Desafios contemporâneos do Direito de Família e das Sucessões
Fonte: MIGALHAS.
Quarta-feira, 28 de janeiro de 2015.
Foi
com muita honra que recebi e aceitei o convite formulado pelo diretor do
Migalhas, dr. Miguel Matos, para, a partir deste ano de 2015, escrever colunas
mensais neste informativo, tratando dos principais desafios do Direito de
Família e das Sucessões no Brasil.
São várias as razões da minha felicidade. Primeiro, porque o
Migalhas tornou-se a principal ferramenta de informação jurídica pela internet
do país. Sou seu leitor assíduo, seu fã incondicional. Para mim tornou-se um
verdadeiro dever a sua leitura diária, para atualização do conhecimento
e para a informação sobre os principais fatos que envolvem a atuação jurídica
no país. Tenho utilizado o Migalhas com grande frequência, para alimentar os
meus blogs, site e os meus escritos em geral.
Segundo, eu e Miguel somos da mesma região do país. Ele de
Patrocínio Paulista; eu de Passos, Minas Gerais. Vivemos em cidades próximas
quando da infância e da adolescência e pudemos desfrutar, desde jovens, dos
encantos dessa parte do interior do Brasil. Fomos forjados pela mesma terra, roxa
e produtiva.
A terceira razão é que o Direito de Família e o das Sucessões
têm oferecido muitos desafios para os aplicadores de Direito em geral,
alcançando uma abrangência teórica e prática que não existia até um passado
próximo. Tenho o costume de dizer que essas searas são as mais problemáticas
do Direito Privado nacional. Os problemas e os constantes conflitos existem em
todas as esferas: nas contendas entre os seus personagens principais, nas
disputas ideológicas entre os estudiosos e doutrinadores, nos conflitos entre
decisões díspares em praticamente todos os Tribunais, inclusive no Superior
Tribunal de Justiça. Quanto ao último, vale citar o debate que se trava quanto
à concorrência sucessória ou não do cônjuge sobrevivente no regime da separação
convencional de bens, por interpretação do art. 1.829, inciso I, do Código
Civil.
Foi a codificação privada de 2002 que acentuou esses embates,
notadamente por ter sido elaborada em um outro momento histórico, com valores
sociais bem distantes do que se percebe neste início de século XXI. Porém, a
Lei Geral Privada vigente também trouxe uma possibilidade de abertura, pela
adoção de um modelo baseado em cláusulas gerais, princípios e conceitos legais
indeterminados. Isso ocasionou, por exemplo, o reconhecimento da afetividade
como valor jurídico, com natureza de verdadeiro princípio do Direito de
Família contemporâneo. Sua densidade principiológica é facilmente percebida por
aqueles que conciliam a teoria com a prática familiarista, como bem observou
Ricardo Calderon em sua dissertação de mestrado defendida na Universidade
Federal do Paraná, obra publicada pela Editora Renovar.
Em um campo de profundos choques ideológicos, movido por paixões
– inclusive dos juristas, que muitas vezes com furor querem fazer prosperar
suas teses -, temos muitas questões a esclarecer nos próximos anos. Gostaria de
destacar algumas, nesta coluna inaugural.
De início, será que a Nova Lei da Guarda Compartilhada, lei
13.058/2014, conseguirá amenizar ou resolver as disputas relacionas aos filhos
menores, após o fim do casamento ou da união estável? Acredito que não. Tenho
sustentado, na linha de José Fernando Simão, Rolf Madaleno e Giselle Groeninga,
que a norma não trata de guarda compartilhada, mas de guarda alternada. Essa
pode ser boa para os pais, que queiram contatos mínimos entre si; mas também
pode ser péssima à criança, que deixa de ter um referencial único, como a terra
roxa e produtiva que aqui antes mencionei. Ademais, o diploma emergente
parece ter dado um tom de obrigatoriedade à guarda compartilhada (na verdade,
alternada, reafirme-se), o que para muitos parece não ser a melhor alternativa,
pois somente geradora de mais conflito.
Teremos um ano de grandes discussões sobre o Novo CPC,
aguardando sanção da presidência da República. E o novo Estatuto Processual é
farto na regulamentação de questões relativas ao Direito de Família e das
Sucessões. Ele aperfeiçoa as regras do inventário e da partilha, trata do
companheiro sempre ao lado do cônjuge, regulamenta a mediação e a conciliação,
traz um capítulo próprio para as ações de família, trata da desconsideração
inversa da personalidade jurídica e, infelizmente (muito infelizmente) mantém a
separação judicial e a extrajudicial. Nesse último aspecto, com o devido
respeito a quem pensa de forma contrária, o Novo CPC representa um profundo
retrocesso. Teremos uma lei instrumental que tenta reduzir o conflito e a
burocracia, agilizando procedimentos em muitos de seus trechos; mas que mantém
um instituto anacrônico, conflitivo e superado pela Emenda
Constitucional 66/2010, em outro.
Além dessas questões, temos outros problemas represados
a resolver, que merecem ser analisados mais atentamente. A culpa ainda pode ser
debatida em sede de ações de dissolução de casamento e união estável? Qual a
extensão e quais são os limites dos alimentos entre cônjuges e companheiros? A
responsabilidade civil deve ser amplamente aplicada ao Direito de Família? Há
uma tendência de contratualização desse ramo jurídico? Deve ser reconhecida a
igualdade plena entre casamento e união estável, inclusive para fins
sucessórios? O art. 1.790 do Código Civil, que trata da sucessão do
companheiro, é inconstitucional? A legítima sucessória deveria ser revista ou
extinta? O testamento vital é um testamento? As manifestações de atos de
última vontade deveriam ser facilitadas? Quais os limites para o chamado planejamento
sucessório?
Dentro das minhas possibilidades, procurarei responder a
essas indagações nas próximas colunas deste importante informativo jurídico
brasileiro.
Flávio Tartuce é Doutor em Direito Civil pela USP. Professor do programa de
mestrado e doutorado da FADISP - Faculdade Especializada em Direito. Professor
dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Privado da lato sensu
da EPD - Escola Paulista de Direito, sendo coordenador dos últimos. Professor
da Rede LFG. Diretor nacional e estadual do IBDFAM - Instituto Brasileiro de
Direito de Família. Advogado e consultor jurídico em São Paulo.
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