Separação-lázara.
Por Jones Figueirêdo Alves.
Nesta última quinta-feira (04/12/2014)
o projeto do novo Código de Processo Civil, na Comissão Especial do Senado, foi
aprovado por votação simbólica, sem quaisquer contestações. Agora vai a
plenário, e assim deve ser votado quarta-feira próxima (10/12/2014) às 11h, em
sessão extraordinária.
Interessa urgente que o conhecimento
jurídico da lei não seja reservado apenas aos juristas. Interessa também à
sociedade civil, destinatária da norma, que seja a lei por ela melhor conhecida
e acessível; operando-se, de tal maior ciência e exercício, a plena efetividade
dos avanços do sistema legal.
Assim sucede com o divórcio direto,
no seu novo modelo jurídico existente desde 2010, tal como introduzido na
Constituição pela Emenda nº 66, a encerrar o dualismo legal então existente
segundo a redação primitiva do parágrafo 2º do art. 226 da Magna Carta. O
vetusto texto implicava o divórcio à uma prévia separação judicial por mais de
um ano ou, alternativamente, à separação de fato, por mais de dois anos, exigida
a comprovação temporal.
Com a Emenda nº 66, o casamento é
dissolvido pelo divórcio, formulado (i) sem qualquer prazo minimo da união existente;
(ii) sem necessidade de qualquer causa motivadora eficiente, (iii) sem
exigência de imputação de culpa ao outro cônjuge; (iv) sem exigência de prévia
separação judicial ou administrativa e (v) sem prévia partilha dos bens.
Diante de tal Emenda à Constituição, “ficaram
não recepcionadas as normas de direito material e de direito processual que
tratavam do instituto jurídico da separação judicial” (STRECK, 2014).
Nessa linha posicionou-se a melhor
doutrina, a tanto que o projeto original do Senado Federal (PLS nº 166/2010) do
novo Código de Processo Civil, conforme proposta de Comissão Especial presidida
pelo Ministro Luiz Fux, do STF, houve de entender não mais possível o dualismo
de ações judiciais para findar, em seus efeitos jurídicos, uma mesma união
desfeita, assim expungindo do estatuto a anacrônica separação judicial.
Na Câmara dos Deputados o projeto recebeu
diversas modificações pontuais, uma delas, surpreendentemente, para
reintroduzir a separação, abolida pela Emenda nº 66/2010. Em seu retorno à Casa
de Origem, o referido PLS nº 166/2010 obteve na sua tramitação final, o
Relatório do Senador Vital do Rêgo, que manteve a maioria das mudanças
oferecidas pelos deputados.
No ponto, as emendas senatoriais de
nº 61, do Senador Pedro Taques; de nº 129, do Senador João Durval, e as de nºs.
136, 137, 138, 139, 140, 141, 142 e 143 do Senador Antônio Carlos Valadares, cuidaram dos artigos 23, inciso III; 53, inciso I; 189, inciso II; 708,
746, 747 e 748 e Seção IV do SCD e, com extrema acuidade técnica, insurgiram-se contra a referência à separação judicial
(em todas as suas modalidades) como forma de dissolução da sociedade conjugal
ao longo do texto do Substitutivo da Câmara.
Pois bem: o Relator, no exame de tais
emendas, admitiu, de pronto, como "pacífico que, após a Emenda à
Constituição nº 66, de 2010, não há mais qualquer requisito prévio ao
divórcio. A separação, portanto, que era uma etapa obrigatória de
precedência ao divórcio, desvestiu-se dessa condição". Entretanto, optou
por rejeita-las, sob a equivocada premissa de
suposta divergência doutrinária significante.
Na hipótese, aludiu ao Enunciado nº 544-Jornadas de
Direito Civil, pela não extinção da separação judicial, quando consabido que
tal entendimento apresentou-se eventual e episódico, não traduzindo, aliás, o aludido
verbete a posição da maioria absoluta dos civilistas do país.
De fato, não
é o que sustenta a comunidade jurídica, a exemplo do consagrado jurista Lênio
Streck, para quem é inconstitucional "repristinar" a separação
judicial no Brasil. Ele defende que devemos deixar a separação judicial de
fora do novo CPC em nome da Constituição. Bem de ver, a propósito, que ao cabo
de quatro anos, desde a Emenda nº 66/2010, as separações (judiciais ou por
escritura) sobrevivem apenas por mera insciência popular da nova ordem jurídica
e ficam reduzidas ano a ano: 68 mil, diante de 243.224 divórcios (2010); e 8
mil, diante de 351.153 divórcios (2011), quando os divórcios cresceram 45,6% em
relação a 2010 e as separações foram mínimas.
Como destaca Streck, a
ressurreição legal da separação judicial, no novo CPC, para além de
desconsiderar o trajeto histórico que conduziu à Emenda nº 66/2010 (inclusive
sua própria Exposição de Motivos), altera o próprio sistema constitucional
advindo pela Emenda. Uma separação tipo-Lázaro – diz ele.
Realmente: a nova ordem processual
não pode permitir uma “separação- lázara”, deixando morta a constitucionalidade
do instituto ressuscitado.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de
Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.
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