RESUMO.
INFORMATIVO 544 DO STJ.
DIREITO
CIVIL. METODOLOGIA DE FIXAÇÃO DE DANOS MORAIS DEVIDOS A PARENTES DE VÍTIMAS DE
DANO MORTE NA HIPÓTESE DE NÚCLEOS FAMILIARES COM DIFERENTE NÚMERO DE MEMBROS. Na
fixação do valor da reparação pelos danos morais sofridos por parentes de
vítimas mortas em um mesmo evento, não deve ser estipulada de forma global a
mesma quantia reparatória para cada grupo familiar se, diante do fato de uma
vítima ter mais parentes que outra, for conferido tratamento desigual a lesados
que se encontrem em idêntica situação de abalo psíquico, devendo, nessa
situação, ser adotada metodologia de arbitramento que leve em consideração a
situação individual de cada parente de cada vítima do dano morte. Na
atual sistemática constitucional, o conceito de dano moral deve levar em
consideração, eminentemente, a dignidade da pessoa humana – vértice valorativo
e fundamental do Estado Democrático de Direito – conferindo-se à lesão de
natureza extrapatrimonial dimensões mais amplas, em variadas perspectivas.
Dentre essas perspectivas, tem-se o caso específico de falecimento de um
parente próximo – como a morte do esposo, do companheiro ou do pai. Nesse caso,
o dano experimentado pelo ofendido qualifica-se como dano psíquico, conceituado
como o distúrbio ou perturbação causado à pessoa através de sensações anímicas
desagradáveis, em que a pessoa é atingida na sua parte interior, anímica ou
psíquica, através de inúmeras sensações dolorosas e importunantes, como, por
exemplo, a ansiedade, a angústia, o sofrimento, a tristeza, o vazio, o medo, a
insegurança, o desolamento e outros. A reparabilidade do dano moral possui
função meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um pesar,
insuscetível de restituição ao statu quo ante. A justa indenização,
portanto, norteia-se por um juízo de ponderação, formulado pelo julgador, entre
a dor suportada pelos familiares e a capacidade econômica de ambas as partes –
além da seleção de um critério substancialmente equânime. Nessa linha, a
fixação de valor reparatório global por núcleo familiar, justificar-se-ia
apenas se a todos os lesados que se encontrem em idêntica situação fosse
conferido igual tratamento. De fato, não se mostra equânime a diferenciação do
valor indenizatório tão somente pelo fato de o núcleo familiar de uma vítima do
dano morte ser mais numeroso do que o de outra. Dessa forma, deve ser
adotada metodologia de arbitramento que leve em consideração a situação
individual de cada lesado e, diante da inexistência de elementos concretos,
atrelados a laços familiares ou afetivos, que fundamentem a discriminação entre
os familiares das vítimas, deve ser fixado idêntico valor de reparação para
cada familiar lesado. EREsp 1.127.913-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado
em 4/6/2014 (Vide Informativo n. 505).
DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO NAS DEMANDAS POR
INDENIZAÇÃO DO SEGURO DPVAT NOS CASOS DE INVALIDEZ PERMANENTE DA VÍTIMA.
RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). No que diz respeito ao termo inicial do prazo
prescricional nas demandas por indenização do seguro DPVAT que envolvem
invalidez permanente da vítima: a) o termo inicial do prazo prescricional é a
data em que o segurado teve ciência inequívoca do caráter permanente da
invalidez; e b) exceto nos casos de invalidez permanente notória, a ciência
inequívoca do caráter permanente da invalidez depende de laudo médico, sendo
relativa a presunção de ciência. Sobre o tema em análise, o STJ
editou a Súmula 278, segundo a qual “O termo inicial do prazo prescricional, na
ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da
incapacidade laboral”. Com o advento desse enunciado, sepultou-se o
entendimento de que o termo inicial da prescrição seria sempre a data do
acidente, independentemente do tipo de lesão. Persiste, porém, controvérsia no
que se refere à necessidade, ou não, de um laudo médico para que a vítima do
acidente (beneficiária do seguro) tenha ciência inequívoca da invalidez permanente
(total ou parcial). Essa controvérsia tem gerado três entendimentos
jurisprudenciais diversos. O primeiro considera que a invalidez permanente
depende de uma declaração médica, sem a qual não há como presumir a ciência da
vítima. No segundo há uma ligeira mitigação do primeiro, pois se aceita a
presunção de ciência inequívoca, independentemente de laudo médico, mas somente
nas hipóteses em que a invalidez é notória, como nos casos de amputação de
membro. O laudo médico, nesses casos, serviria mais para aferir o grau de
invalidez, do que para constatá-la. Interessante destacar que o fato de a
invalidez permanente ser uma consequência imediata do acidente, não implica,
necessariamente, ciência inequívoca da vítima. A perda do baço, por exemplo,
somente chegará ao conhecimento de uma vítima leiga em Medicina se essa
informação lhe for prestada por um médico. Nesses casos, ainda que a lesão seja
imediata, a ciência da vítima só ocorrerá em momento posterior. Voltando às
teses acerca da ciência da invalidez, o terceiro entendimento admite que essa
ciência possa ser presumida, conforme as circunstâncias do caso. Colhe-se da
jurisprudência do STJ, por exemplo, julgado no qual o Tribunal de origem
entendeu que o longo decurso de tempo entre o acidente e a data do laudo, além
da não submissão das vítimas a tratamento, permite que se presuma a ciência da
invalidez. Posto isso, cumpre verificar o enquadramento dos entendimentos
jurisprudenciais acima delineados nas hipóteses do art. 334 do CPC, transcrito
a seguir: “Não dependem de prova os fatos: I - notórios; II - afirmados por uma
parte e confessados pela parte contrária; III - admitidos, no processo, como
incontroversos; IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de
veracidade”. O primeiro entendimento, que exige um laudo médico para que se
considere a ciência inequívoca da vítima, está de acordo com esse dispositivo
legal (a contrario sensu), pois
o laudo médico é uma prova documental. O segundo entendimento também está de
acordo, pois o caráter permanente da invalidez em hipóteses como amputação de
membro constitui fato notório para a vítima, enquadrando-se no inciso I, supra.
O terceiro entendimento, contudo, parece afrontar o disposto no art. 334 do
CPC, por não haver norma legal que autorize o julgador a presumir a ciência da
invalidez a partir de circunstâncias fáticas como o decurso do tempo, a não
submissão a tratamento ou a interrupção deste. Essa questão deve ser
contextualizada à realidade brasileira em que a maioria das vítimas se
submetem a tratamento médico e fisioterápico custeado pelo SUS (Sistema Único
de Saúde), que sabidamente é bastante demorado nesses casos em que não há mais
risco de vida. Desse modo, o fato de a vítima não persistir no tratamento
iniciado, não pode ser utilizado para fulminar seu direito à indenização, se
não há previsão legal nesse sentido. Há de se ressaltar, ademais, que por mais
que as vítimas sintam a redução em sua capacidade laboral ao longo dos anos,
esse fato não é suficiente para autorizá-las a pleitear a indenização, pois a
legislação do DPVAT exige mais do que mera incapacidade laboral, exige
invalidez “permanente”. E esse caráter permanente da invalidez é inalcançável
ao leigo em Medicina. Para se afirmar que uma lesão é permanente, ou seja, sem
perspectiva terapêutica, é necessário concluir pela inviabilidade de qualquer
dos tratamentos disponíveis, o que não é possível sem conhecimentos médicos.
Frise-se que não se pode confundir ciência da lesão (ou da incapacidade) com
ciência do caráter permanente da invalidez, pois esta última só é possível com
auxílio médico. De outra parte, cabe refletir sobre a possibilidade de
manipulação do prazo prescricional por parte da vítima. Há a preocupação de que
a vítima, depois de transcorrido o prazo prescricional, obtenha um novo laudo
médico e ajuíze a ação, omitindo, por má-fé, a existência de um laudo médico
mais antigo. Entretanto, cabe frisar que, no Direito brasileiro, a má-fé não
pode ser presumida. Então, caso a seguradora desconfie dessa manipulação do prazo
prescricional, cabe-lhe diligenciar junto ao IML para saber se a vítima
submeteu-se, ou não, a exame médico em data anterior. Do contrário, há de
prevalecer, como termo inicial da prescrição, a data indicada no laudo médico
apresentado pela vítima. REsp 1.388.030-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado
em 11/6/2014.
DIREITO
AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA POR DANO AMBIENTAL PRIVADO.
O particular que deposite resíduos
tóxicos em seu terreno, expondo-os a céu aberto, em local onde, apesar da
existência de cerca e de placas de sinalização informando a presença de
material orgânico, o acesso de outros particulares seja fácil, consentido e
costumeiro, responde objetivamente pelos danos sofridos por pessoa que, por
conduta não dolosa, tenha sofrido, ao entrar na propriedade, graves queimaduras
decorrentes de contato com os resíduos. A responsabilidade
civil por danos ambientais, seja por lesão ao meio ambiente propriamente dito
(dano ambiental público), seja por ofensa a direitos individuais (dano
ambiental privado), é objetiva, fundada na teoria do risco integral, em face do
disposto no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, que consagra o princípio do
poluidor-pagador. A responsabilidade objetiva fundamenta-se na noção de risco
social, que está implícito em determinadas atividades, como a indústria, os
meios de transporte de massa, as fontes de energia. Assim, a responsabilidade
objetiva, calcada na teoria do risco, é uma imputação atribuída por lei a
determinadas pessoas para ressarcirem os danos provocados por atividades exercidas
no seu interesse e sob seu controle, sem que se proceda a qualquer indagação
sobre o elemento subjetivo da conduta do agente ou de seus prepostos, bastando
a relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a situação de risco
criada pelo agente. Imputa-se objetivamente a obrigação de indenizar a quem
conhece e domina a fonte de origem do risco, devendo, em face do interesse
social, responder pelas consequências lesivas da sua atividade independente de
culpa. Nesse sentido, a teoria do risco como cláusula geral de responsabilidade
civil restou consagrada no enunciado normativo do parágrafo único do art. 927
do CC, que assim dispôs: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”. A teoria do risco integral constitui uma modalidade
extremada da teoria do risco em que o nexo causal é fortalecido de modo a não
ser rompido pelo implemento das causas que normalmente o abalariam (v.g. culpa
da vítima; fato de terceiro, força maior). Essa modalidade é excepcional, sendo
fundamento para hipóteses legais em que o risco ensejado pela atividade
econômica também é extremado, como ocorre com o dano nuclear (art. 21, XXIII,
“c”, da CF e Lei 6.453/1977). O mesmo ocorre com o dano ambiental (art. 225, caput e § 3º, da CF e art. 14, § 1º, da
Lei 6.938/1981), em face da crescente preocupação com o meio ambiente. Nesse
mesmo sentido, extrai-se da doutrina que, na responsabilidade civil pelo dano
ambiental, não são aceitas as excludentes de fato de terceiro, de culpa da
vítima, de caso fortuito ou de força maior. Nesse contexto, a colocação de
placas no local indicando a presença de material orgânico não é suficiente para
excluir a responsabilidade civil. REsp 1.373.788-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado
em 6/5/2014.
DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADJUDICAÇÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS DO HERDEIRO
DEVEDOR DE ALIMENTOS. É
possível a adjudicação em favor do alimentado dos direitos hereditários do
alimentante, penhorados no rosto dos autos do inventário, desde que observado
os interesses dos demais herdeiros, nos termos dos arts. 1.793 a 1.795 do CC. De
fato, o herdeiro pode ceder fração ideal da herança que lhe caiba, de modo
gratuito ou oneroso, total ou parcialmente, inclusive em favor de terceiros
(arts. 1.793 a 1.795 do CC), salvo se houver restrição em contrário (cláusula
de inalienabilidade). Frise-se que, ante a natureza universal da herança, essa
transferência não pode ser de um ou alguns bens determinados do acervo, senão
da fração ideal que toca ao herdeiro. Nesse passo, como é facultado ao herdeiro
dispor de seu quinhão hereditário, não é razoável afastar a possibilidade de
ele ser “forçado” a transferir seus direitos hereditários aos seus credores,
especialmente quando se tratar de crédito de natureza alimentar. Esclareça-se
que a adjudicação, como a arrematação e os demais atos expropriatórios do
processo executivo, visa à satisfação do crédito, por meio da transferência do
bem penhorado ao patrimônio de outrem, com o objetivo de satisfazer o crédito.
Assim, se “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos
os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”
(art. 591 do CPC); se, desde a abertura da sucessão, a herança incorpora-se ao
patrimônio do herdeiro, como bem imóvel indivisível; e, se a adjudicação de bem
imóvel é uma técnica legítima de pagamento, produzindo o mesmo resultado
esperado com a entrega de certa quantia; conclui-se que os direitos
hereditários do alimentante podem ser adjudicados para a satisfação de crédito
alimentar. À vista do exposto, não há empecilho legal à adjudicação de direitos
hereditários, nos termos do art. 685-A do CPC, desde que igualmente observadas
as regras previstas nos arts. 1.793 a 1.795 do CC, de modo a preservar o
interesse de outros herdeiros eventualmente existentes. REsp 1.330.165-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
13/5/2014.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO DECORRENTE DA INCOMPATIBILIDADE ENTRE O VEÍCULO
ADQUIRIDO E A QUALIDADE DO COMBUSTÍVEL COMERCIALIZADO NO BRASIL. O
consumidor pode exigir a restituição do valor pago em veículo projetado para
uso off-road adquirido no mercado nacional na hipótese em que for
obrigado a retornar à concessionária, recorrentemente por mais de 30 dias, para
sanar panes decorrentes da incompatibilidade, não informada no momento da
compra, entre a qualidade do combustível necessário ao adequado funcionamento
do veículo e a do combustível disponibilizado nos postos nacionais, persistindo
a obrigação de restituir ainda que o consumidor tenha abastecido o veículo com
combustível de baixa qualidade recomendado para a utilização em meio rural. De
início, esclareça-se que, nos termos do art. 18 do CDC, “Os fornecedores de
produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos
vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao
consumo a que se destinam (...)”. Assim, se o veículo funciona com determinado
combustível e é vendido no Brasil, deve-se considerar como uso normal o seu
abastecimento com quaisquer das variedades desse combustível comercializadas em
território nacional. Se apenas uma dessas variedades se mostrasse compatível
com o funcionamento adequado do motor, ainda seria possível cogitar na não
configuração de vício do produto, se o consumidor houvesse sido adequadamente
informado, no momento da compra, de que o automóvel apenas poderia ser
abastecido com a variedade específica em questão. Acrescente-se que, se apenas
determinado combustível vendido fora do País, pela sua qualidade superior, é
compatível com as especificações do fabricante do automóvel, é de se concluir
que a utilização de quaisquer das variantes de combustível ofertadas no Brasil
mostram-se igualmente contra-recomendadas. Ademais, há de se ressaltar que, na
situação em análise, o comportamento do consumidor foi absolutamente
desinfluente. Isso porque a causalidade concorrente não afasta a responsabilidade
civil do fornecedor diante da inegável existência de vício do produto. Posto
isso, salienta-se que o art. 18, § 1º, do CDC dispõe que, “Não sendo o vício
sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir (...) a
restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo
de eventuais perdas e danos”. O vício do produto ocorre quando o produto não se
mostra adequado ao fim a que se destina, incompatível com o uso a que se
propõe. Nessa conjuntura, não é possível afirmar que o veículo, após visitar a
oficina pela primeira vez, tenha retornado sem vício, pois reincidiu nas panes
e sempre pelo mesmo motivo. Dessa forma, ainda que o veículo tenha retornado da
oficina funcionando e que cada ordem de serviço tenha sido cumprida em menos de
30 dias, o vício não estava expurgado. A propósito, há de se ressaltar que o
veículo em questão foi projetado para uso off-road.
Portanto, é de se admitir que houvesse uma razoável expectativa do
consumidor em utilizar, senão habitualmente, ao menos eventualmente, a
variedade de combustível disponível em meio rural. Isso corresponde, afinal, ao
uso normal que se pode fazer do produto adquirido, dada a sua natureza e
finalidade. Assim, é de admitir que o consumidor deveria ter sido, pelo menos,
informado de forma adequada, no momento da compra, que o veículo não poderia
ser abastecido com combustível recomendado para a utilização em meio rural.
Essa era uma informação que poderia interferir decisivamente na opção de compra
do bem e não poderia, por isso, ser omitida, sob pena de ofensa ao dever de
ampla informação. REsp 1.443.268-DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 3/6/2014.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. DANO MORAL NO CASO DE VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO QUE RETORNA À
CONCESSINÁRIA POR DIVERSAS VEZES PARA REPAROS. É
cabível dano moral quando o consumidor de veículo automotor zero quilômetro
necessita retornar à concessionária por diversas vezes para reparar defeitos
apresentados no veículo adquirido. Precedentes citados: REsp
1.395.285-SP, Terceira Turma, DJe 12/12/2013; AgRg no AREsp 60.866-RS, Quarta
Turma, DJe 1/2/2012; e AgRg no AREsp 76.980-RS, Quarta Turma, DJe 24/8/2012. REsp 1.443.268-DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 3/6/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DE PESSOA JURÍDICA PARA IMPUGNAR DECISÃO QUE
DESCONSIDERE A SUA PERSONALIDADE.
A pessoa jurídica tem legitimidade para impugnar decisão interlocutória
que desconsidera sua personalidade para alcançar o patrimônio de seus sócios ou
administradores, desde que o faça com o intuito de defender a sua regular
administração e autonomia – isto é, a proteção da sua personalidade –, sem se
imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios ou administradores incluídos
no polo passivo por força da desconsideração. Segundo o art. 50 do CC,
verificado “abuso da personalidade jurídica”, poderá o juiz decidir que os
efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. O referido
abuso, segundo a lei, caracteriza-se pelo desvio de finalidade da pessoa
jurídica ou pela confusão patrimonial entre os bens dos sócios/administradores
com os da pessoa moral. A desconsideração da personalidade jurídica, em
essência, está adstrita à concepção de moralidade, probidade, boa-fé a que
submetem os sócios e administradores na gestão e administração da pessoa
jurídica. Vale também destacar que, ainda que a concepção de abuso nem sempre
esteja relacionada a fraude, a sua figura está, segundo a doutrina,
eminentemente ligada a prejuízo, desconforto, intranquilidade ou dissabor que
tenha sido acarretado a terceiro, em decorrência de um uso desmesurado de um
determinado direito. A rigor, portanto, a desconsideração da personalidade da
pessoa jurídica resguarda interesses de credores e também da própria sociedade
indevidamente manipulada. Por isso, inclusive, segundo o enunciado 285 da IV
Jornada de Direito Civil, “a teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do
Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor”. Nesse
compasso, tanto o interesse na desconsideração ou na manutenção do véu
protetor, podem partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos
requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a
pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de
sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade. REsp 1.421.464-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
24/4/2014.
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. COMPETÊNCIA PARA RECONHECIMENTO DE
DIREITO A MEAÇÃO DE BENS LOCALIZADOS FORA DO BRASIL. Em
ação de divórcio e partilha de bens de brasileiros, casados e residentes no
Brasil, a autoridade judiciária brasileira tem competência para, reconhecendo o
direito à meação e a existência de bens situados no exterior, fazer incluir
seus valores na partilha. O Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro) prevê, no art. 7º, § 4º, que o regime
de bens, legal ou convencional, deve obedecer “à lei do país em que tiverem os
nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal”.
E, no art. 9º, que, para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei
do país em que se constituírem. As duas regras conduzem à aplicação da
legislação brasileira, estando diretamente voltadas ao direito material vigente
para a definição da boa partilha dos bens entre os divorciantes. Para o
cumprimento desse mister, impõe-se ao magistrado, antes de tudo, a atenção ao
direito material, que não excepciona bens existentes fora do Brasil, sejam eles
móveis ou imóveis. Se fosse diferente, para dificultar o reconhecimento de
direito ao consorte ou vilipendiar o que disposto na lei brasileira atinente ao
regime de bens, bastaria que os bens de raiz e outros de relevante valor fossem
adquiridos fora das fronteiras nacionais, inviabilizando-se a aplicação da
norma a determinar a distribuição equânime do patrimônio adquirido na
constância da união. A exegese não afronta o art. 89 do CPC, pois esse
dispositivo legal disciplina a competência internacional exclusiva do Poder
Judiciário brasileiro para dispor acerca de bens imóveis situados no Brasil e
para proceder a inventário e partilha de bens (móveis e imóveis) situados no
Brasil. Dele se extrai que a decisão estrangeira que viesse a dispor sobre bens
imóveis ou móveis (estes em sede de inventário e partilha) mostrar-se-ia
ineficaz no Brasil. O reconhecimento de direitos e obrigações relativos ao casamento,
com apoio em normas de direito material a ordenar a divisão igualitária entre
os cônjuges do patrimônio adquirido na constância da união, não exige que os
bens móveis e imóveis existentes fora do Brasil sejam alcançados, pela Justiça
Brasileira, a um dos contendores, demanda apenas a consideração dos seus
valores para fins da propalada equalização. REsp 1.410.958-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado
em 22/4/2014.
DIREITO
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO APÓS A MIGRAÇÃO ENTRE PLANOS DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA. Havendo
transação prevendo a migração de participante ou assistido para outro plano de
benefícios de previdência privada, em termos previamente aprovados pelo órgão
público fiscalizador, não há direito adquirido consistente na invocação do
regulamento do plano primitivo para revisão do benefício complementar, sobretudo
se, ao tempo da transação, ainda não forem preenchidas todas as condições para
a implementação do benefício previsto no regulamento primitivo. Incialmente,
a doutrina esclarece que, com a homologação da transação, há “destruição de
toda a relação jurídica”, por isso o “que persiste – no terreno do direito
material – é a transação, negócio jurídico”. Ademais, a teor do art. 1.026 do
CC/1916 (correspondente ao art. 848 do CC/2002), sendo nula qualquer das
cláusulas da transação, nula será esta. Com efeito, apenas mediante o
ajuizamento de ação anulatória prevista no art. 486 do CPC, voltada à
desconstituição de atos processuais inquinados de qualquer das nulidades
estabelecidas nos arts. 145 e 147 do CC/1916 (similares aos arts. 166 e 171 do
CC/2002), poderá o interessado obter a revogação de quaisquer atos praticados
no desenrolar de procedimento judicial, bem como da sentença homologatória da
transação. Uma vez acolhido o pedido anulatório, produzir-se-á o exclusivo e
específico efeito de desfazer esse ato, a que corresponde a restituição do
interessado ao statu quo ante,
ou seja, à situação anterior à sua realização. Ademais, o STJ entende que a
transação, com observância das exigências legais, sem demonstração de qualquer
vício, é ato jurídico perfeito e acabado, não podendo o simples arrependimento
unilateral de uma das partes dar ensejo à anulação do acordo (REsp 617.285-SC,
Quarta Turma, DJ 5/12/2005). Além do mais, quanto à possível invocação do
diploma consumerista, é de observar que “o ponto de partida do CDC é a
afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a
garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo,
o que não quer dizer compactuar com exageros” (REsp 586.316-MG, Segunda Turma,
DJe 19/3/2009). Com efeito, ainda que perfilhado o entendimento acerca da
incidência do CDC, é bem de ver que suas regras, valores e princípios são
voltados a conferir equilíbrio às relações contratuais, de modo que, ainda que
fosse constatada alguma nulidade da transação, evidentemente implicaria o
retorno ao statu quo ante, não
podendo, em hipótese alguma, resultar em enriquecimento a qualquer das partes.
Noutro giro, a doutrina preceitua que a migração de planos de benefícios
geridos pela mesma entidade fechada de previdência privada ocorre num contexto
de amplo redesenho da relação contratual previdenciária, com o concurso de
vontades do patrocinador, da entidade fechada de previdência complementar, por
meio de seu conselho deliberativo, e autorização prévia da Previc (que sucedeu
a Secretaria de Previdência Complementar, no tocante à atribuição legal de
fiscalização e supervisão das entidades de previdência privada fechada). De
mais a mais, havendo a migração de plano de benefícios de previdência
privada, não há falar em invocação do regulamento do plano de benefícios
primitivo, vigente por ocasião da adesão do participante à relação contratual.
Na hipótese em foco, à luz da ab-rogada Lei 6.435/1977 e da LC 109/2001,
verifica-se que a legislação de regência, visando ao resguardado do equilíbrio
financeiro e atuarial do plano de custeio, sempre previu a possibilidade de
alteração do regulamento do plano de benefícios, inclusive dos valores das
contribuições e benefícios. Por isso, a teor do parágrafo único do art. 17 e do
§ 1º do art. 68, ambos da LC 109/2001, só há falar em direito adquirido na
ocasião em que o participante preenche todas as condições para o recebimento do
benefício, tornando-se elegível ao benefício. Além disso, esses mesmos artigos
dispõem expressamente que as alterações processadas nos regulamentos dos planos
de benefícios aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a
partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, só sendo
considerado direito adquirido do participante os benefícios, a partir da
implementação de todas as condições estabelecidas para elegibilidade
consignadas no regulamento do respectivo plano. REsp 1.172.929-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
10/6/2014.
DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DE DEVEDOR SOLIDÁRIO E
IMPOSSIBILIDADE DE SE EXCUTIR BENS DE TERCEIRO ESTRANHO À AÇÃO DE CONHECIMENTO. Os
bens de terceiro que, além de não estar incluído no rol do art. 592 do CPC, não
tenha figurado no polo passivo de ação de cobrança não podem ser atingidos por
medida cautelar incidental de arresto, tampouco por futura execução, sob a
alegação de existência de solidariedade passiva na relação de direito material.
De fato, conforme o art. 275, caput
e parágrafo único, do CC, é faculdade do credor escolher a qual ou a quais
devedores direcionará a cobrança do débito comum, sendo certo que a propositura
da ação de conhecimento contra um deles não implica a renúncia à solidariedade
dos remanescentes, que permanecem obrigados ao pagamento da dívida. Ressalte-se
que essa norma é de direito material, restringindo-se sua aplicação ao momento
de formação do processo cognitivo, quando, então, o credor pode incluir no polo
passivo da demanda todos, alguns ou um específico devedor. Sob essa
perspectiva, a sentença somente terá eficácia em relação aos demandados, não
alcançando aqueles que não participaram da relação jurídica processual, nos
termos do art. 472 do CPC e conforme a jurisprudência do STJ (REsp
1.169.968-RS, Terceira Turma, DJe 17/3/2014; e AgRg no AREsp 275.477-CE,
Primeira Turma, DJe 8/4/2014). Ademais, extrai-se o mesmo entendimento da norma
prevista no art. 568 do CPC que, enumerando os possíveis sujeitos passivos na
execução, refere-se expressamente ao “devedor reconhecido como tal no título
executivo”; não havendo, nesse dispositivo, previsão alguma quanto ao devedor
solidário que não figure no título judicial. Além disso, a responsabilidade
solidária precisa ser declarada em processo de conhecimento, sob pena de
tornar-se impossível a execução do devedor solidário, ressalvados os casos
previstos no art. 592 do mesmo diploma processual, que prevê a possibilidade de
excussão de bem de terceiro estranho à relação processual. Ante o exposto, não
é possível, em virtude de alegação quanto à eventual existência de
solidariedade passiva na relação de direito material, atingir bens de terceiro
estranho ao processo de cognição e que não esteja incluído no rol do art. 592
do CPC. Aliás, em alguma medida, esse entendimento está contido na Súmula 268
do STJ (segundo a qual o “fiador que não integrou a relação processual na ação
de despejo não responde pela execução do julgado”), a qual, mutatis mutandis, deve ser também aplicada
ao devedor que não tenha sido incluído no polo passivo de ação de cobrança. REsp 1.423.083-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
6/5/2014.
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