“Marito mammone”
O casamento com um “marito mammone” é nulo e a
mulher não pode tê-lo como mantido, é o quanto afirmou em 18 de setembro
passado a 1ª Seção Cível do Supremo Tribunal de Cassação italiano (“Corte di
Cassazione”), a mais alta instância do sistema judiciário, com a decisão nº
19.691, em face de julgado de tribunal eclesiástico que anulou matrimônio de um
casal de Mantova, pelo fato de o marido ser extremamente dependente da figura
materna (“un lagame morboso com la madre”).
A expressão italiana “marito mammone” significa
dizer aquele marido que ao contrair casamento apresenta-se codependente da
genitora, um “filhinho da mamãe”, em legado mórbido materno ao extremo de
deteriorar as suas relações conjugais e a tanto ensejar situações de: (i) comportamento
inafetivo, ou de indiferença com a
esposa; (ii) intervenções excessivas da
mãe na nova família, onde a atuação da sogra, ou seja, a mãe-de-lei ou
“mother-in-law” (expressões
jurídicas que a denominam), se apresenta exacerbada.
A sogra invasiva (“la suocera invadente”), diz a
corte, quando resulta da dependência emocional do marido para com a genitora,
justifica a anulação do casamento.
A referida decisão judicial italiana agora
trespassa a justa causa da separação, admitida em caso determinante de divórcio,
quando o cônjuge deixa o lar conjugal diante de interferências graves dos pais
do outro cônjuge na vida do casal, para compreender tais fatos como
circunstâncias influentes à própria anulação do ato jurídico.
No ponto, o mesmo órgão julgador da Suprema
Corte de Cassação da Itália houve já considerado como justa causa para a
separação, a hipótese da “sogra invadente”, na decisão nº 4.540, quando ao
reformar julgado do Tribunalle dell´Áquila (de 26.09.2006), afastou o princípio
de que um cônjuge somente pode deixar o lar conjugal após apresentação de
pedido formal para a obtenção da separação.
Mais precisamente, a deterioração progressiva
das relações entre os próprios cônjuges, adveniente da interferência de um ou
de ambos os sogros, quando tal evento, de forma significante, é tolerado pelo
outro cônjuge, autoriza o afastamento do cônjuge prejudicado, sem o prévio
processo judicial e não caracteriza abandono injustificado do lar.
Os fatos intrusivos da sogra invasiva, em si
mesmo, ficavam limitados apenas ao alcance justificativo da separação conjugal,
conforme até então a jurisprudência italiana, ou seja, sem incursões no
instituto jurídico do “erro essencial de pessoa”.
No mesmo sentido, em nosso país tem sido
entendido, na esfera da insuportabilidade da vida em comum, que “o erro que
justifica a anulação do casamento se refere à pessoa do outro nubente, sendo
irrelevante para tanto o erro sobre a sua genitora (sogra).” (TJ-DF, Apel.
Cível nº 0029927-08.2001.807.0001, publicado em 07.11.2006).
Pois bem. Na expressão do inciso IV artigo 1.557
do Código Civil brasileiro, considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro
cônjuge o que diz respeito à ignorância, anterior ao casamento, de doença
mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao
cônjuge enganado.
No cotejo da decisão italiana, resultou
reconhecida, para a anulação do casamento, a existência de uma “patologia
produtiva de incapacidade”, de o marido, inteiramente dependente da mãe,
assumir uma mínima integração psíquica, no casamento, com o outro cônjuge.
Assim, o cônjuge de boa-fé, levado a erro
essencial, terá como fato indutor da anulação do seu casamento, a sua
insciência sobre as condições do outro cônjuge, portador que seja de confusões
psicológicas capazes de torna-lo sempre submisso às dominações ancestrais.
A incapacidade do cônjuge, derivante de uma
patologia psíquica, de validar seu casamento com essa integração mínima, no
plano existencial de vida a dois, com comportamento necessário a preservar o
equilíbrio mental e físico do casal – assentou a decisão italiana – conduz, com
rigor, à anulação do casamento civil. Curioso, no caso, é o que o recurso fora
manejado pela mulher, por preferir apenas o abono de separação, buscando a
validade do casamento, em razão de pretender o ex-cônjuge continuar a mantê-la.
Tudo é certo dizer que os vínculos que nutrem as
relações filiais são sempre afetivos, e nesse liame, atemporais a transcender
qualquer tempo; nunca, porém, patológicos. Para essa segunda hipótese, o
julgado italiano torna-se um novo paradigma.
JONES
FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é
desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura
de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil
e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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