Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013
Por José
Fernando Simão. Professor Associado do Departamento de Direito Civil da
Faculdade de Direito da USP. Advogado e consultor jurídico.
No dia 20 de
novembro, participei de audiência pública em Brasília, na Comissão de Assuntos
Sociais do Senado, para discutir o PL 117/2013 que altera os artigos 1583, 1584
e 1634 do Código Civil.
Na ocasião, fiz
diversas observações puramente doutrinárias sobre os problemas e equívocos do
projeto, enaltecendo, é claro, o que havia de positivo. Em 26 de novembro, o
Senado aprova o PL 117/2013, com pequena alteração de redação por mim sugerida,
mantendo-se, no mais, todos seus termos. Aguarda-se, agora, a sanção da
Presidente Dilma.
Passo a analisar o
PL 117/2013 tal como aprovado pelo Senado e demonstrarei que é muito cedo para
se festejar a sua aprovação.
Guarda
compartilhada obrigatória mesmo em afronta ao melhor interesse da criança?
A nova redação do
art. 1584, parágrafo segundo, torna a guarda compartilhada obrigatória na
hipótese de discordância dos pais:
“§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será
aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao
magistrado que não deseja a guarda do menor.”
Note-se que a
atual redação do dispositivo, contém a locução “sempre que possível” que é
suprimida pelo PL 117.
O objetivo do
PL117/2013 é claro: o magistrado de família perde a possibilidade de, em sua
decisão, determinar a guarda unilateral em favor da mãe, afirmando não ser
possível, naquele caso, a guarda compartilhada.
A questão que se
coloca é: a mudança efetivamente torna a guarda compartilhada obrigatória como
faz crer uma leitura apressada do PL? A resposta é negativa. A lei deve ser
lida sempre, a todo tempo, pelo filtro constitucional. Explico.
Quando o Estatuto
da Criança e do Adolescente foi alterado em 2009 e se suprimiu a possibilidade
de adoção personalíssima, ou seja, todos os adotantes devem estar inscritos no
Cadastro de Adoção, não podendo mais haver adoção de criança determinada por
adotante determinado, o legislador retirou do magistrado tal possibilidade,
vedou tal tipo de decisão expressamente. Veja que o art. 50, §13 do Estatuto
traz hipóteses muito restritas de adoção por pessoas não inscritas no Cadastro.
Qual foi a reação
do Poder Judiciário? No melhor interesse da criança, a mudança foi ignorada
simplesmente. Assim temos:
“AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU
PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL
ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS
- PERMANÊNCIA DA CRIANÇA DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA” (REsp
1172067/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em
18/03/2010, DJe 14/04/2010)
É cristalino o
fundamento da decisão: “é certo, contudo, que a observância de tal cadastro,
vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar
determinada criança, não é absoluta. E nem poderia ser. Excepciona-se
tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor,
basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na
hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção,
ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro”
No caso da guarda
compartilhada, em situações de grande litigiosidade dos pais, assistiremos às
seguintes decisões: “em que pese a determinação do Código Civil de que a guarda
deverá ser compartilhada, no caso concreto, a guarda que atende ao melhor
interesse da criança é a unilateral e, portanto, fica afastada a regra do CC
que cede diante do princípio constitucional”.
A lei não é, por
si, a solução do problema como parecem preconizar os defensores do PL 117/2003.
A mudança real é
que o Magistrado, a partir da nova redação de lei, precisará invocar o preceito
constitucional para não segui-la. Nada mais.
A guarda
alternada sendo denominada compartilhada pelo PL 117/2013.
O parágrafo 3º do art. 1583 do CC passa a ter a seguinte redação:
§ 3º Na guarda
compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que
melhor atender aos interesses dos filhos.
Este dispositivo é
absolutamente nefasto ao menor e ao adolescente. Preconiza ele a dupla
residência do menor em contrariedade às orientações de todos os especialistas
da área da psicanálise.
Convívio com ambos
os pais, algo saudável e necessário ao menor, não significa, como faz crer o
dispositivo, que o menor passa a ter duas casas, dormindo às segundas e quartas
na casa do pai e terças e quintas na casa da mãe. Essa orientação é de guarda
alternada e não compartilhada.
A criança sofre,
nessa hipótese, o drama do duplo referencial criando desordem em sua vida. Não
se pode imaginar que compartilhar a guarda significa que nas duas primeiras
semanas do mês a criança dorme na casa paterna e nas duas últimas dorme na casa
materna.
Compartilhar a
guarda significa exclusivamente que a criança terá convívio mais intenso com
seu pai (que normalmente fica sem a guarda unilateral) e não apenas nas visitas
ocorridas a cada 15 dias nos fins-de-semana. Assim, o pai deverá levar seu
filho à escola durante a semana, poderá com ele almoçar ou jantar em dias
específicos, poderá estar com ele em certas manhãs ou tardes para acompanhar
seus deveres escolares.
Note-se que há por
traz da norma projetada uma grande confusão. Não é pelo fato de a guarda ser
unilateral que as decisões referentes aos filhos passam a ser exclusivas
daquele que detém a guarda.
Decisão sobre
escola em que estuda o filho, religião, tratamento médico entre outras já é
sempre foi decisão conjunta, de ambos os pais, pois decorre do poder familiar.
Não é a guarda compartilhada que resolve essa questão que, aliás, nenhuma
relação tem com a posse física e companhia dos filhos.
Na próxima edição
da Carta Forense, prosseguimos com nossas reflexões.
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