sexta-feira, 30 de março de 2007

TJDF. DANO MORAL COLETIVO.

http://www.iob.com.br/juridico/noticia_integra.asp?id=18175

Souza Cruz e Conspiração Filmes são condenadas a pagar R$ 4 milhões em dano moral coletivo

Publicado em 16 de Março de 2007 às 12h25

A Souza Cruz e a empresa de comunicação Conspiração Filmes Entretenimento vão ter de pagar uma indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 4 milhões. Num julgamento que durou quase três horas, a 4ª Turma Cível do TJDFT reconheceu a legitimidade do Ministério Público para mover ação Civil Pública em favor dos consumidores destinatários de uma propaganda televisiva do cigarro da marca “Free”, veiculada antes da edição da lei que proibiu esse tipo de publicidade. Os Desembargadores decidiram rejeitar pedido de contrapropaganda, solicitado pelo MP, tendo em vista a desnecessidade e inutilidade da medida.
Por unanimidade de votos, a Turma classificou como “enganosa e abusiva”, nos termos do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, a propaganda que relacionou o consumo do cigarro à imagem de um jovem bem sucedido profissionalmente. Ao definir a abusividade, os Desembargadores relacionaram a deficiência de discernimento do consumidor do produto, sobretudo adolescentes e jovens que costumam gostar de filmes no formato de vídeo clipe, com sobreposição de imagens, música ágil de fundo, desenvolvido em apenas 45 segundos.
A frase utilizada pelo personagem principal do filme reforçou a convicção dos julgadores: “Vejo as coisas assim. Certo ou errado, só vou saber depois que fiz...Não vou passar pela vida sem um arranhão, eu vou deixar a minha marca”. No entendimento da Turma, as palavras do personagem tiveram conotação de infringência a regras sociais e despreocupação com as causas e conseqüências dos atos.
Houve, assim, violação ao princípio de “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”, constantes do artigo 221, IV da Constituição de 88.
Segundo os Desembargadores, o artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor não foi obedecido. Conforme essa legislação protetiva, a publicidade deve ser identificada “fácil e imediatadamente”, que não foi o caso. A Jurisprudência interpreta que, nesse caso, a identificação deve dar-se “sem qualquer esforço ou capacitação técnica”. Como a propaganda teve formato de vídeo clipe, poderia ser confundida com um filme, por exemplo.
Como se trata de dano moral coletivo, em que não se individualizam as vítimas, os R$ 4 milhões de indenização deverão ser revertidos em favor do fundo de defesa do consumidor. A previsão é do artigo 13 da Lei que disciplina a Ação Civil Pública, nº 7347/85.
A contrapropaganda exigida pelo Ministério Público desde o início da ação foi descartada por todos os julgadores. Para eles, a medida é considerada desnecessária, inútil e inoportuna, já que a propaganda do cigarro está proibida desde a edição da Lei 10.167/2003. “A legislação que veda esse tipo de publicidade foi um reconhecimento do legislador quanto à extrema nocividade do consumo do tabaco”, afirmaram.
Processo : 20040111020280

quarta-feira, 28 de março de 2007

NOVA DECISÃO DO STJ. AGORA PROTEGENDO O FIADOR

Fiadores só são obrigados a assumir débitos no limite dos contratos que assinaram
O fiador não está obrigado a assumir dívidas e outros débitos advindos de mudanças contratuais posteriores com as quais não anuiu expressamente.
A decisão, unânime, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se deu no julgamento de recurso especial originário do Paraná. Em 1995, um aluguel inicialmente acertado em R$ 100,00 foi majorado para R$ 300,00, por um acordo entre o locador e o locatário.
Com o posterior inadimplemento, o fiador foi acionado para quitar o débito. Ele não concordou com o valor a ser pago, afirmando não ter sido informado do novo acordo e muito menos ter concordado com este.
Como a decisão do Tribunal de Alçada do Paraná foi contrária ao fiador, ele recorreu ao STJ. O fiador alegou que a decisão do tribunal do Paraná ofenderia os artigos 583 e inciso IV do artigo 585 do Código de Processo Civil (CPC), pois a ação de execução da dívida não estava fundada em contrato escrito, mas apenas nos recibos apresentados pelo locador. Também haveria ofensa aos artigos 1.006 e 1483 do Código Civil (CC), já que o fiador não assumiu obrigação de arcar com aumentos no aluguel com os quais não tivesse concordado. No seu voto, o ministro relator Arnaldo Esteves Lima afirmou que não havia ofensa aos artigos do CPC, pois a ação de execução foi baseada no contrato de locação, e não nos citados recibos.
Quanto aos artigos do CC, o ministro considerou que a razão assistia em parte ao fiador.
O magistrado destacou que a jurisprudência da Casa é pacífica em indicar que o contrato de fiança deve ser interpretado de forma restritiva e que o fiador não assume aumentos posteriores no contrato, com exceção dos devidos reajustes previstos contratualmente. Esse é, inclusive, o conteúdo da súmula 214 do STJ (“O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”). O ministro Arnaldo Esteves destacou ainda que “a simples leitura dos recibos é suficiente para constatar que os pagamentos não foram realizados pelos fiadores, mas sim pelo próprio locatário-afiançado”. Ele observou que essa leitura não é vetada pela súmula 7 do STJ, que não permite o exame de prova fática pelo Tribunal. A simples verificação da existência de prova material fornecida pelo tribunal de segunda instância não ofenderia a súmula. Com essa fundamentação, o ministro concedeu parcialmente o recurso, limitando a responsabilidade dos fiadores ao que foi acertado originalmente no contrato.
Ilegitimidade na ação
O ministro Arnaldo Esteves decidiu, ainda na Quinta Turma, outro recurso especial originário do Rio Grande do Sul, também relacionado a contrato de aluguéis e fiança. No caso, houve uma ação revisional de aluguéis contra o locatório do imóvel para a qual o fiador não foi citado. O ministro considerou que, segundo a jurisprudência do Tribunal, se o fiador não for demandado na ação revisional, ele não assume responsabilidade sobre os acréscimos no contrato que porventura ocorram. O fiador é, portanto, parte ilegítima na ação [não pode ser demandado].

DECISÃO DO TJ/RS. INTERPRETAÇÃO A FAVOR DE PESSOAS COMUNS DO POVO.

Interpretação de contrato em favor de pessoas comuns do povo, de poucas luzes

Havendo dissonância entre a proposta (pré-contrato) e o contrato de promessa de compra e venda em efetivo prejuízo ao consumidor, estão feridos os princípios da informação e da força cogente da proposta. Com essa linha rescisória, a 19ª Câmara Cível do TJRS manteve sentença que revisou cláusulas de contrato de promessa de compra e venda de lote urbano, ajuizada, na comarca de Viamão (RS) por Nilva Pitrofski contra a empresa A.M.R. Frizzo Empreendimentos Imobiliários Ltda.
O desembargador Guinther Spode, relator do caso no TJRS, explica a dicotomia entre o que a empresa prometeu originalmente e, depois, documentou no contrato de promessa de compra e venda, impondo maiores encargos financeiros à consumidora. A promessa: "as prestações vencerão no mesmo dia dos meses subseqüentes reajustadas pelo IGP-M/FGV + 1% ao mês sempre com a menor periodicidade prevista em lei.”Ao transpor o compromisso inicial para um contrato de promessa de compra e venda, o reajustamento imposto pela empresa se deu de forma diversa: "fica estabelecido que sobre o saldo devedor componente das prestações ajustadas, além do reajuste pactuado neste instrumento, serão acrescidos, ainda, os juros compensatórios de um por cento (1%) para cada mês decorrido”. Resultado: o disparo do valor das prestações. Isso levou a consumidora a pedir a revisão das cláusulas, enquanto a empresa, pouco depois, ajuizou ação de rescisão contratual, por falta de pagamentos. A juíza Fabiana dos Santos Kaspary, da comarca de Viamão, julgou procedente a ação da promitente compradora e improcedente a pretensão da empresa de rescindir o contrato. "É dever de todo o fornecedor prestar as informações claras e precisas dos produtos e serviços postos à disposição dos consumidores" - afirmou o julgado de primeiro grau. A revisão autorizou que os encargos financeiros fossem exatamente aqueles do documento de proposta.
Ao fulminar a apelação da empreendedora, o desembargador Guinther Spode explica que "a única forma de interpretação dos contratos, seguindo o CDC, é pela regra inscrita no artigo 47: a interpretação mais benéfica ao consumidor".
O voto justifica: "pelo princípio da vulnerabilidade, as pessoas comuns do povo, de poucas luzes, contratam com empresa imobiliária que coloca no mercado lotes urbanos à venda com financiamento direto. É evidente o desconhecimento técnico-científico dos consumidores frente à formatação do contrato. Aderem a ele como se as cláusulas do pré-contrato estivessem sendo mantidas, quando na verdade nele resta embutido reajustamento diverso do pré-contratado". O julgado da 19ª Câmara explicita que "simultaneamente com o dever de informar, o CDC contempla o princípio da transparência, evidenciado pela obrigação do fornecedor dar ao consumidor conhecimento prévio do conteúdo do contrato (art. 4º, do CDC combinado com o art. 46, do mesmo diploma legal)".
Em síntese: "sendo descumprido tal princípio, o consumidor não está obrigado a cumprir o contrato". O advogado Valmir Oliveira da Rocha atuou em nome da compradora. (Proc. nº 70018566604).

terça-feira, 27 de março de 2007

ENTREVISTA COM O DESEMBARGADOR DO TJ/SP JOSÉ RENATO NALINI.

CONSULTOR JURÍDICO.
Judiciário será descartado se insistir em não funcionar
por Lilian Matsuura
Por que será que juízes tão eruditos, brilhantes e tecnicamente tão bem preparados, como são os brasileiros, compõem um sistema Judiciário tão lerdo e ineficiente, como este que se conhece no Brasil?
Entre as muitas respostas possíveis, o desembargador José Renato Nalini, do Tribunal de Justiça de São Paulo destaca duas.
Em primeiro lugar, porque juízes, desembargadores e ministros continuam apegados aos formalismos e às questões processuais e desconectados da realidade.
Em segundo lugar, porque um bom juiz não necessariamente é um bom administrador e o Judiciário brasileiro segue sendo mal administrado por bons juízes que nada sabem de gerenciamento.
Falta criatividade e ousadia para relativizar conceitos, como o da segurança jurídica, diz o desembargador em entrevista à Consultor Jurídico. “Estamos tão lentos que chegou a hora de desequilibrar. Para resolver o problema é preciso ter a coragem de deixar um pouco de lado a segurança jurídica”.
Por falar em erudição, Nalini acredita que não é apenas com conhecimento acadêmico que se faz um bom juiz. “O concurso para a escolha de novos juízes só avalia a capacidade de memorização do candidato, mas não avalia capacidade de trabalho, ética, vocação, talento, humildade, sensibilidade, humanismo, generosidade, bondade e compaixão dos candidatos”.
Segundo Nalini, o Judiciário peca por excesso de formalismo técnico de seus membros, de um lado, e por falta de capacidade gerencial, de outro. E da mesma forma que sugere novos métodos de seleção de juízes, ele recomenda a terceirização do recrutamento dos administradores dos tribunais: “Porque não confiar a contratação do administrador do tribunal a um headhunter como fazem as boas empresas do setor privado?”.
Com 61 anos de idade, 31 dos quais dedicados à magistratura, Nalini está convencido de que se insistir na sua disfuncionalidade, o Judiciário acabará sendo substituído, como já indica o surgimento de câmaras de conciliação e tribunais de arbitragem. “Como está o Judiciário só funciona em proveito próprio e para assegurar a irresponsabilidade do Estado, que é seu principal cliente”.
O desembargador José Renato Nalini começou como promotor de Justiça por três anos e desde 1976 atua como juiz. Ele presidiu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo por dois anos, até que houve a fusão com o Tribunal de Justiça. É mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo.
Participaram da entrevista os jornalistas Maurício Cardoso e Rodrigo Haidar.
Leia a entrevista
ConJur — O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Celso Limongi, disse, recentemente, que o tribunal não consegue cumprir a sua missão de distribuir justiça e de dar uma resposta satisfatória à sociedade. Por que não funciona?
Nalini — Porque não sabemos administrar. A maior preocupação do tribunal é com a técnica, com a doutrina. O processo está cada vez mais sofisticado. Por não ter uma autonomia científica por muito tempo, a ciência processual cresceu, ocupou o seu espaço e expeliu todas as demais. O Direito substancial praticamente deixou de existir, porque o que interessa é o processo.
ConJur — Quer dizer que os juízes e desembargadores estão deixando o conflito de lado para se apegar às questões processuais?
Nalini — Há um exagero no ritualismo e no procedimentalismo, adotando a dogmática positivista mais ortodoxa. Quando se institucionaliza a questão, perde-se o conflito de vista. Apenas as teses são discutidas e o caso concreto fica esquecido. Uma grande parcela dos processos é resolvida perifericamente. O problema continua a existir e o juiz sente-se tranqüilo porque deu uma resposta técnica. Ele pensa: “não sou obrigado a ser tutor de capazes. Ele é maior, escolheu o advogado que quis, exerceu o direito de ação, o acesso à Justiça foi assegurado, observou-se o contraditório. Agora, se o advogado que ele escolheu é incompetente, no sentido vulgar, não é problema meu”.
ConJur — O problema não está na formação desses profissionais?
Nalini — O Brasil tem 1.038 escolas de Direito. Isso significa 30 mil bacharéis a cada seis meses, expelidos como pastéis de feira. O advogado não é treinado para pacificar ou para prevenir. Ele quer entrar em juízo. Mais de um milhão de advogados são credenciados na Justiça. Outros milhões de bacharéis tentam aprovação no Exame de Ordem. Isso faz com que a magistratura, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a procuradoria, todas essas sejam opções de sobrevivência. Há um excesso de candidatos.
ConJur — É assim também na escolha dos juízes?
Nalini — É assim que se produz a magistratura. De seis mil candidatos, cem são aprovados. Esses já entram se achando muito especiais. Se ele não tem ainda esse sentimento, a própria magistratura começa a enxergá-lo assim: “agora, vocês têm a sublime missão de fazer do homem, mulher, do quadrado, redondo, do preto, branco. Você está provido da potencialidade de mudar a realidade que só Deus tem”. Há um sistema perverso, que replica a idéia de que o Judiciário existe para atender o juiz. Deixamos de lado a capacidade de trabalho, ética, vocação, talento, humildade, sensibilidade, humanismo, generosidade, bondade e compaixão. Verificamos apenas se a pessoa decorou tudo.
ConJur — Como é possível escolher com base nessas características e não no conhecimento acadêmico?
Nalini — Através de uma escola. O Instituto Rio Branco, do Itamaraty, tem um modelo eficiente de recrutamento. Os que pretendem ingressar na diplomacia estudam por dois anos no Instituto, para que a escolha se dê pela análise de seu comportamento. Esse modelo seria ideal. Na época que eu fui assessor do presidente no TJ paulista, tivemos um concurso nesses moldes, mas que não foi para frente. Durante seis meses, o candidato aprovado passava por uma avaliação e ganhava 70% do salário de um juiz substituto.
ConJur — Há um período de “experiência” para o candidato aprovado para a magistratura, não?
Nalini — O período de vitaliciamento é uma formalidade. A pessoa só não continua se for louca ou se tiver cometido um crime. O concurso é caro, leva um tempo tremendo e um desembargador fica afastado das suas funções para preparar as questões. Eles não querem admitir que, depois de tudo isso, recrutaram mal. Por isso, dão um jeito de absorver o ingressante. É um método terrível de concurso. Quando as grandes empresas precisam de um executivo, contratam uma empresa especializada, um headhunter. Em qualquer um dos Poderes da República, ele é recrutado por um grupo aleatório e empírico. Muitas vezes, as pessoas não têm a menor noção de seleção de pessoas.
ConJur — Como são escolhidos os examinadores?
Nalini — O examinador é o desembargador mais antigo. Quando chega a sua vez, tenha ou não talento ou vontade, você vai aceitar porque fica quase um ano afastado do processo. Jamais uma grande empresa vai dizer para os mais antigos recrutarem um executivo só porque são mais antigos. Não deve ser assim. Pressupõe-se que os candidatos já conheçam o Direito. O que eles precisam aprender é a ser juiz em um país de miseráveis; a entender o que é responsabilidade social e qual é o papel da magistratura. O Direito é um instrumento de preservação do status quo ou um fator de redenção? Nada disso se questiona nos concursos.
ConJur — Teria como o Tribunal de Justiça contratar um headhunter?
Nalini — O Rio Grande do Sul já fez um concurso assim. Eles sempre foram pioneiros, essas novidades sempre nascem lá. Não há nenhuma heresia em terceirizar a escolha dos juízes. A administração dos tribunais deveria ser terceirizada. Juiz não sabe ser administrador.
ConJur — Existe espaço legal para o tribunal contratar um administrador?
Nalini — Sim. Mas também existe falta de coragem, falta de ousadia. Há um medo de inovar e receio de uma revolução.
ConJur — O que o administrador pode fazer que o juiz presidente não pode?
Nalini — A nossa estrutura é anacrônica. Não é mais preciso usar papel e requerimento para fiscalizar freqüência, assiduidade, produtividade, acréscimo de benefício. É absurdo. Será que o pessoal não percebe que há empresas com frota de carros e que têm uma administração mais racional dos veículos do que a nossa? No setor de compras também. Com uma gestão eficiente, perceberíamos que não falta pessoal. Iria sobrar gente. Os funcionários seriam mais motivados desempenhando atividades mais úteis para a sociedade.
ConJur — O Tribunal poderia funcionar como uma empresa?
Nalini — Deveria. Hoje, o discurso é falta de dinheiro e funcionário. Não é bem assim. É um absurdo que, com tantas leis obrigando o processo eletrônico virtual, ainda haja o monopólio dos oficiais de Justiça nas comunicações do processo. Uma só vara tem de oito a dez oficiais. Já temos e-mail, telefone e fax mas ainda temos de usar estafetas para entregar mensagens.
ConJur — Hoje é possível fazer intimação por e-mail?
José Renato Nalini — A Lei 11.419, que entrou em vigor no dia 20 de março, ordena.
ConJur — Há resistência à modernização?
José Renato Nalini — Sim. Quando implantei o sistema de Habeas Corpus por e-mail no extinto Tribunal de Alçada Criminal, o primeiro balde de água fria veio do Ministério Público. O Decreto-Lei 552, de abril de 1969, impõe a necessidade de remessa dos autos de Habeas Corpus para o MP. Essa é uma norma que veio logo depois do Ato Institucional 5. É da época da Ditadura, em que se desconfiava do Judiciário. Conversei com o procurador-geral, expliquei que teríamos o tribunal mais rápido do mundo na tutela da liberdade. Mas não adiantou. A alegação foi que a medida ia desativar a Procuradoria de Habeas Corpus. Há ainda uma questão cultural. Quando vi que não chegavam pedidos de HC por e-mail fui até o protocolo do tribunal. Tinha uma fila enorme. Expliquei para os advogados que o pedido podia ser feito por e-mail. Eles disseram que preferiam o papel, porque era mais confiável.
ConJur — Falta dinheiro no Judiciário?
Nalini — Não. O problema é gestão. Quando presidi o Tribunal de Alçada Criminal havia 1,3 mil funcionários. Quando saí tinha 900, sem prejuízo do serviço. Houve muita reclamação. Mesmo assim, cortei uma porção de gastos. Na unificação dos tribunais, toda a inovação e o pioneirismo foram neutralizados. Fomos absorvidos pelo anacronismo. O tribunal precisa se descentralizar, conforme prevê a Constituição Federal. Não tem sentido ter 360 caciques reunidos em São Paulo.
ConJur — Como assim?
Nalini — Temos de levar o tribunal para as grandes regiões do estado. Se fizermos um levantamento, vamos ver que muitos desembargadores não moram na capital. Por que não ter câmaras do TJ em São José do Rio Preto, por exemplo? O salão do júri do fórum é usado poucas vezes por ano e pode ser usado para abrigar uma câmara. A descentralização está prevista no parágrafo 6º, artigo 125, da Constituição Federal. Mas ninguém quer fazer isso.
ConJur — Por quê?
Nalini — Falta coragem. Argumentam que não há número suficiente de processo. Não é verdade. Não é necessário reunir 100 juízes em Campinas. Basta colocar dez em Campinas, dez em Ribeirão Preto, dez em São José do Rio Preto, dez em Santos. Com isso, acaba a remessa física do processo. O advogado que mora no interior não precisa vir até aqui para fazer sustentação oral. O presidente do Tribunal de Justiça não tem condições de administrar 360 desembargadores, mais os 2 mil substitutos de segundo grau. Não falta dinheiro, não falta pessoa. Falta criatividade e ousadia para relativizar alguns dogmas que já não têm razão de ser. A segurança jurídica, por exemplo. O mundo está cada vez mais incerto. Os juízes têm de ter coragem de serem funcionais e oportunos. Quando forem invocados, dar respostas rápidas. Muitos dizem que a rapidez sacrifica a segurança jurídica. Estamos tão lentos que agora é a hora de desequilibrar. Deixar um pouco a segurança para tentar resolver o problema.
ConJur — Não tem nada mais inseguro do que essa ineficiência.
Nalini — É um suplício para a pessoa. Cria um desalento e um descrédito. No chamado mundo civilizado, você fala “Eu vou te levar à Justiça”. Aqui, o agressor fala “Vai para a Justiça”. Isso é sintomático, porque as pessoas sabem que não funciona. O Judiciário tem um corpo seleto. Os juízes são eruditos e preparados tecnicamente, mas o sistema não funciona. É preciso que esse corpo funcione e assuma uma responsabilidade para dizer “eu posso mudar a realidade, eu posso fazer Justiça”. O que é muito diferente de apenas aplicar a lei processual e ficar com a consciência tranqüila.
ConJur — Realmente é um potencial imenso.
Nalini — Existem alguns protagonismos individuais, mas o Judiciário tem fobia de que o juiz seja atípico. O segredo para sobreviver na magistratura é ficar escondido, não se sobressair. O discurso oficial é de que os juízes precisam ser criativos, transformadores da realidade, que faça Justiça e concretize as mensagens normativas da Constituição. Na prática, é diferente. Houve um tempo em São Paulo que se um juiz se destacasse muito no Juizado Especial, era direcionado para julgar em uma área que não tinha intimidade. Por exemplo, um juiz que gosta de informática, poderia ser chamado para atuar na área criminal.
ConJur — Não é preciso valorizar a primeira instância?
Nalini — A solução é insistir na formação institucional. A escola deve priorizar o conteúdo institucional da magistratura. O juiz precisa ter noção do que significa a sua decisão no caso concreto. Ele não é alguém que está completamente desvinculado do que faz. Precisa refletir sobre ser juiz em um estado periférico e iníquo. Entender o que é ter a maior carga tributária do mundo, que é uma economia que não cresce.
ConJur — A magistratura se preocupa com essa necessidade?
Nalini — Não. Ela se preocupa com o cumprimento da obrigação formal. Quer saber o número de sentenças que o juiz proferiu, se ele não falta e se não tem muitos desvios. Para sair da magistratura é preciso ser péssimo de serviço e de caráter também. Se um juiz é muito trabalhador e tem falhas no comportamento ele fica: “vamos salvá-lo porque ele trabalha direitinho”. Se é ruim no trabalho, mas tem bom caráter: “vamos salvá-lo porque ele é bonzinho”. A magistratura não se preocupa com o seu significado, com o seu sentido ou com a sua função social. O Judiciário vai ser substituído se continuar nessa disfuncionalidade, nesse distanciamento das aspirações do povo e nesse descompromisso com a Justiça. A arbitragem e a medição estão aí. Hoje, o Judiciário assegura a irresponsabilidade do Estado, que é o seu maior cliente. É uma Justiça para uso próprio.
ConJur — Distribuir Justiça é outra coisa.
Nalini — Se desse respostas à sociedade, o Judiciário seria o propulsor de outra prática social e estimularia as pessoas a pensar melhor antes de errar. E a resposta tem de ser rápida.
ConJur — Desembargador tem de se aposentar aos 70 anos?
José Renato Nalini — Não. Os 70 anos foram estabelecidos como limite em uma época em que a longevidade do brasileiro era muito reduzida. Hoje, vivemos até 90 anos. Aos 70 anos a pessoa está mais experiente e madura. Se estiver lúcida e bem de saúde, por que impedi-la de atuar? O professor Miguel Reale produziu até os 95 anos, e só parou quando morreu. Ele ficou 25 anos recebendo sem poder trabalhar. É insensato fazer isso em um país que tem tantos problemas como o Brasil. A aposentadoria compulsória é trágica para a economia e para a previdência social. Nos Estados Unidos o juiz é vitalício. Um dos problemas da Suprema Corte é convencer alguém a se aposentar. Outro ponto da discussão é a vontade dos jovens juízes de chegar ao Tribunal de Justiça. Isso torna a carreira mais cruel do que ela já é. O pessoal de baixo fica empurrando os da frente, como se o cidadão de 68 anos só estivesse ocupando espaço. É preciso repensar o plano de carreira.
ConJur — Para isso, só mudando a Constituição, não é?
Nalini — A juventude não quer essa mudança. No entanto, acena-se para a possível eliminação ou ao menos a extensão da compulsória. O presidente Lula nomeou seis ministros para o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, já tem maioria absoluta se quiser acabar com a compulsória. Depois dos 70 anos, se quiser continuar na carreira, a pessoa deve passar por uma avaliação física, psicológica e de produtividade. O fato de o jovem querer chegar logo ao ápice da carreira não deveria ser motivo para eliminar aquele que tem experiência e que pode produzir.
ConJur — O Conselho Nacional de Justiça foi muito criticado por admitir exceções que ultrapassam o teto salarial da magistratura. O senhor concorda com essa decisão?
Nalini — A questão do teto é hipócrita. O salário não suscitaria tanta discussão se o Judiciário respondesse a tempo quando é chamado para se manifestar. O que incomoda a população é a prestação de um serviço público lento, imprevisível, hermético, às vezes, prepotente. Se o juiz realmente fizesse aquilo que se espera dele, ninguém reclamaria de pagar bem a ele.
ConJur — Se há normas que prevêem que o salário não pode passar de R$ 24,5 mil, por que não cumprir?
Nalini — Não está escrito na lei. A interpretação é a vulnerabilidade ou a potencialidade do Direito. Existe a norma e existe a leitura da norma. Existe a Constituição e existe a concretização da Constituição. Vivemos em um federalismo assimétrico. Ou se contempla a situação local, ou padroniza-se tudo. Por que um juiz substituto federal começa ganhando mais do que um desembargador de São Paulo, que é alguém que tem trinta anos de carreira? Nosso Judiciário é muito sofisticado para o país pobre que temos. São cinco Justiças, entre elas a trabalhista, que não precisaria existir. O ideal seria um Poder Judiciário Nacional.
ConJur — Por que a Justiça do Trabalho não precisaria existir?
Nalini — Estamos em um estágio em que emprego não existe. A população sobrevive na informalidade, na luta. Trabalho formal é praticamente uma loteria. Temos que pensar quanto custa a Justiça do Trabalho e o que ela significa para o país. Na Justiça do Trabalho, o juiz já começa ganhando quase R$ 20 mil.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2007

BREVES NOTAS SOBRE A RECENTE DECISÃO DO STJ SOBRE O CONTRATO DE FIANÇA.

Prezados Amigos do BLOG,

Já havia visto a decisão anterior do STJ, relacionada com a Súmula 214 do STJ.
Entendo que a decisão abaixo é um retrocesso pelas seguintes razões:

1) A fiança não admite interpretação extensiva (art. 819 do CC). A cláusula contratual em questão traz uma violação a esse dispositivo, que é norma de ordem pública.

2) Pela cláusula contratual, há uma prorrogação automática do contrato, o que segundo o próprio STJ seria vedado (STJ, ERESP. 302.209-MG, 3ª Turma, julgado de 2002).

3) Pelo princípio da especialidade as normas da fiança são mais especiais do que as normas previstas para a locação, caso do art. 39 da Lei n. 8.245/91. Por isso, as normas previstas para o contrato de fiança devem prevalecer.

4) A decisão protege o mercado em detrimento do fiador, parte vulnerável da relação contratual.

5) Sendo o contrato de fiança de adesão, o que é muito comum, pode ser citado o art. 424 do CC, também como fundamento de nulidade da cláusula mencionada, como sendo abusiva (Enunciado n. 172 CJF).

Abraços a todos,

Flávio Tartuce

Do Site do Superior Tribunal de Justiça (www.stj.gov.br)
Cláusula contratual vincula fiador até a entrega do imóvel Havendo cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade dos fiadores perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação destes, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado.
Com esse entendimento, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, acolheu os embargos interpostos por Lúcia Yulico Sato para reconhecer a legitimidade passiva da fiadora em ação de cobrança proposta por ela.
No caso, Lúcia Sato moveu uma ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis contra a Associação dos Nordestinos no Tocantins – Asnoto – e contra a fiadora Maria Mirian Araújo, devido ao inadimplemento de encargos locatícios pelos quais estes se obrigaram. A 2ª Vara Cível da Comarca de Palmas (TO) exonerou da fiança Maria Araújo considerando que a fiadora estaria obrigada ao contrato somente no período de sua vigência, ou seja, de 15/6/1999 a 14/6/2000, e, em decorrência do inadimplemento neste período restringir-se ao mês de maio. Inconformada,
Sato interpôs recurso de agravo de instrumento que foi desprovido pelo Tribunal de Justiça do Estado. O recurso especial também foi negado pela Sexta Turma do STJ ao entendimento de que “a obrigação decorrente da fiança locatícia deve se restringir ao prazo originalmente contratado, descabendo se exigir do garantidor o adimplemento de débitos que pertinem ao período de prorrogação contratual, mesmo que o pacto locatício contenha cláusula nesse sentido”.
No julgamento dos embargos, o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima destacou que a matéria em exame não vinha recebendo tratamento uníssono no âmbito das Turmas que compõem a Terceira Seção. Todavia um recente julgamento, ocorrido em 22/11/2006, pôs fim à referida divergência. Na decisão, ficou estabelecido que havendo cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade dos fiadores perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação destes, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado. “Na hipótese sub judice, verifica-se a existência de cláusula contratual expressa prevendo a responsabilidade da fiadora pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato, até a efetiva entrega das chaves do imóvel. Ante o exposto, acolho os embargos de divergência a fim de reconhecer a legitimidade passiva ad causam da fiadora”, afirmou o ministro.
Superior Tribunal de Justiça - O Tribunal da Cidadania

segunda-feira, 26 de março de 2007

AULA - CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO. FAMÍLIA E SUCESÕES. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

Esse último final de semana estivemos na bela Londrina, Estado do Paraná, lecionando no curso de pós-graduação lato sensu em Direito de Família e Sucessões da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
O curso é muito bem coordenado pela Professora Claudete Carvalho Canezin, que desevolve também um belíssimo trabalho na coordenação do Escritório Modelo da UEL, prestando serviços de defensoria pública para os mais necessitados.
Agradecemos à professora pelo convite e pela nobre oportunidade de discutir a RESPOSABILIDADE CIVIL NA ÓRBITA DO DIREITO DE FAMÍLIA.

DECISÕES INTERESSANTES DO STJ. INFORMATIVO 313. 12 A 16/3/2007

AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. ACUMULAÇÃO. ENCARGOS MORATÓRIOS. A Seção, por unanimidade, reiterou seu entendimento sobre a incidência de comissão de permanência após o vencimento da dívida. Reafirmou a jurisprudência adotada desde o leading case (AgRg no REsp 706.368-RS, DJ 8/8/2005), que em sua ementa dispõe: “É admitida a incidência de comissão de permanência após o vencimento da dívida, desde que não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e ou multa contratual”. Assim, a Seção não conheceu do recurso especial. REsp 863.887-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 14/3/2007
SUSPENSÃO. ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE. MEDIDOR.
A controvérsia, nos autos, consiste em saber se é possível ou não a interrupção de fornecimento de energia elétrica em razão de inadimplemento de débitos antigos apurados pela concessionária de energia elétrica, que constatou fraude no medidor de consumo de energia. Os valores cobrados referem-se à diferença do consumo médio de energia, considerando os eletrodomésticos da residência do consumidor e os valores pagos durante o período. Destacou-se que a presente hipótese não trata de simples inadimplemento de contas antigas deixadas ao esquecimento da companhia elétrica, mas de lançamento de débito por fraude no medidor da residência da consumidora. A companhia, logo constatada a fraude, buscou cobrar o débito, tendo, inclusive, chegado a efetivar acordo com a usuária, que só pagou duas prestações. Sendo assim, é lícito, na hipótese, a concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, após aviso prévio, se a consumidora não solver a dívida. Porquanto, diante da fraude, não há dúvida quanto à existência de energia consumida que não foi quitada. Isso posto, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu provimento ao recurso da companhia. REsp 806.985-RS, Rel. originário Min. Herman Benjamin, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/3/2007
EXECUÇÃO. ALIMENTOS. ILEGITIMIDADE ATIVA. MEIO PROCESSUAL INADEQUADO.
Trata-se de ação de execução de alimentos em que a filha, assistida pela mãe, enquanto menor de idade, pleiteia alimentos do pai, ora recorrido. Durante a demanda, a filha tornou-se maior de idade e completou curso universitário, além de atualmente residir com o recorrido. Na espécie, o pai ficou inadimplente por vários anos ao não prestar alimentos constituídos por título judicial advindo de revisional de alimentos, cabendo à mãe o sustento da prole. Logo, a genitora não é parte legítima na execução dos alimentos proposta pela filha contra o pai, uma vez que apenas assistiu a menor em razão de sua incapacidade relativa, suprida pelo advento da maioridade no curso do processo. Do mesmo modo, a execução de alimentos devidos unicamente à filha não é o meio processual próprio para que a mãe busque o reembolso das despesas efetuadas. A Turma não conheceu do recurso. REsp 859.970-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/3/2007.
SEGURO SAÚDE. CÂNCER. QUIMIOTERAPIA. LIMITAÇÃO.
Pode até o plano de saúde estabelecer quais doenças estão por ele cobertas, porém não qual dos tipos de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se cobre a cirurgia cardíaca, não pode vetar o uso de stent; se coberta a de próstata, não pode impedir o uso do esfíncter artificial necessário ao controle da micção. Tal não se pode dar também com o câncer. Se essa patologia está coberta, inviável o veto à quimioterapia ao fundamento de que seria apenas uma das alternativas à cura da doença. O empeço a que o consumidor receba o tratamento mais moderno no momento em que instalada a doença coberta revela a abusividade da cláusula impeditiva que põe em risco a vida do consumidor. REsp 668.216-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 15/3/2007.
LIMINAR. BUSCA E APREENSÃO. CAUÇÃO.
Trata-se de recurso contra acórdão de Tribunal de Justiça que condicionou a concessão de liminar em ação de busca e apreensão à prestação de caução pelo credor. Esclareceu o Min. Relator que a estipulação da caução de 50% do valor do financiamento para a concessão da liminar de busca e apreensão vulnera o art. 3º do DL n. 911/1969. Acrescentou, também, que, no aresto estadual, não há nenhum fundamento a justificar o exercício do poder geral de cautela, inscrito nos arts. 789 e 799 do CPC. O único argumento levantado é no sentido de garantir-se uma potencial restituição a ser paga ao devedor. Contudo a compensação entre pretenso débito/crédito será realizada ao final do processamento do feito. Isso posto, a Turma conheceu do recurso e deu-lhe provimento. Precedente citado: REsp 776.286-SC, DJ 12/12/2005. REsp 788.782-RN, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 13/3/2007.

BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. INDICAÇÃO.
Não tem eficácia a indicação de bem à penhora quando se tratar de bem de família, podendo ser invocada a impenhorabilidade, ex vi da Lei n. 8.009/1990. Precedentes citados: REsp 242.175-PR, DJ 8/5/2000; REsp 205.040-SP, DJ 13/9/1999, e REsp 507.686-SP, DJ 22/3/2004. REsp 805.713-DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 15/3/2007

DECISÕES INTERESSANTES. INFORMATIVO STJ NÚMERO 312. 5 A 9/3/2007

FORNECIMENTO. MEDICAMENTO. BLOQUEIO. VALORES. CUMPRIMENTO. DECISÃO JUDICIAL. A Turma deu provimento ao recurso e reiterou entendimento segundo o qual é possível a concessão de tutela específica para determinar o bloqueio de valores em contas públicas, a fim de garantir o custeio de tratamento médico indispensável, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. Precedentes citados: REsp 656.838-RS, DJ 20/6/2005; AgRg no Ag 706.485-RS, DJ 6/2/2006, e AgRg no Ag 696.514-RS, DJ 6/2/2006. REsp 801.860-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 6/3/2007
CONTRATO. ABERTURA. CRÉDITO. CONTA-CORRENTE. JUROS. CAPITALIZAÇÃO. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA. REGISTRO. INADIMPLÊNCIA. Em retificação à notícia do julgamento do REsp 697.379-RS (ver Informativo n. 311), leia-se: Não é abusiva a cláusula de renovação automática do contrato de abertura de crédito. Outrossim, segundo recente orientação da Segunda Seção acerca dos juros remuneratórios e da comissão de permanência, considerando a relativa freqüência com que devedores de quantias elevadas buscam impedir a inscrição de seus nomes nos cadastros restritivos de crédito, mormente pelo ajuizamento de ação revisional de seus débitos sem nada pagar ou depositar, deve ser aplicado com cautela, segundo o prudente exame do juiz, atendendo-se às peculiaridades de cada caso, mediante o preenchimento dos requisitos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida funda-se na aparência do bom direito; c) no caso de contestação apenas de parte do débito, seja depositado o valor referente à parte incontroversa, ou preste caução idônea ao prudente arbítrio do magistrado. O Código de Defesa do Consumidor ampara o hipossuficiente em defesa dos seus direitos, mas não é escudo para inadimplentes. Ademais, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, é indevida a limitação de juros em 12%, como também é vedada a capitalização mensal dos juros, salvo nos contratos posteriores a 31/3/2000 (MP 1.963-17/2000 c/c MP n. 2.170-36/2001 ex vi do art. 2º da EC n. 32/2001). Precedente citado: REsp 527.618-RS, DJ 24/11/2003. REsp 697.379-RS, Rel Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 1º/3/2007.
ADOÇÃO. DESTITUIÇÃO. PODER FAMILIAR. Trata-se de adoção sem qualquer referência na petição inicial quanto à destituição do pátrio poder, fundada no fato de a mãe biológica ter entregue a criança um dia após o nascimento por falta de condições financeiras para sustentá-la e porque a adotanda, há mais de seis meses, está perfeitamente adaptada ao convívio dos autores, ora recorridos. A questão cinge-se em saber se, nas ações de adoção, é necessária a instauração de procedimento próprio para destituição do pátrio poder ou se, ao contrário, o pedido de destituição já estaria implícito, podendo o juiz deferi-lo incidentalmente, por ocasião da sentença. O Min. Relator, invocando precedente da Turma, destacou que o art. 45 do ECA elenca as situações em que a adoção pode ser deferida: mediante o consentimento dos pais ou representante legal do adotando; quando os pais forem desconhecidos, e, ainda, na hipótese de os pais terem sido destituídos do poder familiar. O próprio art. 24 desse estatuto afirma que a perda ou a suspensão do pátrio poder serão decretadas em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. Assim, a perda ou suspensão do pátrio poder dependerá de decisão judicial, assegurado aos pais interessados valerem-se do princípio da ampla defesa, sem o qual não haveria o contraditório. Outrossim, o disposto no art. 156, III, do mesmo estatuto não comporta a existência de pedido implícito de destituição do pátrio poder só pelo fato de ter sido requerida a adoção, conseqüentemente a ausência desse pedido importa no indeferimento por inépcia da inicial. Com esses esclarecimentos, a Turma deu provimento ao recurso do MP estadual para julgar os autores carecedores do direito de ação por impossibilidade jurídica e processual do pedido, com a ressalva de que a situação da criança não será alterada, permanecendo ela na guarda dos recorridos. Precedente citado: REsp 283.092-SC, DJ 21/8/2006. REsp 476.382-SP, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 8/3/2007.
ALIMENTOS. REDUÇÃO OU MAJORAÇÃO. APELAÇÃO. EFEITO. A Turma reafirmou a orientação firmada no REsp 623.673-SP, DJ 12/5/2004 no sentido de atribuir sempre o efeito devolutivo à apelação, seja quando há redução, seja quando há majoração de alimentos. Com esses esclarecimentos, ao prosseguir o julgamento, a Turma negou provimento ao recurso. REsp 595.209-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/3/2007
DANO MORAL. RECONVENÇÃO. SUCUMBÊNCIA. O supermercado (primeiro recorrente), em razão de ato de sua preposta, foi condenado ao pagamento de indenização de danos materiais e morais ao marido e filhos da vítima. A funcionária, ao injustamente imputar à vítima a prática de roubo, impingiu-lhe abrupta revista corporal da qual resultou desconexão da sonda abdominal que portava, mediante o rompimento de pontos cirúrgicos, o que agravou sobremaneira a já debilitada saúde da vítima, acometida de câncer terminal. Esse evento causou-lhe a necessidade de variadas intervenções cirúrgicas, que não debelaram o grave quadro de infecção, ultimando sua vida. Note-se haver reconvenção pelo supermercado, em busca da indenização de alegado dano moral resultante de notícia jornalística, ao final rechaçada. Diante desse quadro fático, a Turma entendeu que não há que se falar em violação do art. 12, V, do CPC, ao fundamento da suposta ilegitimidade dos autores, únicos herdeiros, para pleitear os ressarcimentos de gastos médicos e outros danos, materiais e morais, sofridos pela vítima. Quanto à sucumbência, anotou que o Tribunal estadual, ao considerar em conjunto ambas as lides postas (ação e reconvenção), entendeu por sobressair a vitória dos autores, o que afasta a alegação de reciprocidade da sucumbência ou a de desconsideração da sucumbência na reconvenção. Firmou, outrossim, que o dano moral não exige liquidação por arbitramento se já existem elementos suficientes para a quantificação desde logo, fixação que não importa em julgamento extra petita (art. 460 do CPC). Quanto a essa quantificação, afastou a tarifação pelo Código Brasileiro de Comunicações tomado como parâmetro e fixou a indenização em duzentos e oitenta mil reais dadas as peculiaridades do caso. Precedentes citados: REsp 155.895-RO, DJ 20/11/2000; REsp 453.703-MT, DJ 1º/12/2003; REsp 285.630-SP, DJ 4/2/2002; REsp 402.356-MA, DJ 23/6/2003; REsp 416.846-SP, DJ 7/4/2003; REsp 440.605-PA, DJ 26/5/2003, e AgRg no Ag 627.816-MG, DJ 7/3/2003. REsp 303.506-PA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 6/3/2007

terça-feira, 20 de março de 2007

LIVRO PROFESSOR CASSETTARI


Prezados Amigos e Amigas do Blog,


Gostaríamos de indicar a obra do grande amigo PROFESSOR CHRISTIANO CASSETTARI, intitulada "Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública", editada pela Editora Método.
A referida obra apresenta uma análise de alguns dos pontos controvertidos da Lei 11.441/07, além de trazer modelos de escrituras de separação, divórcio e inventário, para auxiliar advogados e notários nesse momento de adaptação com a referida legislação.
A obra também será lançada no dia 29 de março de 2007, no CLUB HOLMS, localizado na Av. Paulista, 735 - São Paulo/SP. A partir das 18 horas.

Abraços a todos,


Flávio Tartuce

segunda-feira, 19 de março de 2007

AULAS DE PÓS-GRADUAÇAO. TRT DA 5ª REGIÃO E UFBA

Esse último final de semana estivemos na linda cidade de Salvador, na Bahia, lecionando no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional do Trabalho.
O curso é oferecido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região em convênio com a Universidade Federal da Bahia, e coordenado pelo jurista Rodolfo Pamplona Filho.
Participam do curso juizes do trabalho, procuradores do trabalho e servidores da justiça.
Discorremos sobre os seguintes temas: Direito Civil Constitucional, Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, Técica de Ponderação, Princípios do Novo Código Civil segundo Miguel Reale, Diálogo das Fontes, Direitos da Personalidade, Responsabilidade Civil do Empregador, Abuso de Direito e Novos Princípios Contratuais aplicados ao contrato de trabalho (função social do contrato e boa-fé objetiva).
Os debates foram sensacionais!!! Também aprendemos muito.
Ficam aqui os nossos agradecimentos à toda equipe do TRT , da UFBA e ao amigo Pamplona, por ter dado essa oportuidade a esse jovem civilista.

quinta-feira, 15 de março de 2007

LIVRO LANÇADO. EDITORA JUSPODIVM.


Prezados Amigos e Amigas,


Gostaríamos de recomendar a obra Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual (Salvador: Juspodivm, 2ª Edição, 2007), que traz interessantes diálogos entre o direito material e processual.

O livro é coordenado pelos amigos Fredie Didier e Rodrigo Mazzei.

Participamos dessa segunda edição com o Capítulo XXII: Questões materiais e processuais envolvendo as ações de Direito de Família.

Também participam da obra: Alexandre Freitas Câmara, Arruda Alvim, Bruno Freire e Silva, Daniel Amorim Assumpção Neves, Daniel Luz Martins Carvalho, Flávio Yarshell, Fredie Didier Jr., Gabriel Pintaude, Gisele Góes, Glauco Gumerato Ramos, Guilherme Rizzo Amaral, Humberto Theodoro Jr., Barbosa Moreira, Judith Martins-Costa, Manuela Ghissoni, Pablo Stolze, Rodrigo Mazzei, Willian Santos Ferreira e Willis Santiago Guerra.

Boa Leitura a todos!!!

LANÇAMENTO DE OBRAS. EDITORA MÉTODO. DIA 29/03. CLUB HOMS. AVENIDA PAULISTA. 19 HS. DIREITO CIVIL. VOLUME 6. SUCESSÕES. COM JOSÉ FERNANDO SIMÃO.

quarta-feira, 14 de março de 2007

ADVOGADA GAÚCHA RECEBE INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA POIS SEU NOME É ASSOCIADO A EX-GAROTA DE PROGRAMA

Segue a sentença:

Espécie: AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM AÇÃO INDENIZATÓRIA
Requerente: D.P.C.S.
Requerida: MONTAURY PIMENTA MACHADO E LIOCE S.C. LTDA
Data da Prolação: 09 DE MARÇO DE 2007
Juiz Prolator: MAURO CAUM GONÇALVES
Vistos etc.
1.0) RELATÓRIO:
D.P.C.S., qualificada na inicial, moveu Ação que nominou Indenizatória por danos morais, com pedido de antecipação de tutela, em face de MONTAURY PIMENTA MACHADO E LIOCE S.C. LTDA, também qualificada, alegando ter realizado a consulta de seu nome no saite http://www.google.com.br/, cujo domínio foi registrado no Brasil em nome da demandada, e constatado que estava vinculada a páginas não condizentes com sua conduta social, ofensivas à sua honra e plagadas de termos e expressões de baixo calão e de conotação extremamente vulgar. Pretende, liminarmente, a exclusão dos conteúdos que associam seu nome a conteúdo de cunho pejorativo e injurioso, assim como indenização pelos danos morais sofridos. Juntou documentos (fls. 10 a 50).
À fl. 53 foi deferida a liminar para exclusão de resultados de pesquisa que relacionavam o nome da autora ao material ofensivo a sua reputação.Citada, a requerida compareceu aos autos e nomeou à autoria (fls. 71/97) a empresa Google Brasil Internet Ltda., alegando não ser responsável pelo saite que motivou o ajuizamento da presente ação, mas apenas prestar o serviço de registro de direitos de propriedade intelectual para a empresa Google Inc no Brasil.
A autora recusou a nomeação à autoria, do que o juízo declarou a ausência de efeito desta, determinando que a requerida apresentasse contestação (fl. 100). A demandada contestou, argüindo, como preliminar, ilegitimidade passiva sob o argumento de ser uma prestadora de serviços da empresa Google Inc. e alegando uma possível inviabilidade futura no cumprimento de eventual condenação em obrigação de fazer. Alegou ser mero escritório comercial no Brasil, sem qualquer controle ou acesso ao banco de dados do saite www.google.com.br.
No mérito, discorreu sobre a limitação de responsabilidade dos provedores de serviço de Internet e ratificou a impossibilidade de ingerência técnica em dados relativos às pesquisas realizadas. Requereu, em não sendo acolhida a preliminar, a improcedência da ação.Sobreveio réplica à contestação (fls. 126/237).
Foi o relatório.
Passo a motivar a decisão.
2.0) FUNDAMENTAÇÃO:
A matéria a ser analisada é de fato e de direito, mas não há necessidade de se produzirem outras provas em audiência, devendo-se proceder ao julgamento antecipado da lide, nos termos do disposto no art. 330, I, do CPC.2.1)
Da Preliminar de Ilegitimidade Passiva:
Analiso a preliminar de ilegitimidade passiva, argüida pela demandada.O fato do domínio http://www.google.com.br/ estar registrado no Brasil em nome da requerida restou incontroverso. Em tendo esta apontado que Google Inc. é a empresa responsável pela disponibilização da página http://www.google.com/ restou evidente que ambas empresas possuem os mesmos interesses financeiros, sendo a demandada a representante daquela no país.Nesse mesmo entendimento, o julgamento de Agravo de Instrumento proferido pela Des. Marilene Bonzanini Bernardi, em caso semelhante.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ORKUT. COMUNIDADE VIRTUAL. UTILIZAÇÃO DE FOTO ALHEIA SEM AUTORIZAÇÃO, DE FORMA PEJORATIVA. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO. GOOGLE BRASIL - ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE SER DESTINATÁRIO DA DETERMINAÇÃO DO JUÍZO REFERENTE AO ORKUT. Verificando-se que a ré participa do mesmo grupo econômico e se apresenta ao consumidor de idêntica forma que a empresa sediada nos EUA que detém o comando do ORKUT, não procede a sua alegação de impossibilidade de ser destinatária de determinações referentes ao ORKUT. Aplicação da teoria da aparência. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO DE FOTO UTILIZADA PARA ILUSTRAR PÁGINA DE COMUNIDADE. Não há qualquer óbice ao cumprimento da determinação de exclusão da foto que supostamente seria da autora e que foi utilizada para ilustrar Comunidade do ORKUT, evitando, assim, maiores dissabores e danos à autora, sem que haja, de outro lado, qualquer prejuízo ao demandado. VEDAÇÃO DE OCORRÊNCIAS FUTURAS RELACIONADAS À AUTORA. Parece complicado que a recorrente possa impedir a divulgação futura de imagem da agravada, uma vez que as informações postas no site Orkut são definidas pelos usuários, e não pela empresa. E não se cogita de suspensão de todo o serviço apenas para proteger a imagem da demandante, gerando a medida, neste caso, ônus excessivo em relação ao direito que se visa tutelar. FIXAÇÃO DE ASTREINTES Tratando-se de obrigação de fazer, perfeitamente cabível a incidência das astreintes, em consonância com o art. 461, § 5º, do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70015755952, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 09/08/2006)
No que pertine aos argumentos lançados pela demandada, acerca da impossibilidade técnica de ingerência no banco de dados do saite para exclusão das referências ofensivas à autora, entendo ter a requerida legitimidade e, por via de conseqüência, efetivas condições de atender o comando judicial da exclusão (já tendo tomado tal providência), pois é a demandada representante da empresa que cita como responsável, no Brasil.
Ante às considerações já manifestadas, entendendo ser a demandada, representante legal da empresa norte-americana no país e, por isso, solidariamente, responsável, pelos atos daquela.Afasto, assim, a preliminar de ilegitimidade invocada, consubstanciado na Teoria da Aparência.
2.2) Do Mérito:
Em que pese tenha a ação sido nominada apenas como indenizatória, se verifica que a pretensão é de cominar obrigação de fazer (a exclusão dos sites que associam o nome da autora a conteúdos de cunho pejorativo e injurioso da página da demandada), cumulada com indenização (por dano moral).
Analiso, pois, a demanda sob tais aspectos.
2.2.1) Da Cominação de Obrigação de não fazer:
No caso em tela, foram trazidas aos autos provas inequívocas do vínculo entre o nome da autora e sites não condizentes com sua conduta social. Sua imagem e sua honra, direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5° X, foram gravemente violados, considerando o teor dos documentos e o alcance mundial da humilhação.
Assim, deve a requerida fazer cessar qualquer veiculação em nome da autora relacionada a questões pejorativas ao seu caráter e que a relacionem com material ofensivo à sensibilidade social.
2.2.2) Dos Danos Morais:
Frise-se que a ocorrência dos danos morais, no caso em epígrafe, é presumida, ou seja, deriva do próprio fato ofensivo, de maneira que, provada a ofensa, no caso a divulgação de conteúdo ofensivo à honra da autora, resta demonstrado o dano.Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa.
Destarte, tenho como caracterizados os danos morais causados à demandante, devendo a requerida ser condenada ao pagamento de indenização, cujo montante passo a delimitar.
Em que pese a inexistência de critérios objetivos para a quantificação da verba indenizatória a título de danos morais, deve o julgador, munido da lógica do razoável, examinar certos elementos, entre os quais encontram-se a gravidade e repercussão do dano sofrido, a reprovabilidade da conduta e a capacidade das partes.
Segundo Carlos Alberto Bitar, em artigo publicado no Caderno de Doutrina/Tribuna da Magistratura, em julho de 1996, sobre a definição do valor da indenização por Danos Morais: “... parece-nos de bom alvitre analisar-se, primeiro: a) a repercussão na esfera do lesado, depois, b) o potencial econômico-social do lesante e c) as circunstâncias do caso, para finalmente se definir o valor da indenização...”
No caso em tela, o dano moral foi decorrente da injúria e da difamação sofridas pela autora. Frise-se que esta é mulher casada, mãe de família e profissional nas áreas do Direito e da Psicologia. O fato de seu nome ter estado associado a materiais de cunho vulgar e depreciativo à sua honra, agregado ao alcance mundial da lesão, provocou dano gravíssimo e irreparável à esfera pessoal da autora.
De acordo com os ensinamentos do emérito doutrinador Galeno Lacerda, nos casos de dano moral ocasionado por crime tipificado no Código Penal, como observado no caso em questão, devemos, considerando a unicidade do sistema jurídico, analisar conjuntamente o que dispõe o Código Penal em relação às multas decorrentes de ilícitos.Transcrevo, pela pertinência, a argumentação do ilustre professor, em artigo publicado em junho de 1996 (RT-728, p. 94 a 101): “... o máximo da pena de multa que, em tese, poder-se-á, no sistema atual do Código Penal, atribuir a qualquer delito, inclusive calúnia ou injúria, paradigma da lei civil (art. 1547) é de 5.400 salários mínimos, valor que se obtém seguindo o roteiro legal, senão vejamos:O artigo 49 do Código Penal diz que a multa máxima corresponderá a 360 dias-multa. E o valor máximo do dia-multa, diz o §1°, daquele artigo, é cinco salários mínimos. Então, 360 x 5 = 1.800 salários mínimos.Mas o artigo 60 §1°do mesmo CP salienta que “a multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo”.
Então, a multa máxima do Código Penal para qualquer delito, inclusive a injúria e a calúnia, repita-se, é de 5.400 salários mínimos.E como o artigo 1.547, parágrafo único, do Código Civil, prevê o dobro da pena pecuniária criminal, chega-se a um total máximo, no cível, de 10.800 salários mínimos”.
O entendimento do emérito doutrinador é compartilhado por este juízo, com o objetivo de fixar um valor indenizatório justo, considerando a gravidade dos danos sofridos pela autora e a condição da demandada, empresa multinacional que, como é sabido por todos, aufere lucros gigantescos em todo o planeta.
Assim, além da intensidade do sofrimento causado, é de ser considerado o poderio econômico da requerida na fixação da verba indenizatória, para que não perca o seu caráter de sanção, vez que a pena deve sempre trazer uma desvantagem maior que a vantagem auferida pelo crime/ilícito, para que exerça a prevenção sobre o ato danoso (Teoria da Prevenção).
Considerando a doutrina de Galeno Lacerda, tem-se que, sendo certo que o dano é irreparável, é justo que haja ao menos uma compensação em virtude do erro da demandada. Compensação esta que fixo em valor equivalente a 10.800 salários-mínimos, vigentes na data da publicação da presente, isto é, R$ 3.780,000,00, a serem corrigidos, desta data, monetariamente, pelo IGP-M, e acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, desde a data de cometimento do ilícito (publicação do conteúdo ofensivo à honra da autora).3.0) DISPOSITIVO:
Isso posto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por D.B.C.S. nos autos da Ação Cominatória cumulada com Ação Indenizatória, que moveu contra MONTAURY PIMENTA MACHADO E LIOCE S.C. LTDA, e comino à requerida a obrigação de fazer a exclusão dos sites que associam o nome da autora a conteúdos de cunho pejorativo e injurioso, de sua página de buscas, tornando definitiva a antecipação de tutela concedida à fl. 53; e condenando a requerida ao pagamento de uma indenização, por dano moral, no valor de R$ 3.780,000,00, corrigidos monetariamente pelo IGP-M desta data; acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, desde a data da verificação da presença do nome da autora relacionado a material não condizente com sua conduta social (11/10/2005 – fls 35-40).Condeno, ainda, a requerida a arcar com as custas processuais e com os honorários advocatícios devidos ao patrono do autor, que fixo em 20% sobre o valor da condenação pecuniária, forte no §3º, do art. 20, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Porto Alegre, 09 de março de 2007.
MAURO CAUM GONÇALVES,
Juiz de Direito da 3ª Vara Cível, 1º Juizado.

ESTATUTO DO IDOSO IMPEDE COBRANÇA ABUSIVA DE SEGURADA.

Estatuto do Idoso impede cobrança abusiva de segurada

Uma juíza de São Paulo se valeu da Lei 10.741/2003, que trata do Estatuto do Idoso, para julgar abusiva a cobrança de R$ 4.603,47 mensais pela Bradesco Saúde a uma beneficiária.A segurada utilizou o serviço, porém não efetuou o pagamento das prestações, conforme cláusula do contrato firmado por seu marido. Ficou estabelecido o direito da dependente usufruir o seguro saúde pelo prazo de cinco anos sem qualquer encargo, em caso de morte do titular. Terminado o tempo, a beneficiária deveria contratar outra apólice.Entretanto, quando procurou a Bradesco Saúde, a empresa ofereceu a transferência para outra apólice desde que fossem pagos R$ 4.603,47, por mês. Como a empresa não contestou o valor apresentado, a juíza concluiu que a seguradora cobrou, de fato, aquela quantia.De acordo com a juíza, a Bradesco Saúde teria se aproveitado da situação, ao determinar um valor exorbitante e aleatório a uma idosa, forçando a beneficiária a se desligar do plano. Por ter 73 anos, aumenta a possibilidade de utilização dos serviços médicos, hospitalares e laboratoriais, acarretando custos à empresa.A juíza recorreu ao Estatuto do Idoso, que afirma ser "vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade". Ela decidiu pelo pagamento da prestação pretendida pela beneficiária, R$ 453,00, com os reajustes anuais, uma vez que a seguradora não comprovou o valor da nova apólice.
Leia a íntegra da determinação:
PODER JUDICIARIO
São Paulo
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DO FORO REGIONAL TATUAPÉ
Vistos
Relatório dispensado nos termos do artigo 38, da Lei 9.099/95
Decido.
A presente ação é procedente.
No caso, é verdade que a autora, como dependente do titular da apólice, já falecido, se beneficiou da remissão pelo período de cinco anos, permanecendo ligada a ré sem qualquer contra-prestação, mas certo é também que a cláusula 14.3 dispõe que "no curso dos 5 (cinco) de remissão previsto nesta cláusula, os beneficiários poderão se transferir para outras apólices nas mesmas condições desta e com os custos vigentes na época em que se der a transferência, aproveitando as carências anteriores cumpridas, desde que não haja solução de continuidade na cobertura do seguro.Pois bem, a autora sustenta em sua inicial que a ré ofereceu a sua transferência para outra apólice mediante o pagamento de uma prestação mensal de R$ 4.603,47, o que não foi impugnado pela ré, nem ela indica outro valor como sendo o correto em sua contestação, o que faz concluir que aquele foi efetivamente o valor cobrado.
Ora, resta clara a abusividade da cobrança pela ré que, aproveitando de sua situação privilegiada, estipula um valor aleatório e estratosférico, dificultando a permanência do consumidor, de idade avançada, forçando-o a se desligar da empresa, certamente porque em razão da idade (73 anos) a probabilidade de utilização de serviços médicos e hospitalares aumenta e conseqüentemente o custo da ré para manutenção do beneficiário também.
Contudo, não se pode admitir esta postura, já que resulta de postura abusiva imposta pela ré, colocando o consumidor em desvantagem exagerada em relação ao fornecedor (artigo 51, inciso IV, CDC) e restringe direito fundamental da recorrida inerente á natureza do contrato por ela celebrado comprometendo o equilíbrio contratual (artigo 51, parágrafo 1°, inciso II, CDC).
Nesse ponto, vale consignar que, ao que parece, o valor informado à autora realmente foi de forma aleatória tão somente para impedir a permanência dela como usuária do plano, já que além de terem negado em realizá-lo por escrito, conforme comprovam os pedidos formais da autora juntos a ré (fls.15/17 e 59), a contestação não foi constituída com qualquer documento hábil a comprovar o valor da mensalidade a ser paga pela autora na nova apólice para qual seria transferida, quiçá que o valor é aquele alegado inicial.
E mais, no caso em tela, deve ser aplicado a Lei 10.741/2003 — Estatuto do idoso – que disciplina em seu parágrafo 3°, do artigo 15 que " é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade".
Com efeito, referida Lei deve ser imediatamente aplicada uma vez que além de se tratar de norma de ordem publica, de interesse social, que gera efeito a partir de sua vigência, se refere a contrato do tipo sucessivo de longa duração, o que exige a aplicação da nova legislação.
Em sendo assim, não se podendo cogitar em irretroatividade da lei, sendo caso de aplicação imediata pelos fundamentos acima expostos, não se pode admitir a pretensão da ré.
Quanto ao valor da prestação a ser paga pela autora, não tendo a ré impugnado de forma especifica o valor indicado na inicial, justificado pelo cálculo fornecido às fls. 16/17, contido na notificação extrajudicial recebida pela ré, nem comprovado qual o valor da nova apólice, deve ser acolhido a pretensão exposta pela autora.
Por fim, quanto ao pedido contraposto, deixo de apreciá-lo, em razão do impedimento previsto no artigo 8º, parágrafo 1º da Lei 9.099/95, que não admite pessoa jurídica no pólo ativo. Nesse sentido, inclusive, já decidiu o 5º Colégio Recursal: “Pedido de rescisão de contrato de prestação de serviços. Reconhecimento de oficio da decadência. Pedido contraposto de pessoa jurídica não admitido”. (Recurso nº 27/04, Juiz Relator, Dr. Carlos Alberto Garbi).
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE PRESENTE AÇÃO movida por Dirce dos Santos Cesário em face de Bradesco Saúde S/A para o fim de determinar a transferência da autora para outra apólice que guarde as mesmas condições da que participava, com o pagamento da mensalidade de R$ 453,00, com reajustes anuais no aniversário da apólice tornando definitiva a tutela concedida.
Deixo de condenar a vencida nas verbas da sucumbência nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95.a) o valor das custas preparo para eventual recurso é de 1% da inicial ou o valor mínimo de UFESPs, caso este valor não seja atingido, mais, o valor de 2% do valor da causa ou o valor de 05 UFESPs caso este valor não seja atingido.
Caso a sentença seja condenatória, deve ser recolhido 2% do valor da condenação ao invés de 2% do valor da causa;b) o prazo para interposição de recurso é de 10 dias, contados da intimação;c) na hipótese de não haver recurso, após o trânsito em julgado, terá prazo de 10 (dez) dias para retirar os documentos que instruíram o processo, sob pena de inutilização.
Com o trânsito em julgado, comunique-se ao Distribuidor e após 180 dias, desmontem-se os autos.
P.R.I.
São Paulo, 1 de março de 2007.
Ana Claudia dos Santos Sillas
Juíza de Direito
Revista Consultor Jurídico, 11 de março de 2007

terça-feira, 13 de março de 2007

AULA EM PRESIDENTE PRUDENTE

No último final de semana estivemos mais uma vez em Presidente Prudete (SP), lecionando na UniToledo, no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Civil e Direito Processual Civil.
Podemos confirmar e perceber a excelência do ensino daquela Faculdade de Direito, que pelo segundo ano consecutivo recebeu o selo da OAB Nacional.
Os debates envolvendo o Direito Contratual foram muito interessantes.
Ficam aqui os nossos agradecimentos à direção da Toledo, principalmente à Zelly Toledo e ao Sérgio Tibiriça, coordenadores do curso.

CASO MATEUS DA COSTA MEIRA - SHOPPING E CINEMA SÃO CONDENADOS A INDENIZAR. FORTUITO INTERNO.

Shopping e cinema são condenados no caso do atirador

por Fernando Porfírio

Se o lucro é o que predomina em toda atividade empresarial ou de serviços, o agrado ao cliente é elemento dessa atividade. Assim, a empresa responde pelo dano ao cliente ou por eventual negligência decorrente do uso de equipamentos, sistemas e serviços colocados à disposição.
Com esse fundamento, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Shopping Morumbi e o Grupo Internacional Cinematográfico a pagarem, cada um, indenização por danos morais em valor correspondente a 100 salários mínimos (R$ 35 mil) a Pablo Menna Barreto.
Cabe recurso.
Pablo foi vítima da ação do estudante de medicina Mateus da Costa Meira, que em novembro de 1999 invadiu uma das salas de cinema do Shopping Morumbi atirando com uma submetralhadora calibre nove milímetros, de uso privativo das forças armadas.
Ele matou três pessoas - Luísa Jatobá, Júlio Maurício Zemaitis e Fabiana Lobão de Freitas -, e feriu outras quatro, durante a sessão do filme Clube da Luta. Laudo do IML apontou que Mateus, que na época cursava o sexto ano de Medicina, estava sob efeito de cocaína.
Pablo alegou que teve sua vida colocada em risco, sofreu abalos psicológicos e morais e que ficou por quase dois meses sem trabalhar. Argumentou que o atirador, antes de invadir a sala de projeção, fez um disparo contra o espelho do banheiro do cinema. Segundo ele, a segurança foi informada, mas que não tomou nenhuma providência.
O shopping se defendeu alegando que o crime praticado por Mateus foge da linha de desdobramento de qualquer responsabilidade originária. Sustentou, ainda, que não poderia ser exigido do corpo de segurança qualquer outro comportamento e que a invasão da sala de projeção pelo atirador foi um fato imprevisível e inevitável.
O grupo dono dos cinemas também contestou. Argumentou que o fato se tratou de ato exclusivo de terceiro e que não houve tempo hábil para que os seguranças do shopping impedissem a tragédia.
A turma julgadora não aceitou os argumentos. Entendeu que houve negligência e omissão por parte do shopping e do grupo cinematográfico. Para o relator, Beretta da Silveira, a captação do cliente se mostrou mais interessante do que uma efetiva ação de segurança preventiva ou de pronta resposta para coibir a ação desvairada.
"Os réus bem poderiam ter cuidado da segurança de modo a impedir, primeiro, a entrada de alguém portando uma arma de fogo no interior do shopping, ou, no mínimo, no interior das salas de projeção de filmes; segundo, terem prontamente agido diante da conduta do agente causador direto do dano. Não fizeram nem uma coisa, nem outra", afirmou o relator.
"De sua negligência é que surgiu o fato potencialmente danoso aos autores, eis que foi por sua culpa (dos réus) que terceira pessoa teve acesso ao interior do shopping e, mais, ao interior da sala de projeção de filmes, local em que as pessoas estão totalmente indefesas, despreocupadas e crentes que protegidas, e à mercê de quem quer que seja, sem uma atuação eficaz de segurança por parte dos réus", concluiu Beretta da Silveira.
O caso O Ministério Público denunciou Meira em novembro de 1999 por triplo homicídio e 33 tentativas. Em 2002, o Tribunal de Justiça de São Paulo atenuou as acusações da Promotoria e manteve denúncia de três homicídios e cinco tentativas, que depois foram alteradas para quatro lesões corporais graves.
Meira foi condenado a 120 anos e seis meses de reclusão pelos três homicídios, por tentar matar quatro pessoas que ficaram feridas e colocar em risco a vida de outras 15. A sentença foi da juíza Maria Cecília Leone. A defesa recorreu da decisão. Do total, 110 anos e 6 meses deverão ser cumpridos em regime fechado pelas
três mortes e quatro tentativas de homicídio. Os outros 10 anos, por conta do crime de periclitação de vida, deverão ser cumpridos em regime semi-aberto. Entretanto, de acordo com a legislação brasileira, ninguém fica
preso mais do que 30 anos.
Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2007

terça-feira, 6 de março de 2007

III CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO PROCESSUAL. RECIFE/PE.

EXCELENTE ARTIGO. JOSÉ FERNANDO SIMÃO. O VALOR JURÍDICO DO AFETO. A NOVELA PÁGINAS DA VIDA E A PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA.

O valor jurídico do AFETO: a arte que imita a vida.

Sumário: I – A novela II – O Direito e III – A novela e o Direito.

José Fernando Simão

Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado- FAAP e do Curso de Especialização da Escola Paulista de Direito. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo, do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, do IDCLB – Instituto de Direito Comparado Luso-brasileiro e do Conselho Editorial do jornal Carta Forense. Professor de Cursos Preparatórios para Concurso Público e Exame de Ordem e de Especialização em várias Faculdades do Brasil. Advogado em São Paulo. Autor da obra Vícios do Produto no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor publicada pela ATLAS. Site: www.professorsimao.com.br

I - A novela.

Confesso que assisto às novelas há bastante tempo. Num esforço hercúleo de memória, lembro-me de, na década de 1980, ter assistido, na pacata cidade de Itapuí, onde ainda reside minha avó, ao último capítulo da novela das 7, Jogo da Vida, em que Renata Fronse (atriz da consagrada Família Trapo) corria pelo Viaduto do Chá, com uma estátua de um cupido cheia de dólares. Na cena final, a estátua se quebrava e as notas verdinhas voavam pelo Viaduto....

De lá pra cá, assisti a muitas novelas, mas confesso que em razão de minhas aulas noturnas no Curso FMB, na Escola Paulista de Direito, palestras na AASP, dentre outros, tenho tido dificuldades para acompanhar as últimas tramas.

Com a novela PÁGINAS DA VIDA não foi diferente. Entretanto, como membro do IBDFAM e estudioso do direito de família, não poderia deixar de acompanhar a novela que se encerrou no último sábado (tema amplamente debatido em nosso Curso de especialização na Toledo de Presidente Prudente).

Manoel Carlos construiu uma trama, como de costume, baseada em personagens estereotipados, no melhor estilo dual: bem de um lado e mal do outro.

De um lado estava o Léo, pobre menino rico, que representava o lado mais sombrio de certa parte da elite brasileira. Rico, irresponsável e egoísta, engravida, quando jovem, sua namorada e depois a abandona de maneira fria e sem remorsos. Detalhe: o abandono se deu no momento em que a namorada declarou-se grávida, pois o rapaz, como seria esperado em razão de sua criação, sugere o aborto como solução do “problema”.

A jovem grávida se socorre de sua família, em especial seu pai, Alex, que lhe dá todo apoio, inclusive financeiro, para que possa levar a termo a gravidez, apesar das veementes críticas da insensível mãe, Marta.

No parto, a jovem vem a falecer e então, surge a surpresa da trama: nascem duas crianças, sendo um menino e uma menina, esta portadora de Síndrome de Down. A avó Marta (vilã da novela) concorda com que a médica que fez o parto, Dra. Helena, fique com a menina e a adote, e, de maneira mentirosa, afirma ao marido Alex que a criança morreu no parto.

Em resumo: a médica adota a menina e a cria num lar de amor e carinho. Também, o avô cuida do menino com dedicação ímpar, acolhendo-o com afeto e total cumplicidade, estabelecendo-se vínculo de amizade.

Após 5 anos do nascimento das crianças, o pai, rico e poderoso, ressurge, como a fênix, das cinzas para exigir os seus direitos sobre os filhos. O pobre rapaz rico faz planos. Quer levar o filho morar no exterior, para lá estudar, aumentar a mansão da família, construindo uma quadra de tênis, re-decorar um dos quartos, para que filho tenha todos os brinquedos que desejar e assim por diante.


No decorrer da trama, consulta um advogado e propõe as demandas investigatórias de paternidade, para, então, ter sua paternidade biológica sobre os dois filhos juridicamente reconhecida. Pretende o rapaz: 1) na demanda proposta contra o avô Alex, ter a guarda do menino Francisco, ou seja, retirá-lo do avô materno que até então o criou, para poder lhe dar uma vida materialmente melhor; 2) na segunda demanda, anular a adoção efetuada pela Dra. Helena, com relação à filha Clara, para ter a guarda sobre a menina também.

Qual foi o desfecho da novela em seu capítulo final? Um embate entre a paternidade biológica e aquela decorrente do afeto.

De um lado, tínhamos Léo, o sujeito que contribuiu apenas com a doação de seu material genético, mero doador de esperma, que, inclusive, mostrou arrependimento após a doação, pois exigiu da namorada o aborto e, quando viu frustrada a sua expectativa, abandonou a jovem, sem sequer se interessar por ela ou pelos seres humanos que gestava. Pai, portanto, apenas biológico. Assim, Francisco e Clara poderiam ser chamados de filhos do DNA.

Por outro lado tínhamos o avô Alex, que se desdobrou material e emocionalmente para dar a Francisco um lar. Criava o menino em harmonia, afeto e carinho, dedicação ímpar. O laço de afeto estabelecido era forte e não precário. Também, Helena educou Clara, com tamanho carinho, que as dificuldades decorrentes da Síndrome de Down foram sendo superadas. Não poupou esforços para achar a escola adequada, abriu mão de seu trabalho para se dedicar à filha, proveu material e emocionalmente a criança visando sempre à sua felicidade.

Tínhamos, então, o avô biológico e a mãe adotiva que forneciam AFETO às crianças, ainda que o primeiro não tivesse a melhor das condições financeiras. No embate entre afeto e biologia (aliada ao poder aquisitivo invejável) não parece fácil tomar uma decisão quanto ao futuro das crianças.

Isso porque o pai Léo se arrependeu do que fez e, lentamente, criou vínculos com o menino Francisco. A adoção de Helena não contou com a concordância do avô e teve por base uma falsa informação de que a menina havia morrido. Poderia a adoção se manter se houve um vício na sua origem, ou seja, a inexistência de concordância do avô?

II – O Direito.

Há muito tempo o direito se pergunta se a parentalidade se resume à relação biológica existente entre seres humanos ou vai além do exame de DNA.

Em 1980, época em que eu iniciava o gosto pelas novelas, o Professor e grande mestre João Baptista Villela, escrevia em seu texto, então revolucionário, DESBIOLOGIZAÇÃO DA PATERNIDADE (Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 71, p. 50, 1980) que “o conceito de nascimento já não se contém nos estritos limites da fisiologia e reclama um enfoque mais abrangente, de modo a alcançar, além da emigração do ventre materno, todo o complexo e continuado fenômeno da formação e amadurecimento da personalidade, ou seja, em outros termos, há um nascimento fisiológico e outro emociona”.

Também, o Presidente do IBDFAM Rodrigo da Cunha Pereira afirma que “a simples filiação biológica não é qualquer garantia da experiência da paternidade, da maternidade ou da verdadeira filiação e, portanto, é insuficiente a verdade biológica, pois a filiação é uma construção que abrange muito mais que uma semelhança entre o DNA” (Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005).

Por fim, ensina Rolf Madaleno que “o parentesco não é somente um fato da natureza, e sim uma noção social que varia de cultura para cultura e, em verdade, qualquer adulto pode se converter em um pai psicológico, dependendo da qualidade da interação diária, porquanto o verdadeiro pai é aquele que efetivamente se ocupa da função parental” (Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004).

Assim, o parentesco contém elementos biológicos, afetivos e jurídicos.

Criada está a noção de parentalidade socioafetiva e esse é o valor jurídico do afeto. Pai não é, necessariamente, o doador de material genético, mas sim aquele que cria, cuida, ama e se preocupa, perdendo noites de sono com as doenças dos filhos, chorando com seus sucessos e conquistas, e esperando, quem sabe um dia, que em sua velhice, ocorra a retribuição.

A tirania do DNA não pode nem deve prevalecer! A certeza da paternidade biológica pode existir, mas não basta para que saibamos quem efetivamente é o pai.

Se tivesse que escolher entre ser o filho do DNA ou filho do afeto, preferiria o afeto ao material genético.

Nossos Tribunais têm reconhecido o valor jurídico do afeto:

1) “Não há dúvida que sua intenção era deixar seu patrimônio – 50% de uma velha casa de madeira em Canoas – para a enteada que sempre lhe acompanhou. Ademais, de se ver e reconhecer a possível existência de paternidade socioafetiva. Sobre a paternidade socioafetiva, doutrina Luiz Edson Fachin (FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992. p. 157, 160, 163) o seguinte: ‘Apresentando-se no universo dos fatos, a posse de estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem que estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco... A posse de estado serve para revelar a face socioafetiva da filiação... E no fundamento da posse de estado de filho é possível encontrar a verdadeira paternidade, que reside antes no serviço e no amor que na procriação... Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência ou não de posse de estado’ ”. (TJ/RS, Embargos Infringentes n. 70011650108, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, julgado em 12/08/2005).

2) ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ADOÇÃO AFETIVA. Narrativa da petição inicial demonstra a existência de relação parental. Sendo a filiação um estado social, comprovado estado de filho afetivo, não se justifica a anulação de registro de nascimento por nele não constar o nome do pai biológico. Reconhecimento da paternidade que se deu de forma regular, livre e consciente, mostrando-se a revogação juridicamente impossível. NEGADO PROVIMENTO AO APELO. SEGREDO DE JUSTIÇA (TJ/RS, Apelação Cível n. 70012613139, 7ª Câmara Cível, rel. Maria Berenice Dias, julgado em 16/11/2005).

3) EMENTA: APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE ERRO. PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA. Não restou demonstrada a alegação de erro substancial no momento em que a paternidade foi registrada. Ademais, com o tempo, restou configurada a paternidade socioafetiva, que prevalece mesmo na ausência de vínculo biológico. Descabe alterar o valor dos alimentos quando não demonstrada a alegada impossibilidade do alimentante em suportá-los. NEGARAM PROVIMENTO. (TJ/RS, Apelação Cível n. 70012504874, Oitava Câmara Cível, rel. Rui Portanova, julgado em 20/10/2005).

Pai é que cria e não quem doa material genético.

III – A novela e o Direito.

O embate entre a biologia e o afeto chegou ao fim. No último capítulo, enquanto o pai biológico se preocupava em fazer reformas na mansão em que morava (“Acho que uma quadra de tênis seria ótima para meus filhos”), os parentes do afeto (Dra. Helena e Alex) sofriam intensamente com a possibilidade de serem privados de seus meninos.

O Tribunal de Justiça fictício, com voto relatado por Eva Wilma, optou pelo afeto em detrimento das provas biológicas de paternidade. Não anulou a adoção de Helena, aplicando o princípio constitucional do melhor interesse da criança, Clara, portadora de Síndrome de Down, nem admitiu que Francisco fosse morar na luxuosa mansão, ou mesmo no exterior como desejava Léo.
Ainda que a mãe adotiva ou o avô fossem detentores de menor poder aquisitivo, mostrou a novela que, em Direito de Família, a expressão “melhores condições” (CC, art. 1584) vai muito além das condições materiais, que, na visão deturpada de certa camada a elite brasileira, resolveria qualquer problema.

O dinheiro não resolve tudo, pelo menos para o Direito de Família.

Privilegiar o afeto foi correto e educativo. Debater o tema com seriedade foi proveitoso à sociedade. Afastamo-nos da noção de ars gratia artes (a arte pela arte) para a idéia de arte como forma de reflexão.

Cabe apenas uma nota, entretanto. Em razão do arrependimento do pai, o pobre menino rico, e de seus sentimentos pelos filhos, caberia, na prática, ao Poder Judiciário ter fixado pelo menos, o direito de visita às crianças, se, em razão dos estudos dos psicólogos e assistentes sociais, ficasse comprovado que isso beneficiaria Francisco e Clara.

A ficção superou, em certos aspectos, a realidade. Reconhecer o valor jurídico do afeto é admitir que os princípios contidos na Constituição Federal efetivamente produzem efeitos sobre a legislação civil como um todo.

segunda-feira, 5 de março de 2007

DECISÃO INTELIGENTE DO STJ. "FAROFA" LIBERADA NO CINEMA.

Sexta, 2 de Março de 2007, 20h23
Fonte: INVERTIA
Justiça
STJ permite que clientes levem comida de casa ao cinema
Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferida nesta quinta-feira obriga o grupo Cinemark Brasil a permitir que seus clientes entrem nas salas de cinema portando alimentos adquiridos em outros estabelecimentos, ou mesmo trazidos de casa.
Segundo informações do site do STJ, a sentença foi baseada na lei do consumidor, que proíbe a prática da "venda casada" - ou seja, condicionar a venda de um produto ao outro.
O grupo foi à Justiça contra uma multa expedida pelo Procon do Rio de Janeiro pela irregularidade, alegando que não violava a relação de consumo porque seus clientes tinham a opção de entrar nas salas de projeção sem portar qualquer alimento. Ainda segundo a defesa, o Estado fluminense estaria interferindo na livre iniciativa ao permitir a entrada de produtos comprados em outros locais.
O STJ, no entanto, entendeu que o príncipio de não-intervenção do Estado na ordem econômica deve seguir a regras previstas no direito ao consumidor, que deve ter liberdade de escolha.
A prática de venda casada acontece quando uma empresa se aproveita de seu poder econômico ou técnico para limitar propositalmente a liberdade de escolha do consumidor.