Segue abaixo o acórdão do Tribunal de Minas Gerais confirmando a sentença de usucapião de área pública, do DERMG, nos termos de postagem anterior..
Bons estudos.
Professor Tartuce
RESULTADO DO JULGAMENTO EM 08.05.2014.
EMENTA:
APELAÇÃO CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA – DETENÇÃO – INOCORRÊNCIA – POSSE
COM “ANIMUS DOMINI” – COMPROVAÇÃO – REQUISITOS DEMONSTRADOS –
PRESCRIÇÃO AQUISITIVA – EVIDÊNCIA – POSSIBILIDADE – EVIDÊNCIA –
PRECEDENTES - NEGAR PROVIMENTO. - “A prescrição, modo de adquirir
domínio pela posse contínua (isto é, sem intermitências), ininterrupta
(isto é, sem que tenha sido interrompida por atos de outrem), pacífica
(isto é, não adquirida por violência), pública (isto é, exercida à vista
de todos e por todos sabida), e ainda revestida com o animus domini, e
com os requisitos legais, transfere e consolida no possuidor a
propriedade da coisa, transferência que se opera, suprindo a prescrição a
falta de prova de título preexistente, ou sanando o vício do modo de
aquisição”.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0194.10.011238-3/001 - COMARCA DE CORONEL FABRICIANO
- APELANTE (S): DER MG DEPARTAMENTO DE ESTRADAS RODAGEM ESTADO MINAS GERAIS
-
APELADO (A)(S): CLAUDIO APARECIDO GONÇALVES TITO, DORACI SANTOS MELO
TITO, FATIMA MARIA LOPES TITO, EXPEDITO CASSIMIRO ROSA, JOSÉ CASSIMIRO
DE OLIVEIRA, ROSILENE CARVALHO DE OLIVEIRA, JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA
RAMOS, MARCO AURÉLIO GONÇALVES TITO E OUTRO (A)(S), MARIA DAS DORES
SILVA ROSA, MARIA FERREIRA DAS GRAÇAS OLIVEIRA, MARIA MARGARIDA DE
OLIVEIRA, FERNANDO INÁCIO DE OLIVEIRA, IVONETE APARECIDA GONÇALVES TITO E
OUTRO (A)(S)
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª
CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. BARROS LEVENHAGEN RELATOR.
DES. BARROS LEVENHAGEN (RELATOR)
V O T O
Trata-se
de recurso de apelação, interposto pelo DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E
RODAGENS DE MINAS GERAIS (DER/MG), contra sentença proferida pelo MM.
Juiz de Direito Marcelo Pereira da Silva às fls. 291/295v, que, nos
autos da AÇÃO REIVINDICATÓRIA movida em face de MARCO AURÉLIO GONÇALVES
TITO E OUTROS, julgou improcedente o pedido inicial e procedente o
pedido contraposto pelos réus, para “declarar o domínio dos requeridos
sobre os imóveis descritos na exordial, devendo a presente sentença
servir de título para registro, oportunamente, no Cartório de Registro
de Imóveis”
Em razão da sucumbência, condenou o autor no
pagamento de honorários advocatícios fixados em R$1.000,00. Nas razões
de fls. 297/301, o DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGENS DE MINAS
GERAIS-DER/MG, alega que “é proprietário do imóvel, o qual serviu de
acampamento para os servidores da autarquia à época da construção das
rodovias estaduais”, e, neste contexto, os servidores sempre souberam
que o imóvel era da autarquia, e que sua tolerância na utilização do bem
configura mera detenção consentida.
Aduz que não induz posse os
atos de mera permissão ou tolerância, pelo que pugna pela reforma da
sentença. Apresentadas contrarrazões às fls. 303/306 e 307/310, pugnando
pelo desprovimento do recurso. A d. Procuradoria-Geral de Justiça
manifestou-se pela desnecessidade de intervenção do Ministério Público
no feito (fls. 315 – TJ).
É o relatório.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
‘Data
venia’, sem razão o Apelante. Inicialmente se faz necessário distinguir
a detenção, tese encampada pelo autor, ora apelante, da posse,
requisito necessário à usucapião. O Código Civil, em seu artigo 1.198,
definiu o instituto da detenção como sendo: “Considerase detentor
aquele que, achandose em relação de dependência para com outro,
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções
suas.”
A doutrina se refere ao detentor como servidor da posse.
Neste
sentido a lição de Maria Helena Diniz: “(...) é aquele que em razão de
sua situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação
em relação a uma outra pessoa (proprietário), exerce sobre o bem não uma
posse própria, mas a posse desta última e em nome desta, em obediência a
uma ordem ou instrução. É o que ocorre com empregados em geral,
caseiros, almoxarifes, administradores, bibliotecários, diretores de
empresa, que são considerados detentores de bens sobre os quais não
exercem posse própria.” (Maria Helena Diniz. Código Civil Anotado. 11ª Ed).
Lado
outro, a posse “ad usucapionem” leva ao reconhecimento do domínio,
gerando o direito de propriedade, possuindo requisitos próprios.
Destarte, o “animus domini” constitui requisito da prescrição
aquisitiva, devendo ser demonstrado no exercício da posse.
Assim,
o possuidor deve se comportar como se dono fosse, exteriorizando
convicção de que aquele bem lhe pertence, para isso, há de comprovar a
prática de atos de proprietário, conforme lição de Antônio Moura Borges,
pois, se o proprietário perdeu a propriedade por haver abandonado-a,
deixando de praticar atos inerentes ao domínio, justo o possuidor
adquirir essa propriedade desde que demonstrado esta manifestação.
Necessário, também, que a posse “ad usucapinonem” seja ininterrupta e
contínua, sem oposição ou incontestada.
Neste sentido, os
ensinamentos Benedito Silvério Ribeiro: “A posse ininterrupta ou
contínua é que perdura durante o tempo determinado em lei, sem sofrer
interrupção ou descontinuidade. (...) A posse em oposição deverá ser
conforme o direito, isto é, justa (justa causa possessionis), sem os
vícios da violência, clandestinidade e precariedade.” (Tratado de
Usucapião. Benedito Ribeiro Silvério. 4ª Ed).
Portanto, a
detenção simples da coisa, sem o animus de tê-la como sua, não tem
consequência para a aquisição da propriedade, constituindo-se mero fato,
ou seja, mera detenção, o que não é o caso dos autos, conforme
demonstram as provas carreadas aos autos, principalmente, a perícia
técnica de fls. 182/218:
“O que acontece neste caso, é que os
moradores (ex-funcionários do DER/MG), pouco a pouco foram edificando
suas casas no local do acampamento. Com o tempo, as famílias foram
crescendo, criando-se vínculo com a propriedade e desde então se
passaram aproximadamente 30 anos. Hoje, uma pequena vila, dotada de
infraestrutura como: asfalto, energia elétrica, mina e uma pequena
igreja. Esta área ocupada pelos moradores, corresponde aproximadamente a
26% do imóvel. O restante encontra-se livre.” Assim, aquele que por
mais de trinta anos, como no presente caso, tem como seu o imóvel,
tratando-o ou cultivando-o, tornando-o útil, não pode ser compelido a
desocupá-lo à instância de quem o abandonou. Na espécie, os réus
demonstraram a aquisição da posse do imóvel há mais de trinta anos, sem
qualquer oposição do DER. Destarte, demonstrado está que os réus, ora
apelados, não detinham apenas a mera detenção do bem, mas
verdadeiramente sua posse, como se donos fossem.
A teor do que ensina Maria Helena Diniz, a respeito da usucapião previsto no Código Civil:
“O usucapiente terá apenas de provar a sua posse.” E, ainda, a lição de
Tito Fulgêncio: “A prescrição, modo de adquirir domínio pela posse
contínua (isto é, sem intermitências), ininterrupta (isto é, sem que
tenha sido interrompida por atos de outrem), pacífica (isto é, não
adquirida por violência), pública (isto é, exercida à vista de todos e
por todos sabida), e ainda revestida com o animus domini, e com os
requisitos legais, transfere e consolida no possuidor a propriedade da
coisa, transferência que se opera, suprindo a prescrição a falta de
prova de título preexistente, ou sanando o vício do modo de aquisição”.
(Tito Fulgêncio. Da Posse e das Ações Possessórias, 7ª Edição, p. 450).
Constata-se ter sido preenchido não só o requisito temporal exigido no Código Civil,
como também a qualidade dos apelados de legítimos possuidores a título
próprio, da fração do imóvel objeto da presente demanda, sendo mister o
reconhecimento de seu direito à aquisição da sua propriedade pela
usucapião, ao contrário do que defende o apelante.
Ademais, cumpre ressaltar que malgrado os bens públicos não sejam passíveis de aquisição por usucapião (art. 183, § 3º, da CF;
art. 102, do Código Civil) o imóvel usucapiendo não está incluído em
área de domínio público, tanto que, conforme corretamente decidiu o d.
Magistrado “a quo”: “Importa salientar que, no caso concreto dos autos, a
viabilidade de se declarar a prescrição aquisitiva se encontra ainda
mais evidente, porque já existe uma lei em vigor autorizando
expressamente o DER a doar os imóveis em comento ao Município de Antônio
Dias, justamente para que este lhes dê uma destinação social,
promovendo o assentamento das famílias que estão no local, conforme se
verifica às fls. 264/266.”
No mesmo sentido, o entendimento deste eg. Tribunal de Justiça:
AÇÃO
DE USUCAPIÃO - BEM IMÓVEL - ÁREA MARGINAL À RODOVIA ESTADUAL -
IMPUGNAÇÃO DO DER/MG - RESPEITO À FAIXA DE DOMÍNIO - REGULAMENTAÇÃO DA
LEI QUE EXIGE RESERVA DA ÁREA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - INEFICÁCIA
POSITIVA DA NORMA - INAPLICABILIDADE. RESPEITO À ""AREA NON
AEDIFICANDI"" - USUCAPIÃO - POSSIBILIDADE - MERA IMPOSIÇÃO DE LIMITAÇÃO
ADMINISTRATIVA - RECURSO DESPROVIDO - DECISÃO CONFIRMADA. - Não restando
provada a regulamentação, pelo DER/MG (ente com circunscrição sobre a
rodovia estadual), da lei que contém disciplina geral acerca da reserva
de 'faixa de domínio' de áreas marginais a rodovias estaduais, impõe-se
reconhecer a ineficácia positiva da norma, ante a ausência de parâmetros
objetivos acerca da identificação e demarcação da área. - A exigência
legal de reserva de faixa não-edificável de 15 metros de cada lado das
rodovias implica mera limitação administrativa, com imposição de
obrigação de não-fazer, não representando óbice, portanto, à usucapião
da respectiva área. (Apelação Cível 1.0012.04.001688-8/001, Relator (a):
Des.(a) Eduardo Andrade, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/04/2010,
publicação da sumula em 21/05/2010)
CONSTITUCIONAL - USUCAPIÃO
EXTRAORDINÁRIO - POSSE ""AD USUCAPIONEM"" - PRAZO SUPERIOR A 20 (VINTE)
ANOS - OCORRÊNCIA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1 -
Se o autor comprova possuir o imóvel por prazo contínuo e superior a
vinte anos - nos termos do art. 1.238 do Código Civil
-, com ""animus domini"" e pacificamente, faz ele jus à aquisição
prescritiva. 2 - A existência de área 'non aedificandi' correspondente à
parte da faixa de domínio de rodovia estadual não impede a prescrição
aquisitiva do bem, por não se tratar de bem público, mas de bem
particular sujeito à limitação administrativa. 3 - Recurso não provido.
(Apelação Cível 1.0346.07.013776-2/001, Relator (a): Des.(a) Edgard
Penna Amorim, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/11/2011, publicação da
sumula em 27/01/2012)
PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA
DA DEMANDA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I
- Não se vislumbra a impossibilidade jurídica da demanda, pois,
malgrado os bens públicos não sejam passíveis de aquisição por usucapião
(art. 183, § 3º, da Constituição Federal;
art. 102, do Código Civil de 2002), o imóvel usucapiendo não está
incluído em área de domínio público. II - O fato de recair sobre a área
próxima à malha ferroviária, limitação administrativa consubstanciada na
obrigação de não fazer - não edificar -, não a torna bem de domínio
público, ao contrário, apenas implica a existência de imposição de
obrigação negativa sobre a propriedade particular. (Apelação Cível
1.0499.07.004302-5/001, Relator (a): Des.(a) Bitencourt Marcondes, 16ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/04/2009, publicação da sumula em
05/06/2009)
Portanto, estando presentes os requisitos da
usucapião, e não logrando o réu, ora apelante, demonstrar os fatos
alegados, é de se negar provimento ao recurso, confirmando a d. Sentença
fustigada.
Com estas considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas, “ex lege”.
DES. VERSIANI PENNA (REVISOR)
-
De acordo com o (a) Relator (a). DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI - De acordo
com o (a) Relator (a). SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"
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