampara a atividade fiscalizatória. Ainda que se trate de bem locado ao real infrator, a apreensão do bem não representa injusta restrição a quem não deu causa à infração ambiental, permitindo, por outro lado, trazer o risco da exploração da atividade econômica a quem a exerce. Seja em razão do conceito legal de poluidor, seja em função do princípio da solidariedade que rege o direito ambiental, a responsabilidade administrativa pelo ilícito recai sobre quem, de qualquer forma, contribuiu para a prática da infração ambiental, por ação ou omissão. Após a medida de apreensão, a autoridade administrativa oportunizará o direito de defesa ao proprietário do bem antes de decidir sobre sua destinação. Cumpre ao proprietário do veículo comprovar sua boa-fé, demonstrando que, pelas circunstâncias da prática envolvida e apesar de ter tomado as precauções necessárias, não tinha condições de prever a utilização do bem no ilícito ambiental. Ademais, aquele que realiza a atividade de locação de veículos deve adotar garantias para a prevenção e o ressarcimento dos danos causados pelo locatário. Não é possível admitir que o Judiciário comprometa a eficácia da legislação ambiental e impeça a apreensão do veículo tão somente porque o instrumento utilizado no ilícito originou-se de um contrato de locação, cessão ou de qualquer outro meio juridicamente previsto.

TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.803.278-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/10/2019, DJe 05/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Contrato de locação comercial. Reajuste de aluguéis. Cobrança de valores retroativos. Impossibilidade. Boa-fé objetiva. Supressio. Notificação extrajudicial do locatário. Atualização do valor do aluguel. Cabimento.
DESTAQUE
A inércia do locador em exigir o reajuste dos aluguéis por longo período de tempo suprime o direito à cobrança de valores pretéritos, mas não impede a atualização dos aluguéis a partir da notificação extrajudicial encaminhada ao locatário.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente cumpre salientar que a configuração da supressio exige 3 (três) requisitos: a) inércia do titular do direito subjetivo, b) decurso de tempo capaz de gerar a expectativa de que esse direito não mais seria exercido e c) deslealdade em decorrência de seu exercício posterior, com reflexos no equilíbrio da relação contratual. Extrai-se do aresto recorrido que o locador não gerou a expectativa no locatário de que não mais haveria a atualização do valor do aluguel durante todo o período da locação comercial (vinte anos), mas que apenas não seria exigida eventual diferença no valor já pago nos 5 (cinco) anos anteriores à notificação extrajudicial. Nesse contexto, impedir o locador de reajustar os aluguéis pode provocar manifesto desequilíbrio no vínculo contratual, dado o congelamento do valor pelo tempo restante da relação locatícia. Em vista disso, a aplicação da boa-fé objetiva não pode chancelar desajustes no contrato a ponto de obstar o aumento do valor do aluguel pelo tempo de 20 (vinte) anos. Não é razoável supor que o locatário tivesse criado a expectativa de que o locador não fosse mais reclamar o aumento dos aluguéis. Assim, o decurso do tempo não foi capaz de gerar a confiança de que o direito não seria mais exercitado em momento algum do contrato de locação. Nesse cenário, suprimir o direito do locador de pleitear os valores pretéritos, inclusive em decorrência do efeito liberatório da própria quitação, e permitir a atualização dos aluguéis após a notificação extrajudicial é a medida que mais se coaduna com a boa-fé objetiva.

PROCESSO
REsp 1.798.705-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Questão preliminar. Julgamento não unânime. Art. 942, caput, do CPC/2015. Técnica de ampliação do colegiado. Inobservância. Nulidade.
DESTAQUE
Aplica-se a técnica de ampliação do colegiado quando não há unanimidade no juízo de admissibilidade recursal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Consoante entendimento de ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/1973, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença. Ademais, o art. 942 do CPC/2015 não determina a ampliação do julgamento apenas em relação às questões de mérito, incluindo também as questões preliminares relativas ao juízo de admissibilidade do recurso. No caso, o Tribunal de origem, ao deixar de ampliar o quórum, diante da ausência de unanimidade com relação à preliminar de não conhecimento da apelação interposta de forma adesiva, inobservou o enunciado normativo inserto no art. 942 do CPC/2015, sendo de rigor declarar a nulidade por error in procedendo.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.203.968-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/10/2019, DJe 23/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
TEMA
Poder familiar. Pedido de perda ou suspensão. Legitimidade ativa. Vínculo familiar ou de parentesco. Desnecessidade. Legítimo interesse. Art. 155 do ECA. Análise do caso concreto. Melhor interesse da criança.
DESTAQUE
A existência de vínculo familiar ou de parentesco não constitui requisito para a legitimidade ativa do interessado na requisição da medida de perda ou suspensão do poder familiar.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No procedimento para a perda ou a suspensão do poder familiar, depreende-se do art. 155 do ECA uma legitimação ativa concorrente atribuída ao Ministério Público e a quem tenha o legítimo interesse. O legislador ordinário não procurou definir quem teria, em tese, o ''legítimo interesse" para pleitear a medida, tampouco fixou requisitos estanques para a legitimação ativa, tratando-se de efetivo conceito jurídico indeterminado. Em virtude disso, o legítimo interesse deve ser analisado com prudência, a partir do caso concreto, sendo desarrazoado estabelecer, de plano, que o adotante, por não possuir vínculo familiar com o menor, independentemente das circunstâncias fáticas que permeiam a situação, seja considerada parte ilegítima para o pedido. Assim sendo, é permitido ao julgador agir com certa discricionariedade para estabelecer quem, na hipótese em concreto, com amparo nos princípios da proteção integral e melhor interesse da criança possui o legítimo interesse para requerer a destituição do poder familiar.

sábado, 9 de novembro de 2019

RESUMO. INFORMATIVO 658 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 658 DO STJ.
PRIMEIRA SEÇÃO
PROCESSO
EREsp 1.575.846-SC, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por maioria, julgado em 26/06/2019, DJe 30/09/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL
TEMA
Desapropriação indireta. Ação indenizatória de direito real. Art. 1.238, caput ou parágrafo único, do Código Civil de 2002. Prescrição. Regra. Prazo decenal. Condicionado à construção de obras ou serviços de caráter produtivo. Presunção relativa. Prazo de 15 anos.
DESTAQUE
O prazo prescricional para a ação indenizatória por desapropriação indireta é de 10 anos, em regra, salvo comprovação da inexistência de obras ou serviços públicos no local, caso em que o prazo passa a ser de 15 anos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A desapropriação indireta retrata situação fática em que a Administração, sem qualquer título legítimo, ocupa indevidamente a propriedade privada. Incorporado de forma irreversível e plena o bem particular ao patrimônio público, resta ao esbulhado apenas a ação indenizatória. Quanto ao prazo prescricional, deve ser analisada a aplicabilidade do parágrafo único ou do caput do art. 1.238 do Código Civil de 2002 às hipóteses de desapropriação indireta. Segundo a norma: "Art. 1.238: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único: O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". No acórdão embargado, da Primeira Turma, o prazo prescricional é de 15 anos, na medida em que o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil destina-se especificamente a regular os direitos do posseiro particular que ocupa o imóvel para uso residencial ou produtivo. Já no acórdão paradigma, da Segunda Turma, o prazo de 10 anos do referido dispositivo é plenamente aplicável à desapropriação indireta, por presumir-se a implementação pelo Poder Público de obras ou serviços de utilidade pública ou interesse social. A jurisprudência conferiu a essa ação indenizatória caráter de direito real, equiparando seu prazo prescricional ao da ocorrência de usucapião em favor do ente público. Assim, a adoção das regras de Direito Privado decorre unicamente de construção jurisprudencial. Para a aplicação ao Direito Administrativo de normas do Código Civil de 2002 destinadas a regular relações estritamente particulares, é preciso interpretá-las de forma temperada. No caso da desapropriação indireta, inexiste sequer norma positiva no Direito Administrativo, não podendo se exigir da lei civil essa disposição. Todo o sentido do Código Civil é pela ponderação entre os direitos de propriedade do particular e o interesse coletivo. No equilíbrio entre eles, está a função social da propriedade. Assim, plenamente aplicável o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil às hipóteses de desapropriação indireta, por presunção de haver o Estado implantado obras ou serviços de caráter social ou utilidade pública. A presunção é relativa, podendo ser afastada pela demonstração efetiva de inexistência referidas obras ou serviços. Em regra, portanto, o prazo prescricional das ações indenizatórias por desapropriação indireta é decenal. No entanto, admite-se, excepcionalmente, o prazo prescricional de 15 anos, caso concreta e devidamente afastada a presunção legal.
SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
REsp 1.656.182-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 11/09/2019, DJe 14/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Ação civil pública. Entrega de produtos e restituição de valores pelo exercício do arrependimento. Imposição de multa moratória em contrato de adesão. Impossibilidade. Limites da intervenção estatal.
DESTAQUE
É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cuida-se de ação civil pública em que se pretende impor obrigação à recorrente de incluir, em seus contratos de consumo, multa de 2% sobre o valor da venda, caso seja descumprido prazo de entrega, bem como na hipótese de não devolução imediata do preço pelo exercício do direito de arrependimento. É fato que um dos objetivos do CDC é reequilibrar as relações de consumo, reconhecendo a posição de hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor, a qual pode se manifestar de diversas formas. Para essa finalidade, a legislação dispõe de um grande acervo de regras e medidas, inclusive dispondo sobre a nulidade de cláusulas contratuais livremente estabelecidas na aquisição de produtos ou serviços. Percebe-se, assim, uma clara relativização da liberdade contratual no bojo das relações de consumo: aplica-se o milenar princípio pacta sunt servanda até o momento em que se detecta a presença de cláusula abusiva ao consumidor. No entanto, deve-se ter em mente que a relativização desse princípio não significa sua extinção. Dessa maneira, enquanto não houver abusos, fornecedores e consumidores dispõem de uma grande margem de liberdade para a celebração de diferentes formas de contrato. É importante frisar que a imposição de multa moratória para a hipótese de atraso no pagamento da compra é revertida, sobretudo, em favor da instituição financeira que dá suporte à compra dos produtos adquiridos a prazo pelo consumidor, quando da cobrança da respectiva fatura. Sob este ângulo, sequer há reciprocidade negocial a justificar a intervenção judicial de maneira genérica nos contratos padronizados. Além disso, não se desconhece a tese firmada recentemente pela Segunda Seção de que "no contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial" (Tema repetitivo 971). Todavia, não parece ser apropriado utilizar as razões de decidir do referido julgamento em sede de recurso repetitivo para o correto deslinde da presente controvérsia, pois tratam de realidades muito distintas, com impactos diferenciados sobre o consumidor. Como regra, bens de consumo duráveis, se comparados com bens imóveis, possuem valores reduzidos, o que reduz na mesma proporção o impacto negativo das cláusulas penais aplicadas sobre seu preço. Além disso, bens de consumo duráveis não contam com a essencialidade que os bens imóveis possuem para aqueles que os adquirem, sendo muitas vezes o projeto de toda uma vida. De qualquer ângulo, percebe-se que é indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo, pois além de violar os princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade, a própria legislação já prevê mecanismos de punição daquele que incorre em mora.

PROCESSO
REsp 1.610.728-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/10/2019, DJe 14/10/2019 (Tema IAC 4)
RAMO DO DIREITO
DIREITO MARCÁRIO
TEMA
Propriedade intelectual. Soja roundup ready. Transgenia. Limitações do art. 10 da Lei n. 9.456/1997 (Lei de Proteção de Cultivares - LPC). Inoponibilidade ao titular de proteção patentária. Sistemas protetivos distintos. Princípio da exaustão. Inaplicabilidade. Tema IAC 4.
DESTAQUE
As limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei n. 9.456/1997 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade intelectual, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas. A Lei n. 9.456/1997 (Lei de Proteção aos Cultivares - LPC) prevê situações em que, como forma de conferir equilíbrio à exclusividade outorgada pelo Certificado de Proteção de Cultivar, são impostas certas limitações à proteção dos direitos do melhorista. É o caso do chamado "privilégio do agricultor". Trata-se de exceção que confere aos agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não configurem exploração comercial à variedade vegetal protegida. Por outro lado, a Lei de Propriedade Industrial (LPI) – em consonância com as diretrizes traçadas no plano internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal de 1988 – autoriza o patenteamento de micro-organismos transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário para sua utilização. Ressalta-se que patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta. A marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dentre outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de duração do privilégio. O art. 2º da LPC impede o que se convencionou chamar de dupla proteção. Isso quer dizer que uma mesma variedade vegetal não pode ser protegida simultaneamente por uma patente e por um direito sui generis, tal qual o direito de proteção de cultivares. Ocorre que o âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado. Pelo princípio da exaustão, em regra, uma vez que o adquirente tenha obtido o produto colocado licitamente no mercado, com o consentimento do titular, esgota-se o direito de patente sobre aquele produto específico e, via de consequência, não mais poderão ser opostas, dali em diante, a quem quer que seja, as vedações do art. 42 da LPI na futura exploração comercial do bem. Todavia, a parte final do inc. VI do art. 43 da LPI expressamente prevê que não haverá exaustão na hipótese de o produto patenteado ser "utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa". O "privilégio do agricultor" previsto na LPC, portanto, não é oponível ao titular de patentes de produto e/ou processo na hipótese de ser utilizada a matéria viva a elas relacionada para fins de multiplicação ou propagação comercial, pois não se trata de limitação estabelecida aos direitos tutelados pelo regime jurídico sobre o qual está assentado o sistema de patentes adotado pelo Brasil.
SEGUNDA TURMA
PROCESSO
REsp 1.765.707-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/08/2019, DJe 11/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO ADMINISTRATIVO
TEMA
Enfiteuse. Transmissão de obrigação. Multa. Art. 116, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946. Prescrição. Termo inicial. Ciência da transferência do aforamento pela União. Averbação do título na Secretaria de Patrimônio da União.
DESTAQUE
O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-Lei n. 9.760/1946 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Os terrenos de marinha que são objeto de aforamento são regidos por legislação própria, de sorte que a alienação do domínio útil de imóveis da União submetido ao regime enfitêutico somente ocorre após verificado que o transmitente está em dia com as obrigações no patrimônio da União e depois de pago o laudêmio. O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-Lei n. 9.760/1946 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas, pois a transferência de aforamento somente ocorre após a averbação, no órgão local da Secretaria de Patrimônio da União, do título de aquisição já registrado no Registro de Imóveis. Assim, a comunicação à Secretaria de Patrimônio da União é o momento em que a União toma conhecimento da alienação, sendo irrelevante a data em que emitida a Declaração de Operação Imobiliária, prevista pelos artigos 15 do Decreto-Lei n. 1.510/1976 e 8º da Lei n. 10.426/2002.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 10/10/2019, DJe 17/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Assédio processual. Abuso do direito de ação e de defesa. Ajuizamento sucessivo e repetitivo de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso. Reconhecimento como ato ilícito. Possibilidade.
DESTAQUE
O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente cumpre salientar que é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo. Especificamente dos precedentes formados nos Estados Unidos da América, que se extrai fundamentação substancial para coibir o abusivo do exercício do direito de peticionar e de demandar, isto é, para a proibição do que se convencionou chamar de sham litigation. A despeito de a doutrina da sham litigation ter se formado e consolidado enfaticamente no âmbito do direito concorrencial, absolutamente nada impede que se extraia, da ratio decidendi daqueles precedentes que a formaram, um mesmo padrão decisório a ser aplicado na repressão aos abusos de direito material e processual, em que o exercício desenfreado, repetitivo e desprovido de fundamentação séria e idônea pode, ainda que em caráter excepcional, configurar abuso do direito de ação. No caso, é fato incontroverso que os recorridos efetivamente se utilizaram de área, ocupada com base em procuração falsa, para o desenvolvimento de cultura agrícola, em flagrante prejuízos aos proprietários, por longas décadas, valendo-se, para atingir esse objetivo, de sucessivas e reiteradas ações judiciais desprovidas de fundamentação idônea. A longa batalha enfrentada pelos herdeiros até a efetiva retomada das suas terras teve início há décadas e perdurou por longos anos, com todos os entraves possíveis e com o uso abusivo do direito de acesso à justiça.

PROCESSO
REsp 1.785.754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
TEMA
Adoção. Idade. Diferença Mínima. Art. 42, § 3º, do ECA (Lei n. 8.069/1990). Flexibilização. Possibilidade. Princípio da socioafetividade.
DESTAQUE
A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção (art. 42, § 3º, do ECA). No entanto, a adoção é sempre regida pela premissa do amor e da imitação da realidade biológica, sendo o limite de idade uma forma de evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção.

PROCESSO
REsp 1.717.387-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 15/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Reconhecimento pelo STJ de matéria repetitiva. Suspensão do processo na origem. Decisão interlocutória que resolve o requerimento de distinção. Agravo de instrumento. Cabimento. Art. 1.037, § 13, I, do CPC/2015.
DESTAQUE
Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na vigência do CPC/1973, o STJ consolidou entendimento de que a decisão que determinava o sobrestamento dos recursos extraordinários e recursos especiais repetitivos não selecionados como paradigmas era irrecorrível. No entanto, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, houve uma severa mudança de entendimento a partir do disposto no art. 1.037, § 13, inciso I, que prevê o agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que resolve o requerimento de distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado (§ 9º), no caso de sobrestamento de processos em razão de recursos repetitivos.

PROCESSO
REsp 1.669.968-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Ação monitória. Cheque prescrito. Perda dos atributos cambiários. Possibilidade de oposição de exceção pessoal.
DESTAQUE
É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Enquanto títulos de crédito, os cheques são regidos, dentre outros, pelo princípio da autonomia. Desse princípio, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/1985). Entretanto, prescrito o cheque, não há mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. Inclusive, em razão da prescrição do título de crédito, a pretensão fundar-se-á no próprio negócio subjacente, inviabilizando a propositura de ação de execução. Assim, perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. Ressalte-se que tal entendimento vai ao encontro da jurisprudência firmada nesta Corte Superior no sentido de que, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para a admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito (Súmula 531/STJ), nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi. Isso significa que, embora não seja necessário debater a origem da dívida, em ação monitória fundada em cheque prescrito, o réu pode formular defesa baseada em eventuais vícios ou na inexistência do negócio jurídico subjacente, mediante a apresentação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.221.372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2019, DJe 21/10/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Impenhorabilidade do bem de família. Construção de imóvel residencial. Contrato de empreitada. Exceção caracterizada. Art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990.
DESTAQUE
O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.009/1990, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. Para os efeitos estabelecidos no citado dispositivo legal, o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. Em todas essas situações, dá-se a constituição de uma operação de crédito, efetiva dívida para a aquisição/construção do imóvel na modalidade parcelada.