Não cabe ao STJ afirmar legalidade, mesmo em abstrato,
da utilização da tabela Price
Fonte: Site do
STJ.
A análise sobre a
legalidade da utilização da Tabela Price é uma questão de fato e não de
direito, passando, necessariamente, pela constatação da eventual capitalização
de juros. O entendimento foi firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) em recurso relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, em
julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos.
Segundo o relator,
a importância da controvérsia é constatada na multiplicidade de recursos
envolvendo a forma pela qual deve o julgador aferir se há capitalização de
juros com a utilização da Tabela Price em contratos de financiamento.
No caso julgado, a
Federação Brasileira de Bancos (Febraban), na condição de amicus curiae,
sustentou que sua mera utilização não implica a incidência de juros sobre juros
(capitalizados), razão pela qual a possibilidade da sua contratação é matéria
que dispensa a produção de quaisquer provas.
Também como amicus
curiae, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defendeu que
a existência ou inexistência de juros capitalizados na Tabela Price independe
de apreciação de fatos, devendo ser considerada ilegal e afastada da previsão
contratual.
Contradições
Em seu voto, o
ministro ressaltou que há tempos o Poder Judiciário vem analisando demandas
ajuizadas por mutuários do Sistema Financeiro da Habitação cujas teses, direta
ou indiretamente, giram em torno da cobrança abusiva de juros sobre juros. E no
afã de demonstrar eventual cobrança ilegal, os litigantes entregam ao
Judiciário vários conceitos oriundos da matemática financeira, como taxa
nominal, taxa efetiva, amortização constante, amortização crescente,
amortização negativa, entre outros.
“As contradições,
os estudos técnicos dissonantes e as diversas teorizações só demonstram que, em
matéria de Tabela Price, nem sequer os matemáticos chegam a um consenso”,
constatou.
Para Luis Felipe
Salomão, justamente por se tratar de uma questão de fato, não cabe ao STJ
afirmar a legalidade, nem mesmo em abstrato, da utilização da Tabela Price.
“É exatamente por
isso que, em contratos cuja capitalização de juros seja vedada, é necessária a
interpretação de cláusulas contratuais e a produção de prova técnica para
aferir a existência da cobrança de juros não lineares, incompatíveis, portanto,
com financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação
antes da vigência da Lei n. 11.977/2009, que acrescentou o artigo 15-A à Lei
4.380/1964”, consignou o relator em seu voto.
Divergências
Ao expor seu
entendimento, o relator enfatizou que a existência de juros capitalizados na
Tabela Price tem gerado divergências em todas as instâncias judiciais e que não
é aceitável que os diversos tribunais de justiça estaduais e os regionais
federais manifestem entendimentos diversos sobre a utilização do Sistema Price
de amortização de financiamentos.
“Não parece
possível que uma mesma tese jurídica possa receber tratamento absolutamente
distinto, a depender da unidade da federação e se a jurisdição é federal ou
estadual”, afirmou. Por isso, acrescentou o relator, a necessidade do exame
pericial, cabível sempre que a prova do fato "depender do conhecimento
especial de técnico", conforme dispõe o artigo 420, I, do CPC.
Segundo Luis
Felipe Salomão, os juízes não têm conhecimentos técnicos para escolher entre
uma teoria matemática e outra, uma vez que não há perfeito consenso neste
campo. “Porém, penso que não pode o STJ – sobretudo, e com maior razão, porque
não tem contato com as provas dos autos –, cometer o mesmo equívoco por vezes
observado, permitindo ou vedando, em abstrato, o uso da Tabela Price”.
Jurisprudência
Citando vários
precedentes de Turmas e Seções de Direito Público e Privado, Luis Felipe
Salomão ressaltou que a jurisprudência do STJ deve manter-se coerente com suas
bases jurídicas.
Ele lembrou que em
2009, também em recurso repetitivo, o STJ já havia firmado o entendimento de
que "Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da
Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não
cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da
Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7".
“Na medida em que
se reconhece, por inúmeros precedentes já consolidados, que eventual
capitalização de juros na Tabela Price é questão de fato, há de se franquear às
partes a produção da prova necessária à demonstração dos fatos constitutivos do
direito alegado, sob pena de cerceamento de defesa e invasão do magistrado em
seara técnica com a qual não é afeita”, afirmou em seu voto.
Para o relator,
reservar à prova pericial tal análise, de acordo com as particularidades do
caso concreto, é uma solução que beneficia tanto os mutuários como as
instituições financeiras, pois nenhuma das partes ficará ao alvedrio de
valorações superficiais do julgador acerca de questão técnica.
No entendimento do
relator, caso seja verificado que matéria de fato ou eminentemente técnica fora
tratada como exclusivamente de direito, reconhece-se o cerceamento, para que
seja realizada a prova pericial.
Caso
concreto
No caso julgado,
uma mutuária ajuizou ação revisional de cláusulas contratuais cumulada com
repetição de indébito contra contrato de mútuo para aquisição de imóvel firmado
em março de 1994 com a Habitasul Crédito Imobiliário S/A, no âmbito do Sistema
Financeiro da Habitação (SFH).
Tanto o juízo de
primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça não permitiram a produção da prova
técnica pleiteada pelas partes, tendo cada qual chegado a conclusões díspares
sobre o tema, mesmo analisando a questão de forma apenas abstrata.
A mutuária
recorreu ao STJ e a matéria foi afetada à Corte Especial em recursos
repetitivo. Por unanimidade, a Corte Especial conheceu parcialmente do recurso e
anulou a sentença e o acórdão, para determinar a realização de prova técnica
para aferir se, concretamente, há ou não capitalização de juros (anatocismo;
juros compostos; juros sobre juros; ou juros exponenciais ou não lineares) ou
amortização negativa. Os demais pontos trazidos no recurso foram considerados
prejudicados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário