quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CC. DA NECESSIDADE URGENTE DE O STF ENCERRAR O JULGAMENTO. COLUNA DO MIGALHAS DO MÊS DE NOVEMBRO


  
A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CC.
DA NECESSIDADE URGENTE DE O STF ENCERRAR O JULGAMENTO.



Flávio Tartuce[1]



O Supremo Tribunal Federal, em 31 de agosto de 2015, iniciou o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, que trata dos direitos sucessórios do companheiro. A norma tem a seguinte redação, tão criticada por parte considerável dos doutrinadores brasileiros: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Por maioria de votos, a Corte entendeu pela equiparação sucessória entre o casamento e a união estável, para os fins de repercussão geral (STF, Recurso Extraordinário n. 878.694/MG, Relator Ministro Luís Roberto Barroso). Nos termos do voto do relator, “não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição”.
No total, já são sete votos na linha da premissa fixada pelo Ministro Barroso. Além dele, os Ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia seguiram a tese para fins de repercussão geral, com o seguinte texto: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
Se prevalecer tal decisão, além da retirada do sistema do art. 1.790 do Código Civil, o companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima. Assim, concorrerá com os descendentes, o que depende do regime de bens adotado. Concorrerá também com os ascendentes, o que independe do regime. Na falta de descendentes e de ascendentes, receberá a herança sozinho, como ocorre com o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). 
O Ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos, não encerrando o julgamento, o que não nos impede de afirmar que a posição está praticamente firmada naquele Tribunal Superior, tendo impacto para todos os casos que julgarem o tema, em todas as esferas. Desse modo, para a prática do Direito das Sucessões – e também para o Direito de Família, pensamos –, passa a ser firme e majoritária a premissa da equiparação da união estável ao casamento, igualdade também adotada pelo Novo CPC, em vários de seus dispositivos e para os devidos fins processuais.
Quanto à modulação dos efeitos do decisum, de acordo também com o Ministro Relator, “é importante observar que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Assim, levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública” (STF, Recurso Extraordinário n. 878.694/MG, Relator Ministro Luís Roberto Barroso). A previsão visa à certeza e à segurança das relações jurídicas, atingindo apenas as novas divisões patrimoniais sucessórias.
Pois bem, sempre estivemos filiados à corrente que via inconstitucionalidade apenas no inciso III do art. 1.790 do Código Civil, por colocar o convivente em posição de desprestígio frente aos ascendentes e colaterais até o quarto grau, recebendo um terço do que esses recebessem. Alguns Tribunais Estaduais já tinham reconhecido a inconstitucionalidade desse último diploma, por meio do seu Órgão Especial, caso do Tribunal de Justiça do Paraná e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Todavia, o momento é de aceitar a decisão do STF, conforme expunham dois dos nossos grandes sucessionistas, os Professores Zeno Veloso e Giselda Hironaka, ícones do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e citados no voto condutor do Ministro Barroso. Assim, a inconstitucionalidade atinge toda a norma, e não apenas o inciso III do comando. A principal vantagem do julgamento é resolver a grande instabilidade jurídica sucessória verificada no Brasil desde a vigência do Código Civil de 2002, colocando fim a debates infindáveis sobre a inconstitucionalidade ou não do art. 1.790 do CC. Reiteramos que, como outros membros do IBDFAM, caso de José Fernando Simão, não víamos inconstitucionalidade em todo o comando, mas apenas no inciso III da norma. De toda sorte, pensamos ter sido a solução saudável, trazendo mais certeza para os casos futuros.
O conteúdo do julgamento até aqui prolatado tem outras grandes vantagens. Primeiro, houve o afastamento definitivo da hierarquização das famílias, o que era adotado em alguns Tribunais Estaduais, caso da decisão do Órgão Especial do Tribunal Paulista que reconheceu a constitucionalidade do art. 1.790 por tal argumento. Segundo, reconheceu-se expressamente a afetividade como valor jurídico e como princípio do Direito de Família Contemporâneo, o que igualmente foi adotado no julgamento da repercussão geral da parentalidade socioafetiva (publicado no Informativo n. 840 do STF). Terceiro, e por fim, merece destaque a interpretação civil-constitucional que orientou o julgamento, com a incidência dos princípios da igualdade e da dignidade humana, de forma imediata, às relações privadas (eficácia horizontal). Como temos sustentado em várias ocasiões, essas premissas formam diretrizes fundamentais para a interpretação do Direito de Família Contemporâneo.
Todavia, há uma necessidade urgente e inafastável, qual seja a de o Supremo Tribunal Federal encerrar o julgamento. Imaginemos quantos inventários, sejam judiciais ou extrajudiciais, estão parados, aguardando o deslinde da questão. Como destacou Anderson Schreiber em artigo recente, “todos os campos do Direito demandam segurança jurídica, mas sua exigência é ainda maior no Direito das Sucessões. A transmissão do patrimônio, por meio do seu fatiamento entre múltiplos herdeiros, é fonte frequente de conflitos com os quais ninguém ganha: a longa demora em inventários prejudica os herdeiros, que ficam privados dos bens a que têm direito; prejudica o Estado, que fica privado dos tributos incidentes; e prejudica diretamente a sociedade, abarrotando o Poder Judiciário com processos que duram, em alguns casos, mais de uma década. É usual na advocacia sucessória a percepção de que uma família só pode se dizer realmente unida se já tiver passado por um inventário, tamanha a sua capacidade de fomentar disputas” (Sucessão do companheiro no STF. Disponível em: . Acesso em 25 de novembro de 2016).
Ao final de seu texto, o jurista pede que a questão seja resolvida definitivamente, pleito que também almeja este texto. Conforme suas palavras, “o certo, todavia, é que, iniciado o julgamento da matéria, tornou-se temerário realizar partilhas judiciais ou extrajudiciais nesse período em que a Suprema Corte brasileira encontra-se na iminência de definir sua posição sobre o tema, em sentido oposto à literalidade do art. 1.790 do Código Civil. Ao mesmo tempo, com o julgamento em aberto, ainda é teoricamente possível que os Ministros revejam suas posições, desconstituindo a aparente maioria. Diante disso, há numerosas sucessões paralisadas em cartórios brasileiros, que vão se avolumando a cada dia, enquanto todos aguardam ansiosamente a palavra final do STF. (...). Se ao Direito das Sucessões não compete, repita-se, proliferar incertezas, o mesmo se aplica à atuação dos seus intérpretes, convindo ao STF proferir, o quanto antes, sua decisão final sobre essa matéria tão candente” (SCHREIBER, Anderson. Sucessão do companheiro no STF. Disponível em: . Acesso em 25 de novembro de 2016).
Além dessa necessidade de encerrar o julgamento do tema, colocando fim a mais de treze anos de debates, é preciso que o STF defina outros pontos importantes na sua tese final, para fins de repercussão geral. O primeiro deles diz respeito à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no art. 1.845 do Código Civil, outra tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões e que tem numerosas consequências. Até o presente momento não há qualquer menção a tal aspecto na tese fixada, podendo ser extraída tal conclusão apenas do voto condutor.
O segundo problema é o direito real de habitação do convivente, também debatido de forma constante nos últimos anos. Sendo certo que prevalecerá a afirmação de que o companheiro tem tal direito, qual seria a sua extensão? Terá esse direito porque subsiste no sistema o art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/1996? Ou lhe será reconhecido esse direito real de forma equiparada ao cônjuge, por força do art. 1.831 do Código Civil? Como é notório, os dois dispositivos têm conteúdos distintos, sendo necessário pacificar mais essa discussão. São questões que a nossa Corte Máxima deve responder. E o mais rápido possível.



[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Professor da Rede LFG. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico

terça-feira, 29 de novembro de 2016

RESUMO. INFORMATIVO 592 DO STJ. AGORA EM NOVO FORMATO.

RECURSOS REPETITIVOS
PROCESSO
REsp 1.361.730-RS, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 10/8/2016, DJe 28/10/2016
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Repetição de indébito de contrato de cédula de crédito rural. Prazo prescricional. Definição. Recurso repetitivo. Tema 919.

DESTAQUE
A pretensão de repetição de indébito de contrato de cédula de crédito rural prescreve no prazo de vinte anos, sob a égide do art. 177 do Código Civil de 1916, e de três anos, sob o amparo do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002, observada a norma de transição do art. 2.028 desse último Diploma Legal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a discussão, entre outras questões, a definir o prazo prescricional para o ajuizamento de repetição de indébito em contrato de cédula de crédito rural. De fato, como a ação de repetição de indébito cuida de direito subjetivo sem nota distintiva, apenas buscando a condenação do réu a uma prestação, deve submeter-se ao fenômeno da prescrição, e não da decadência. Nesse mesmo sentido, a Segunda Seção do STJ, nos julgamentos de recursos especiais representativos da controvérsia, REsp 1.360.969-RS (DJe 19/9/2016) e REsp 1.361.182-RS (DJe 19/9/2016), por maioria, consolidou o entendimento de que a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste prevista na vigência de contratos de planos de saúde ou de seguro-saúde, observada a regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002, prescreve em vinte anos (art. 177 do Código Civil de 1916) ou no prazo de três anos previsto para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV, do atual Código Civil). Em consonância com os votos referidos, consolida-se o entendimento de que o exercício da pretensão de ressarcimento daquilo que foi pago a maior pelo consumidor deve se sujeitar ao prazo prescricional trienal referente à ação de ressarcimento de enriquecimento sem causa, previsto no art. 206, § 3º, IV, do CC/2002. Nessa esteira, no que tange ao enriquecimento “sem causa”, convém destacar que a ausência de causa não diz respeito somente à inexistência de relação jurídica base entre os contratantes, mas também à falta de motivo para o enriquecimento de somente um deles sem que o outro tenha tirado proveito de qualquer espécie. Deveras, ainda que as partes possam estar unidas por relação jurídica mediata, se ausente a causa jurídica imediata e específica para o aumento patrimonial exclusivo de uma das partes, estará caracterizado o enriquecimento sem causa. Logo, o aumento patrimonial indevido pode ser discutido em ação de enriquecimento sem causa, cujo exercício está sujeito ao prazo de três anos. Por fim, saliente-se que, nas demandas em que seja aplicável a regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002, observar-se-á o prazo vintenário das ações pessoais, previsto no art. 177 do Código Civil de 1916, ante a ausência de regra específica para a hipótese de enriquecimento sem causa.

PROCESSO
REsp 1.361.730-RS, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 10/8/2016, DJe 28/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Repetição de indébito de contrato de cédula de crédito rural. Termo inicial do prazo prescricional. Definição. Recurso repetitivo. Tema 919.

DESTAQUE
O termo inicial da prescrição da pretensão de repetição de indébito de contrato de cédula de crédito rural é a data da efetiva lesão, ou seja, do pagamento.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Entre outras questões abordadas no recurso representativo da controvérsia, discutiu-se o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de repetição de indébito em contrato de cédula de crédito rural. Realmente, na ação de repetição de indébito, o termo inicial deve ser a data do pagamento, feito antecipadamente ou na data do vencimento do título, porquanto não se pode repetir aquilo que ainda não foi pago. Nesse contexto, ressalte-se que a data do vencimento, desacompanhada do pagamento, não guarda relação com o termo inicial da pretensão reparatória, cursando, mais adequadamente, com o eventual nascedouro da pretensão de revisão do contrato.

PROCESSO
REsp 1.497.831-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/9/2016, DJe 7/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de prestação de contas. Revisão de cláusulas contratuais. Impossibilidade. Recurso repetitivo. Tema 908.

DESTAQUE
Impossibilidade de revisão de cláusulas contratuais em ação de prestação de contas.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na origem, tratou-se de ação de prestação de contas ajuizada em face de banco em que se exigiu a demonstração, de forma mercantil, da movimentação financeira do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado entre as partes, desde o início do relacionamento, nos termos do art. 917 do Código de Processo Civil. Tendo em vista a especialidade do rito, não se comporta no âmbito da prestação de contas a pretensão de alterar ou revisar cláusula contratual. As contas devem ser prestadas, com a exposição, de forma mercantil, das receitas e despesas, e o respectivo saldo (CPC/1973, art. 917). A apresentação das contas e o respectivo julgamento devem ter por base os pressupostos assentados ao longo da relação contratual existente entre as partes. Nesse contexto, não será possível a alteração das bases do contrato mantido entre as partes, pois o rito especial da prestação de contas é incompatível com a pretensão de revisar contrato, em razão das limitações ao contraditório e à ampla defesa. Essa impossibilidade de se proceder à revisão de cláusulas contratuais diz respeito a todo o procedimento da prestação de contas, ou seja, não pode o autor da ação deduzir pretensões revisionais na petição inicial (primeira fase), conforme a reiterada jurisprudência do STJ, tampouco é admissível tal formulação em impugnação às contas prestadas pelo réu (segunda fase). Isso ocorre porque, repita-se, o procedimento especial da prestação de contas não abrange a análise de situações complexas, mas tão somente o mero levantamento de débitos e créditos gerados durante a gestão de bens e negócios do cliente bancário. A ação de prestação de contas não é, portanto, o meio hábil a dirimir conflitos no tocante a cláusulas de contrato, nem em caráter secundário, uma vez que tal ação objetiva, tão somente, a exposição dos componentes de crédito e débito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração de saldo credor ou devedor.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.525.109-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Plano de saúde. Demissão sem justa causa de titular. Extinção do plano coletivo empresarial. Contratação de novo plano (coletivo por adesão) com a mesma operadora. Prazo de carência. Inexigibilidade.

DESTAQUE
É ilícita a exigência de cumprimento de carência de ex-dependente de plano coletivo empresarial, extinto em razão da demissão sem justa causa do titular, ao contratar novo plano de saúde, na mesma operadora, mas em categoria diversa (coletivo por adesão).
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na origem, tratou-se de ação de anulação de cláusula contratual de plano de saúde, ajuizada em desfavor da Unimed-SP, tendo em vista a exigência de observância de prazo de carência, já cumprido em outro plano coletivo empresarial – contratado com a mesma operadora e extinto em face da demissão sem justa causa do titular. A cooperativa do plano de saúde, entre outros fundamentos, alegou que é lícita a exigência da carência, porquanto o novo plano de saúde contratado pela autora não possuía nenhuma vinculação com o anterior, que foi rescindido por ocasião da dispensa imotivada do marido. Asseverou, assim, que não há relação de continuidade entre as avenças, sendo ambos contratos independentes e autônomos. De fato, quando há a demissão imotivada do trabalhador, a operadora de plano de saúde deve lhe facultar e a seus dependentes a prorrogação temporária do plano coletivo ao qual haviam aderido, contanto que arquem integralmente com os custos das mensalidades, não podendo superar o prazo estabelecido em lei. Quanto à carência, saliente-se não haver ilegalidade ou abusividade na sua fixação no contrato de plano de saúde, contanto que sejam observados os limites legais: (i) máximo de 24 (vinte e quatro) horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência, (ii) máximo de 300 (trezentos) dias para partos a termo e (iii) máximo de 180 (cento e oitenta) dias para os demais casos. Todavia, há hipóteses em que o prazo de carência já cumprido em um dado contrato pode ser aproveitado em outro, como geralmente ocorre na migração e na portabilidade de plano de saúde, para a mesma ou para outra operadora. Com efeito, tais institutos possibilitam a mobilidade do consumidor, sendo essenciais para a estimulação da livre concorrência no mercado de saúde suplementar. Nesse contexto, no caso do ex-empregado demitido e de seus dependentes, para não ficarem totalmente desprotegidos com o término do direito de prorrogação temporária do plano coletivo empresarial (art. 30, capute §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.656/1998) ao qual haviam aderido e atendendo à função social do contrato de plano de saúde (art. 421 do CC), foi assegurada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a portabilidade especial de carências. Assim, nos termos do art. 7º-C da RN n. 186/2009 da ANS, o ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa, ou aposentado, ou seus dependentes vinculados ao plano ficam dispensados do cumprimento de novos períodos de carência na contratação de novo plano individual, ou familiar, ou coletivo por adesão, seja na mesma operadora seja em outra, desde que peçam a transferência durante o período de manutenção da condição de beneficiário garantida pelos arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1998.

PROCESSO
REsp 1.605.489-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Ação civil pública. Vinho. Rótulo. Informações essenciais. Lei n. 8.918/1994. CDC. Inaplicabilidade.

DESTAQUE
Inexiste a obrigação legal de se inserir nos rótulos dos vinhos informações acerca da quantidade de sódio ou de calorias (valor energético) presente no produto.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Tratou-se de recurso especial em que se apontou, entre outras questões, violação ao art. 2º da Lei n. 8.918/1994 e Decreto n. 6.871/2009, que dispõem sobre a padronização, classificação, registro, inspeção, produção e a fiscalização das bebidas produzidas e comercializadas por produtores, importadores e distribuidores de vinhos. Na oportunidade, o recorrente ressaltou que "não há na legislação pátria nenhuma norma que determine a indicação de calorias do vinho" e que "a obrigatoriedade das informações exigidas pela recorrida somente pode ser aferida pelo Estado no exercício regular do Poder de Polícia Sanitária". Afirmou, inclusive, que "as bebidas alcóolicas são excluídas, pela ANVISA do Regulamento RDC 360/2003 que trata de rotulagem de alimentos". Primeiramente, saliente-se que ao Estado incumbe o dever de fiscalizar a comercialização ou a publicidade de bebidas alcoólicas. Indubitavelmente o governo deve agir de modo a proteger a saúde dos consumidores e a promover a venda de produtos de qualidade no mercado. Todavia, a regulação encontra limites na livre concorrência e nos possíveis impactos que novas exigências refletem tanto nas empresas como na livre economia de mercado. Com efeito, não se nega a importância de se conhecer os ingredientes nutricionais dos produtos alimentícios. Todavia, no caso do vinho, a legislação retira tal obrigatoriedade, como se afere da legislação específica, que afasta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, haja vista o princípio da especialidade (lex specialis derrogat lex generalis). Incide no caso o art. 2º da Lei n. 8.918/1994, que prevê o registro necessário para comercialização de bebidas, bem como seu decreto regulamentador (Decreto n. 6.871/2009), que não se aplica às bebidas alcoólicas derivadas da uva. A legislação aplicável à espécie, portanto, não obriga o vinicultor a inserir nos rótulos das bebidas que comercializa – no caso, vinhos – informações acerca da quantidade de sódio ou de calorias (valor energético) contida no produto. Saliente-se, ainda, que a Resolução-RDC n. 360, de 23 de dezembro de 2003, de autoria da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), regulamentadora da Lei n. 6.437/1977, tornou obrigatória a rotulagem nutricional de alimentos embalados e comercializados nos países integrantes do Mercosul, visando proteger a saúde da população em geral. Contudo, excluiu do seu âmbito de aplicação, dentre outros produtos, as bebidas alcoólicas. Destaque-se, por oportuno, que a produção de vinho difere de outros alimentos por não possuir uma fórmula certa e ter características próprias que dificultam a informação nutricional, pois são elaborados com ingredientes únicos, exclusivos e variáveis, dependendo do tempo de armazenagem e de condições da natureza, tendo em vista o processamento das substâncias usadas, a qualidade e safra da uva e a inclusão de ácidos ou açúcar para obtenção de uma bebida mais ou menos ácida ou doce. Ademais, a análise nutricional é conduzida diferentemente por região, não havendo falar em receita padrão da bebida, sob pena de reduzir a qualidade em determinadas hipóteses e quebrar a exclusividade do produto. É considerado, em princípio, a single ingredient food (um produto singular) em muitas regulações internacionais. Finalmente, vale acrescentar que a exigência de informações adicionais impostas de maneira pontual viola frontalmente o livre exercício de determinada atividade econômica (art. 170, inciso IV, da Constituição Federal), não cabendo ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, substituir-se à lei especial e suas normas técnicas regulamentadoras, criando, indiretamente, obrigação restrita às partes, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes.

PROCESSO
REsp 1.531.094-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 18/10/2016, DJe 24/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Exercício dos direitos de vizinhança e propriedade. Ação demolitória. Janelas. Construção a menos de um metro e meio do terreno vizinho. Art. 1.301, caput, do CC. Requisito objetivo.

DESTAQUE
A proibição inserta no art. 1.301, caput, do Código Civil – de não construir janelas a menos de um metro e meio do terreno vizinho – possui caráter objetivo, traduz verdadeira presunção de devassamento, que não se limita à visão e engloba outras espécies de invasão (auditiva, olfativa e principalmente física).
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia – entre outras questões – a definir se a proibição contida no art. 1.301, caput, do CC pode ser relativizada no caso em que a abertura de janelas a menos de um metro e meio do terreno vizinho não possibilite a visão do interior do imóvel. Como cediço, as regras atinentes ao "direito de construir" limitam o uso da propriedade na medida em que visam impedir a invasão do terreno vizinho. Já a restituição da área invadida, o embargo da obra ou o pedido de demolição para a reposição do estado anterior, segundo doutrina, são também decorrência lógica do exercício do direito de propriedade, visto que a lei civil assegura ao seu titular o poder de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los "do poder de quem quer que injustamente os possua ou detenha" (art. 1.228). Logo, as regras e proibições insertas no capítulo relativo ao direito de construir possuem natureza objetiva e cogente, traduzindo verdadeira presunção de devassamento, que não se limita à visão, englobando outras espécies de invasão (auditiva, olfativa e principalmente física, pois também buscam impedir que objetos caiam ou sejam arremessados de uma propriedade a outra), de modo a evitar conflito entre os vizinhos. Desse modo a proibição é objetiva, basta para a sua configuração a presença do elemento objetivo estabelecido pela lei – construção da janela a menos de metro e meio do terreno vizinho –, de modo que independe da aferição de aspectos subjetivos relativos à eventual atenuação do devassamento visual, por exemplo.

PROCESSO
REsp 1.509.933-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Aquisição de imóvel adjudicado pela Caixa Econômica Federal. Desocupação de terceiro. Ônus do adquirente. Previsão em cláusula contratual.

DESTAQUE
A cláusula contratual que impõe ao comprador a responsabilidade pela desocupação de imóvel que lhe é alienado pela CEF não é abusiva.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia limitou-se a analisar a validade da cláusula contratual que trata da responsabilidade pela desocupação de terceiros do imóvel alienado pela CEF. A cláusula é comum em contratos de compra de imóveis de propriedade da Caixa Econômica havidos por adjudicação, arrematação ou dação em pagamento. A oferta e a relação dos imóveis são divulgadas em editais de concorrência pública em que, mesmo diante dos riscos decorrentes da ocupação prévia por um terceiro não proprietário, os adquirentes optam pela compra desses bens, vendidos por valores reduzidos pela CEF. A cláusula contratual questionada estabelece textualmente que são de responsabilidade do adquirente as providências relacionadas à desocupação do imóvel, eximindo a alienante de tal responsabilidade, inclusive no que tange à sua recuperação, em decorrência de possível depredação. A possibilidade de ocupação do imóvel por terceiros e a quem compete o ônus pela desocupação não representam surpresa aos adquirentes, pois é informação que consta expressamente do edital de concorrência pública e do contrato a ser firmado. Logo, considerando-se que as condições de aquisição do imóvel foram postas e aceitas livremente por ambas as partes, não pode o contratante, tendo ciência de que está adquirindo um imóvel ocupado por terceiros, cujo valor pago, justamente por isso, é bem mais convidativo que o de um imóvel novo, querer furtar-se da responsabilidade que livre e conscientemente assumiu. Nesse contexto, não havendo omissão sobre o fato de o bem estar ocupado por terceiro, não se afigura iníqua ou abusiva, não acarreta exagerada desvantagem para o adquirente nem cria situação de incompatibilidade com os postulados da boa-fé e da equidade a cláusula contratual que impõe ao adquirente a responsabilidade pela desocupação do imóvel. Por fim, cumpre destacar que o fato de a compra do imóvel ocorrer na esfera do Sistema Financeiro Habitacional - SFH não afasta o postulado da liberdade de contratação e a força vinculante do contrato.

PROCESSO
REsp 1.467.888-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Responsabilidade civil. Abuso de Direito. Impetração de habeas corpus. Impedimento de interrupção de gravidez. Síndrome de Body Stalk.

DESTAQUE
Caracteriza abuso de direito ou ação passível de gerar responsabilidade civil pelos danos causados a impetração do habeas corpus por terceiro com o fim de impedir a interrupção, deferida judicialmente, de gestação de feto portador de síndrome incompatível com a vida extrauterina.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia a dizer se o manejo de habeas corpus com o fito de impedir a interrupção de gestação que foi judicialmente deferida se caracteriza como abuso do direito de ação e (ou) pode gerar responsabilidade civil pelo manejo indevido de tutela de urgência, da qual teria exsurgido dano moral compensável. Inconteste a existência de dano, porquanto a interrupção da gestação do feto com síndrome de Body Stalk, que era uma decisão pensada e avalizada por médicos e pelo Poder Judiciário, e ainda assim, de impactos emocionais incalculáveis, foi sustada. Na hipótese, a certeza médica de inviabilidade de vida extrauterina consubstanciou-se em realidade, pois uma hora e quarenta minutos após o nascimento, a criança veio a óbito. Voltando, então, à análise dos limites jurídicos protetivos dos fetos, na hipótese de anencefalia, e a comparação desses elementos às circunstâncias em que um feto tenha a Síndrome de Body Stalk, ou mesmo outra síndrome que enclausure a vida ao útero, cabe enunciar de plano que, embora o Direito resguarde o nascituro, o faz na expectativa de que aquela vida intrauterina, ainda sem personalidade jurídica, possa se tornar pessoa, sujeita a todas as garantias constitucionais. No julgamento da ADPF 54, viu-se que esse tegumento protetivo-legal que envolve o nascituro se torna completamente inócuo ante a constatação de que o feto é portador de problemas de saúde, de qualquer matriz, que tornam inviável a vida extrauterina, isso porque a proteção que se projeta para o futuro labora com realidade inexistente: vida extrauterina. Inafastável se dizer que a interrupção da gravidez, por incompatibilidade com a vida extrauterina, é um minus, mesmo em relação ao aborto humanitário, pois, primeiro, mostra-se ontologicamente distinta do aborto-crime e, por segundo, encontra-se, em grau de reprovabilidade social, aquém daquele outro, no qual a vítima de estupro que engravida pode, judicialmente amparada, optar pela cessação da gestação. Na hipótese analisada na ADPF 54 e também neste recurso especial – a inviabilidade da vida extrauterina –, à intensa dor emocional soma-se o incontornável vaticínio de óbito da criança logo após o parto, se até lá chegar à gestação. Entenda-se: à indizível dor emocional, agrega-se a inexistência de vida futura a ser futuramente protegida. O intenso sofrimento vivido pela mãe, após o diagnóstico de uma síndrome que incompatibiliza a vida do feto com o ambiente extrauterino, é de tal quilate, que faz preponderar o particular direito dela à própria intimidade, liberdade e autodeterminação na condução de sua vida privada. Leia-se, também aqui, cabia só a ela, pela similaridade das condições apresentadas, dizer, diante de sua realidade emocional, da fé que professava, ou não professava, das expectativas que nutria, ou diante daquelas que deixara de alimentar, se deveria ou não interromper a gestação. A interrupção da gravidez era um direito próprio, do qual poderia fazer uso, sem risco de persecução penal posterior e, principalmente, sem possibilidade de interferências de terceiros, na tentativa de obstar sua decisão. Centrando atenção na existência ou não de abuso do direito, com a impetração do habeas corpus para impedir a interrupção da gravidez, cabe dizer que de há muito vigora a ideia de que há limites para o exercício de qualquer direito, que é dado e mensurado, pela vulneração à matriz teleológica desse próprio direito. Assim, a sôfrega e imprudente busca por um direito legítimo, que faz perecer no caminho, direito de outrem, ou mesmo uma toldada percepção do próprio direito, que impele alguém a avançar sobre direito alheio, podem ser considerados abuso de direito. A busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do pleito venha a produzir, principalmente quando ocorre hipótese de abuso de direito. No manejo do habeas corpus com pedido liminar, posteriormente recebido como mandado de segurança, houve: a) violação à intimidade e à vida privada do casal, tentando fazer prevalecer posição particular em relação à interrupção da gestação, mesmo estando os pais amparados, na decisão que tomaram, por tutela judicial; b) agressão à honra ao denominar a atitude de interrupção da gravidez sob os auspícios do Estado de assassinato; c) ação temerária (por ocasião do pedido de suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso) e a imposição aos pais – notadamente à mãe – de sofrimento inócuo. Assim, impõe-se o reconhecimento de dano ao espaço reservado à liberdade de outros e, ainda, por incúria ou perfídia, a utilização de um direito próprio – direito de ação – para impor aos pais estigma emocional que os acompanhará perenemente.

PROCESSO
REsp 1.392.314-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 20/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Sucessão processual do autor pelo herdeiro testamentário. Possibilidade.

DESTAQUE
Ocorrido o falecimento do autor da ação de investigação de paternidade cumulada com nulidade da partilha antes da prolação da sentença, sem deixar herdeiros necessários, detém o herdeiro testamentário, que o sucedeu a título universal, legitimidade e interesse para prosseguir com o feito, notadamente, pela repercussão patrimonial advinda do potencial reconhecimento do vínculo biológico do testador.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia a decidir sobre a legitimidade ad causam do herdeiro testamentário para prosseguir em ação de investigação de paternidade cumulada com nulidade de partilha proposta por autor que, a despeito de ser adotado, pleiteia o reconhecimento de paternidade biológica. Incialmente, cumpre assinalar que a relação socioafetiva estabelecida com o pai registral – a qual, inclusive, não se confunde com adoção – não impede a ação de investigação de paternidade proposta pelo filho, que tem o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de esclarecer sua paternidade biológica, com todos os consectários legais. No que toca ao direito do herdeiro testamentário, tendo ocorrido o falecimento do autor após o ajuizamento da ação, não há nenhum óbice para que ele ingresse no feito dando-lhe seguimento, autorizado não apenas pela disposição de última vontade do de cujus quanto à transmissão de seu patrimônio, mas também pelo art. 1.606 do CC, que permite o prosseguimento da ação de investigação de paternidade pelos herdeiros, independentemente de serem eles sucessores pela via legítima ou testamentária. Nessa mesma linha de entendimento, a dicção dos arts. 1.784 do CC, no sentido de que, "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários" e 43 do CPC/1973, então vigente, este último dispondo que, "ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado do disposto no art. 265". Haveria alguma dúvida apenas se a ação tivesse por objetivo, exclusivamente, o reconhecimento do vínculo biológico do autor, caso em que, estando a pretensão circunscrita à descoberta de sua origem genética, seria questionável a utilidade da sentença para além do interesse dos filhos e netos do investigante. Todavia, no caso, em que há cumulação da ação de investigação de paternidade com pedido de nulidade da partilha, é extreme de dúvida que, tendo ocorrido o falecimento do autor da ação antes da prolação da sentença, sem deixar herdeiros legítimos, detém o testamentário, que o sucedeu a título universal, legitimidade e interesse para prosseguir com o feito, tendo em vista a repercussão patrimonial que pode advir do reconhecimento ao falecido da condição de filho, porquanto, embora a ação de prova de filiação seja personalíssima, não é intransmissível.

PROCESSO
REsp 1.560.728-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 18/10/2016, DJe 28/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Condomínio de adquirentes de edifício em construção. Defesa dos interesses dos condôminos frente a construtora ou incorporadora. Aplicação do CDC.

DESTAQUE
Aplica-se o CDC ao condomínio de adquirentes de edifício em construção, nas hipóteses em que atua na defesa dos interesses dos seus condôminos frente a construtora ou incorporadora.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O recurso especial devolveu ao conhecimento do STJ questão jurídica consistente na definição da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a condomínio de adquirentes de edifício em construção nas hipóteses em que atua na defesa dos interesses dos seus condôminos frente a construtora ou incorporadora. O enunciado normativo do parágrafo único do art. 2º do CDC amplia substancialmente o conceito básico de consumidor previsto no caput para abranger a coletividade de consumidores, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, para efeito de incidência do microssistema de proteção do consumidor. A valer a ratio decidendi para reconhecer a inaplicabilidade do CDC ao condomínio e o respectivo instrumento de inversão do ônus da prova, cada um dos integrantes do condomínio seria forçado a ingressar em juízo isoladamente para obter a tutela do CDC no lugar da tutela conjunta dos direitos individuais homogêneos dos condôminos. Se o condomínio detém legitimidade para defender os interesses comuns dos seus condôminos, justamente por ser constituído da comunhão dos seus interesses (artigo 12, inciso IX, do CPC/1973; atual art. 75, inciso XI, do CPC/2015), não se pode restringir a tutela legal colocada à sua disposição pelo ordenamento jurídico. Interpretação em sentido contrário vai de encontro a toda a principiologia do CDC seja no plano material (conceito amplo de consumidor), seja no plano processual (estímulo à tutela coletiva).

PROCESSO
REsp 1.622.386-MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Julgamento de agravo regimental. Mera reprodução da decisão monocrática. Não apreciação de questões relevantes.

DESTAQUE
É vedado ao relator limitar-se a reproduzir a decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia a decidir sobre a invalidade do julgamento proferido, por ausência de fundamentação, a caracterizar violação do art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015. Sustentou-se que tribunal de origem, ao julgar o agravo regimental que interpusera, limitou-se a reproduzir a decisão monocrática do relator, sem enfrentar os argumentos deduzidos, capazes de alterar o resultado do julgamento. Conquanto o julgador não esteja obrigado a rebater, com minúcias, cada um dos argumentos deduzidos pelas partes, o novo Código de Processo Civil, exaltando os princípios da cooperação e do contraditório, impõe-lhe o dever, dentre outros, de enfrentar todas as questões capazes de, por si sós e em tese, infirmar a sua conclusão sobre os pedidos formulados, sob pena de se reputar não fundamentada a decisão proferida (art. 489, § 1º, IV). Ademais, conforme prevê o § 3º do art. 1.021 do CPC/2015, é vedado ao relator limitar-se a reproduzir a decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno, ainda que “com o fito de evitar tautologia”.

PROCESSO
REsp 1.375.540-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 18/10/2016, DJe 21/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação cautelar de arrolamento. Prévia indisponibilidade de bens. Interesse de agir. Existência.

DESTAQUE
A prévia indisponibilidade de bens não implica a falta de interesse do Ministério Público para propositura da cautelar de arrolamento de bens.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia a, além de outras questões, determinar se haveria interesse de agir para o Ministério Público Estadual ajuizar a cautelar de arrolamento de bens em razão da prévia indisponibilidade destes. A medida cautelar de arrolamento de bens constitui um procedimento, disposto no art. 855 do CPC/1973, que visa à conservação de bens ameaçados de dissipação. Nesse instrumento, não há a constrição do patrimônio, mas simples inventário dos bens do devedor. Por outro lado, o art. 36 da Lei n. 6.024/1974 prevê a indisponibilidade dos bens dos administradores de instituições financeiras que estejam em liquidação extrajudicial ou em intervenção pelo Banco Central do Brasil. Nessa hipótese, há uma restrição direta ao direito de propriedade, impossibilitando que ocorra a alienação dos bens declarados indisponíveis. A medida cautelar de arrolamento pode ser deferida para garantir a responsabilidade de administrador de instituição financeira em liquidação extrajudicial. Por sua vez, a indisponibilidade prevista no art. 36 da Lei n. 6.024/1974 tem por finalidade salvaguardar o interesse público, caso seja detectado qualquer ilícito no curso de uma intervenção ou liquidação de instituição financeira. Dessa forma, a prévia indisponibilidade de bens não causa a falta de interesse do Ministério Público para propositura da cautelar de arrolamento de bens, visto se tratarem de institutos com finalidades distintas e com efeitos diversos sobre o patrimônio afetado.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.622.102-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 15/9/2016, DJe 11/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Alienação fiduciária de imóvel. Ação de cobrança de taxa de ocupação. Bem arrematado em leilão extrajudicial. Legitimidade ad causam após a arrematação.

DESTAQUE
A legitimidade ativa para a ação de cobrança da taxa de ocupação é, nos termos do art. 37-A da Lei n. 9.514/1997, do credor fiduciário ou do arrematante do bem dado em garantia fiduciária, a depender do momento em que proposta a demanda e o período de sua abrangência. Ajuizada a ação de cobrança em momento anterior à arrematação do bem, é o credor fiduciário o legitimado para a cobrança da taxa referida. Por outro lado, proposta em momento em que já havida a arrematação, é do arrematante a legitimidade ativa da ação de cobrança da taxa de ocupação.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia dos autos consistiu na definição da legitimidade para a cobrança da taxa de ocupação, prevista pela Lei n. 9.514/1997 no art. 37-A, nos casos em que o imóvel objeto da alienação fiduciária foi arrematado por terceira pessoa. Ao romper-se a relação fiduciária por inexecução culposa do devedor fiduciante, sua posse deixa de existir a justo título, de modo que estará ele perpetrando esbulho. É assegurada, pois, ao credor fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive ao adquirente do imóvel por força do público leilão (art. 30 da Lei 9.514/1997), a reintegração de posse do imóvel, como fase jurisdicional complementar ao sistema de excussão resolutória extrajudicial da garantia fiduciária de bem imóvel por inadimplemento do devedor. Se a lei confere legitimidade ao credor fiduciário e ao arrematante para a ação de reintegração de posse, e a reintegração de posse interessa, obviamente, a quem está sendo injustamente privado da posse, também a taxa de ocupação poderá ser cobrada por ambos. Se há legitimidade concorrente para a ação de reintegração de posse, não há sentido retirá-la para a ação de cobrança da taxa de ocupação. Todavia, a afirmação de legitimidade concorrente, entre credor fiduciário e arrematante, há de ser interpretada em consonância com o princípio do não enriquecimento sem causa e a partir da determinação do sujeito de direito ao recebimento da taxa de ocupação. É que a taxa de ocupação tem por finalidade compensar o legítimo possuidor do imóvel que se encontra impedido de fruir o bem imóvel, por injusta ocupação do devedor fiduciante. A partir do momento em que caracterizada a posse injusta, quando consolidada a propriedade em nome do credor, a posse exercida pelo devedor, até então justificada pelo adimplemento de suas obrigações, deixa de ter fundamento. Dessa forma, o interesse e a consequente legitimidade do credor fiduciário existem e se mantêm até o momento da arrematação do imóvel em um dos leilões previstos pela Lei n. 9.514/1997. A partir desse momento, no entanto, o interesse do arrematante sobressai e passa a ser ele o legitimado ativo para a ação de cobrança da taxa de ocupação.

PROCESSO
REsp 913.687-SP, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 4/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Interpretação do art. 88 do CDC. Denunciação à lide.

DESTAQUE
Descabe ao denunciado à lide, nas relações consumeristas, invocar em seu benefício a regra de afastamento da denunciação (art. 88 do CDC) para eximir-se de suas responsabilidades perante o denunciante.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia em analisar a exclusão de corréu denunciado à lide em relação consumerista quando a insurgência não é arguida pelo consumidor. De fato, o Superior Tribunal de Justiça já uniformizou entendimento de que a vedação à denunciação da lide prevista no art. 88 do CDC não se restringe à responsabilidade de comerciante por fato do produto (art. 13 do CDC), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade civil por acidentes de consumo. Foi propósito do legislador não permitir a denunciação da lide de modo a não retardar a tutela jurídica do consumidor, dando celeridade ao seu pleito indenizatório, evitando a multiplicação de teses e argumentos de defesa que dificultem a identificação da responsabilidade do fornecedor do serviço. Assim, se, de um lado, a denunciação da lide (CPC/1973, art. 70) é modalidade de intervenção de terceiros que favorece apenas o réu denunciante (fornecedor, no caso), na medida em que este objetiva a responsabilização regressiva do denunciado, de outro lado, a norma do art. 88 do CDC consubstancia-se em regra insculpida totalmente em benefício do consumidor, atuando em prol do ressarcimento de seus prejuízos o mais rapidamente possível, em face da responsabilidade objetiva do fornecedor. Na hipótese, porém, de deferimento da denunciação sem insurgência do consumidor legitimado a tal, opera-se a preclusão, sendo descabido ao corréu fornecedor invocar em seu benefício a regra de afastamento da denunciação. Trata-se de direito subjetivo público assegurado ao consumidor para a facilitação de sua defesa.

PROCESSO
REsp 888.081-MG, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 15/9/2016, DJe 18/10/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Legitimidade extraordinária do Ministério Público. Ação civil ex delicto em favor de menores carentes. Existência de Defensoria Pública.

DESTAQUE
O reconhecimento da ilegitimidade ativa do Ministério Público para, na qualidade de substituto processual de menores carentes, propor ação civil pública ex delicto, sem a anterior intimação da Defensoria Pública para tomar ciência da ação e, sendo o caso, assumir o polo ativo da demanda, configura violação ao art. 68 do CPP.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia dos autos restringiu-se à legitimidade do Ministério Público para, na qualidade de substituto processual, ajuizar ação civil reparatória de danos advindos de conduta criminosa (ação civil ex delicto), nos termos do art. 68 do CPP, em favor de pessoas carentes. Perfilhando a orientação traçada pelo Excelso Pretório, que consagrou a tese da inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do CPP, a jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que o Ministério Público somente tem legitimidade para propor ação civil ex delicto em favor de pessoas pobres nas hipóteses em que a Defensoria Pública não estiver organizada no respectivo ente da Federação. No caso dos autos, as instâncias ordinárias asseveraram expressamente que, no momento da propositura da ação, a Defensoria Pública já havia sido instituída e organizada no respectivo Estado. Assim, considerando que o art. 68 do CPP teve reconhecida pelo STF sua inconstitucionalidade progressiva, na medida em que a Defensoria Pública fosse devidamente instalada em todo o País, é forçoso concluir que o reconhecimento da ilegitimidade ativa do d. Parquet, sem a anterior intimação da Defensoria Pública para tomar ciência da ação e, sendo o caso, assumir o polo ativo da ação civil ex delicto, configura violação do art. 68 do CPP.