quarta-feira, 25 de maio de 2016

EVENTO. IBDFAM EM PORTUGAL. LISBOA E COIMBRA

IBDFAM em Portugal – 31 de maio, 1 e 2 de junho de 2016.
Instituto Brasileiro de Direito de Família.

31 de maio de 2016 – Lisboa – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Sem necessidade de inscrição prévia

Local: Alameda da Universidade
1649-014 Lisboa, Portugal

Telefone: +351 21 793 9409

Horário: 10:00hs

10:00hs – Recepção na FDL pela Vice-Diretora Prof. Paula Vaz Freire

10:15hs – Palestra Prof. Fernando Araújo – Centro de Investigação de Direito Privado da FDL
Tema: “Contrato Ulisses”

11:00hs – Recepção pelo Prof.  Eduardo Vera-Cruz Presidente do Instituto de Direito Brasileiro da FDL – Visita às instalações da FDL.

12:30hs – Fim das atividades.

1 de junho de 2016 – Coimbra – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Inscrição no próprio dia 1/02 antes do início do Evento.
Inclui as atividades de 1 e 2 de junho
Custo: 100 euros por participante

Endereço: Alameda da Universidade MB, Portugal

Telefone: +351 21 798 4600

Manhã
10:00hs -  Encontro com o Diretor da Faculdade de Direito (a confirmar)            
10:30-12:30hs -  Visita à Universidade de Coimbra

Almoço livre

15:00hs -  Sessão de Abertura
Local: Sala 9 da Faculdade de Direito da UC

Prof.s Guilherme de Oliveira e José Fernando Simão

15:00 -17:15hs  - Conferências plenárias

Lucília Gago - Adoção e Apadrinhamento Civil.
Geraldo Ribeiro – Alimentos devidos a menores e Fundo de Garantia.
Giselda Hironaka  - Afeto e adoção.
Zeno Veloso  - União estável brasileira e a união de facto portuguesa.

2 de junho de 2016 – Coimbra – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Local - Hotel D. Luis – Coimbra
Endereço: Santa Clara, 3040-091 Coimbra, Portugal

Telefone: +351 239 802 120


9:30-12:30hsSessões temáticas paralelas. Debates de julgados dos Tribunais brasileiros e portugueses. Comparação dos sistemas. Juristas brasileiros indicados para exposição.

Sala 1

Parentalidade socioafetiva/Adoção e Apadrinhamento Civil
Flavio Tartuce
Rodolfo Pamplona


Sala 2

Regimes de bens
Rodrigo Toscano de Brito
Adriana Harpner

12:30hs - 14:30hs – Almoço no próprio Hotel (sem custo para os inscritos no Evento).

12:30hs -17:30 hs 

Sala 1

Sucessão legitimária/sucessão do cônjuge
Thiago Simões
Marilia Xavier

Sala 2

Alimentos devidos a menores
João Ricardo Brandão Aguirre
Rui Piva






ARTIGO. DA POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA SÚMULA 377 DO STF POR PACTO ANTENUPCIAL.

DA POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA SÚMULA 377 DO STF POR PACTO ANTENUPCIAL[1]


Flávio Tartuce.[2]


Em artigo recentemente publicado no Jornal O Liberal, de Belém do Pará, e replicado em várias páginas da internet, o Professor Zeno Veloso trouxe a debate um tema instigante, qual seja a possibilidade de afastamento da incidência da Súmula 377 do STF por meio de pacto antenupcial celebrado por cônjuges que sofrem a imposição do regime da separação legal ou obrigatória de bens, na hipótese descrita pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil.
O jurista assim relata o caso, com sua peculiar leveza de pena, sempre disposta a resolver os numerosos conflitos que lhe são levados a consulta em sua atividade profissional e acadêmica:
“Há cerca de um ano João Carlos e Matilde estão namorando. Ele é divorciado, ela é viúva. João fez 71 anos de idade e Matilde tem 60 anos. Resolveram casar-se e procuraram um cartório de registro civil para promover o processo de habilitação. Queriam que o regime de bens do casamento fosse o da separação convencional, pelo qual cada cônjuge é proprietário dos bens que estão no seu nome, tantos dos que já tenha adquirido antes, como dos que vier a adquirir, a qualquer título, na constância da sociedade conjugal, não havendo, assim sendo, comunicação de bens com o outro cônjuge. Mas o funcionário do cartório explicou que, dado o fato de João Carlos ter mais de 70 anos, o regime do casamento tinha de ser o obrigatório, da separação de bens, conforme o art. 1.641, inciso II, do Código Civil. (...). Mas João Carlos é investidor, atua no mercado imobiliário, adquire bens imóveis, frequentemente, para revendê-los. E Matilde é corretora, de vez em quando compra um bem com a mesma finalidade. Seria um desastre econômico, para ambos, que os bens que fossem adquiridos por cada um depois de seu casamento se comunicassem, isto é, fossem de ambos os cônjuges, por força da Súmula 377/STF. No final das contas, o regime da separação obrigatória, temperado pela referida Súmula, funciona, na prática, como o regime da comunhão parcial de bens. Foi, então, que me procuraram, pedindo meu parecer” (VELOSO, Zeno. Casal quer afastar a Súmula 377. Disponível em http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/333986024/ casal-quer-afastar-a-sumula-377-artigo-de-zeno-veloso. Acesso em 15 de maio de 2016).
Após tal exposição, o Mestre do Pará expõe sua opinião, sustentando que é possível o afastamento da aplicação da sumular, por não ser o seu conteúdo de ordem pública, mas sim de matéria afeita à disponibilidade de direitos. E lança uma questão de consulta, que o presente texto pretende responder: “Mas há um grupo de jovens e competentes professores brasileiros, que integram a Confraria de Civilistas Contemporâneos, formada por mais de 30 mestres (Tartuce, Mário Delgado, Simão, Toscano, Catalan, Pablo Malheiros, Stolze, para citar alguns), a quem peço um parecer sobre o tema acima exposto. Afinal, podem ou não os nubentes, atingidos pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil, afastar, por escritura pública, a incidência da Súmula 377?”.
Como um dos fundadores da citada Confraria — um grupo informal que pretende realizar encontros sociais e jurídicos de seus membros e convidados, especialmente para a congregação de vínculos de amizade e de afeto —, pretendo trazer aqui a nossa resposta, após ter consultado os amigos civilistas em nossa comunidade digital.
Estamos total e unanimemente filiados à opinião de  Zeno Veloso, levando-se em conta a opinium daqueles que se manifestaram no nosso grupo. De início, sem dúvida, a Súmula 377 do STF — do remoto ano de 1964 —, traz como conteúdo matéria de ordem privada, totalmente disponível e afastada por convenção das partes, não só no casamento, como na união estável. Vale lembrar que, pelo teor da sua ementa, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Pontue-se que, após muito debate na doutrina e na jurisprudência, tem-se aplicado a súmula integralmente, sem a necessidade de prova do esforço comum dos cônjuges para que haja a comunicação de bens, como destaca o próprio professor em seu texto.
Em outras palavras, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe dar a última palavra a respeito do Direito Privado desde a Constituição Federal de 1988, praticamente transformou o regime da separação legal ou obrigatória de bens em um regime de comunhão parcial. Assim concluindo, por todos, entre os últimos julgamentos: “no regime da separação obrigatória, comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, sendo presumido o esforço comum (Súmula n. 377/STF)” (STJ, AgRg no AREsp 650.390/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 03/11/2015).
Além da clareza do argumento, no sentido de se tratar de matéria de ordem privada e, portanto, disponível, acrescente-se, como pontuou Mário Luiz Delgado em nossos debates, que “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” (art. 1.639, caput, do Código Civil). A única restrição de relevo a essa regra diz respeito às disposições absolutas de lei, consideradas regras cogentes, conforme consta do art. 1.655 da mesma codificação, o que conduziria à nulidade absoluta da previsão. A título de exemplo, se há cláusula no pacto que afaste a incidência do regime da separação obrigatória, essa será nula, pois o art. 1.641 do Código Privado é norma de ordem pública, indisponível, indeclinável pela autonomia privada.
Todavia, não há qualquer problema em se afastar a Súmula 377 pela vontade das partes, o que, na verdade, ampliaria os efeitos do regime da separação obrigatória, passando esse a ser uma verdadeira separação absoluta, em que nada se comunica. Tal aspecto foi muito bem desenvolvido por José Fernando Simão também nos debates que travamos.
Em suma, Mestre Zeno Veloso, sim, podem os nubentes, atingidos pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil, afastar, por escritura pública, a incidência da Súmula 377. Acreditamos que tal afastamento constitui um correto exercício da autonomia privada, admitido pelo nosso Direito, que conduz a um eficaz mecanismo de planejamento familiar, perfeitamente exercitável por força de ato público, no caso de um pacto antenupcial (art. 1.653 do CC/2002).




[1] Coluna Família e Sucessões do informativo Migalhas. Maio de 2016. www.migalhas.com.br.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu da EPD, sendo coordenador dos últimos. Diretor do IBDFAM – Nacional e IBDFAM/SP. Advogado e consultor jurídico

domingo, 22 de maio de 2016

PADRASTIO: DE UMA CONSTRUÇÃO AFETIVA PARA UM ESTATUTO JURÍDICO. ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Padrastio: de uma construção afetiva para um Estatuto jurídico


Jones Figueirêdo Alves

01. O afeto de uma relação é construído na medida da sua inteira disponibilidade. “Valor, respeito e apego”, diria Joseph Raz, filósofo do Direito no Balliol College, de Oxford, diante da universalidade do tema e em experiência de singularidades. Quando, porém, a construção afetiva sujeita-se a determinados efeitos jurídicos, cumpre verificar em quais medidas há de ser compreendido esse afeto, espontâneo e construído na relação existente. É o caso do padrastio, onde a figura do padrasto não implica na consequente figura de pai socioafetivo do seu enteado e em não ser assim também não implica na inexorável ausência de afeição na relação com aquele.

Padrasto ordinariamente representa o pai substituto, no contexto familiar, quando quem não sendo o pai biológico, presume-se receptor de responsabilidades paternais, em face de união existente com aquela(e) que já tenha filhos, havidos de união pretérita. Ou seja, perante os enteados. Mais precisamente, enteados aqueles “nascidos antes” (natus) do relacionamento então vigente.

Poderá ocorrer, na hipótese, uma paternidade por opção, em manifestação espontânea de uma relação paterno-filial quando o padrasto exercita o papel do pai como guardião e protetor, nos plano afetivo-emocional e socio-jurídico, a tanto admitir possa ele se contrapor à figura do pai biológico. Essa ocupação de papéis (pai-filho x filho-pai) fundados no afeto existente entre eles, como se pai e filho fossem por vínculo genético, edifica uma realidade que tem sido interpretada juridicamente, como a socioafetividade levada ao status de uma paternidade manifesta, aquela que mais se identifica em sua substância, porque consolidada e reconhecida pela afeição subjacente que a caracteriza.
Em situação adversa, poderá ocorrer, todavia, uma relação incolor, inodora e inerte, onde o vínculo existente será apenas o vínculo civil, ou conforme a leitura do art. 1.595 do Código Civil, por mera ficção jurídica, um vínculo por afinidade, sem implicações maiores de relações de afeto.  O padrasto não declina de sua condição de terceiro, não pretendendo assumir a qualidade substituta de pai, colocando-se apenas expectador de um núcleo familiar contido na relação originária.

No ponto, bem de ver que o artigo 1.636 do Código Civil contribui (infelizmente), nessa linha, ao afasta-lo de qualquer interferência sobre o exercício do poder familiar, cuja regência continua exclusivamente pertencente aos pais, nada obstante esteja ou possa estar o padrasto, em boa medida, a prestar apoio à formação adequada dos enteados. Ou seja, falta-lhe o devido papel jurídico diante da realidade jurígena das famílias reconstituídas (reconstitutedfamily) ou chamadas famílias recompostas (blendedfamily), quando os recasamentos o colocam em cena diante da nova família, protagonista que nele se presta a um desempenho efetivo.

Com efeito, acentua-se, de saída, que as novas configurações familiares estão a exigir, inevitavelmente, inegável moldura jurídica que sustente os vínculos afetivos ou meramente civis existentes entre padrastos e enteados, a se entender, de um lado, que (i) o padrastio não constitui, em modo, uma “paternidade instantânea”, com deveres e direitos próprios e de outro (ii) está a exigir, sempre, uma “dinâmica de recomposição da linha de substituição utilizada: integração ou exclusão” (QUEIROZ ROSALINO, 2013).

Dentro do novo sistema familiar, importa, antes, a definição do padrasto como elemento e pressuposto de uma multiparentalidade exsurgente, para o efeito jurídico do seu reconhecimento adequado, a tempo de não negando a paternidade biológica precedente estabelecer, em urgente conveniência, o aprendizado do seu papel jurídico.

Lado outro, significativos julgados estão a editar indicadores iniciais para um Estatuto Jurídico do Padrastio, quando, exemplificativamente, admitem:
(i) a legitimidade ativa do padrasto para o pleito de destituição do poder familiar em procedimento contraditório, diante do seu legitimo interesse de adotar o filho do outro cônjuge ou companheiro em modalidade da adoção unilateral prevista no parágrafo único do artigo 1.626 do CC (STJ – Terceira Turma, REsp. nº 1.106.637-SP, Rel. min. Nancy Andrighi, j. em 01.06.2010);

(ii) a legitimidade ativa de enteado, diante do reconhecimento da filiação socioafetiva entre vitima e aquele, para o pagamento de seguro DPVAT (TJMG, 3ª Câm,. Cível, Apel. Cível nº 1.0384.08.071230-8/001, Rel. Des. Albegaria Costa, j. em 09.02.2012);

(iii) a prevalência do caráter socioafetivo da convivência do falecido (pai registral) com o filho da companheira, a elidir falsidade ideológica do registro de nascimento e tornar incabível pretensão anulatória do ato pretendida por herdeiros (STJ – 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha).

02. Juridicidades. Às relações afetivas exige-se que sejam escritas com história própria e pessoal, suficientes ao seu efetivo reconhecimento e em obtenção dos efeitos jurídicos pertinentes; por isso que, “nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e socio-afetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramento devem pautar as decisões (STJ - Terceira Turma; REsp. nº 2006/0070609-4-SP, Rel. min. Nancy Andrighi, j. em 17.05.2007). Induvidosamente que sim.

Nesse conduto, o protagonismo do padrasto nas famílias recompostas constitui situação jurídica indeclinável, porquanto ele e enteado colocam-se integrantes das mesmas relações familiares, nomeadamente vivenciadas por ambos e entre si. Designadamente, em contexto da vida em comum, é o terceiro que se coloca em convivência diante da autoridade parental originária.

Mais ainda se acentua o protagonismo quando o padrasto assume uma paternidade fática sobre o filho da companheira, de pai ignorado ou não figurante do registro civil. Todas as peculiaridades de caso revelam, portanto, um universo normativo que se exige mais dinâmico, a observar as situações especificadas.

Não há negar que o direito carece contextualizar, no plano jurídico, as famílias recompostas (stepfamilies), sempre mais numerosas, para assinalar, com as devidas adequações, a figura do padrastio. Primeiros ensaios nessa ordem ocorreram com a lei francesa de 04 de março de 2002, contemplando a intervenção de terceiros na vida das crianças, e com maior destaque, o ordenamento jurídico inglês, que disciplinou com exaustividade a questão, institucionalizando o papel do padrasto.

Interessante observar a tendência de uma repartição de responsabilidades parentais, entre pais e padrastos que conduzem, com boa nota, à pluriparentalidade. Significativa, nesse alcance, a Civil Partnership Bill, lei de parceria civil de 2004, do Parlamento do Reino Unido, que entre diversas disposições, estabelece a “responsabilidade de razoável manutenção de um parceiro e seus filhos”.

As relações presentes de conjugalidade ou de convívio do terceiro com o genitor dos filhos havidos anteriormente, cominam com uma inexorável responsabilidade daquele, em padrastio, com os filhos do outro parceiro, notadamente no plano das obrigações alimentares quando esses se achem inseridos no núcleo familiar superveniente e durante o período de convívio.

Ou seja, as obrigações alimentares são inerentes no curso de tempo da união e cessam com a sua dissolução, como, exemplificativamente, restringe o direito argentino em seu novo Código Civil (Lei 26.994/20 14), vigendo desde 01.08.2015:

Art. 676. Alimentos. La obligación alimentaria del cónyuge o conviviente respecto de los hijos del otro, tine caráter subsidiario. Cesa este deber em los casos de disolución del vínculo conyugal o ruptura de la convivencia. (...)”
As responsabilidades parentais do padrastio ganham, todavia, maior relevo, quando os enteados perdem o genitor com o qual convivia o padrasto, impondo, com efeito, a assunção da responsabilidade plena, mais ainda a saber da inexistência de outros familiares diretos e/ou do próprio pai biológico.

Anota-se que o artigo 2.009, 1., “f”, do Código Civil português ao referir sobre pessoas obrigadas a alimentos, colocam vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada, “o padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste”.

Aspectos relevantes ganham lugar no trato da repartição de responsabilidades parentais para incluir o terceiro, como o padrasto quase-parente, pai-substituto (de ocasião ou não), tudo a exigir latitudes maiores de previsão legislativa.

Em sua obra “Direito Civil. Famílias”, PAULO LOBO (2011), refere ao artigo 1.687, “b” do Código Civil Alemão (BGB - Bürgerliches Gesetzbuch), onde permitido ao padrasto e à madrasta, o “direito de codecisão com seu cônjuge nas questões da vida diária do filho, se aquele(a) detiver a guarda unilateral”, a depender do comum acordo com o outro genitor. Ele cita a doutrina de WILFRIED SCHLUTER que denominou situações que tais como o exercício de um “pequeno direito de guarda”.

3. Conclusões. Pois bem. Malgrado o que dita o artigo 1.636 do nosso Código Civil, urge que seja estimulada, diante de famílias recompostas, a aplicação de planos de multiparentalidade, com a homologação judicial, ao tempo da formação ou da consolidação do padrastio.

Para além disso, por principal, um estatuto jurídico se faz necessário e exigível para dimensionar todos os níveis de relações do padrastio, contemplando, no mais elevado espectro e na melhor forma possível, a exemplo do direito britânico, as situações vivenciais e de convivências, a definir responsabilidades parentais e socioafetividades subjacentes.
A obra de SILVIA TAMAYO HAYA (Editorial Reus, Madrid. 2009) sob o título “El estatuto jurídico de los padrastros. Nuevas perspectivas jurídicas” trouxe expressiva contribuição ao tema, ao defender a elaboração de ordenamentos próprios.

Lado outro, significativo Acórdão do STJ em ilustrando determinada situação fática, serve também a cogitar um ordenamento adequado, com o proveito importante da jurisprudência que tem sido construída. Vejamos:

“(...) 6. As peculiaridades do caso, que revelaram a ausência de comprovação da existência de relação afetiva entre o falecido e seu padrasto e o curto tempo de convivência familiar entre ambos, justificam a fixação de verba indenizatória em favor deste último em montante substancialmente inferior ao arbitrado para a genitora do menor, sendo obstada sua revisão, na estreita via do recurso especial, em virtude da inafastável incidência da Súmula nº 7/STJ.”  (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 1201244, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05.05.2015).

As dimensões da afetividade no padrastio colocam-se como outro capítulo a merecer doutrina e legislação pertinentes. O padrasto vezes outras não pretende substituir o pai genético do enteado ou caracterizar com largueza vínculos paternais socioafetivos marcantes. Mas tais circunstancias não o eximem de determinados deveres jurídicos.

Com pertinência, SILVIO ROMERO BELTRÃO (2015) tem lecionado que o padrasto, mesmo não detendo maiores vínculos de afeto, não poderia, para eximir-se de uma suposta sociopaternidade, atuar sem exação dos deveres mínimos de apego e de proteção, sob pena de obrigar-se a posições de manifesta desafeição, o que não se coaduna com os princípios de respeito e de solidariedade aos enteados. Ele indica a alternativa do reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva, oportunizado e incentivado desde a edição do Provimento nº 09/2013, de 02.12.2013, da Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco, de nossa autoria enquanto ali no exercício interino, e seguido por outras Corregedorias. O normativo destina-se à admissão administrativa da declaração da paternidade socioafetiva, em registro civil, independente de processo judicial, sobre pessoas (enteados, principalmente) que se achem registradas sem a paternidade estabelecida. Diz ele, então: quem não exercitar a faculdade, não poderá ser havido como pai socioafetivo.

Aliás, mesmo o emprego da Lei nº 11.924, de 17.04.2009, que altera o art. 57 da Lei nº 6.015, de 31.12.1973 (Lei de Registros Públicos), para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta, não implica em efeitos jurídicos extensivos à instituição automática da paternidade socioafetiva.

Certo é que a aceitação fática do encargo de uma família recomposta, com filhos do companheiro ou do cônjuge, importa ao padrasto responsabilidades consentâneas com a moderna doutrina do child of the family, ou seja, a criança da família deverá estar, sempre, no centro das afetividades que devem presidir as relações da nova família.

Em ser assim, o padrastio tem o seu protagonismo certo. Uma razão a mais para a edição de um estatuto jurídico sobre ele.

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O autor é Mestre em Ciências Jurídicas e Especialista em Direito Civil pela Universidade Clássica de Lisboa (FDUL); Desembargador Decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE); Membro-convidado do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e do Instituto dos Advogados de Pernambuco (IAPE); Membro da Academia de Letras Jurídicas de Pernambuco (APLJ).

quarta-feira, 18 de maio de 2016

RESUMO. INFORMATIVO 581 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 581 DO STJ.

DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA VINCULADA AO FGTS ANTES DA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens, não deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados em conta vinculada ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal. Diverso é o entendimento em relação aos valores depositados em conta vinculada ao FGTS na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial, os quais, ainda que não sejam sacados imediatamente à separação do casal, integram o patrimônio comum do casal, devendo a CEF ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, a fim de que, num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário pelo ex-cônjuge. Preliminarmente, frise-se que a cada doutrina pesquisada no campo do Direito do Trabalho, um conceito e uma natureza diferentes são atribuídos ao Fundo, não sendo raro alguns estudiosos que o analisam a partir de suas diversas facetas: a do empregador, quando, então sua natureza seria de obrigação; a do empregado, para quem o direito à contribuição seria um salário; e a da sociedade, cujo caráter seria de fundo social. Nesse contexto, entende-se o FGTS como o "conjunto de valores canalizados compulsoriamente para as instituições de Segurança Social, através de contribuições pagas pelas Empresas, pelo Estado, ou por ambos e que tem como destino final o patrimônio do empregado, que o recebe sem dar qualquer participação especial de sua parte, seja em trabalho, seja em dinheiro". No que diz respeito à jurisprudência, o Tribunal Pleno do STF (ARE 709.212-DF, DJe 19/2/2015, com repercussão geral reconhecida), ao debater a natureza jurídica do FGTS, afirmou que, desde que o art. 7º, III, da CF expressamente arrolou o FGTS como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, "tornaram-se desarrazoadas as teses anteriormente sustentadas, segundo as quais o FGTS teria natureza híbrida, tributária, previdenciária, de salário diferido, de indenização, etc.", tratando-se, "em verdade, de direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um 'pecúlio permanente', que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1990)". Nesse mesmo julgado, ratificando entendimento doutrinário, afirmou-se, quanto à natureza do FGTS, que "não se trata mais, como em sua gênese, de uma alternativa à estabilidade (para essa finalidade, foi criado o seguro-desemprego), mas de um direito autônomo". A Terceira Turma do STJ, por sua vez, já sustentou que "o FGTS integra o patrimônio jurídico do empregado desde o 1º mês em que é recolhido pelo empregador, ficando apenas o momento do saque condicionado ao que determina a lei" (REsp 758.548-MG, DJ 13/11/2006) e, em outro julgado, estabeleceu que esse mesmo Fundo, que é "direito social dos trabalhadores urbanos e rurais", constitui "fruto civil do trabalho" (REsp 848.660-RS, DJe 13/5/2011). No tocante à doutrina civilista, parte dela considera os valores recebidos a título de FGTS como ganhos do trabalho e pondera que, "no rastro do inciso VI do artigo 1.659 e do inciso V do artigo 1.668 do Código Civil, estão igualmente outras rubricas provenientes de verbas rescisórias trabalhistas, como o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), pois como se referem à pessoa do trabalhador devem ser tratadas como valores do provento do trabalho de cada cônjuge". Aduz-se, ainda, o "entendimento de que as verbas decorrentes do FGTS se incluem na rubrica proventos". Nesse contexto, deve-se concluir que o depósito do FGTS representa "reserva personalíssima, derivada da relação de emprego, compreendida na expressão legal 'proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge' (CC, art. 1559, VI)". De fato, pela regulamentação realizada pelo aludido art. 1.659, VI, do CC/2002 - segundo o qual "Excluem-se da comunhão: [...] "os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge" -, os proventos de cada um dos cônjuges não se comunicam no regime da comunhão parcial de bens. No entanto, apesar da determinação expressa do CC no sentido da incomunicabilidade, realçou-se, no julgamento do referido REsp 848.660-RS, que "o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, reconhece que não se deve excluir da comunhão os proventos do trabalho recebidos ou pleiteados na constância do casamento, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime", visto que a "comunhão parcial de bens, como é cediço, funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a vigência do casamento, com separação, grosso modo, apenas dos bens adquiridos ou originados anteriormente". Ademais, entendimento doutrinário salienta que "Não há como excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659, VI) [...] sob pena de aniquilar-se o regime patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto nesta também vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725)", destacando-se ser "Flagrantemente injusto que o cônjuge que trabalha por contraprestação pecuniária, mas não converte suas economias em patrimônio, seja privilegiado e suas reservas consideradas crédito pessoal e incomunicável". Ante o exposto, tem-se que o dispositivo legal que prevê a incomunicabilidade dos proventos (isto é, o art. 1.659, VI, do CC/2002) aceita apenas uma interpretação, qual seja, o reconhecimento da incomunicabilidade daquela rubrica apenas quando percebidos os valores em momento anterior ou posterior ao casamento. Portanto, os proventos recebidos na constância do casamento (e o que deles advier) reforçam o patrimônio comum, devendo ser divididos em eventual partilha de bens. Nessa linha de ideias, o marco temporal a ser observado deve ser a vigência da relação conjugal. Ou seja, os proventos recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro. Dessa forma, deve-se considerar o momento em que o titular adquiriu o direito à recepção dos proventos: se adquiridos durante o casamento, comunicam-se as verbas recebidas; se adquiridos anteriormente ao matrimônio ou após o desfazimento do vínculo, os valores pertencerão ao patrimônio particular de quem tem o direito a seu recebimento. Aliás, foi esse o raciocínio desenvolvido no julgamento do REsp 421.801-RS (Quarta Turma, DJ 15/12/2003): "Não me parece de maior relevo o fato de o pagamento da indenização e das diferenças salariais ter acontecido depois da separação, uma vez que o período aquisitivo de tais direitos transcorreu durante a vigência do matrimônio, constituindo-se crédito que integrava o patrimônio do casal quando da separação. Portanto, deveria integrar a partilha". Na mesma linha, a Terceira Turma do STJ afirmou que, "No regime de comunhão universal de bens, admite-se a comunicação das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do matrimônio e percebidos após a ruptura da vida conjugal" (REsp 355.581-PR, DJ 23/6/2003). No mais, as verbas oriundas do trabalho referentes ao FGTS têm como fato gerador a contratação desse trabalho, regido pela legislação trabalhista. O crédito advindo da realização do fato gerador se efetiva mês a mês, juntamente com o pagamento dos salários, devendo os depósitos serem feitos pelo empregador até o dia 7 de cada mês em contas abertas na CEF vinculadas ao contrato de trabalho, conforme dispõe o art. 15 da Lei n. 8.036/1990. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que, num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/3/2016, DJe 22/4/2016.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. EQUIPARAÇÃO DE COMPANHEIRO A CÔNJUGE PARA FINS DE COBERTURA DE CLÁUSULA DE REMISSÃO DE PLANO DE SAÚDE. O companheiro faz jus à cobertura de cláusula de remissão por morte de titular de plano de saúde na hipótese em que a referida disposição contratual faça referência a cônjuge, sendo omissa quanto a companheiro. De início, impende asseverar que a cláusula de remissão, pactuada em alguns planos de saúde, consiste em uma garantia de continuidade da prestação dos serviços de saúde suplementar aos dependentes inscritos após a morte do titular, por lapso que varia de 1 a 5 anos, sem a cobrança de mensalidades. Objetiva, portanto, a proteção do núcleo familiar do titular falecido, que dele dependia economicamente, ao ser assegurada, por certo período, a assistência médica e hospitalar, a evitar o desamparo abrupto. Diante disso, embora a cláusula de remissão de plano de saúde se refira a cônjuge como dependente, sendo omissa quanto à figura do companheiro, não deve haver distinção sobre esse direito, diante da semelhança de papéis e do reconhecimento da união estável como entidade familiar, promovido pela própria CF (art. 226, § 3º). Nesse sentido, o STJ já reconheceu a possibilidade de inclusão de companheiro como dependente em plano de assistência médica, mesmo em hipóteses mais singulares, como a união entre dois homens ou duas mulheres (AgRg no Ag 971.466-SP, Terceira Turma, DJe 5/11/2008). Desse modo, havendo a equiparação de companheiro e de cônjuge para fins de qualificação como dependente em plano de saúde, deve ser estendido ao companheiro o direito à cobertura adicional de remissão por morte. REsp 1.457.254-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/4/2016, DJe 18/4/2016.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DE O DEPENDENTE ASSUMIR A TITULARIDADE DE PLANO DE SAÚDE APÓS O PERÍODO DE REMISSÃO. Após o transcurso do período previsto em cláusula de remissão por morte de titular de plano de saúde, o dependente já inscrito pode assumir, nos mesmos moldes e custos avençados, a titularidade do plano. De início, impende asseverar que a cláusula de remissão, pactuada em alguns planos de saúde, consiste em uma garantia de continuidade da prestação dos serviços de saúde suplementar aos dependentes inscritos após a morte do titular, por lapso que varia de 1 a 5 anos, sem a cobrança de mensalidades. Objetiva, portanto, a proteção do núcleo familiar do titular falecido, que dele dependia economicamente, ao ser assegurada, por certo período, a assistência médica e hospitalar, a evitar o desamparo abrupto. Nesse contexto, no tocante à transferência de titularidade do plano de saúde após o término do período de remissão, cumpre ressaltar que a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS editou a Súmula Normativa n. 13/2010, pontificando que "o término da remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes, para os contratos firmados a qualquer tempo". Essa orientação foi fundada especialmente nos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da proteção da segurança jurídica e da proteção à entidade familiar, conjugados com o previsto no art. 3º, § 1º, da Resolução Normativa n. 195/2009 da ANS, com o fim de evitar o desamparo dos dependentes inscritos do titular falecido quanto à assistência médica e hospitalar. Assim, deve ser assegurado a dependente o direito de assumir a posição de titular de plano de saúde - saindo da condição de dependente inscrito - desde que arque com as obrigações decorrentes e sejam mantidas as mesmas condições contratuais, em virtude da ausência de extinção da avença, não sendo empecilho, para tanto, o gozo do período de remissão. REsp 1.457.254-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/4/2016, DJe 18/4/2016.

DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Será possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte de quem se pretende reconhecer como pai. De fato, a adoção póstuma é prevista no ordenamento pátrio no art. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." O STJ já emprestou exegese ao citado dispositivo para permitir como meio de comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição. Portanto, em situações excepcionais em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto (REsp 1.326.728-RS, Terceira Turma, DJe 27/2/2014). Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (REsp 1.217.415-RS, Terceira Turma, DJe 28/6/2012; e REsp 457.635-PB, Quarta Turma, DJ 17/3/2003). Aliás, a socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do CC, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF, que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada, "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade". Por fim, registre-se que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016.

DIREITO CIVIL. POSSIBILIDADE DE ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA AUMENTAR EM ATÉ 12% OS JUROS NO MÚTUO FENERATÍCIO. A entidade fechada de previdência complementar contratada em mútuo feneratício pode, obedecido o limite de 12% ao ano, cobrar o aumento de taxa de juros pactuado do tomador do crédito (empregado do patrocinador e vinculado ao plano de benefícios oferecido pela mutuante) desde o desligamento deste da relação empregatícia, antes da extinção da obrigação decorrente desse contrato de crédito. Isso porque, como é cediço, os mútuos são oferecidos mediante modelos científicos que, efetivamente, tomam em consideração, na formação das taxas de juros, o risco de inadimplemento. Por isso mesmo, é notório que os empréstimos que envolvam desconto em folha costumam ter taxas mais favoráveis ao tomador, se comparados aos demais mútuos oferecidos pelos bancos. E tanto isso é verdade que um dos objetivos da Lei n. 10.820/2003, ao prescrever a consignação em folha dos pagamentos referentes a empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil contraídos por empregados celetistas, aposentados e pensionistas, foi facilitar o acesso a crédito, inclusive com taxas de juros menores, em razão dos menores riscos de inadimplência envolvendo os contratos de crédito consignado. Com efeito, é razoável que, enquanto houver a permanência do vínculo do participante com o patrocinador, é possível a concessão equânime de juros mais favorecidos, em vista da possibilidade de se efetuar o desconto das prestações do mútuo em folha de pagamento da patrocinadora, tal como é efetuado o desconto das contribuições para os planos de benefícios de previdência privada daqueles participantes que mantêm vínculo de emprego com o patrocinador. REsp 1.304.529-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/3/2016, DJe 22/4/2016.

DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA HERDEIRO PLEITEAR ANULAÇÃO DE FIANÇA. O prazo decadencial para herdeiro do cônjuge prejudicado pleitear a anulação da fiança firmada sem a devida outorga conjugal é de dois anos, contado a partir do falecimento do consorte que não concordou com a referida garantia. Dispõe o art. 1.647 do CC que, "Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: [...] III - prestar fiança ou aval". Por sua vez, o art. 1.649 do CC estabelece que "A falta de autorização, não suprimida pelo juiz, quando necessário (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal". Nota-se, por meio da comunhão dos artigos acima citados, que o CC dispõe, de forma categórica, os atos que não podem ser realizados sem que haja a observância do consentimento do outro consorte - uxória ou marital -, já que essa anuência se consubstancia como elemento essencial para a validade da relação jurídica firmada com terceiro. Logo, não se pode perenizar uma relação jurídica se ao constituí-la houver a inobservância de elemento essencial para sua validade, tal como a outorga conjugal. Por isso, o CC institui meios de o cônjuge prejudicado anular essa garantia, como forma de impedir a manutenção de uma situação inválida. Com efeito, no contexto que a codificação faz para questionar a garantia dada sem a anuência do outro consorte, há a expressa previsão de que tal contenda só será deflagrada apenas, e tão somente, pelo outro cônjuge, ou, com o seu falecimento, pelos herdeiros - como legitimado sucessivo. Aliás, ressalte-se, que tanto a doutrina civilista quanto a jurisprudência pátria possuem reiterados entendimentos no sentido de que não há substrato jurídico para o cônjuge que praticou ato sem a devida outorga instaurar ação para anular o que ele mesmo realizou, devido à ocorrência do venire contra factum proprium (AgRg no REsp 1.232.895-SP, Quarta Turma, DJe 13/8/2015)Assim, a legitimidade para ingressar com ação de anulabilidade contra fiança firmada sem a necessária outorga conjugal está adstrita ao cônjuge prejudicado, podendo se estender apenas aos herdeiros, no caso de falecimento daquele. É essa a redação do art. 1.650 do CC, o qual dispõe que "A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros". Com isso, o olhar lançado nessa temática deve ser abrangente, já que o comando do art. 1.650 se mostra como complemento daquele delineado no art. 1.649. Isso aponta para o fato de que, por meio do princípio geral da operabilidade, o legislador conjugou os dois artigos por meio de uma interpretação lógico-sistemática. Ou seja, fica evidente que os legitimados apontados no artigo subsequente (1.650) deverão observar as exigências do artigo antecedente (1.649). Por isso, havendo uma complementariedade dos dispositivos, parece melhor a interpretação no sentido de que os herdeiros também observem o prazo delimitado para o próprio consorte quando em vida - 02 anos, caso queiram ingressar em juízo. REsp 1.273.639-SP, Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/3/2016, DJe 18/4/2016.

DIREITO DO CONSUMIDOR E PREVIDENCIÁRIO. NECESSIDADE DE FILIAÇÃO à ENTIDADE ABERTA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PARA CONTRATAR EMPRÉSTIMO. É possível impor ao consumidor sua prévia filiação à entidade aberta de previdência complementar como condição para contratar com ela empréstimo financeiro. O auxílio financeiro aos associados das entidades de previdência privada fechada é expressamente vedado pelo § 1º do art. 76 da LC n. 109/2001. Para as abertas, todavia, a realização de operações financeiras é admitida com seus patrocinadores, participantes e assistidos, por força de previsão expressa do parágrafo único do art. 71 da referida lei. O STJ, ao interpretar os referidos artigos, pacificou a orientação de que apenas as entidades abertas de previdência privada poderiam realizar operações financeiras com seus filiados e assistidos, hipótese em que ficariam submetidas ao regime próprio das instituições financeiras (REsp 679.865-RS, Segunda Seção, DJ 4/12/2006). Ressalte-se, contudo, que as entidades abertas de previdência complementar não têm como finalidade institucional a operação como instituição bancária. Elas são estritamente disciplinadas e fiscalizadas, conforme legislação específica - a fim de atender, com segurança, à finalidade a que se destinam - a previdência complementar. Quanto à incidência do CDC, a Segunda Seção, no julgamento do REsp 1.536.786-MG (DJe 20/10/2015), definiu que o referido código, embora não seja aplicável às entidades fechadas, aplica-se às entidades abertas de previdência complementar. Após o julgamento desse recurso especial, foi cancelada a Súmula n. 321 do STJ e editada a de n. 563, ficando consolidado o entendimento de que o CDC se aplica às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas. Nesse contexto, considerando que as entidades abertas de previdência privada podem conceder empréstimos apenas aos seus patrocinadores, filiados e assistidos, o plano de pecúlio antecedente ao empréstimo tem por finalidade concretizar a filiação do beneficiário aos quadros da entidade, sem a qual estaria impedida de conceder empréstimos, procedimento que, portanto, não tem relação alguma com a vedação à "venda casada" de que trata o art. 39, I, da Lei n. 8.078/1990. REsp 861.830-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/4/2016, DJe 13/4/2016.


terça-feira, 17 de maio de 2016

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. UMA NOTA CRÍTICA. POR ZENO VELOSO



ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
UMA NOTA CRÍTICA.
Por Zeno Veloso.
Publicado no Jornal O Liberal.

Está em vigor no País, desde 03 de janeiro de 2016, a Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência, que trouxe muitas e importantes modificações no direito brasileiro. É uma lei cujo projeto não foi acompanhado, como devia, pela comunidade jurídica, que, em geral, encontra-se perplexa e preocupada com os rumos que a nova legislação determina.
Um dos temas profundamente alterados pela Lei n. 13.146/2015 é o referente à capacidade civil. Houve, aí, uma verdadeira revolução. Deu-se nova redação aos arts. 3º e 4º do Código Civil, que tratam, respectivamente, dos absolutamente e dos relativamente incapazes.
O art. 3º, caput, agora afirma: "São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos". O inciso I passou para o caput. E os incisos II e III do art. 3º foram revogados pela aludida Lei n. 13.146/2015. Assim, não mais são considerados absolutamente incapazes os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Como exemplos do último caso, aponta-se: embriaguez (eventual), hipnose, transtorno, estado de coma, anestesia geral, efeito de drogas (psicotrópicos, estupefacientes), perda de memória, contusão cerebral. O Código Civil português menciona a incapacidade acidental, no art. 257,1.
O art. 4º foi também substancialmente alterado pela citada Lei n. 13.146/2015 e ficou assim: "São incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I- os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II- os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III- aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV- os pródigos".
Como se vê, além dos menores de dezesseis anos não há outros absolutamente incapazes no atual ordenamento jurídico brasileiro. A Lei n. 13.146/2015 veio quebrar um antiquíssimo entendimento: o que relacionava e vinculava deficiência mental com incapacidade jurídica. A partir dessa lei, a pessoa com deficiência - seja física, mental, intelectual ou sensorial - tem de ser considerada plenamente capaz, não pode sofrer qualquer restrição, preconceito ou discriminação por isso. A não ser que não possa exprimir a sua vontade, e, então, é enquadrada não mais como absolutamente incapaz, mas como relativamente incapaz, sendo-lhe nomeado um curador num processo judicial, e esta medida é considerada excepcional. Note-se: a incapacidade relativa não decorre, inexoravelmente, da deficiência, em si e por si só, mas pela circunstância de o portador de deficiência estar impossibilitado de manifestar a sua vontade. Mais: o ato praticado pelo curatelado sem a assistência do curador não é nulo, mas anulável (CC, art. 171, I).
“Muita água vai ter de passar por debaixo da ponte” e algum tempo é preciso, para que uma lei como esta (n. 13.146/2015), que determinou tantas e tão profundas transformações, seja melhor entendida e aplicada. Vejam, por exemplo, as dúvidas e questões que podem surgir diante da revogação dos incisos II e III do art. 3º, que excluiu do rol dos absolutamente incapazes aquelas pessoas citadas acima. O art. 4º, inciso III, do Código Civil, com a redação determinada pela aludida Lei n. 13.146/2015, como vimos, inclui no elenco dos relativamente incapazes, “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade”.
Um deficiente mental, que tem comprometido absolutamente o seu discernimento, o que sofre de insanidade permanente, irreversível, é considerado relativamente incapaz. Bem como o que manifestou a sua vontade quando estava em estado de coma. Ou o que contratou, ou perfilhou, ou fez testamento, sendo portador do mal de Alzheimer em grau extremo. São casos em que não me parece que essas pessoas estejam sendo protegidas, mas, ao contrário, estão à mercê da sanha dos malfeitores, podendo sofrer consideráveis e até irremediáveis prejuízos.
Se o agente praticou um negócio, declarou a sua vontade, em alguma daquelas situações, acima exemplificadas, não é lógico nem de boa política legislativa considerar que tais negócios sejam apenas anuláveis, produzindo efeitos, enquanto não anulados. Os atos anuláveis, relembre-se, não podem ser conhecidos ex officio pelo juiz, nem podem ser alegados pelo Ministério Público, e convalescem pelo decurso do tempo. Para o problema gravíssimo que estou apontando, é uma consequência muito tímida, carente.
O que transmite a sua vontade tem de ter um mínimo de liberdade, compreensão, discernimento. E se tiver sido nomeado curador ao deficiente, não há intervenção do assistente que supra a questão principal de o agente não possuir vontade consciente, de não ter a mínima compreensão a respeito do significado, extensão, efeitos do negócio jurídico.
Na falta de uma intervenção corretiva do legislador (que sempre é tardonha), minha primeira impressão sobre a questão que estou apresentando, é de que, para evitar graves distorções e evidentes injustiças, temos de invocar a teoria da inexistência, e privar de qualquer efeito negócios jurídicos cuja vontade foi extorquida e nem mesmo manifestada conscientemente.
Para ser nulo ou anulável, é preciso que o negócio jurídico exista. A inexistência é uma categoria jurídica autônoma. Como adverte o doutíssimo Pontes de Miranda, o problema de ser ou não-ser, no direito como em todos os ramos do conhecimento, é o problema liminar (Tratado de Direito Privado, tomo 4, § 358). A inexistência não é um tertim genus, ao lado da anulabilidade e da nulidade. O plano da inexistência não é o da validade, mas o da existência dos negócios jurídicos. Sem que tenha havido manifestação de vontade, o negócio não apresenta um requisito essencial, inafastável para que tivesse ingresso no mundo jurídico. Era o nec ullus do direito romano clássico. Não é nem que seja ruim ou péssimo o que se apresenta; é nada, nenhum. O negócio inexistente não produz quaisquer efeitos – nem parciais, secundários -, não se lhes aplicando as figuras da redução e da conversão.

Já desenvolvi o tema em meu livro Invalidade do Negócio Jurídico – nulidade e anulabilidade (2ª ed., 2005, Del Rey, Belo Horizonte, n. 23, p. 133), e disse, ali, que negócio inexistente é aquele em que falta elemento material, um requisito orgânico para a sua própria constituição. Há déficit de elemento fundamental para a formação do negócio. Não se trata de ele ter nascido com má formação; trata-se de ele não se ter formado. Na inexistência – apesar da aparência material – o que falta é um elemento vital, o próprio requisito essencial (objeto, forma, consentimento) para a configuração do negócio.