Justiça gaúcha reconhece o direito de criança ter dois
pais no registro de nascimento
16/05/2014
Fonte: Assessoria de Comunicação do
IBDFAM.
No último dia 8 de maio, a
juíza Carine Labres, da 3ª Vara Cível de Santana do Livramento (RS), decidiu
que um menino de cinco anos terá na certidão de nascimento o nome do pai
biológico e do pai que o registrou e convive desde o nascimento. A decisão da juíza
leva em consideração o aspecto da multiparentalidade, reconhecendo a verdade
biológica e a realidade afetiva, priorizando a melhor resolução para a criança
sobre as normas do direito.
No caso, o pai
biológico ajuizou ação de investigação de paternidade e argumentou que manteve
relacionamento íntimo e afetivo com a ré, do qual resultou no nascimento do
menino, que foi registrado em nome do atual companheiro. Com a conclusão do
exame de DNA, foi confirmada a paternidade biológica. Durante a audiência, foi dispensada a produção de prova testemunhal, pois o
pai biológico reconheceu o vínculo existente entre a criança e o pai afetivo.
Com isso, os pais concordaram quanto à inserção de seus respectivos nomes, em
conjunto, na certidão de nascimento do garoto, sem qualquer objeção da mãe.
Segundo a juíza, a
decisão exige atentar para a multiparentalidade e o afeto como valor jurídico.
Nesse intuito, debruçar o olhar conservador do direito registral sobre a
questão levaria a desconstrução do vínculo jurídico formado entre o filho e o
pai afetivo, pois o registro civil deve refletir a verdade dos fatos. Assim, o
raciocínio simplista não pode mais ser aceito pelos operadores do direito, eis
que o afeto, verdadeiro laço formador de entidades familiares, deve dar base ao
desfecho de demandas desta espécie.
Multiparentalidade
O Direito de Família
vem passando por várias mudanças, levando em consideração o princípio da
dignidade da pessoa humana, a afetividade, a solidariedade e a idéia de família
contemporânea plural para assegurar direitos constitucionalmente protegidos.
A paternidade
socioafetiva, como modalidade de parentesco civil, tem origem no art.
1.593 do diploma civilista, que se traduz na convivência familiar,
solidariedade e no amor nutrido entre pai e filho, sem que exista
essencialmente vínculo biológico ou jurídico entre eles. A juíza Carine Labres
explica que a paternidade socioafetiva apresenta-se em situações de adoção
legal, adoção à brasileira, nos filhos de criação e provenientes de técnicas de
reprodução assistida heteróloga.
Em casos singulares, a
maternidade ou a paternidade natural e a civil podem ser reconhecidas
cumulativamente, coexistindo sem que uma exclua a outra, sendo denominada pela
doutrina multiparentalidade ou pluriparentalidade, explica à julgadora.
A Lei 11.924/2009 regulamentou a possibilidade de o
enteado ou enteada adotar o sobrenome da família do padrasto ou da madrasta,
porém a questão da multiparentalidade vai além, e questiona a possibilidade de
alguém ter em seu registro civil o nome de duas mães ou de dois pais. De acordo
com o advogado Flávio Tartuce (SP), segundo vice-presidente da
Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM), a multiparentalidade é um caminho sem volta na modernização
do direito de família e representa uma consolidação da afetividade como
princípio jurídico em nosso sistema.
Ainda que não haja
jurisprudência consolidada acerca da multiparentalidade, em agosto de 2012 a 1ª
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou
procedente a apelação cível 0006422-26.2011.8.26.0286, introduzida em ação
declaratória que adotou a maternidade socioafetiva simultaneamente a
maternidade biológica.
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