quinta-feira, 27 de novembro de 2008

RESUMO. INFORMATIVO 377 DO STJ.

SÚMULA N. 365-STJ.
A intervenção da União como sucessora da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) desloca a competência para a Justiça Federal ainda que a sentença tenha sido proferida por Juízo estadual. Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 19/11/2008.
SÚMULA N. 366-STJ.
Compete à Justiça estadual processar e julgar ação indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado falecido em acidente de trabalho. Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 19/11/2008.
SÚMULA N. 367-STJ.
A competência estabelecida pela EC n. 45/2004 não alcança os processos já sentenciados. Rel. Min. Eliana Calmon, em 19/11/2008.
DANO MORAL. DIPLOMA. ATRASO. UNIVERSIDADE.
A Turma, ao renovar o julgamento, por maioria, proveu em parte o recurso, considerando cabível a fixação de indenização dos danos morais devida às autoras pelo prejuízo sofrido com a demora na entrega de diploma por instituição de ensino superior, pois caracterizada a responsabilidade objetiva por desídia da universidade na regularização de sua situação junto ao MEC, o que, conseqüentemente, retardou o chancelamento do curso. REsp 631.204-RS, Rel. originário Min. Castro Filho, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/11/2008.
INJÚRIA. DANOS MORAIS. JUÍZ. IMUNIDADE. ADVOGADO. CLIENTE.
A Turma entendeu tipificado o crime de injúria, pois constatado que as expressões ofensivas utilizadas pelo causídico ultrapassaram os limites do tratamento admissível no meio forense, não se tratando apenas de mera deselegância e faltosa urbanidade para com o magistrado. Outrossim, cabíveis os danos morais com o aumento do quantum devido, mormente por ser incabível invocar a imunidade conferida no exercício da advocacia, já que o art. 7º, § 2º, do Estatuto da Advocacia, que dá concretude ao art. 133 da CF/1988, não é absoluto a ponto de isentar o advogado pelos excessos de linguagem, enquanto vocifera impropérios em afronta à honra de qualquer pessoa, desbordando da conduta por sua posição na condução do processo. Ademais, é de se afastar a responsabilidade solidária do cliente-contratante, que, somente em casos excepcionais, responderia pela conduta do advogado contratado, caso demonstrada sua culpa in eligendo. Precedentes citados: REsp 151.840-MG, DJ 23/8/1999; REsp 163.221-ES, DJ 8/5/2000; REsp 357.418-RJ, DJ 10/3/2003, e REsp 579.157-MT, DJ 11/2/2008. REsp 932.334-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/11/2008.
AÇÃO POSSESSÓRIA. PERDAS E DANOS. REINTEGRAÇÃO.
Nos autos de ação de manutenção de posse cumulada com perdas e danos ora em sede de recurso especial, os recorrentes indicam a contradição do acórdão recorrido, pois, enquanto, de um lado, reconheceu o caráter mandamental das ações possessórias (a permitir o cumprimento das respectivas sentenças a partir da expedição da ordem de ocupação, até de ofício), de outro, considerava nula a sentença que determinava a expedição de tal mandado por julgá-la extra petita. Porém, está consignado, nesse mesmo acórdão, que o cumprimento da sentença proferida na referida ação foi desmembrada em duas vertentes. Na primeira, incumbida da questão possessória propriamente dita, decidiu-se inviável a expedição do mandado de imissão na posse, pois a área a ser restituída ainda penderia de individualização, a ser feita em sede de liquidação. Já a outra, relativa às perdas e danos, requereu execução específica, por tratar-se de quantia líquida, cujos embargos são, agora, o objeto do recurso especial. Então, restringindo-se a execução ajuizada pelos recorrentes apenas à parte referente às perdas e danos, o juiz singular estava impedido de, na sentença de embargos, determinar a restituição da área (sob pena de multa diária), pois expedira ordem de cumprimento impossível, dada a necessidade de liquidação (transmudando a referida multa em pena compulsória), além de extrapolar os limites do título judicial executado. Dessarte, a declaração de nulidade da sentença por mácula ao art. 460 do CPC nada tem de incompatível ou contraditório com o reconhecimento da possibilidade de execução autônoma nas ações possessórias, caindo por terra a tese defendida pelos recorrentes. Anote-se, por último, que não se negou cumprimento à ordem reintegratória, visto que se decidiu somente que os embargos à execução da parte relativa às perdas e danos não seriam próprios para aquele fim. REsp 1.000.956-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 18/11/2008.
FALÊNCIA. INDENIZAÇÃO. SÚM. N. 207-STJ.
O banco, lastreado em duas notas promissórias, declarava-se credor da importância de duzentos mil dólares e requereu a falência da companhia industrial tida por devedora. O juízo singular acabou por afastar a liquidez e certeza desse crédito e exarou sentença de improcedência do pleito falimentar, condenando o banco ao pagamento de indenização (atualmente em quatrocentos milhões de reais) a título de perdas e danos (art. 20 do DL n. 7.661/1945). Ambas as partes apelaram e o TJ, por maioria, reformou parcialmente a sentença para afastar a condenação imposta e majorar os honorários advocatícios. Opostos embargos de declaração por ambas as partes, os da companhia foram rejeitados por unanimidade, enquanto os do banco também o foram, mas por maioria. No acórdão, um dos desembargadores (voto divergente), modificava completamente seu entendimento (firmado quando da apelação), para ter como improcedente o pedido inicial. Novos aclaratórios foram ajuizados pelo banco. Esses também tiveram o mesmo destino, a negativa de provimento, mas com a aplicação da multa de 10% sobre o valor da causa, dado seu caráter protelatório. Daí o REsp do banco, que só subiu por força de provimento a agravo de instrumento. Diante disso, em preliminar, vê-se que o condicionamento da interposição de recurso ao pagamento de multa (art. 538, parágrafo único, do CPC) é admitido quando da oposição dos segundos declaratórios tidos por protelatórios, o que não é o caso dos autos, apesar de o banco ter depositado a referida quantia. Verifica-se, também, a preclusão da decisão do Ag que determinou a subida do REsp. Por outro lado, não se aplica ao caso a Súmula n. 207-STJ, visto que os aclaratórios em questão não receberam efeitos infringentes, pois foram improvidos, apesar da modificação do posicionamento de um dos desembargadores (sem efeito integrativo), como já dito, não existindo qualquer alteração no julgamento unânime proferido anteriormente; sequer se suprimiu omissão, obscuridade ou contradição. Dessarte, a fundamentação do acórdão embargado permaneceu hígida, daí não se mostrarem necessários ou mesmo cabíveis os infringentes. Entender viável a interposição de infringentes do julgamento não-unânime dos declaratórios pela simples existência de divergência é conferir interpretação extensiva à lei processual e criar óbice não previsto por ela à abertura da instância especial. Outrossim, não se deve exigir do banco a alegação de violação do art. 535 do CPC, pois o voto divergente foi-lhe favorável, a revelar sua falta de interesse. Quanto ao mérito, é consabido que o parágrafo único do art. 20 do DL n. 7.661/1945 exige a configuração de culpa ou abuso para a respectiva condenação e que o art. 159 do CC/1916 permitia entrever serem necessárias as demonstrações do elemento subjetivo e do nexo de causalidade, a afastar o simples ajuizamento de pedido de falência ou a mera improcedência do pleito como fundamentos à referida indenização. No caso, o desembargador relator do acórdão recorrido, sem estabelecer a devida pertinência lógica entre seus fundamentos e sua conclusão, acabou por reconhecer haver nexo de causalidade e culpa. Contudo, vê-se constar dos autos, nas premissas firmadas de forma coerente nas instâncias ordinárias, a inexistência de culpa, dolo ou nexo causal, o que impediria o acolhimento do pedido indenizatório. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, ao prosseguir o julgamento após sua renovação, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, para julgar improcedente o pedido indenizatório e condenar a companhia ao pagamento de custas e honorários advocatícios (art. 20, § 4º, do CPC) no valor de cinco mil reais, corrigidos até o pagamento. Precedentes citados do STF: RE 64.706-RJ, DJ 29/10/1968; EDcl no AgRg no AI 653.882-SP, DJ 19/9/2008; do STJ: REsp 710.207-PR, DJ 20/6/2008; AgRg no Ag 76.653-DF, DJ 30/10/1995; EDcl no AgRg no Ag 837.439-SP, DJ 3/11/2008; EDcl no RMS 26.340-MS, DJ 20/10/2008; REsp 132.349-SP, DJ 3/11/1998; REsp 226.030-SP, DJ 16/11/1999, e EDcl no REsp 665.561-GO, DJ 26/9/2005. REsp 512.399-PE, Rel. originário Min. Cesar Asfor Rocha, Rel. para acórdão Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 18/11/2008.
SEGURO. ACIDENTE. TRATOR.
Trata-se de ação de cobrança de seguro DPVAT por acidente que vitimou o filho dos autores, pagamento que foi recusado pela ausência de elementos a respeito do veículo causador do sinistro, trator que operava em fazenda na atividade agrícola. A ora recorrente alega, entre outras coisas, não haver previsão de cobertura de seguro obrigatório em acidentes provocados por tratores, que são veículos de licenciamento facultativo; portanto, somente nessa hipótese, fariam jus os recorridos à indenização. Diante disso, a Turma entendeu que, relativamente ao descabimento da indenização, não prospera o inconformismo da recorrente, visto que, no caso, é desimportante se cuidar de trator de utilização em fazenda ou não ter havido o pagamento do prêmio do seguro, restando mantido o acórdão a quo que entendeu devida a cobertura. Precedente citado: REsp 11.889-PR, DJ 22/6/1992. REsp 665.282-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 20/11/2008.
DANOS MORAIS. ADVOGADO. IMUNIDADE.
Trata-se de ação ordinária de reparação por danos morais em que o autor (advogado) ora recorrente alega, entre outras coisas, ter o recorrido (também advogado) lhe imputado conduta definida como crime de constrangimento ilegal, além de outros fatos que lhe ofenderam a reputação. Em apelação, manteve-se a sentença desfavorável ao recorrente ao argumento de que o recorrido apenas levou ao conhecimento do julgador a versão apresentada pela cliente. No REsp, o recorrente sustenta que, embora a imunidade profissional assegure ao advogado liberdade no exercício da profissão, ela não é absoluta e não protege os excessos perpetrados pelo advogado em suas manifestações, especialmente quando ele ataca os demais partícipes da relação processual. Nesse contexto, a Turma conheceu do REsp e lhe deu provimento, reiterando o entendimento de que a inviolabilidade do advogado não é absoluta, estando adstrita aos limites da legalidade e da razoabilidade. Logo, excessos cometidos pelo profissional em face das demais pessoas envolvidas no processo não são cobertos pela imunidade profissional prevista no Estatuto da Ordem, podendo o advogado ser responsabilizado pelos danos que provocar no exercício de sua atividade. No caso, tampouco socorre o ora recorrido a alegação central da sentença e do acórdão de que houve reprodução, pelo advogado, de declaração pública da cliente. Deveras, se assim fosse, bastaria que se repetisse o que um incapaz pronunciasse, para se escoimar qualquer pecha de ofensa. A responsabilidade daquele que escreve um documento e o torna público em um processo, assacando contra a honra de outrem, é de quem o subscreve, pouco importando se reproduz, ou não, as ofensas prolatadas pela sua cliente (art. 32, caput, da Lei n. 8.906/1994). Assim, verificou-se abuso de direito cometido pelo recorrido na defesa de sua cliente que, a pretexto de demonstrar o direito da parte, excedeu-se em suas atribuições, imputando ao recorrente atos apontados como ilícitos, tecendo comentários ofensivos a sua pessoa. Passível, portanto, de reparação por danos morais, aos quais se deu o valor de R$ 10.000,00. Precedentes citados: REsp 163.221-ES, DJ 5/8/2002; REsp 1.022.103-RN, DJ 16/5/2008, e AgRg no Ag 657.289-BA, DJ 5/2/2007. REsp 988.380-MG, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 20/11/2008.
SEPARAÇÃO. CONVERSÃO. DIVÓRCIO. PARTILHA.
Trata-se de conversão de separação em divórcio, sendo incontroverso o decurso de tempo exigido pela lei. Alega a recorrente que o recorrido não adimpliu a obrigação firmada em acordo, qual seja, a transferência do imóvel do casal para a ex-esposa e seus filhos. Frente a isso, a Turma não conheceu do recurso por entender correto o acórdão a quo, no qual se assentou que as disposições do art. 36, II, da Lei n. 6.515/1977 continuam exigíveis em face da CF/1988, desde que as obrigações firmadas no acordo de separação não possam ser reclamadas por outros meios. Logo, como a autora, ora recorrente, poderia utilizar-se de ação própria para exigir aquela obrigação de fazer assumida pelo autor, ora recorrido, em ato de deliberação de partilha, incabível a invocação do referido dispositivo legal para impedir a decretação do divórcio. Ademais, no acordo de separação, homologado judicialmente, foi definida a partilha dos bens do casal. Contudo, a pendência referente à transferência do bem imóvel não configura causa impeditiva para a conversão, salvo demonstrado grave prejuízo. Precedentes citados: REsp 663.955-PE, DJ 23/5/2005, e REsp 236.225-DF, DJ 2/2/2004. REsp 207.682-SP, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 20/11/2008.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

DIREITOS AUTORAIS. INTERESSANTE ARTIGO DE RODRIGO MORAES (BA).

Ó PAÍ, Compositores!
Publicada em 25/11/2008
Autor: Rodrigo Moraes, advogado, compositor e Presidente da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Lazer da OAB-BA. E-mail: rodrigo@rodrigomoraes.adv.br.
No dia 31 de outubro de 2008, estreou, na TV Globo, o primeiro episódio do seriado Ó PAÍ, Ó, uma continuação do filme homônimo de Monique Gardenberg, que traz no elenco o excelente Bando de Teatro Olodum. Gostaria, aqui, de registrar minha percepção sobre como o tema Direito Autoral foi abordado.
Eis uma breve sinopse do episódio, dirigido por Mauro Lima. Neusão (Tânia Toko), a “gata-macho” proprietária do bar mais badalado do Pelourinho, briga com Queixão (Matheus Nachtergaele), porque este monta uma “isoposada” na porta de seu estabelecimento, para a venda de cerveja por um preço 50% menor, afugentando, assim, sua clientela.
A concorrência desleal é criticada por Neusão. Afinal de contas, Queixão não paga impostos, empregados etc. O mercado informal é condenado por ela com veemência, que o denomina de “mercado negro”. Ao ouvir tal expressão, hoje politicamente incorreta, o cantor e compositor Roque (Lázaro Ramos) diz que “o mercado não é negro; ele é branco”.
Afirma: “isso aí [o vocábulo “negro”] é simbólico”. Na visão do personagem, portanto, a expressão contém, simbolicamente, preconceito racial, assim como outras (“lista negra”, “caixa preta”, etc.). Segundo Roque, o mercado é branco. O compositor, então, inspira-se e cria a canção de protesto Mercado Branco, que aborda essa séria temática do preconceito.Descontente com a concorrência desleal de Queixão, a dona do bar promove um show com a participação de Roque.
O intuito do show foi exatamente esse: angariar clientela, ajudar a pagar as dívidas do estabelecimento. Pois bem. Após o término da apresentação, surge uma personagem que se apresenta de maneira arrogante e caricaturada: “Boa noite. Fiscal de arrecadação de direitos”. Neusão, inconformada, responde: “Ó paí, rapaz, cada dia aparece um malandro com uma sigla nova, querendo morder um troco de quem está duro...”. A fiscal afirma: “Sabia que pra senhora executar música aqui precisa pagar direitos autorais?” Neusão rebate: “Isso aqui é uma comemoração em família”. A fiscal contesta: “Família? A senhora quer dizer que esse povo todo aqui é irmão, é genro, é cunhado da senhora?”. Roque, cantor e compositor, indignado, diz que a fiscal de arrecadação é uma “burocrata”.
O taxista Reginaldo (Érico Brás), então, malandramente, tenta “conquistar” (leia-se subornar) a fiscal, oferecendo-lhe cerveja e acarajé. Ela confessa explicitamente que é corrupta, nos seguintes termos: “Meu camarada, eu só aceito em espécie”. Então, Reginaldo põe na mão da fiscal desonesta uma cédula de R$ 50,00. Mais uma vez, funciona o velho “cala-boca”, o famoso “jeitinho brasileiro”.
Obviamente, a TV Globo fez uma crítica ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), órgão criado com a Lei 5.988/73. O nome ECAD não foi dito expressamente, mas todos captaram a mensagem que a TV Globo tentou incutir na mente de milhares e milhares de brasileiros. Não poderia ser outro órgão, porque somente ele tem legitimidade para efetuar a cobrança de direitos autorais decorrentes de execução pública. A mensagem subliminar merece uma análise. A fiscal não poderia ter sido chamada de “burocrata”, porque o ECAD é um órgão privado, uma associação civil. Burocrata só pode ser quem trabalha na Administração Pública. E o ECAD é um órgão privado, que faz a cobrança através de depósito bancário, como determina o art. 99, §3º da Lei Autoral.
Mas por que será que a Globo quis fazer chacota com tema tão sério? A resposta é óbvia: ela é uma grande usuária de música e, ordinariamente, é refratária no pagamento. Costuma não querer pagar. Costuma resistir ao máximo. Atualmente, inclusive, encontra-se sub judice, num processo que se encontra no Supremo Tribunal Federal (STF). A Globo recusa-se a pagar 2,5% de seu faturamento a título de direitos autorais. Então, utiliza o seu poder de conquistar a massa, jogando a sociedade contra a parte ex adversa. A opinião pública, em sua grande maioria, captou de maneira inconsciente a mensagem, que tentou denegrir o ECAD. Aliás, retifico: a mensagem tentou ferir a imagem do ECAD, porque “denegrir” é vocábulo considerado politicamente incorreto, ao menos aqui na Cidade do Salvador, pois associa (“simbolicamente”) o negro a algo negativo.
Ficou subentendido o seguinte: a TV Globo quis desmoralizar o ECAD. O significado da mensagem surgiu de forma implícita, sutil, lúdica, cômica, criativa. Mensagem subliminar é algo que precisa ser analisado com muito cuidado. Lembrei-me daquela canção de Lulu Santos e Nelson Motta: “Eu gosto tanto de você, que até prefiro esconder. Deixo assim ficar subentendido...” A TV Globo deixou algo subentendido. Não o seu amor pelo Escritório Central. Deixou subentendido, sim, uma inverdade: que o ECAD é um órgão nocivo, que atrapalha a cultura e prejudica os autores.
Curioso é que, ao conseguir obter o dízimo de Dona Joana, o pastor dirige-se ao bar de Neusão e aluga um microfone para o show de uma cantora gospel. Indaga-se: por que Neusão não emprestou o microfone gratuitamente? Por que cobrar pelo empréstimo? Não seria tal conduta um empecilho à cultura, à difusão da música? Ora, então por que os autores têm de “emprestar” (autorizar) gratuitamente suas canções?
Ademais, a TV Globo esqueceu de dizer, nos créditos, que a música Mercado Branco, interpretada por Roque (Lázaro Ramos) e que deu título ao primeiro episódio, é de autoria do compositor de reggae baiano Edson Gomes. O crédito não foi dado, o que consiste em violação explícita ao direito moral do autor de ter o seu nome designado na utilização de sua obra (Lei nº 9.610/98, art. 24, II e art. 108). O autor Edson Gomes faz jus a uma ação indenizatória contra a Globo, conforme lhe autoriza a Lei. O nome de Edson Gomes sequer consta nos créditos do site oficial da Rede Globo (www.opaio.globo.com). Por que será? Será que o compositor nacional é, de fato, devidamente valorizado por essa importante emissora? Os compositores precisam ter consciência de que há diversos projetos de lei, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, tentando desobrigar o pagamento de direitos autorais ao ECAD. Ei-los: PL 3548/2008, PL 1550/2007, PL 860/2007, PL 818/2007, PL 793/2007, PL 752/2007, PLS 627/2007, PL 6226/05, PL 5943/05, PL 5831/05, PL 5105/05, PL 4811/05, PLS 221/04, PL 2290/03, PL 1004/03, PLS 532/2003, PL 6.980/02, PL 6.136/02, PL 5.298/01, PL 4.499/01, PL 4.429/01, PL 1940/99, PL 1.557/99.
Indaga-se: qual o verdadeiro interesse desses parlamentares? Proteger os autores? Fomentar a cultura? Será? O personagem Queixão me faz afirmar que queixão é quem quer usar música sem nada pagar. Queixão é quem omite os nomes dos compositores na programação e, ainda, utiliza o slogan “Cidadania, a gente vê por aqui”. Queixão é chamar um órgão de corrupto, para tentar legitimar a inadimplência. Por fim, lembrei-me, também, de que Ó PAÍ, Ó é fruto do talento criativo do dramaturgo e diretor teatral Marcio Meirelles, atual Secretário de Cultura do Estado da Bahia. Uma das principais metas da SECULT, segundo o ilustre Secretário, é “interiorizar” a cultura. Diversos municípios do interior baiano são inadimplentes em relação ao ECAD. Amargosa é campeã na inadimplência! Faz festas caríssimas de São João e não paga direitos autorais. O Estado cruza os braços e finge que não vê. A União, idem.
Ora, cabe à SECULT e, sobretudo, ao Ministério da Cultura, contribuir no fomento do respeito ao Direito Autoral. Por que não produzir, ao menos, um folder institucional dizendo que os Municípios devem, sim, respeitar a Lei 9.610/98, vigente Lei de Direito Autoral?
Compositores, cuidado na hora de afirmar que os técnicos do ECAD querem “morder um troco de quem está duro”. Os mordedores são outros. E quem está dura, na verdade, não é a TV Globo. Dura, sim, é a situação de muitos compositores, prejudicados cotidianamente por diversos Queixões e Neusões empresários, prefeitos, donos de emissoras de rádio e televisão, hotéis, motéis, casas de show, restaurantes, bares...

domingo, 23 de novembro de 2008

BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. PROPOSTA LEGISLATIVA INTERESSANTE!!

Projeto amplia proteção contra penhora de bem de família
O Projeto de Lei 2455/07, do deputado Fernando de Fabinho (DEM-BA), elimina a possibilidade de penhora da residência de devedor em três casos:
- para cobrança de impostos predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
- para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
- por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Essas três exceções, que são revogadas pelo projeto, estão previstas na Lei 8.009/90. Conforme a lei, o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável e não responderá por nenhum tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei.
O projeto mantém as demais exceções previstas na lei, como o penhor para pagamento de pensão alimentícia.
O deputado argumenta que o objetivo da lei é proteger o imóvel usado como residência familiar. "Sendo assim, não se justifica que a mesma lei permita a penhora nesses três casos.
Não adianta o legislador oferecer a proteção com umamão e retirá-la com a outra", disse.
Segundo Fernando de Fabinho, é especialmente grave a hipótese do bem de família ser penhorado em virtude de fiança concedida em contrato de locação. "Pune-se quem praticou um ato de solidariedade e boa-fé, em detrimento do afiançado mau pagador", lamenta o parlamentar.
Tramitação
O projeto, que tramita em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Ele foi apensado ao PL 4728/98, do ex-deputado José Machado, que proíbe o oferecimento do único imóvel, que serve de abrigo à família do fiador, como garantia de locação.
Íntegra da proposta:- PL-2455/2007
Reportagem - Luiz Claudio Pinheiro
Edição - Natalia Doederlein
(Reprodução autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara')
Agência Câmara
Tel. (61) 3216.1851/3216.1852Fax. (61) 3216.1856

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

RESUMO. INFORMATIVO N. 376 DO STJ. VÁRIOS TEMAS: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, PERDA DA CHANCE, EFICÁCIA EXTERNA DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS

CONSÓRCIO. MÓVEIS. TAXA. ADMINISTRAÇÃO.
Quanto ao consórcio de bens móveis, o TJ entendia nula de pleno direito a cobrança de taxa de administração no valor de 19%, porque isso afrontava, não só o art. 51, IV, do CDC, como também o art. 42 do Dec. n. 70.951/1972 (regulamentou a Lei n. 5.768/1971), que a limitava a 10% no caso (bem mais valioso do que cinqüenta salários mínimos que não é de fabrico ou comércio da associação). Já a Seção adotou o entendimento da Quarta Turma de que essas administradoras de consórcio possuem total liberdade para fixar a respectiva taxa de administração (art. 33 da Lei n. 8.177/1991, que atribuiu ao Bacen competência para limitá-las, e Circular n. 2.766/1997 do Bacen, que determinou a fixação da taxa pela administradora no contrato de adesão do associado), não se tendo por ilegal ou abusiva a taxa fixada em percentual superior a 10%, tal como ocorre no presente caso. O Min. Aldir Passarinho Junior, reportando-se a seu voto vista em precedente, reiterou que, para a constatação da abusividade repudiada pelo CDC, há que se demonstrar, de modo cabal, que a taxa cobrada situa-se em patamar bastante acima do que usualmente cobrado pelas demais administradoras de consórcio, exigência semelhante à que se faz na apuração da abusividade das taxas de juros bancárias. Precedente citado: REsp 918.627-RS, DJ 11/2/2008. EREsp 927.379-RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgados em 12/11/2008.
INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DETENTO.
Detento cumprindo mandado de prisão ajuizou ação de indenização contra Estado-membro por sua manutenção em unidade prisional sem condições mínimas. As instâncias ordinárias reconheceram a culpa objetiva do ora recorrente (Estado-membro), que, no REsp, aponta divergência jurisprudencial neste STJ, a impossibilidade de indenização em razão de limitação de recursos orçamentários e ainda sustenta a falta de demonstração de culpa administrativa, por tratar-se de responsabilidade subjetiva. Para o Min. Teori Albino Zavascki (tese vencedora), duas premissas são importantes no julgamento deste recurso. A primeira: não está em questão o exame das condições do sistema carcerário brasileiro, mas apenas um específico estabelecimento prisional, em “estado caótico”, tal como reconhecido no acórdão recorrido; a segunda: não se negou a ocorrência do dano moral, mas apenas a responsabilidade civil do Estado pela respectiva indenização. Observa que, estabelecidas essas premissas, não há como deixar de dar provimento ao recurso, e o princípio da reserva do possível, que, nos votos vencidos, teria o significado da insuficiência de recursos financeiros, não pode ser invocado, numa dimensão reducionista, nas situações como as do caso concreto. Ressalta que o dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato dos agentes estatais ou pela sua inadequada prestação de serviços públicos decorre do art. 37, § 6º, da CF/1988, dispositivo auto-aplicável. Assim, ocorrendo o dano e estabelecido o nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado e, nesses casos, o dever de ressarcir. Lembra que, recentemente, a Turma assentou o entendimento de que o dever de proteção do Estado em relação aos detentos abrange, inclusive, protegê-los contra si mesmos e impedir que causem danos uns aos outros. Para o Min. Relator (vencido), seria indevida a indenização na hipótese, uma vez que o problema carcerário não decorre da má administração da coisa pública, mas de várias conjunturas sociais, bem como da indisponibilidade orçamentária, aspectos que devem ser sopesados com os direitos envolvidos no caso. Pelo exposto, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso. Precedentes citados: AgRg no Ag 986.208-MT, DJ 12/5/2008; REsp 847.687-GO, DJ 25/6/2007; REsp 713.682-RJ, DJ 11/4/2005, e REsp 944.884-RS, DJ 17/4/2008. REsp 1.051.023-RJ, Rel. originário Min. Francisco Falcão, Rel. para acordão Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 11/11/2008.
INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. MORTE. DETENTO.
Trata-se de ação de indenização por danos morais ajuizada pela mãe em razão da morte de seu filho, ocorrida dentro de uma cela de unidade prisional e provocada por outros detentos. O pedido foi julgado procedente nas instâncias ordinárias, condenando a Administração Pública estadual ao pagamento de indenização de dez mil reais e pensão na proporção de dois terços do salário mínimo até a idade presumida de 65 anos. Ressalta o Min. Relator que no caso, não se cuida de prova (Súm. n. 7-STJ), uma vez que não há discussão acerca das circunstâncias que levaram à morte o detento, sendo claro que foi ocasionada por outros presos dentro de uma cela. Manteve, assim, o posicionamento no sentido de que, na hipótese dos autos, não há qualquer envolvimento direto do agente do ente público a ensejar a respectiva indenização e de que não ficou demonstrada a culpa ou dolo da Administração, porque a morte do detento foi causada por outros presos. Para a tese vencedora, há culpa in vigilando da Administração (Estado-membro) que deve responder pelo evento danoso. Assim, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso do Estado-membro. REsp 936.342-ES, Rel. originário Min. Francisco Falcão, Rel. para acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 11/11/2008.
CONTRATO. SFH. EFICÁCIA. TERCEIROS.
Firmou-se contrato de mútuo habitacional (SFH) com o agente financeiro vinculado ao extinto BNH. Sucede que houve a cessão da posição contratual (devedor) por força de escritura de compra e venda na qual se ressalvava a existência de caução hipotecária dada ao BNH pelo agente financeiro, mediante endosso em cédula hipotecária. Então, os cessionários quitaram antecipadamente o saldo devedor, quitação essa passada pelo agente financeiro, autorizando-os a levantar o gravame hipotecário. Remanesceu, contudo, o direito real de caução sobre o crédito hipotecário. Porém, a CEF firmou contrato de novação com o agente financeiro (em liquidação extrajudicial) e adquiriu, entre outros, os direitos sobre a caução hipotecária constituída sobre o imóvel dos cessionários. Foi o inadimplemento do agente financeiro que gerou a pretensão de a CEF opor-se ao levantamento do gravame da caução, o que levou os cessionários a ingressar com ação ordinária contra a CEF, com o fito de liberá-los desse ônus real. Quanto a isso, veja-se que o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos (res inter alios acta) tem sofrido mitigações mediante a admissão de que os negócios entre as partes, eventualmente, podem interferir (positiva ou negativamente) na esfera jurídica de terceiros. Essas mitigações dão-se pela doutrina do terceiro cúmplice, a proteção do terceiro diante dos contratos que lhe são prejudiciais ou mesmo pela tutela externa do crédito. Porém, em todos os casos, sobressaem a boa-fé objetiva e a função social do contrato. No caso, a cessão dos direitos de crédito à CEF deu-se após o adimplemento da obrigação pelos cessionários, negócio que se operou inter partes (devedor e credor). Assim, o posterior negócio entre a CEF e o agente financeiro não tem força para dilatar sua eficácia e atingir os devedores adimplentes. Aflora da interpretação dos arts. 792 e 794 do CC/1916 a necessidade de que os cessionários sejam notificados da cessão do título caucionado, com o desiderato de não pagarem em duplicidade, assertiva compartilhada pelas instâncias ordinárias. No entanto, não há, nos autos, prova de que a CEF tenha promovido a notificação. Por último, vê-se que a Súm. n. 308-STJ tem aplicação analógica ao caso e que os princípios da boa-fé objetiva, função social e os relativos à proteção das relações jurídicas também impedem a responsabilização dos cessionários. Com esse entendimento, a Turma, conheceu em parte do recurso da CEF e, nessa parte, negou-lhe provimento. REsp 468.062-CE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 11/11/2008.
AÇÃO. INDENIZAÇÃO. CONSTRUTORA.
A autora argumenta que seu irmão faleceu no desmoronamento da laje do edifício em construção no qual trabalhava. Alega que dependia economicamente da vítima, sendo sua dependente perante o INSS e pleiteia o pagamento de pensão mensal, constituição de capital que garanta o referido pagamento e indenização por dano moral, que arbitra em 300 salários mínimos. O Tribunal a quo reconheceu a legitimidade ativa da autora, bem como a negligência da construtora como causa do acidente. Assim, condena a proprietária da obra a indenizar diretamente a autora, dando a ela, proprietária, o direito de requerer, em regresso, o ressarcimento devido pela construtora ou pela seguradora contratada, nos limites da apólice. A recorrente, em seu recurso, alega violação do art. 1.058 do CC/1916 porque o evento teria decorrido de caso fortuito ou força maior, consoante conclusão do laudo pericial. O Min. Relator conhecia e dava provimento ao recurso para restabelecer a sentença, respaldando a pretensão da recorrente, ao observar que a livre apreciação da prova pelo juiz não implica arbítrio. Ele está livre para afastar um elemento de prova ao decidir, mas desde que o substitua por outro elemento capaz de sustentar a versão que estabelecerá para os fatos sub judice. A Min. Nancy Andrighi, em seu voto-vista, concordou com o Min. Relator quando afirma que substituir um elemento de prova por mera suposição implicaria arbítrio. Entretanto, ponderou que o Tribunal de origem não pôs de lado o laudo pericial sem motivos, como pretendeu fazer crer o recorrente, mas declarou, de maneira expressa, por que o fazia: a) entendeu que o laudo seria contraditório em seus próprios termos, já que a proximidade entre o edifício que desmoronou e a praia indicaria uma fragilidade maior do solo, demandando cuidado adicional; b) considerou relevante a declaração de um operário de que o desmoronamento da estrutura anunciava-se já uma semana antes de ocorrer. O Instituto de Criminalística concluiu que o projeto do edifício era adequado. A causa do acidente, portanto, terá sido o inesperado adensamento do solo no ponto em que se localizava a viga que ruiu. Tal adensamento não foi instantâneo, foi progressivo, conforme se constata do laudo. Ainda que o cálculo da obra tenha sido inicialmente correto, nada impede que tal perda progressiva de resistência seja passível de observação pelos que ali trabalhavam e pelos engenheiros responsáveis. A declaração do operário ao jornal indica que ele havia notado que a escora se deteriorara, qualquer que fosse o motivo. Competiria ao engenheiro responsável, diante de qualquer anormalidade, paralisar a obra e verificar o fato. Para a Min. Nancy Andrighi, pode-se até argumentar que a versão adotada pelo acórdão recorrido não seja a mais adequada. Mas não é possível dizer que ela decorre de arbítrio no julgamento. Tudo o que o Tribunal fez foi apreciar, segundo seu livre convencimento, as provas dos autos. Por isso, é impossível a revisão da matéria nesta sede, por força do óbice da Súm. n. 7-STJ. Esclareceu, ainda, que a jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal é que o dono da obra responde, solidariamente com o empreiteiro, pelos danos decorrentes de sua construção ou de reforma. Também quanto à dependência econômica em relação à vítima, não cabe rever a matéria nesta instância especial por vedação da Súm. n. 7-STJ. REsp 267.229-RJ, Rel. originário Min. Ari Pargendler, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008.
SUCESSÃO EMPRESARIAL. RESPONSABILIDADE. DÍVIDA.
A recorrente, concessionária de transporte ferroviário, sustentou que não possui qualquer relação com a empresa que à época dos fatos explorava a rede ferroviária e que, em razão do acidente que vitimou o filho do recorrido, foi condenada a indenizá-lo. A recorrente não seria sucessora daquela, não absorveu parte de seu patrimônio e não tem qualquer ligação com aquela companhia. A questão analisa a responsabilidade da recorrente e a existência de sucessão empresarial, bem como examina a legalidade da decisão que determinou a penhora de cinco por cento de sua renda líquida. A Min. Relatora destacou que, em situação análoga à dos autos, a empresa que recebe o patrimônio da anterior concessionária e continua na exploração da mesma atividade responde pela dívida judicial já constituída antes da alienação. A particularidade da hipótese indica que, a par da sucessão reconhecida pelo acórdão recorrido, a companhia sucedida manteve sua personalidade jurídica ainda diante do processo de liquidação e que, nessa condição, foi citada para a execução. A sucessão, por si só, não faz com que aquele ato citatório estenda seus efeitos à recorrente. Não se dispensa a regular citação apenas porque a companhia sucedida já fora citada. Assim, deve-se reconhecer que o acórdão recorrido, ao determinar a penhora sem antes franquear à recorrente a oportunidade de pagar e nomear bens à penhora, violou o devido processo legal e, em especial, o art. 652 do CPC, devendo, portanto, ser reformado nesse ponto. A Min. Relatora ressaltou ainda que a penhora sobre o faturamento ou renda, vem sendo admitida por este Superior Tribunal. Entretanto, para aceitar tal modalidade de constrição, requer-se que: a) o devedor não possua bens ou, se os tiver, sejam eles de difícil execução ou insuficientes a saldar o crédito demandado; b) impõem-se a nomeação de administrador e a apresentação de plano de pagamento; c) o percentual fixado sobre o faturamento não torne inviável o exercício da atividade empresarial. Sem a prévia citação da recorrida, não se cumpriu, à evidência, o primeiro requisito mencionado acima, que exige a excepcionalidade da penhora sobre o faturamento. Diante disso, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento para reformar o acórdão recorrido, cassando a decisão que determinou a penhora da renda da recorrente e determinando que o feito prossiga em primeiro grau de jurisdição, na esteira do devido processo legal. Precedentes citados: REsp 399.569-RJ, DJ 10/2/2003; EREsp 311.394-PR, DJ 9/10/2006, e AgRg no Ag 777.351-SP, DJ 27/11/2006. REsp 866.382-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008.
SENTENÇA PENAL. EXTINÇÃO. PUNIBILIDADE. INDENIZAÇÃO.
O recorrente exerceu a função de diretor administrativo da fundação recorrida e emitiu 109 cheques sacados pela pessoa jurídica em favor de seus filhos, os demais recorrentes. Dessa forma, ter-se-ia consubstanciado o crime de apropriação indébita. O extinto Tribunal de Alçada estadual condenou os recorrentes pela prática das últimas 53 condutas. Esse acórdão criminal é a peça que embasa o pedido de liquidação de sentença que, após a homologação dos cálculos em primeiro e segundo grau de jurisdição, é atacada por meio do recurso especial. Os recorrentes sustentavam que a condenação penal reconheceu a prescrição retroativa da pretensão punitiva para todas as práticas delitivas. Embora o acórdão recorrido passe ao longo da prescrição quanto às últimas 53 condutas, há uma segunda decisão criminal relevante, cuja punibilidade, em razão de o recorrente ter completado setenta anos, foi decretada extinta, ocorrente a prescrição retroativa da pretensão punitiva. O cerne da questão diz respeito à eficácia da sentença penal que extingue a punibilidade. Para a Min. Relatora, a hipótese dos autos é excepcional, pois o recorrente foi efetivamente condenado. A decisão condenatória traz conseqüências claras tanto na esfera penal quanto na esfera civil, impondo-se ao réu a pena pecuniária, restritiva de direitos ou da liberdade, ao mesmo tempo em que sujeita o condenado ao dever de reparar, após a liquidação na esfera cível, os danos que causou. Foi isento da pena. A extinção da punibilidade ocorreu após a existência da sentença penal condenatória, com base na pena in concreto, levando-se, ainda, em consideração, sua especial condição de septuagenário. A prescrição retroativa posteriormente reconhecida só atinge os efeitos penais da condenação, não seus efeitos civis. Afinal, não se pode ignorar que o Poder Judiciário reconheceu a existência de fato típico, antijurídico e culpável, e isso é quanto basta para que, na esfera cível, imponha-se o dever de indenizar. A sujeição do condenado à pena é fato irrelevante para fins de direito privado. Ao art. 67, II, CPP, deve-se dar interpretação que prestigie o princípio constitucional da razoável duração do processo. Havendo certeza sobre o ilícito, a decisão que julgar extinta a punibilidade não impedirá, em sentido amplo, a propositura de "ação civil", ou seja, ação de conhecimento, execução ou cautelar. Entendimento diverso imporia ao jurisdicionado o ônus de suportar a duração de dois processos de conhecimento, um na esfera cível e outro na criminal, para que se julguem rigorosamente os mesmos fatos. REsp 789.251-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008.
RESPONSABILIDADE. ADVOGADO. TEORIA. PERDA. CHANCE.
A recorrente afirma que o advogado foi negligente na condução de sua causa, vindo ela a perder seu imóvel, por não defender adequadamente seu direito de retenção por benfeitorias e também ter deixado transcorrer in albis o prazo para a interposição de recurso de apelação. Para a Min. Relatora, não há omissão ou contradição no acórdão impugnado. O Tribunal a quo pronunciou-se de maneira a discutir todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, alcançando solução que foi tida como mais justa e apropriada para a hipótese. A questão insere-se no contexto da responsabilidade profissional do advogado. O vínculo entre advogado e cliente tem nítida natureza contratual. Em razão do vínculo obrigacional, a responsabilidade do advogado é contratual. Todavia sua obrigação não é de resultado, mas de meio. O advogado obriga-se a conduzir a causa com toda diligência, não se lhe impondo o dever de entregar um resultado certo. Ainda que o advogado atue diligentemente, o sucesso no processo judicial depende de outros fatores não sujeitos a seu controle. Daí a dificuldade de estabelecer, para a hipótese, um nexo causal entre a negligência e o dano. Para a solução do impasse, a jurisprudência, sobretudo do direito comparado, e a doutrina passaram a cogitar da teoria da perda da chance. Essa teoria procura dar vazão ao intrincado problema das probabilidades com as quais se depara no dia-a-dia, trazendo para o campo do ilícito aquelas condutas que minam, de forma dolosa ou culposa, as chances, sérias e reais, de sucesso às quais a vítima fazia jus. Há possibilidades e probabilidades diversas e tal fato exige que a teoria seja vista com o devido cuidado. A adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o “improvável” do “quase certo”, a “probabilidade de perda” da “chance do lucro”, para atribuir a tais fatos as conseqüências adequadas. Assim, o Tribunal de origem concluiu pela ausência de culpa do advogado e, nesse ponto, não há como extrair daí a responsabilidade nos termos tradicionais e, tampouco, nos termos da teoria da perda da chance. Anotou-se que, em determinados casos, a perda da chance, além de determinar o dano material, poderá ser considerada um agregador do dano moral, o que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral. Diante do exposto, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp 965.758-RS, DJ 3/9/2008, e REsp 788.459-BA, DJ 13/3/2006. REsp 1.079.185-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008.
JUROS MORATÓRIOS. INCIDÊNCIA. EVENTOS DANOSOS.
Renovando o julgamento, a Turma, no caso sub judice, proveu em parte o pedido do autor, determinando, nos termos do voto do Relator originário, a incidência dos juros moratórios a contar da data do evento danoso. Afora esse ponto principal de divergência, a Min. Nancy Andrighi proveu parcialmente o recurso, apenas para que a indenização a ser paga ao autor inclua, também, as ações preferenciais, além de autorizar a revisão dos honorários advocatícios (CPC, art. 20, § 3º), no percentual dos 10% sobre o valor da condenação inicial do autor, relativos aos honorários pagos à instituição bancária. REsp 901.260-PR, Rel. originário Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2008.
MORA. DESCARACTERIZAÇÃO. COMPENSAÇÃO.
Renovando-se o julgamento, a Turma, por maioria, entendeu que, no caso sub judice, nos termos do art. 963 do CC/1916, inexiste mora, porquanto o fiador não foi sequer notificado, cabendo afastar-se a execução por ter sido excessiva. Além disso, é impossível a compensação na medida em que se descaracterizou a existência de mora, a qual somente se poderia determinar com a apuração de sua exata liquidez no juízo de 1º grau. Precedente citado: REsp 713.329-RS, DJ 7/12/2006. REsp 337.572-SP, Rel. originário Min. Ari Pargendler, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2008.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

RESUMO. INFORMATIVO N. 375 DO STJ.

FORNECIMENTO. ÁGUA. REDE. ESGOSTO. RESTITUIÇÃO. DOBRO.
O acórdão do TJ determinou a restituição de valores referentes a tratamento de esgoto que era cobrado na mesma razão do volume de água fornecido pela sociedade empresarial concessionária de água, cujo conteúdo, em torno de 20% do volume utilizado, perder-se-ia pelo uso, não podendo ser tarifado. O recorrente sustenta que pagou tarifa em excesso em razão de cobrança indevida, incidindo, portanto, o art. 42 do CDC, que determina a restituição em dobro dos valores devidos. Sustenta, também, que os honorários devem ser calculados com base no valor da condenação (art. 20, § 3º, do CPC), e não pela equidade, nos termos do § 4º do mencionado dispositivo. Assim, a controvérsia cinge-se à configuração do engano justificável, a incidir, ou não, a restituição em dobro. O Tribunal a quo afastou a incidência do mencionado art. 42 pela ausência de má-fé da recorrida. Entretanto, tal entendimento não deve prevalecer, isso porque não é só pela má-fé que se configura hipótese de restituição em dobro. Para a incidência do artigo, basta a culpa. No acórdão recorrido, não foi demonstrado o engano justificável. Para o Min. Relator, é de rigor a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. Quanto aos honorários, devem ser calculados nos termos do art. 20, § 3º, do CPC, incidindo sobre o valor da condenação, não sobre o valor da causa. Precedentes citados: REsp 1.025.472-SP, DJ 30/4/2008, e REsp 263.229-SP, DJ 9/4/2001. REsp 1.085.947-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 4/11/2008.
MS. LIMINAR. TRATAMENTO MÉDICO. EXTERIOR.
Na espécie, a recorrida sofria de retinose pigmentar (patologia oftalmológica) e, como vários outros, buscou o Judiciário, obtendo liminar contra a União para que o SUS custeasse o tratamento em Cuba. Para tanto, recebeu R$ 25.443,43. Nessa época, a posição jurisprudencial concedia o custeio de tais tratamentos, mas alterou-se diante do parecer técnico do Conselho de Oftalmologia Brasileiro, que levou o Ministério da Saúde a baixar a Portaria n. 763, proibindo o custeio do tratamento dessa doença no exterior pelo SUS. Então, a recusa do Poder Judiciário em confirmar a decisão liminar ensejou a União a mover ação de cobrança, que foi repudiada, nas instâncias ordinárias, ao argumento do fato consumado e irreversibilidade do provimento. Isso posto, para o Min. Relator, o ponto central do aresto recorrido é o art. 7º da Lei n. 1.533/1951, que trata especialmente da liminar em mandado de segurança (MS). Ressalta que existe a Súm. n. 405-STF, que dá eficácia retroativa à revogação superveniente de liminar em MS. Entretanto, podem admitir-se, excepcionalmente, como no caso, os conceitos do fato consumado e da boa-fé objetiva no recebimento de valores pagos em caráter alimentar e essa postura tem sido adotada em julgados do próprio STF (como quando analisa devolução pecuniária recebida de boa-fé por servidores públicos e posteriormente declarada inconstitucional), também há decisões deste Superior Tribunal. Ademais, aplica-se ao caso o princípio da confiança assente no Código Civil alemão e constante do ordenamento jurídico brasileiro como cláusula geral, que ultrapassa os limites do CC/2002 (arts. 113, 187 e 422), o que influencia a interpretação do Direito Público e a ele chegando como subprincípio derivado da moralidade administrativa, o qual serve de fundamento à mantença do acórdão recorrido. Precedentes citados: REsp 353.147-DF, DJ 18/8/2003; MS 8.895-DF, DJ 7/6/2004; REsp 697.768-RS, DJ 21/3/2005; REsp 627.808-RS, DJ 14/11/2005; REsp 955.969-DF, DJ 3/9/2008, e REsp 1.031.356-DF, DJ 10/4/2008. REsp 944.325-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 4/11/2008.
SÚM. N. 84-STJ. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE. BOA-FÉ.
É cediço que a jurisprudência deste Superior Tribunal tem protegido a promessa da compra e venda, ainda que não registrada em cartório (art. 530, I, do CC/ 1916), preservando-se o direito dos terceiros adquirentes de boa-fé (Súm. n. 84-STJ). Ressalta a Min. Relatora que, em se tratando de execução fiscal com penhora sobre imóvel, o marco a ser considerado é o registro da constrição no cartório competente (art. 659, § 4º, do CPC), uma vez que não se pode impor ao terceiro adquirente a obrigação quanto à ciência da execução tão-somente pela existência da citação do devedor. Assim, ausente o registro da penhora efetuada sobre o imóvel, não se pode concluir que houve fraude. Ademais, na hipótese dos autos, ficou comprovado que a venda do imóvel, ainda que sem registro, foi realizada antes do ajuizamento da execução fiscal, motivo pelo qual deve ser preservado o direito do terceiro de boa-fé. Com essas considerações, a Turma negou provimento ao recurso da Fazenda. Precedentes citados: REsp 739.388-MG, DJ 10/4/2006, e REsp 120.756-MG, DJ 15/12/1997. REsp 892.117-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 4/11/2008.
TRANSFERÊNCIA. VAGA. GARAGEM. VALIDADE.
Cinge-se a questão em determinar a validade da transferência de vaga de garagem vinculada a apartamento para outra unidade do mesmo prédio. A Turma, por maioria, após renovar o julgamento, entendeu que a vaga de garagem adere à unidade, sendo, contudo, desta destacável para efeito de sua cessão a outro condômino. Assim, não obstante a vaga de garagem ser, de regra, bem acessório vinculado à unidade habitacional, ao contrário do que sustentaram as instâncias ordinárias, ela admite, independentemente de ser-lhe atribuída fração ideal específica do terreno, separação para transferência a outro apartamento do mesmo edifício. Quanto ao registro de transferência da vaga de garagem de que trata esse caso específico, verifica-se, dos autos, que, apesar de a escritura de venda e compra dessa unidade originalmente não prever a garagem, o documento foi oportunamente retificado e registrado, tudo antes da alienação da outra unidade, o que garante aos proprietários daquele imóvel, ora recorrentes, o direito à vaga. REsp 954.861-RJ, Rel. originário Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. para o acórdão Min. Nancy Andrighi (art. 52, IV, b, do RISTJ), julgado em 6/11/2008.
ACIDENTE. TRÂNSITO. CULPA. MOTORISTA.
Trata-se de indenização pelos danos materiais e morais por morte em acidente de trânsito da esposa do promovente, que colidiu seu veículo na traseira do caminhão que trafegava a sua frente. Destaca o Min. Relator que, nas instâncias ordinárias, ficou comprovada a responsabilidade do preposto da ré (motorista) pelo acidente, por ele ter agido com negligência e imperícia, ao dirigir o caminhão com luzes apagadas em horário noturno, apesar de a presunção de culpa ser de quem colide na traseira de veículo. Ressalta que não houve cerceamento de defesa, porquanto a testemunha (o motorista) tem interesse na lide, constituindo a hipótese do art. 405, § 3º, IV, do CPC e, nesses casos, a ausência de contradita não impede que o depoimento da testemunha seja valorado como informante, mormente diante do princípio do livre convencimento motivado do juiz. Por outro lado, quanto ao pedido de abatimento na indenização do seguro obrigatório (DPVAT), explica que não pode ser acolhido, já que o Tribunal a quo o indeferiu por falta de comprovação do recebimento do prêmio pelo marido, além da inexistência de discussão do tema na primeira instância. Por essas razões, entre outras, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: EDcl nos EREsp 168.207-SP, DJ 26/10/2006; REsp 190.456-SP, DJ 28/8/2000; REsp 172.335-SP, DJ 18/10/1999, e REsp 466.751-AC, DJ 23/6/2003. REsp 824.473-PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 6/11/2008.
DOAÇÃO. PARTILHA. DOLO. ANULAÇÃO.
Noticiam os autos que mãe e irmãos convenceram a irmã (autora, ora recorrida) a abrir mão dos bens havidos na partilha da sucessão do pai, sob pretexto de resguardo do patrimônio familiar, que estaria em risco por seu casamento e ela (a autora) foi induzida em erro ao crer que, participando dos negócios, receberia de volta os bens havidos na partilha. Depois, a mãe fez distribuir, com reserva de usufruto, alguns bens aos outros dois filhos e ao tio da autora. Daí a ação de anulação de ato jurídico cumulada com perdas e danos contra a mãe e os irmãos, na qual afirma ter sido ludibriada e dolosamente induzida a abrir mão do seu quinhão. Observa o Min. Relator que a lide foi decidida nas instâncias ordinárias com explícita fundamentação nas provas produzidas (Súm. n 7-STJ), concluindo-se pela ocorrência do dolo (vício de consentimento) apto a desencadear a anulação dos atos jurídicos realizados, ou seja, a doação da autora em benefício da mãe. Outrossim, o Tribunal a quo consignou, em contraposição à sentença, não ser adequada a anulação das doações feitas pela filha à mãe sem anular também todo o negócio subjacente da doação. Assim, não prospera a alegação de que a autora busca anular doação feita ao tio que deveria ocupar o pólo passivo da demanda como litisconsórcio necessário. Houve a preclusão consumativa quanto essa questão porque não requerida em declaratórios opostos ao acórdão da apelação. Por fim, quanto à ausência de solidariedade, porque não teria havido dolo dos irmãos, mas somente da mãe, este mesmo acórdão foi depois confirmado em embargos infringentes, que imputaram, não só à genitora, mas também aos outros dois irmãos o ardil, são todos responsáveis, sendo assim, não há a pretendida violação do art. 896 do CC/1916 (os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando esse for causa). Diante do exposto, a Turma não conheceu o recurso. REsp 186.604-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 6/11/2008.
SEGURO HABITACIONAL. VÍCIOS. CONSTRUÇÃO.
Em ação de indenização por danos de vício de construção ocasionados em imóveis adquiridos de COHAB, com recursos do Sistema Financeiro da Habitação, os quais contam com cobertura securitária específica para riscos de danos físicos, os autores, ora recorridos, postulam o recebimento do valor desse seguro habitacional contratado. Ressalta o Min. Relator que a responsabilização dos mutuários pelos danos ou vícios intrínsecos ocorridos nos imóveis foram afastados pelas instâncias ordinárias. Sendo assim, conforme jurisprudência deste Superior Tribunal, a seguradora é a responsável quando presentes vícios decorrentes da construção. Quanto à multa decendial pactuada no seguro para o atraso do pagamento da indenização, reconheceu em parte os recursos das seguradoras, pois a multa decendial é limitada ao montante da obrigação principal, ficando esse reconhecido como o montante a que foi condenada a seguradora a título de indenização pelos reparos em cada um dos imóveis. Precedentes citados: REsp 813.898-SP, DJ 28/5/2007, e REsp 651.227-SP, DJ 11/10/2004. REsp 186.571-SC, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 6/11/2008.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

IMPORTANTE JULGADO DO STJ. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO.

RECURSO ESPECIAL Nº 468.062 - CE (2002/0121761-0)
RELATOR
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", CF/1988, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5a. Região (fls. 138/143).
A decisão ficou assim ementada:
"ADMINISTRATIVO. CIVIL. PRELIMINARES. NULIDADE DA SENTENÇA. CONEXÃO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DOS AUTORES. INOCORRÊNCIA. (sic) CEF COMO SUCESSORA DO EX-BNH (DECRETO Nº 2.291/86). RESPONSABILIDADE DE FISCALIZAÇÃO DOS AGENTES FINANCEIROS. COMPROVAÇÃO DA EFETIVA QUITAÇÃO ANTECIPADA DA DÍVIDA COM GARANTIA DA LIBERAÇÃO DA CAUÇÃO HIPOTECÁRIA.
1. Nulidade da sentença, em virtude do juiz fundamentar sua decisão dentro dos limites da pretensão com base nos documentos trazidos aos autos.
2. Incabível a preliminar de conexão, por força do art. 95, CPC, 'nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa'.
3. Assumindo a CEF enquanto sucessora do BNH a posição de Agente e Operadora do fundo, passando assim a deter as cauções hipotecárias, não há falar-se em denunciação à lide do Agente Financeiro.
4. A ilegitimidade ativa AD CAUSAM dos autores, não prospera em virtude do que dispõe o art. 859, do Código, 'presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu'.
5. No mérito, ressalta a inteira responsabilidade da CEF, sucessora do ex-BNH, fiscalizar os repasses feitos pelos seus agentes financeiros.
6. Diante da efetiva liquidação do saldo devedor do imóvel em questão e conforme transcrição do mesmo no Cartório de Registro de Imóveis, é devida a liberação da caução hipotecária.
7. Preliminares rejeitadas.
8. Apelação improvida."
O recurso especial da CEF louva-se nos seguintes fundamentos: (fls.145/156)
a) violação do art. 70, inciso III, CPC; do art. 458, inciso II, e do art. 102, CPC;
b) ofensa aos arts. 3º, 6º e 267, VI, CPC;
c) desrespeito ao art.794, CCB/1916.
Contra-razões. (fls.161/167)
Recurso admitido. (fls.169)
Parecer do MPF em favor do conhecimento parcial e pelo não-provimento do recurso. (fls.178/187)
É, no essencial, o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 468.062 - CE (2002/0121761-0)
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - FCVS - CAUÇÃO DE TÍTULOS - QUITAÇÃO ANTECIPADA - EXONERAÇÃO DOS MUTUÁRIOS - COBRANÇA SUPERVENIENTE PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, SUCESSORA DO BNH - DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE - EFICÁCIA DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS EM RELAÇÃO A TERCEIROS - OPONIBILIDADE - TUTELA DA CONFIANÇA.
1. CAUSA E CONTROVÉRSIA. A causa (a lide deduzida em juízo) e a controvérsia (a questão jurídica a ser resolvida), para se usar de antiga linguagem, de bom e velho sabor medieval, ainda conservada no direito anglo-saxão (cause and controverse), dizem respeito à situação jurídica de mutuários em relação à cessão de títulos de crédito caucionados entre o agente financeiro primitivo e a Caixa Econômica Federal -CEF, sucessora do BNH, quando se dá quitação antecipada do débito. A CEF pretende exercer seus direitos de crédito contra os mutuários, ante a inadimplência do agente financeiro originário. Ausência de precedentes nos órgãos da Primeira Seção.
2. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO “DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE" TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO. O tradicional princípio da relatividade dos efeitos do contrato (res inter alios acta), que figurou por séculos como um dos primados clássicos do Direito das Obrigações, merece hoje ser mitigado por meio da admissão de que os negócios entre as partes eventualmente podem interferir na esfera jurídica de terceiros “de modo positivo ou negativo", bem assim, tem aptidão para dilatar sua eficácia e atingir pessoas alheias à relação inter partes. As mitigações ocorrem por meio de figuras como a doutrina do terceiro cúmplice e a proteção do terceiro em face de contratos que lhes são prejudiciais, ou mediante a tutela externa do crédito. Em todos os casos, sobressaem a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
3. SITUAÇÃO DOS RECORRIDOS EM FACE DA CESSÃO DE POSIÇÕES CONTRATUAIS. Os recorridos, tal como se observa do acórdão, quitaram suas obrigações com o agente financeiro credor - TERRA CCI. A cessão dos direitos de crédito do BNH “sucedido pela CEF" ocorreu após esse adimplemento, que se operou inter partes (devedor e credor). O negócio entre a CEF e a TERRA CCI não poderia dilatar sua eficácia para atingir os devedores adimplentes.
4. CESSÃO DE TÍTULOS CAUCIONADOS. A doutrina contemporânea ao Código Civil de 1916, em interpretação aos arts. 792 e 794, referenda a necessidade de que sejam os devedores intimados da cessão, a fim de que não se vejam compelidos a pagar em duplicidade. Nos autos, segundo as instâncias ordinárias, não há prova de que a CEF haja feito esse ato de participação.
5. DISSÍDIO PRETORIANO. Não se conhece da divergência, por não-observância dos requisitos legais e regimentais.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
PERMISSIVO "A"
A.1 - A CAUSA DOS AUTOS
O caso dos autos tem por subjacente um contrato de mútuo habitacional firmado entre José Américo Sobrinho e TERRA COMPANHIA DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO - TERRA CCI, agente financeiro vinculado ao extinto Banco Nacional de Habitação - BNH, sucedido pela ora recorrente.
Houve, posteriormente, cessão de posição contratual de José Américo Sobrinho para os recorridos ANTONIO OSMAR TELES MONTEIRO e OUTRO, por força de escritura de compra e venda, lavrada aos 30.10.1989. Na escritura, ressalvou-se a existência de caução hipotecária dada ao BNH por TERRA CCI, por meio de endosso em cédula hipotecária.
Houve quitação antecipada do saldo devedor pelos cessionários ANTONIO OSMAR TELES MONTEIRO aos 27.3.1991, com quitação passada por TERRA CCI aos 24.6.1997. Na ocasião, foi autorizado o levantamento do gravame hipotecário.
Remanesceu, porém, o direito real de caução sobre crédito hipotecário, titularizado pela CEF contra a TERRA CCI, que gravava o imóvel adquirido pelos recorridos. Por essa razão, optaram os recorridos pelo ingresso de ação ordinária contra a CEF, a fim de liberá-los desse ônus real.
A CEF, em sua manifestação nos autos, deu ciência de que, aos 30.9.1998, firmou contrato de novação e outros pactos com TERRA CCI, que se encontrava em liquidação extrajudicial. Por esse negócio jurídico, a CEF adquiriu o direito real de garantia pelos créditos hipotecários de titularidade da TERRA CCI a serem exercidos contra os mutuários do SFH. Dentre esses direitos, encontrava-se a caução hipotecária constituída sobre o imóvel dos recorridos.
O inadimplemento das obrigações pela TERRA CCI ante à CEF gerou a esta a pretensão de se opor ao levantamento do gravame de caução.
Apreciada a lide, em primeiro grau, decidiu-se pela ineficácia do negócio jurídico celebrado entre a CEF e a TERRA CCI em relação a terceiros, dada a ausência de comunicação prévia. O fato de haver registro do título não implicava presunção de conhecimento.
O acórdão do TRF-5, que conservou a sentença, entendeu que os recorridos cumpriram suas obrigações perante o credor, não sendo lícito mantê-los vinculados por efeito de inadimplemento da TERRA CCI para com a CEF.
A questão, por conseguinte, está em saber se os recorridos podem-se liberar de gravame, após a quitação de suas obrigações, quando persistem vínculos de seu credor com a CEF.
B.2. A CONTROVÉRSIA JURÍDICA
A causa (a lide deduzida em juízo) e a controvérsia (a questão jurídica a ser resolvida), para se usar de antiga linguagem, de bom e velho sabor medieval, ainda conservada no direito anglo-saxão (cause and controverse) não possuem precedentes na Segunda Turma. Trata-se, em verdade, de um problema que envolve conceitos jurídicos recentemente estudados na doutrina brasileira, introduzidos no debate contemporâneo por ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO (Os princípios do atual direito contratual e a desregulamentação do mercado. Direito de execlusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribuiu para inadimplemento contratual. In. Estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p.137-147), posteriormente desenvolvida em outros estudos dogmáticos: RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Título A doutrina do terceiro cúmplice : autonomia da vontade, o princípio res inter alios acta, função social do contrato e a interferência alheia na execução dos negócios jurídicos. In Revista dos Tribunais, v.93, n.821, p.80-98, mar., 2004; PENTEADO, Luciano Camargo. Efeitos contratuais perante terceiros. São Paulo: Quartier Latin, 2007.)
O tradicional princípio da relatividade dos efeitos do contrato (res inter alios acta), que figurou por séculos como um dos primados clássicos do Direito das Obrigações, merece hoje ser mitigado por meio da admissão de que os negócios entre as partes eventualmente podem interferir na esfera jurídica de terceiros – de modo positivo ou negativo –, bem assim, tem aptidão para dilatar sua eficácia e atingir pessoas alheias à relação inter partes.
Para tanto, faz-se indispensável citar três formas diferentes de apresentação dessa eficácia contratual extra partes, a saber:
1. Oponibilidade. Os contratos podem ser oponíveis a terceiros, o que implica duas situações clássicas:
a) a obrigação de conhecimento de um contrato alheio por alguém, o que opera efeitos (principalmente) no plano subjetivo da boa-fé. É o exemplo clássico da oponibilidade de um contrato particular registrado em cartório, o que lhe confere publicidade e, com isso, faz presumir seu conhecimento por terceiros, negando-se-lhes a alegação de boa-fé quando invocam sua insciência.
b) a obrigação de respeitar uma relação jurídica alheia, o que implica a produção de efeitos jurídicos na esfera de quase todos os demais indivíduos não-partícipes do negócio. Em geral, essa forma de oponibilidade é também eficaz quanto à boa-fé de terceiros. Mas, essencialmente, ela atrai a chamada eficácia 'erga omnes' (oponibilidade contra todos), presente nos Direitos Reais, e nascida do registro imobiliário.
O registro dá publicidade e torna o direito oponível a terceiros, os quais devem conhecê-lo e respeitá-lo. Se imobiliário, o registro dá publicidade e cria "imunidade ao conteúdo daqueles atos pelos demais atuantes no cenário jurídico, revestindo-se a situação jurídica registrada de um poder de exclusão das demais faculdades, pretensões e poderes jurídicos em geral." (PENTEADO, Luciano Camargo. Op. cit. p.167).
2. Doutrina do terceiro cúmplice. A doutrina do terceiro cúmplice tem por objeto a interferência ilícita do terceiro em negócios jurídicos alheios, por meio da indução ao inadimplemento (RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Op. cit. p.94-98).
3. Contrato em dano a terceiro. É o caso da dilatação eficacial (as chamadas externalidades negativas) de um contrato em relação a terceiros. Cuida-se de hipótese na qual os contraentes, ao celebrarem um negócio, geram efeitos danosos a alguém que é alheio ao contrato.
Além de situações já bem conhecidas da doutrina (contrato com pessoa a declarar e estipulação em favor de terceiro), essas três formas de ampliação da eficácia dos negócios têm por suporte a quebra da higidez do princípio da relatividade dos efeitos do contrato e, ainda, a proteção à boa-fé objetiva e à função social do contrato.
Essa restrição genérica a que a lesividade contratual inter partes se projeta extra partes é especialmente aplicada nas doutrina e jurisprudência francesas, quando se cuida de cessão de posições contratuais. É essa, em linhas gerais, a posição de MARIE-LAURE IZORCHE:
"O princípio é, desse modo, conservado: o cessionário do contrato, ainda que nos casos legalmente previstos, é tido como um terceiro qualquer para todo o período precedente à cessão, e ele apenas sofre a oponibilidade, até quando se torne parte do contrato após a cessão, e se vincule, nessa qualidade, pelos efeitos obrigatórios.
A única diferença com a cessão convencional está no fat ode que ele (o cessionário) não manifestou sua vontade de assumir a posição de parte do contrato que lhe foi transmitido, em concomitância à coisa adquirida: tudo se passa como se o contrato fosse um accessório da coisa, o qual se transmite automaticamente com ela mesma."(IZORCHE, Marie-Laure. Les effets des conventions à l'égard des tiers: l'expérience française. In. VACCA, Letizia (a cura di). Gli effeti del contratto nei confronti dei terzi nella prospettiva storico-comparatistica. Torino: Giappichelli, 2001. p.98.)
No original:
"Le principe est donc sauf: le cessionnaire du contrat, même dans les cas prévus par la loi, est consideré comme un tiers quelconque pour toute la période précédant la cession, et il n'est concerné que par l'opposabilité, alors qu'il devient partie au contrat après la cession, et est donc concerné, en tant que tel, par les effets obligatoires.
La seule différence avec la cession conventionelle réside dans le fait qu'il n'a pas manifesfé sa volonté de recueillir la position de partie au contrat qui lui est transmis, em même temps que la chose qu'il acquiert: tout se passe comme si le contrat était un acessoire de la chose, accessoire que se transmet automatiquement avec celle-ci".
Ora, os recorridos, tal como se observa do acórdão, quitaram suas obrigações com a credora TERRA CCI. A cessão dos direitos de crédito do BNH, sucedido pela CEF, ocorreu após esse adimplemento, que se operou inter partes (devedor e credor). O negócio entre a CEF e a TERRA CCI não poderia dilatar sua eficácia para atingir os devedores adimplentes.
Aqui, a oponibilidade da cessão de direitos (TERRA CCI e CEF) deixa de atingir a eficácia dos terceiros, por conta da proteção jurídica hoje concedida pelo ordenamento às pessoas que se põem à margem de negócios que lhes são prejudiciais, como ocorreu na espécie.
Logo, não houve violação do art. 458, II, CPC. O acórdão é bem fundamento e escolheu, dentre as molduras possíveis, a melhor interpretação para o caso e a controvérsia.
Outrossim, não houve malferimento dos arts.70 e 102, CPC. Nesse ponto, invoco, como razão de decidir, o parecer do Ministério Público Federal:
"A alegação de infringência ao art. 102 do CPC mostra-se manifestamente improcedente, vez que as demandas articuladas entre a CEF e a agente financeira TERRA CCI, com fundamento no descumprimento de contrato pactuado entre elas não tem qualquer conexão com o presente feito, a versar sobre direito real de garantia pendente sobre imóvel, que, a toda evidência, deve ser processado no foro em que situado o imóvel.
O mesmo se diga da tese que pugna pelo reconhecimento de atentado ao art. 70, III, do CPC, pois não há obrigatoriedade em se convocar a TERRA CCI à presente relação processual, na medida em que a legitimidade para liberação da caução fiduciária é exclusiva da CEF, que poderá, por outros meio judiciais, exigir da agente financeira o cumprimento das obrigações contratuais desrespeitadas."
A tese de ofensa aos arts. 3º, 6º, e 267, inciso VI, CPC, também não se sustenta. A posição jurídica dos recorridos é avaliável como digna de interesse processual, em razão da aludida dilatação de efeitos do contrato entre a TERRA e a CEF. A liberação de seu gravame está estritamente vinculada à solução da controvérsia. Daí não se cuidar desse suposto vilipêndio.
O único ponto digno de exame mais acurado é o relativo à suposta ofensa ao art. 794 do Código Civil revogado, que possui a redação seguinte:

"Art. 794. O devedor do título caucionado, tanto que receba a intimação do art. 792, II, ou se dê por ciente da caução, não poderá receber quitação do seu credor."
Cumpre examinar a estrutura jurídica dessa norma.
Entenderam os juízos ordinários que a existência de caução devidamente publicizada no registro imobiliário não tornaria oponível aos recorridos o negócio realizado entre a CEF e a TERRA CCI. Com isso, não se poderia atribuir-lhes responsabilidade pela inadimplência da TERRA CCI.
Se interpretado o art. 794 em concomitância com o revogado art. 792, observar-se-á que:
"Art. 792.  Ao credor por esta caução compete o direito de:
IÂ -Â conservar e recuperar a posse dos títulos caucionados, por todos os meios cíveis ou criminais, contra qualquer detentor, inclusive o próprio dono;
IIÂ - fazer intimar ao devedor dos títulos caucionados, que não pague ao seu credor, enquanto durar a caução (art. 794);
IIIÂ - usar das ações, recursos e exceções convenientes, para assegurar os seus direitos, bem como os do credor caucionante, como se deste fora procurador especial;
IVÂ - receber a importância dos títulos caucionados, e restituí-los ao devedor, quando este solver a obrigação por eles garantida."
Observando o que se deu no caso concreto:
a) a CEF não intimou (rectius, notificou) os recorridos para que não pagassem o débito à TERRA CCI durante a vigência da caução, como prescrevia a legislação vigente à época;
b) a CEF, como lembra o Ministério Público Federal, "imputou à agente financeira TERRA CCI a obrigação de fazer a cobrança dos créditos devidos pelos Recorridos. De acordo com o que se aferiu na instância a quo, com base no instrumento de novação e outros pactos ofertado pela própria CEF, esta teria, inclusive, assumido a responsabilidade pela fiscalização do repasse dos valores recebidos pela agente financeira TERRA CCI, no que, efetivamente, não logrou êxito".
A indispensabilidade da notificação, como atestado nas instâncias próprias, não foi objeto das mesuras necessárias pela CEF.
A doutrina contemporânea ao Código Civil de 1916, em interpretação aos arts. 792 e 794, mostra-se simétrica aos postulados aqui delineados. O clássico JOÃO MANUEL DE CARVALHO SANTOS (Código Civil brasileiro interpretado. 12 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1982. v.10. p. 205, ao comentar o art.792, inciso II, CCB/1916, anota que:
"3. Fazer intimar ao devedor dos títulos caucionados, que não pague ao seu credor, enquanto durar a caução. É o que se denomina denúncia da caução. A denúncia se justifica, porque a caução, em última análise envolve uma cessão limitada dos direitos creditórios, que, se não prevalecesse a tornaria sem efeito. Para que possa prevalecer, é imprescindível que o devedor dos títulos caucionados fique conhecendo a existência da caução, e pois, dessa cessão.
A denúncia deve ser feita por via de intimação judicial ao devedor dos títulos caucionados, para que não pague ao seu credor, enquanto durar a caução."
Adiante, JOÃO MANUEL DE CARVALHO SANTOS (Op. cit. p.208) explicita que, se o devedor receber a quitação do credor, a despeito da cessão do título, prevalece o direito exoneratório daquele: "Mas se a quitação for dada, não obstante a proibição legal, nem por isso o pagamento feito e a quitação respectiva ficam sem valor".
Por fim, considero que, independentemente do teor da lei, a aplicação dos princípios relativos à proteção das relações jurídicas em face de terceiros é fundamento suficiente, ao lado da função social e da boa-fé objetiva, para impedir a responsabilização dos recorridos.
Essa perspectiva foi a que presidiu, no STJ, a edição da Súmula 308, cujo teor é auto-explicativo: "A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel".
Analogicamente, a Súmula tem aplicação ao caso. O promitente comprador não pode responder por dívidas da construtora, contraídas com agente financeiro, em razão de lhe ser conservada a esfera jurídica dos atos de terceiros lesivos a seu patrimônio. É idêntico o fundamento deste recurso.
Desse modo, é de ser negado provimento ao recurso especial.

PERMISSIVO "C"
O recurso desatende o teor do art. 541, parágrafo único, CPC, combinado com o art. 255, RISTJ.
Como se tem ressaltado na Segunda Turma, não se pode conhecer do especial quando se omite a parte na "demonstração da exata similitude fático-jurídica entre os acórdãos tidos por divergentes e, tampouco (há) o cotejo analítico entre eles, o que se afigura indispensável para a admissão do apelo especial, conforme os ditames estabelecidos pelo § 2º do art. 255 do RISTJ e art. 541, parágrafo único, do CPC." (REsp 681.500/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 12.8.2008, DJe 26.8.2008.)
Em suma, "não havendo a recorrente demonstrado, mediante a realização do devido cotejo analítico, a existência de similitude das circunstâncias fáticas e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, resta desatendido o comando dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ." (REsp 881.672/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24.6.2008, DJe 13.8.2008).
Não conheço do recurso pelo permissivo "c".
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e nego-lhe provimento.
É como penso. É como voto.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator

terça-feira, 11 de novembro de 2008

EPD. FAMÍLIA E SUCESSÕES. MÓDULO II. QUESTÕES DE SEMINÁRIO DE 12/11/2008

EPD. PÓS-GRADUAÇÃO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES. MÓDULO II.
QUESTÕES DE SEMINÁRIO DO DIA 12/11/2008.
DIREITO DE FAMÍLIA E INTERDISCIPLINARIDADE.

1) O grupo deve apontar quais são as grandes vantagens da mediação para o Direito de Família.

2) Como conciliar o fenômeno da alienação parental com a guarda compartilhada? É isso possível?

3) Comentar o julgado a seguir, de aplicação da boa-fé objetiva no Direito de Família:

"PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONSENTIMENTO DA MULHER. ATOS POSTERIORES. 'VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM'. BOA-FÉ. PREPARO. FÉRIAS. 1. TENDO A PARTE PROTOCOLADO SEU RECURSO E, DEPOIS DISSO, RECOLHIDO A IMPORTANCIA RELATIVA AO PREPARO, TUDO NO PERIODO DE FERIAS FORENSES, NÃO SE PODE DIZER QUE DESCUMPRIU O DISPOSTO NO ARTIGO 511 DO CPC. VOTOS VENCIDOS. 2. A MULHER QUE DEIXA DE ASSINAR O CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA JUNTAMENTE COM O MARIDO, MAS DEPOIS DISSO, EM JUIZO, EXPRESSAMENTE ADMITE A EXISTENCIA E VALIDADE DO CONTRATO, FUNDAMENTO PARA A DENUNCIAÇÃO DE OUTRA LIDE, E NADA IMPUGNA CONTRA A EXECUÇÃO DO CONTRATO DURANTE MAIS DE 17 ANOS, TEMPO EM QUE OS PROMISSARIOS COMPRADORES EXERCERAM PACIFICAMENTE A POSSE SOBRE O IMOVEL, NÃO PODE DEPOIS SE OPOR AO PEDIDO DE FORNECIMENTO DE ESCRITURA DEFINITIVA. DOUTRINA DOS ATOS PROPRIOS. ART. 132 DO CC. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO" (STJ, REsp 95.539/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/1996, DJ 14/10/1996 p. 39015).

4) O grupo concorda com o julgado a seguir, envolvendo a concorrência previdenciária entre esposa e concubina?

PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. RATEIO. ESPOSA E CONCUBINA. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE CONFIGURADA. 1. A concepção acerca da família, é consabido, sofreu significantes variações ao longo dos tempos, tendo sido moldada conforme os anseios de cada época. Neste processo evolutivo, algumas de suas características foram preservadas, outras, por não se adequarem mais à realidade social, restaram superadas. Tal processo de adaptação resultou no que hoje se entende por família. 2. Etapa importante do referido processo evolutivo ao qual a família vem se submetendo encontrou eco e reprodução no mundo jurídico, impondo sua representação na Constituição Federal de 1988, cujas inovações conferiram status de família à união estável e aos núcleos monoparentais, pondo-se, desta forma, fim ao conceito "matrimonializado" de família (art. 226 e §§ da CF/88). Neste diapasão, a afetividade, consubstanciada com a estabilidade (relacionamentos duradouros, o que exclui os envolvimentos ocasionais) e a ostentabilidade (apresentação pública como unidade familiar) passa a servir de lastro para a conceituação da família contemporânea. 3. Na atualidade, a família tem sido alvo de profundas reflexões, as quais vêm resultando em modificações no modo de pensá-la e defini-la. Não se trata de questionar a instituição familiar em si, mas sim a forma que adquiriu como resultado do processo histórico que desembocou nos padrões sociais atuais. 4. Com a imposição legal da igualdade entre homens e mulheres, bem como em virtude da necessidade de proteção à dignidade da pessoa humana, constatou-se a relevância de se adequar o conceito do modelo familiar, já não mais nos moldes tradicionais. A reformulação jurídica do conceito de família, desta forma, é mero reflexo das inovações ocorridas no cenário social. 5. O momento atual, no que concerne ao modelo familiar, é de transição. Busca-se consolidar um novo formato a ser conferido à família, tendo o ordenamento jurídico pátrio passado a sofrer alterações significativas, a fim de se adequar aos novos anseios da sociedade. Neste sentido, a CF/88 representou um marco evolutivo nesse processo de adaptação, ampliando o conceito de família e passando a servir de norte para todas as normas infraconstitucionais. 6. A admissão de outros modelos familiares que não o lastreado no casamento é resultado da alteração da base ideológica de sustentação da família. Procura-se hoje considerar a presença do vínculo afetivo e protetivo como fator determinante para a enumeração dos núcleos familiares. Admitida a afetividade como elemento essencial dos vínculos familiares, aqui vista também como a intenção de proteção mútua, resta saber até que ponto os relacionamentos humanos nos quais tal sentimento esteja presente podem vir a ser rotulados de família, sendo, consequentemente, abarcados pelas normas jurídicas que tutelam os indivíduos que a constituem. 7. Entende-se por concubinato puro a modalidade de envolvimento afetivo, entre homem e mulher, que obedeça os ditames sociais. Trata-se de verdadeiro casamento não oficializado, uma vez que atende a todas as condições impostas à sua celebração e os envolvidos se comportam como se casados fossem, lhes faltando apenas o reconhecimento estatal. Já o concubinato impuro, por sua vez, refere-se a todo e qualquer envolvimento afetivo que se estabeleça em afronta às condições impostas ao casamento, condições estas materializadas nos impedimentos matrimoniais. 8. A princípio, dentro do quadro evolutivo jurídico, marcado pela valorização do afeto e superação de formalismos, parece ter sido preservada a vigência do princípio jurídico da monogamia. Isto porque não se pode olvidar que o modelo monogâmico ainda é o que melhor atende às aspirações da sociedade contemporânea, garantindo a estabilidade necessária à educação da prole e ao desenvolvimento do homem na qualidade de agente econômico, político e social. 9. Nessa linha de raciocínio, o reconhecimento de direitos previdenciários decorrentes de concubinato impuro depende de uma série de requisitos que demonstrem cabalmente a existência de dois relacionamentos (casamento e concubinato) que em praticamente tudo se assemelhem, faltando ao segundo tão-somente o reconhecimento formal. Deve ser levado o efetivo "ânimo" de constituição de uma unidade familiar para fins de proteção mútua e estatal, com suas respectivas variáveis, tais como eventual dependência econômica, tempo de duração da união, existência de filhos, etc. Do contrário, deve prevalecer o interesse da família legalmente constituída. 10. Na hipótese dos autos, correta a sentença que determinou o rateio da pensão entre esposa e concubina, eis que restou demonstrado pela autora que seu relacionamento de mais de duas décadas com o de cujus se revestia dos requisitos necessários para a caracterização da união estável constitucionalmente protegida. (TRF 4ª R.; APL-RN 2005.71.00.010088-4; RS; Sexta Turma; Rel. Juiz Fed. Alcides Vettorazzi; Julg. 29/10/2008; DEJF 06/11/2008; Pág. 347)

5) Como conciliar a hipótese em que quem pleiteia os alimentos for idoso com a regra do art. 1.698 do Código Civil? Como serão convocados os demais parentes para responder perante o autor da ação que é idoso?

6) Analisar a seguinte decisão do STJ e opinar se a Lei Maria da Penha deve ser aplicada aos casos envolvendo namorados.

LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADA. MEDIDA PROTETIVA. Noticiam os autos que o paciente iniciou namoro com a vítima em ambiente onde ambos trabalhavam e que, após quatro anos de namoro, certo tempo depois do término desse relacionamento, o paciente passou a espalhar panfletos difamatórios contra ela, pichar o muro de sua residência e até seu quarto, culminando com incêndio ocorrido na garagem de sua casa, o que a levou a acionar os bombeiros. Segundo a vítima, os vizinhos viram o paciente circulando em frente da casa no dia dos fatos. Consta ainda que foi instaurado inquérito policial para apurar a prática do crime ocorrido no âmbito doméstico e que o Ministério Público, ao tomar conhecimento dos fatos, propôs medida protetiva de proibição de aproximação do paciente em relação a ela e seus familiares. Irresignado com a determinação, impetrou habeas corpus no TJ, que foi denegado. Esclarece a Min. Relatora que, nesse momento, não é permitido adentrar as provas dos autos na via estreita do habeas corpus e, na fase procedimental em que o processo encontra-se, a palavra da vítima é suficiente para configurar os indícios de autoria. Ressalta que, nesse diapasão, considera-se que quatro anos de namoro configuram, para os efeitos da Lei Maria da Penha, relação doméstica ou familiar, por caracterizar relacionamento íntimo. Explica que mantém esse entendimento porque, nos casos julgados pela Terceira Seção deste Superior Tribunal (CC 91.980-MG e CC 94.447-MG), embora, por maioria, tenha a Terceira Seção decidido remeter a causa ao juiz de Direito do Juizado Especial em vez de ao juízo de Direito Criminal, fê-lo por entender que, naqueles casos específicos sob julgamento, a violência praticada contra a mulher não decorria da relação de namoro. Sendo assim, a Terceira Seção não decidiu que a relação de namoro não é alcançada pela Lei Maria da Penha. Anotou que as disposições preliminares da Lei n. 11.340/2006 dispõem, no art. 4º, que a lei (Maria da Penha) deverá ser interpretada tendo por objetivo os fins sociais a que ela se destina, considerando, especialmente, as mulheres nas suas condições peculiares, em situação de violência doméstica e familiar. Explica que, depois de o legislador chamar atenção para a interpretação correta, dispõe em seguida sobre o que configura violência doméstica para os efeitos da lei – preceitua que a unidade doméstica refere-se a todo e qualquer espaço de convívio, ainda que esporádico, que a família é considerada a união de pessoas, dentre outras, por vontade expressa e que o âmbito doméstico familiar é caracterizado por qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva com a ofendida (art. 5º da citada lei). Logo, não se trata de saber se a relação do casal caracterizou união estável ou não, se o convívio cessou ou não, basta que, em determinado momento, por vontade própria, ainda que esporadicamente, tenha havido relação de afeto, independentemente de coabitação. Para a Min. Relatora, não se pode afastar o namoro do âmbito de proteção da Lei Maria da Penha sob pena de corroborar o estado de violência apresentado todos os dias nos noticiários. Com essas colocações, entre outras, a Turma conheceu parcialmente do pedido e, nessa parte, denegou a ordem. HC 92.875-RS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada pelo TJ-MG), julgado em 30/10/2008.

EPD. PALESTRA SOBRE PARTO ANÔNIMO. DIA 17/11.

Palestra sobre Parto Anônimo.
Escola Paulista de Direito.
Dia 17/11/2008. Das 19 às 22:30 hs.
Local: Escola Paulista de Direito.
Campus São Joaquim - Av. Liberdade, 956 - São Paulo/SP

Conteúdo Programático
O abandono de crianças e a prática de abortos clandestinos constituem problemas, que desde os tempos mais longíquos, fazem parte da história do Brasil e até a presente data ainda não têm solução, portanto diante desta realidade pretende-se discutir a viabilidade, ou não, da legalização do instituto do parto anônimo no Brasil à luz dos princípios constitucionais, como mecanismo alternativo e, paradoxalmente, realizar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Conferencista
FABÍOLA SANTOS ALBUQUERQUE
- Doutora Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal de Pernambuco/UFPE.
- Professora dos cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado da UFPE.
- Presidente do IBDFAM/PE.
- Autora de diversas obras e artigos dentre eles “O instituto do parto anônimo no Direito Brasileiro: avanços ou retrocessos”. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, v. 1, p. 143-159, 2008.


Investimento
ValorR$ 30,00 (Trinta reais)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

INFORMATIVO 374 DO STJ.

LEGITIMIDADE. CONTESTAÇÃO. PATERNIDADE.
A recorrente alega que o acórdão recorrido contrariou os arts. 1.601 e 1.604 do CC/2002 (antigo art. 348 do CC/1916), pois a legitimidade para contestar a paternidade cabe apenas ao marido, e não ao irmão da ré, terceiro na relação familiar debatida. Assevera que não se trata de ação de nulidade de registro, pois o autor nada provou a respeito. Inicialmente, o Min. Relator esclareceu que o pedido relaciona-se com a causa de pedir – falsidade ideológica – e não com negativa de paternidade, essa última personalíssima, cabível somente ao marido (art. 1.601 do CC/2002). Com relação ao art. 348 da lei civil vigente no momento da propositura da ação, cuja redação foi repetida no art. 1.604 do novel Código, aquele teve sua eficácia preservada pelo TJ que decidiu que, cuidando-se de ação declaratória de inexistência de filiação legítima decorrente de falsidade ideológica, é admissível seja ela intentada não só pelo filho, mas por qualquer outra pessoa que tenha legítimo interesse em tornar nula a falsa declaração. Tal entendimento encontra-se em consonância com a exegese sufragada por este Superior Tribunal. Precedentes citados: REsp 139.118-PB, DJ 25/8/2003; REsp 434.759-MG, DJ 10/2/2003; REsp 257.119-MG, DJ 2/4/2001; REsp 140.579-AC, DJ 3/11/1998, e REsp 215.249-MG, DJ 2/12/2002. REsp 799.588-SE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 28/10/2008.
VASILHAMES. ÁGUA MINERAL. UTILIZAÇÃO.
Trata-se de recurso contra acórdão de TJ que julgou improcedentes a ação cautelar de busca e apreensão e a cominatória de obrigação de não-fazer movidas contra a recorrida por sociedade empresarial dedicada à exploração de águas minerais. A autora objetivava fosse impedida a ré de utilizar-se de garrafões por ela produzidos para comercialização de seu produto como vasilhames da água mineral originária de fonte da ré e por esta oferecida ao mercado consumidor. O acórdão recorrido serviu-se de prova pericial e se baseou em outros elementos fáticos dos autos, concluindo que não correspondiam à realidade as assertivas de que a ré não adquirira garrafões próprios; que aplicara sobre os vasilhames rótulo de sua marca e assim também os lacrara para consumo; que a propriedade dos garrafões é do consumidor que paga por eles e, após, troca-os nos postos, pagando apenas pelo conteúdo líquido, como no caso dos botijões de gás; que a comercialização dos recipientes é livre; e que há nítida diferenciação entre os produtos, impedindo a confusão do consumidor. Mas o Min. Relator esclareceu que, no caso, chegar a uma conclusão diferente, visto que a tese jurídica deixou de ser delineada com precisão pela falta de prequestionamento, somente se faz com o reexame fático, vedado a este Superior Tribunal. REsp 886.025-CE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 28/10/2008.
UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. VERBA. ACIDENTE. TRABALHO.
Na dissolução da união estável, a partilha de bens refere-se ao patrimônio comum formado pelo casal, não se computando indenizações percebidas a título personalíssimo por quaisquer dos ex-companheiros, tal qual a recebida em razão de acidente de trabalho sofrido, pois é certo que a reparação deve ser feita àquele que sofreu o dano e carrega consigo a deficiência adquirida. A indenização recebida em razão do pagamento de seguro de pessoa cujo risco previsto era a invalidez temporária ou permanente não constitui fruto ou rendimento do trabalho que possam ajustar-se às disposições do inciso VI do art. 271 do CC/1916. REsp 848.998-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 28/10/2008.
ARRENDAMENTO RURAL. RETENÇÃO. BENFEITORIAS.
A embargante sustentou, em síntese, que os embargos declaratórios tiveram o propósito de prequestionar a matéria relativa ao direito à indenização por benfeitorias, não podendo, pois, ser considerados procrastinatórios. No mérito, aduziu que os melhoramentos efetuados no imóvel foram provados, relacionados e valorizados nos autos, razão pela qual devem ser indenizados nos termos do Estatuto da Terra. Contudo, uma vez que assentado pelas instâncias ordinárias que as alegadas benfeitorias não foram especificadas nem valorizadas como determina a lei, o Min. Relator entendeu que não há como infirmar tais fundamentos sem reexaminar o conjunto probatório coligido aos autos. É descabida a penalidade imposta com base no art. 538, parágrafo único, do CPC, quando o escopo da recorrente, ao aviar os embargos, foi o de preencher o requisito do prequestionamento. Isso posto, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento. REsp 134.537-MG, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 28/10/2008.
IMÓVEL. CLÁUSULA. INALIENABILIDADE.
O donatário de uma área de terra, doação essa gravada com cláusula de inalienabilidade, transmitiu a seus herdeiros (dois filhos) a nua propriedade do imóvel, com usufruto vitalício em seu favor. Como devedores (pai e filhos), indicaram parte da área mencionada à penhora em favor da CEF, mas pediram, posteriormente, seu cancelamento, em face da inalienabilidade, o que lhes foi negado. Em agravo de instrumento, o Tribunal de origem entendeu eficaz a cláusula e reformou a decisão singular. No presente recurso, a CEF dá por violado o art. 1.723 do CC/1916. Por sua vez, o Min. Relator esclareceu que as únicas exceções aptas a afastar a inalienabilidade referem-se às dívidas de impostos do próprio imóvel e os casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Fora desses casos, tem a jurisprudência admitido a quebra da cláusula de inalienabilidade, mas apenas e tão-somente no real interesse dos beneficiários dela, ou seja, os herdeiros e donatários dos bens gravados. No mais, há de prevalecer a inalienabilidade que, conforme a dicção legal, em caso algum poderá ser afastada. A transmissão por ato inter vivos efetivada no caso concreto não tem força bastante para dar supedâneo à quebra do gravame, fazendo recair penhora sobre o bem, porquanto se mostra sem efeito jurídico, não sendo certo, portanto, justificar um erro com outro. A inalienabilidade somente se desfaz com a morte do donatário. Precedentes citados: REsp 80.480-SP, DJ 24/6/1996; REsp 998.031-SP, DJ 19/12/2007, e REsp 729.701-SP, DJ 1º/2/2006. REsp 571.108-RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 28/10/2008.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE. TRÂNSITO. ESTACIONAMENTO.
Na espécie, a autora da demanda deixou seu veículo no estacionamento de aeroporto internacional e o automóvel foi retirado pelo seu filho (menor de idade), acompanhado por dois amigos (um deles maior), deixando a recorrida de exigir a exibição do comprovante de estacionamento em razão de eles informarem tê-lo perdido. Por volta das 22 h daquele mesmo dia, o referido veículo foi encontrado pela Polícia Militar totalmente avariado em decorrência da colisão contra um poste de iluminação pública, que resultou, ainda, em lesões aos seus ocupantes, dentre os quais, o filho da autora. Para o Min. Relator, é inequívoca a ausência de nexo causal entre o ato praticado pela ora recorrida (entrega do veículo ao filho da autora e seus acompanhantes sem a apresentação do respectivo comprovante de estacionamento) e o dano ocorrido (decorrente do acidente envolvendo o referido veículo horas mais tarde). É evidente que o evento danoso não decorreu direta e imediatamente da suposta inexecução do contrato de depósito estabelecido entre a recorrente e a sociedade empresarial recorrida, razão pela qual não há de se falar em responsabilidade dessa pelo ocorrido. Em matéria de responsabilidade civil – contratual ou extracontratual; objetiva ou subjetiva – vigora, no Direito brasileiro, o princípio da causalidade adequada, também denominado princípio do dano direto e imediato (art. 1.060 do CC/1916 e art. 403 do Código atual). Segundo esse princípio, ninguém pode ser responsabilizado por aquilo a que não tiver dado causa (art. 159 do CC/1916 e art. 927 do CC/2002) e somente se considera causa o evento que produziu direta e concretamente o resultado danoso. A imputação de responsabilidade civil, portanto, supõe a presença de dois elementos de fato, quais sejam: a conduta do agente e o resultado danoso, e de um elemento lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste num elo referencial, numa relação de “pertencialidade” entre os elementos de fato, e é normativo, porque tem contornos e limites impostos pelo sistema de Direito, segundo o qual a responsabilidade civil só se estabelece em relação aos efeitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente). REsp 325.622-RJ, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF da 1ª Região), julgado em 28/10/2008.
LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADA. MEDIDA PROTETIVA.
Noticiam os autos que o paciente iniciou namoro com a vítima em ambiente onde ambos trabalhavam e que, após quatro anos de namoro, certo tempo depois do término desse relacionamento, o paciente passou a espalhar panfletos difamatórios contra ela, pichar o muro de sua residência e até seu quarto, culminando com incêndio ocorrido na garagem de sua casa, o que a levou a acionar os bombeiros. Segundo a vítima, os vizinhos viram o paciente circulando em frente da casa no dia dos fatos. Consta ainda que foi instaurado inquérito policial para apurar a prática do crime ocorrido no âmbito doméstico e que o Ministério Público, ao tomar conhecimento dos fatos, propôs medida protetiva de proibição de aproximação do paciente em relação a ela e seus familiares. Irresignado com a determinação, impetrou habeas corpus no TJ, que foi denegado. Esclarece a Min. Relatora que, nesse momento, não é permitido adentrar as provas dos autos na via estreita do habeas corpus e, na fase procedimental em que o processo encontra-se, a palavra da vítima é suficiente para configurar os indícios de autoria. Ressalta que, nesse diapasão, considera-se que quatro anos de namoro configuram, para os efeitos da Lei Maria da Penha, relação doméstica ou familiar, por caracterizar relacionamento íntimo. Explica que mantém esse entendimento porque, nos casos julgados pela Terceira Seção deste Superior Tribunal (CC 91.980-MG e CC 94.447-MG), embora, por maioria, tenha a Terceira Seção decidido remeter a causa ao juiz de Direito do Juizado Especial em vez de ao juízo de Direito Criminal, fê-lo por entender que, naqueles casos específicos sob julgamento, a violência praticada contra a mulher não decorria da relação de namoro. Sendo assim, a Terceira Seção não decidiu que a relação de namoro não é alcançada pela Lei Maria da Penha. Anotou que as disposições preliminares da Lei n. 11.340/2006 dispõem, no art. 4º, que a lei (Maria da Penha) deverá ser interpretada tendo por objetivo os fins sociais a que ela se destina, considerando, especialmente, as mulheres nas suas condições peculiares, em situação de violência doméstica e familiar. Explica que, depois de o legislador chamar atenção para a interpretação correta, dispõe em seguida sobre o que configura violência doméstica para os efeitos da lei – preceitua que a unidade doméstica refere-se a todo e qualquer espaço de convívio, ainda que esporádico, que a família é considerada a união de pessoas, dentre outras, por vontade expressa e que o âmbito doméstico familiar é caracterizado por qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva com a ofendida (art. 5º da citada lei). Logo, não se trata de saber se a relação do casal caracterizou união estável ou não, se o convívio cessou ou não, basta que, em determinado momento, por vontade própria, ainda que esporadicamente, tenha havido relação de afeto, independentemente de coabitação. Para a Min. Relatora, não se pode afastar o namoro do âmbito de proteção da Lei Maria da Penha sob pena de corroborar o estado de violência apresentado todos os dias nos noticiários. Com essas colocações, entre outras, a Turma conheceu parcialmente do pedido e, nessa parte, denegou a ordem. HC 92.875-RS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada pelo TJ-MG), julgado em 30/10/2008.