Justiça, cordialidade e
outras questões
Alexandre
Junqueira Gomide. Mestre pela Universidade de Lisboa. Mestrando pela USP.
Professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito. Advogado
em São Paulo.
Fonte: Migalhas.
Telefona-me um grande amigo dizendo querer me contratar
para propor ação de menor complexidade, decorrente de acidente de trânsito. O
valor da ação não supera quatro mil reais. Em razão das particularidades do
caso, sugiro a ele propor a ação independentemente da minha contratação,
diretamente no Juizado Especial Cível.
Meses depois, o meu amigo agradece a sugestão e diz que foi
muito bem atendido no Juizado Especial Cível da FAAP. Todavia, ele se diz
inseguro em comparecer na audiência de instrução e julgamento sem um advogado
e, pela nossa amizade, resolvo auxiliá-lo.
A ação é muito simples, mas é importante para o meu amigo.
Nós, advogados e magistrados, acostumados com muitas audiências, esquecemos que
em muitos casos, as pessoas estão pela primeira vez no fórum, frente a frente
com seu "adversário" e perante um juiz de direito. É natural que, em
tais circunstâncias, diversos sentimentos estejam presentes: raiva, nervosismo,
vingança, amor, ódio, entre outros. Um simples caso envolvendo uma briga de
trânsito pode envolver emoções maiores de um caso milionário e empresarial,
cujas partes já estão acostumadas ao ambiente forense.
Assim, mesmo nas ações mais simples, o jurisdicionado merece
um julgamento técnico e cauteloso, além de ser tratado com respeito pelos
advogados, magistrados e serventuários.
Voltemos ao nosso caso. Meu cliente está nervoso na sala de
audiências. Evita olhares à parte contrária. Enfim o nome dele é anunciado.
Entramos na sala de audiência e a Dra. Tais Helena Fiorini Barbosa, juíza do
Juizado Especial Cível da FAAP, tranquiliza o meu cliente ao recebê-lo com um
simpático sorriso, num sonoro "boa-tarde". A juíza é filha de
ex-ministro do STJ e seu irmão é um dos maiores advogados imobiliários do país.
Ela demonstra absoluto respeito pelos advogados ali presentes.
Dá-se início a audiência e a magistrada, embora jovem, se
mostra extremamente preparada: ouve as partes, faz indagações, sugere acordo e
demonstra total conhecimento dos fatos do processo. Um acordo é firmado. Saímos
da sala de audiência e claramente meu amigo demonstra satisfação com o serviço
prestado pela Justiça Estadual. Ao final da audiência, a magistrada demonstra
cordialidade com os advogados, agradecendo pela atuação de ambos.
Essa realidade, contudo, embora frequente, não é uníssona.
Toda vez que ingresso num gabinete ou sala de audiências, obrigatoriamente
cumprimento o magistrado e os funcionários presentes. Alguma vezes, contudo, o
meu "boa tarde" é respondido com um murmuro e seguido por um olhar
distante. Essa situação, além de constranger o advogado, também constrange o
jurisdicionado.
Além disso, uma minoria dos magistrados demonstra certa
impaciência em algumas audiências. Em muitos casos, sobretudo de Juizado
Especial, alguns magistrados parecem querer que a audiência seja encerrada o
quanto antes, para não comprometer a pauta. Ocorre que em muitos casos, essa
impaciência do magistrado pode encerrar a possibilidade que havia para que
fosse firmado um acordo.
Não sejamos injustos. Há motivos para que alguns magistrados
demonstrem impaciência. A explosão do ensino jurídico no Brasil fez o nível
técnico dos profissionais cair na mesma proporção do crescimento das
faculdades. No Juizado Especial Cível é comum verificar petições iniciais
confusas, longas e algumas teratologias. Além disso, muitos de nossos colegas
também não demonstram a necessária cordialidade com os serventuários e
magistrados. Naturalmente que tais fatos não justificam deselegância no
tratamento dos magistrados com a classe dos advogados.
Pior de tudo é ver que muitos dos nossos colegas advogados
têm tolerado falta de cordialidade e desrespeito profissional. Quando realizo
audiências no interior de São Paulo, vejo colegas que se colocam claramente em
uma posição de inferioridade frente ao magistrado. Tais situações me
constrangem, principalmente quando o advogado, na frente do seu cliente,
demonstra inferioridade hierárquica.
Tal como me referi no início desse artigo, a regra geral da
magistratura paulista é de juízes preparados tecnicamente, zelosos nos
julgamentos, atenciosos nas audiências e cordiais no tratamento com as partes e
seus advogados. Mas não fechemos os olhos. Há, sim, uma minoria de magistrados
que precisa lembrar que a opção da toga é justamente o convívio intenso e quase
diário com partes e advogados.
Após anos de preparo técnico para assumir o relevante cargo
de magistrado, o profissional deve sempre ter em conta que o respeito
profissional faz parte de sua função pública.
Ao colega advogado, reitero que sempre seja cordial com o
magistrado, ainda que a recíproca não seja a mesma. Além disso, relembro o
jovem advogado que não vale prosseguir na carreira sem coragem. Permitir a
falta de cordialidade ou aceitar não ser recebido no gabinete do magistrado não
é a coragem que o seu cliente espera de você.
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