Sogra e genro, como personagens amantes
vintenários, existem em novela justamente para repúdio de situações incestuosas
que a própria lei reprime.
Vejamos: Extinto o vínculo conjugal
ou convivencial, por evento morte, divórcio ou ruptura da união estável,
cônjuges ou companheiros colocam-se no pretérito, seguindo-se as vidas de ambos
ou a de um deles. Entretanto, segundo a lei, tal fato jurídico não faz cessar a
relação parental (por afinidade) entre genro e sogra (art. 1.595, § 2º, Código
Civil). A sogra é legitima, a afinidade não se extingue e ela continuará sendo
sogra vida afora.
A cada união o homem haverá de
acumular sogras, em perfeita harmonia intertemporal; divorciado ou viúvo da
primeira esposa, não poderá casar com a mãe daquela ou com qualquer outra que
se lhe seguir como sogra. No ponto, a doutrina assinala: há um vínculo perpétuo
que configura o impedimento matrimonial do art. 1.521, II, do Código Civil
(Flávio Tartuce, 2011).
Para além da relação parental dos afins,
a sogra é legítima em ação de indenização por dano moral decorrente da perda do
genro. O Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro admitindo a legitimidade ativa da sogra, como autora de uma
ação indenizatória por morte do genro, vítima de acidente de trânsito. As
instâncias ordinárias concluiram que “a relação de constância e proximidade
existente entre vítima e autora foi devidamente comprovada“, quando o
falecido “residia com a sogra, na
residência da mesma, e era ela quem cuidava dos netos“. (STJ – 4a.
Turma, REsp. n. 865.363-RJ, j. em 21.10.2010).
Expressou, então, o ministro relator
Aldir Passarinho Júnior: “...daí a particularidade da situação a,
excepcionalmente, levar ao reconhecimento do dano moral em favor da 1a.
autora.“ É fato que no reportado julgado
preponderantes foram as peculiaridades do caso; todavia não há negar que
as indenizações serão devidas, sempre que as circunstâncias fáticas indicarem o
dano moral sofrido.
A esse propósito, o Superior Tribunal de Justiça pronunciou, mais adiante, que “o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto, pode estar aberto aos mais diversificados arranjos familiares, devendo o juiz avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o alargamento a outros sujeitos que nela se inserem, assim também, em cada hipótese a ser julgada, o prudente arbítrio do julgador avaliará o total da indenização para o núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados. (STJ – 4ª Turma, REsp. nº 1076160, j. em 10.04.2012, DJe 21.06.2012 - RT vol. 924 p. 767).
No ponto, o Ministro Relator Luís Felipe Salomão ressaltou que “a mencionada válvula, que aponta para as múltiplas facetas que podem assumir essa realidade metamórfica chamada família, justifica precedentes desta Corte que conferiu legitimação ao sobrinho e à sogra da vítima fatal”.
A sogra também é legítima no
direito sucessório. Suficiente observar, na sucessão legítima e em falta de
descendentes, deferir-se a ordem da vocação hereditária, aos ascendentes, em
concorrência com o cônjuge (art. 1.829, II, Código Civil). No mais, situa-se o
exemplo: embora somente os filhos do herdeiro pré-morto sejam titulares na
sucessão do avô paterno; em falecendo uma das filhas desse herdeiro após a
abertura da sucessão, casada em qualquer que seja o regime de bens e sem
filhos, o cônjuge concorre com o ascendente e, na hipótese, a mãe da filha
falecida, na forma do art. 1829, II, do Código Civil. (TJRJ, 13a. CC,
Apelação Cível n. 0001213-42.2005.8.19.0202). Em menos palavras: o viúvo terá
seu direito sucessório exercido, de maneira concorrente, com o da sogra.
A sogra também é legítima em relações
obrigacionais, havida como beneficiária à retomada do imóvel locado e abrangido
pela comunhão de bens do casamento (STJ - 5a. Turma, REsp n.
36967/SP, j. em 15.09.1993), porquanto a afinidade parental de primeiro grau em
linha reta a faz equivalente ao ascendente (STJ - 5a. Turma, REsp.
n. 36365-MG, j. em 18.08.1993).
Também aparece legítimada em percepção
de alimentos, com dedução das verbas pagas perante o imposto de renda, em razão
de acordo judicial (STJ – 1a. Turma, REsp 1173538 /MG, j. em
21.10.2010), e coloca-se igualmente legitimada na sua relação com o genro para
os fins da Lei Maria da Penha, em
interpretação extensiva do inciso III do art. 5º da mencionada lei, como
destinatária de proteção, independente de coabitação. (TJRS – 1ª Câmara
Criminal, Conflito de Jurisdição nº 70043571595, j. em 17.08.2011).
Diversas as representações da sogra,
como a literária em Aloísio de Azevedo (1895) - onde a viúva independente
planejara a vida conjugal da filha, a inibir frustrações que tivera em projeto
de uma vida feliz - ou a da sociologia jurídica de família - em torno do marido,
como filho único de mãe solteira -, em todas elas, porém, é certo que no
multifacetado fenômeno das relações jurídico-familiares a sogra será sempre
legítima.
Fonte: Consultor Jurídico, 05.02.2017
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O autor é desembargador decano do
Tribunal de Justiça de Pernambuco e Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade
de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Preside a Comissão de Magistratura
de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
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