STJ permite
ação contra seguradora acusada de irregularidades no mercado de veículos
Fonte: Site do STJ. 22 de agosto
de 2014.
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) rejeitou pedido da seguradora Mapfre pelo fim de processo que enfrenta em
Goiás, onde o Ministério Público (MP) a acusa de ilegalidades no mercado de
veículos.
O voto do relator, ministro Humberto Martins,
negando provimento ao recurso da empresa, foi acompanhado de forma unânime
pelos demais integrantes da Segunda Turma, que reconheceram a legitimidade do
MP estadual para promover ação civil pública contra a seguradora e o Detran de
Goiás.
Na ação, o MP acusa a Mapfre de repassar a
oficinas, para recuperação e posterior revenda, veículos acidentados pelos
quais pagou indenização
de perda total, sem comunicar o fato ao Detran para que essa condição fosse
anotada nos prontuários e nos documentos de transferência (DUT).
Preço de mercado
Segundo o MP, embora o valor dos veículos que
tiveram indenização de perda total seja 30% menor, a omissão das informações
permite a revenda pelo preço normal de mercado, e a Mapfre ainda se recusa a
fazer o seguro para os novos proprietários alegando justamente que o carro já
foi objeto de indenização total e por isso não pode mais ser segurado.
De acordo com o MP, muitos compradores não
conheciam o passado dos veículos adquiridos, que deveria constar em sua
documentação.
O MP sustentou que a falta de fiscalização e de
providências do Detran diante de tais irregularidades torna-o igualmente
responsável. Por isso, pediu a condenação da seguradora e do Detran à obrigação
de regularizar as informações na documentação dos veículos, sob pena de multa
diária.
Pediu ainda que a Mapfre seja condenada a
ressarcir os consumidores lesados e a pagar R$ 5 milhões de danos morais
coletivos em favor do Fundo de Defesa do Consumidor.
Direitos patrimoniais
A sentença extinguiu a ação por ilegitimidade
ativa do MP. O Tribunal de Justiça de Goiás, no entanto, reformou a decisão e
determinou que o processo tivesse sequência.
No recurso especial ao STJ, a seguradora alegou
que o problema, em tese, atingiria apenas algumas pessoas e não teria
“relevância social” capaz de justificar a atuação do MP.
Para ela, “os direitos discutidos apresentam um
caráter disponível, de natureza patrimonial, podendo ser inclusive objeto de
renúncia pelos seus titulares”, e por tais razões o MP não poderia defendê-los
mediante ação civil pública.
Acrescentou que os procuradores também se
equivocaram ao enquadrá-la como “fornecedora” para efeito de aplicação do
Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que seu negócio são seguros, e os
veículos que chegaram às mãos de terceiros, antes segurados por ela, foram
intermediados pelas oficinas que os repararam.
Acepção ampla
Em seu voto, o ministro Humberto Martins afirmou
que a legislação não estabelece condições especiais para que a pessoa física ou
jurídica seja alvo de ações civis públicas, bastando a existência de lesão ou
ameaça a direitos transindividuais.
“A acepção de ‘fornecedor’ constante do artigo 3º
do CDC é ampla, de modo que maior número de relações de consumo admitam a
aplicação do código, pois, até por determinação constitucional, importa mais a
presença do consumidor na relação de consumo, e não quem vem a ser a sua
contraparte”, afirmou o relator.
Segundo Martins, “são legitimados a figurar no
polo passivo da relação de consumo todos os participantes que integram a cadeia
geradora ou manipuladora de bens e serviços, por existência de ato ou fato,
omissivo ou comissivo, que coloque em risco ou ofenda um direito do consumidor
de tais bens e serviços”.
Defesa coletiva
O ministro reconheceu a legitimidade do MP de
Goiás para mover a ação civil pública contra a seguradora e o Detran “em defesa
dos adquirentes de veículos sinistrados”.
Ele apontou que o CDC permite expressamente que
os direitos individuais homogêneos sejam defendidos em juízo por meio de ação
coletiva, cuja proposição é permitida, entre outros, ao Ministério Público.
Para Martins, os interesses tratados no processo
“são individuais homogêneos por guardarem entre si uma origem comum, sendo,
portanto, passíveis de defesa coletiva”. Ele reconheceu que tais direitos são
divisíveis (“pois seus titulares podem ser identificados e determinados, bem
como suas pretensões podem ser quantificadas”) e disponíveis (“podendo seus
titulares, caso queiram, renunciá-los”).
“Todavia”, acrescentou o ministro, “o legislador
pátrio quis valorizar a gênese comum existente entre os direitos individuais
homogêneos (pedidos com origem no mesmo fato de responsabilidade do
fornecedor), inspirando-se na class action do direito norte-americano
para dar ao consumidor uma prestação jurisdicional acessível, célere, uniforme
e eficiente”.
“Se tais interesses e direitos individuais
homogêneos coletivamente considerados trouxerem repercussão social,
autorizar-se-á o Ministério Público a tutelá-los coletivamente, sem prejuízo da
iniciativa individual”, disse o relator, para quem a ação ainda tem um efeito
dissuasivo contra reincidência da suposta conduta lesiva por parte da
seguradora, além de evitar o surgimento de múltiplos processos individuais e
prevenir decisões conflitantes.
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