Alimentos
de ventre
A tutela da vida
humana em formação, a chamada vida intrauterina, na esfera do direito civil,
confere ao nascituro a condição de
pessoa, conforme exegese sistemática dos artigos 1º, 2º, 6º e 45 do Código
Civil, e de efeito, titular de direitos; a exemplo do direito de o nascituro
receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798, CC), da
assistênca pré-natal por via de proteção à gestante (art. 8º, ECA) e,
finalmente, de alimentos gravídicos, ou de ventre (“preglimony”), na forma da
lei 11.804/2008.
Neste sentido: STJ
– REsp. nº 1415727, de 04.09.2014, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Este
consagrado jurista expressa que “as teorias mais restritivas dos direitos do
nascituro - natalista e da personalidade condicional - fincam raízes na ordem
jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002”.
Direto ao ponto:
nos alimentos gravídicos “a titularidade é, na verdade, do nascituro e não da
mãe”, importando, daí, o seu direito de nascer; o que faz sentido na teoria
concepcionista do art. 2º, segunda parte, do Código Civil e no objetivo de
respaldar direitos do nascituro a uma gestação saudável, nas suas condições
minimas do direito à vida. Importa dizer que à mulher grávida, os alimentos de
ventre destinam-se, substancialmente, ao nascituro, com seu “status” de filho a
partir da concepção. Isto porque, sobremodo, tem ele o direito ao
reconhecimento da paternidade, antes mesmo do nascimento (art. 1.609, parágrafo
único, do Código Civil).
Assim, nada
obstante a Lei nº 11.804/08 expresse que “discipina o direito de alimentos da
mulher gestante e a forma como será exercido” (art. 1º), sua finalidade está exposta, precisamente, no
seu artigo 6º e parágrafo único. Vejamos: “Art. 6o.
Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos
gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as
necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré. - Parágrafo único. Após o
nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão
alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”.
Nesse passo,
devidos são os alimentos ao nascituro, embora auferidos pela gestante no curso
da gravidez. Entende-se que os alimentos gravidicos abrangem as despesas da
gestação, como alimentação especial, assistências médica e psicológica, com
exames e terapêuticas, dentre outras despesas, e incluem as do parto, não exauriente
o rol do art. 2º da reportada lei.
Tem-se, então, que
grávida a mulher, a primeira palavra é a sua, em face do filho nascituro, para
dizer quem é o pai, na demanda dos alimentos, independente de um prévio
reconhecimento da paternidade ou de admissão voluntária daquele. Afinal, deixar
o filho sem alimentos, devidos pelo imputado pai, na fase gestacional,
sujeitando-o a uma desnutrição ou carência alimentar - tudo a comprometer a boa
formação do feto – significaria, em desvio lógico perverso, privilegiar o
direito à dúvida da paternidade imputada em manifesto detrimento à efetiva
proteção integral ao nascituro e ao seu direito de nascer.
Em ser assim, a
leitura do artigo 6º, caput, da Lei nº 11.804/08 está a merecer prova
indiciária minima e não exuberante. “Em ações dessa espécie, o juiz, de regra,
vê-se diante de um paradoxo: de um lado, a prova geralmente é franciscana e, de
outro, há necessidade premente de fixação da verba, sob pena de tornar-se
inócua a pretensão, pois, até que se processe a instrução do feito, o bebê já
terá nascido”.
É nessa linha, o
mais recente julgado a respeito, de 16.10.2014, pela 8ª Câmara Civel do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Indicações de romance, mensagens
afetivas trocadas entre o casal, fotografias do par demonstrativas de afeto,
justamente em época coincidente com a concepção, tais indícios são suficientes
para que se tenha demonstrado o requisito para a fixação de alimentos
gravídicos, ou seja, para obrigar o suposto pai a pagar a pensão alimentícia de
ventre. É um chamado à responsabidade parental.
Aqui segue a
advertência do acórdão gaúcho: “assinale-se, também, que de acordo com o que
ensinam as regras de experiência, são percentualmente insignificantes os casos
em que uma ação investigatória resulta improcedente, o que confere
credibilidade em geral, à palavra da mulher, na indicação do pai de seu filho,
mormente quando, no caso, tratando-se o demandado de pessoa de parcos recursos,
não se percebe nenhum interesse econômico que possa subjazer a esta pretensão”.
Dele extrai-se, por
corolário lógico, um importante aviso ético: as mensagens e fotos afetivas em
trânsito nas redes sociais servirão, sem dúvida, ao “book digital” do filho que
virá a nascer.
JONES
FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é
desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de
Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de
direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras
Jurídicas (APLJ).
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